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15:41, qui nov 21

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Artigo


Epoxidação do β-cariofileno com lipases imobilizadas em gel de ágar
Chemo-enzymatic epoxidation of β-caryophyllene using lipases immobilized in agar gel

Jaqueline M. R. da Silva; Maria da Graça Nascimento*

Departamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

Recebido em 18/12/2013
Aceito em 24/03/2014
Publicado na web em 30/06/2014

Endereço para correspondência

*e-mail: maria.nascimento@ufsc.br

RESUMO

The immobilization of enzymes and microorganisms on solid supports has been developed in recent years. These biocatalysts may be used in organic media allowing their storage and reuse, thus reducing costs of the process. Herein, lipases from various sources were immobilized in agar gel and used as catalysts in the chemo-enzymatic epoxidation of β-caryophyllene. Several experimental parameters, such as the use of different organic solvents including ionic liquids, time, temperature, and agitation rate were evaluated. The mono-epoxide was obtained as a single product. The best result was achieved using immobilized F-AP15 lipase, forming the corresponding β-caryophyllene epoxide at a conversion of 96% in an 8h reaction at 35 ºC.

Palavras-chave: immobilization; agar gel; epoxidation; β-caryophyllene.

INTRODUÇÃO

Lipases (triacilglicerol-hidrolase, EC 3.1.1.3) são enzimas ubíquas, pertencentes à família das serinas hidrolases, e podem ser encontradas em animais, plantas, fungos e bactérias.1 Estas enzimas, possuem muitas aplicações industriais, porque além de catalisar a hidrólise de triacilglicerois em glicerol e ácidos graxos, podem também realizar outras reações tais como esterificação, transesterificação, aminólise, alcoólise, tioesterificação e formação de peroxiácidos em solvente orgânico anidro, sistema bifásico e em solução micelar com alta especificidade.2,3 A habilidade das lipases em catalisar diversas reações que diferem da natural é conhecida como "promiscuidade enzimática".3

Por razões práticas e econômicas, o reuso de enzimas (e das lipases, em particular) deve também ser considerado.4 Para resolver este problema, nas últimas décadas foram desenvolvidos métodos de imobilização. O uso da tecnologia para imobilizar enzimas ganhou impulso por várias razões. Uma das principais vantagens é que ela permite a reciclagem e reutilização fácil, o que melhora significativamente a viabilidade comercial da enzima em comparação com a enzima livre.4,5

A imobilização envolve tipicamente a fixação ou dispersão de uma enzima ou célula em um material insolúvel, para formar um sistema heterogêneo.6 Os métodos de imobilização são, em geral, usados para proteger a enzima do meio reacional (aquoso, orgânico, ou aquorrestrito), promovendo assim a manutenção ou o aumento significativo na atividade catalítica. Além disso, outros benefícios são o aumento da uma maior estabilidade em valores de pH e de temperaturas diferentes, facilidade de controle de reação e separação do produto final.4-9

A escolha da matriz é muito importante para um bom desempenho do sistema com a enzima imobilizada. As características desejadas são uma boa área superficial, permeabilidade, hidrofilicidade, estabilidade química, mecânica e térmica, elevada rigidez, formas e dimensões adequadas, resistência ao ataque de microrganismos, além de permitir a reutilização. 5,10

Como exemplos de suportes podem ser mencionados as resinas acrílicas, caulinita, quitosana ativada com glutaraldeído, carvão ativado, álcool poli-vinílico, celulose, celite, poliestireno, nanopartículas magnéticas, ágar, entre outros.9,11,12

O ágar (mais corretamente ágar-ágar) é um colóide hidrófilo extraído a partir da parede celular de certas algas da classe Rhodophyceae. É um polissacarídeo que consiste de agarose, tendo a capacidade de gelificação. Possui aplicação como agente de gelificação em alimentos e na indústria farmacêutica, e é razoavelmente estável a ácidos, quando comparado com outros polissacarídeos, e não apresenta qualquer reatividade com proteínas. O custo deste material é baixo em comparação com os outros usados para a imobilização.13

O ágar utilizado como um suporte para as enzimas é facilmente manipulável. Li et al. estudaram a imobilização e estabilização de pectinase em gel de ágar. Após a imobilização, as curvas de pH e temperatura para a atividade da enzima, foram ligeiramente superiores em comparação com a da enzima livre. Além disso, as enzimas imobilizadas apresentaram maior estabilidade térmica em comparação com a forma livre.14

Como citado, as lipases, imobilizadas ou não, podem catalisar reações de síntese em meio orgânico. Um exemplo é a epoxidação de sistemas insaturados por meio da formação inicial de um ácido peroxicarboxílico, que pode ser obtido a partir do ácido carboxílico correspondente e o peróxido de hidrogênio, utilizando a lipase como catalisador.15 Esta reação é a base quimioenzimática para obter epóxidos a partir de diversos alcenos e vem sendo explorada nos últimos anos.3,15-18 A simplicidade do processo e eficiência da reação em temperatura e pressão normais permitem que a oxidação de ligações duplas ocorra in situ e, dependendo da estrutura do substrato e condições experimentais, é observada a regiosseletividade.19 Nessa reação não há necessidade de isolar o perácido, e, além disso, a reutilização do biocatalisador tem mostrado vantagens significativas para todo o processo.16,17,19

Uma classe de compostos olefínicos atraente para epoxidação são os terpenos. O β-cariofileno (BCP), um sesquiterpeno, é um substrato interessante devido aos seus centros estereogênicos, ligações duplas endo- e exocíclica e disponibilidade, sendo encontrado em muitos óleos essenciais de condimentos (pimenta, manjericão e cravo), em alguns alimentos e em plantas medicinais.20-22

A funcionalização de terpenos, tais como o β-cariofileno, mediada por lipases representa uma maneira importante para a valorização dos produtos naturais que formam compostos biologicamente ativos, tais como antifúngicos,23 antibactericidas,24 anti-inflamatórios,25 anti-inseticidas,26 e compostos com atividades citotóxicas.27

Apesar do monoepóxido do β-cariofileno ser um fármaco atraente e um composto agrícola, a sua origem é limitada a partir de algumas plantas tais como erva-cidreira (Melissa officinalis), eucalipto (Melaleuca stypheloides), e as dos gêneros Calocedrus, Achillea e Heteropyxis.23-27

Neste trabalho foram utilizadas lipases imobilizadas em gel de ágar e avaliados diversos parâmetros experimentais (lipases de diversas fontes, meio orgânico, tempo, temperatura e agitação) que influenciam na epoxidação quimioenzimática do β-cariofileno, visando a obtenção preferencial do monoepóxido (Esquema 1).

 


Esquema 1. Epoxidação quimio-enzimática do β-cariofileno

 

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais e métodos

Materiais

O ágar foi adquirido a partir da ISOFAR e o terpeno (β-cariofileno) da Sigma-Aldrich (80%). Os solventes acetonitrila (99,5%), clorofórmio (99,8%), etanol (EtOH) (99,5%), ciclo-hexano (99%), t-butanol (99%) e o ácido octanóico (99,5%) foram obtidos da Vetec; diclorometano (DCM) (99,5%), metanol (99,5%), e n-hexano (98,5%) da Synth, éter terc-butil metílico (MTBE) (99,9%) da Tedia, éter etílico (98%) da Chemis; acetato de etila (99,8%), N,N-dimetilformamida (DMF) (99%) e dimetilsulfóxido (DMSO) (99%) foram adquiridos do Grupo Química; acetona da Carlo Herba e tolueno (TOL) da Merck. Os líquidos iônicos (LIs) tetrafluoroborato de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][BF4] (97%), cloreto de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][Cl] (99%), hexafluorofosfato de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][PF6] (96%), tiocianato de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][SCN] (97%) e o brometo de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][Br](99%) foram obtidos da Fluka. O peróxido de hidrogênio aquoso a 30% de H2O2 (PHA) foi adquirido da Vetec. As lipases de Burkholderia cepacia (PS Amano - 30000 U/g), Rhizopus oryzae (F-AP15, 150 u/mg), de Candida rugosa (Amano AY 30, 30000 u/g), de Pseudomonas fluorescens (AK Amano 20, 25000 U/g), de Mucor javanicus (M Amano 10, 10000 u/g) e as lipases AS Amano e AYS Amano, que não tiveram sua procedência informada nas fichas técnicas, foram doadas por Amano Pharmaceuticals Co. As três lipases nativas de Aspergilius niger (LAN 18,2 U/mL), Rhizopus oligosporus (LRO 14,9 U / mL) e de Mucor hiemalis (lipase 32 26,4 U/mL) foram isoladas e caracterizadas a partir de microrganismos do solo na região de Bueno Brandão (MG, Brasil) e gentilmente doadas pela Profª. Drª. Patricia O. Carvalho (USF-Bragança Paulista, SP).28,29

Preparação do gel

Em um béquer de 100 mL foram adicionadas 0,4 g de ágar, 1 mL de água e o sistema foi deixado no ultrassom por 3 min. Depois de 3 min completou-se com 7 mL de água fervente. Quando o sistema tornou-se transparente, deixou-se gelificar, até atingir uma temperatura de aproximadamente 30 ºC, e em seguida adicionou-se 50 mg das lipases dissolvida em 2 mL de água. Após o resfriamento obteve-se um gel consistente e, com auxílio de uma espátula, este foi passado por uma peneira fina, obtendo-se assim pedaços pequenos de gel de ágar com enzima. Os pedaços de gel foram guardados em solvente orgânico, para uso posterior. Também foi preparado um gel controle, sem a lipase, conforme o procedimento acima.

Procedimento geral para a epoxidação quimio-enzimática de b-cariofileno

Em uma reação típica de epoxidação quimioenzimática, foram colocados em um Erlenmeyer 0,6 mL (2,5 mmol) de β-cariofileno, 1,2 mL de PHA, 0,16 mL (1,0 mmol) de ácido octanóico e 10 mL de solvente orgânico com os pedaços de gel. A reação foi agitada a 150 rpm, à temperatura ambiente, durante 24 h. As amostras de reação foram recolhidas periodicamente e analisadas por cromatografia a gás (GC) (Agilent 7820 Tecnologia A) equipado com um detector de ionização de chama. A separação foi realizada utilizando uma coluna de Shimadzu CBP-5-M25-025m, com um programa de temperatura da coluna de 80-250 ºC (10 ºC/min). A temperatura do injetor e do detector foi definida como 280 ºC e 290 ºC, respectivamente. A taxa de fluxo de gás de hidrogênio foi de 7 mL min-1, resultando em um tempo de análise de 10 min (1 Rt = 6,5 min, 2 Rt = 8,5 min). Para se obter o produto puro, a mistura reacional foi lavada com Na2CO3 saturado e purificada por cromatografia em coluna utilizando uma mistura de n-hexano:acetato de etila (7:3 v/v) como eluente. O produto foi caracterizado por RMN de 1H e 13C e os dados espectroscópicos foram comparados com os descritos na literatura.30

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação do uso de diferentes lipases

O primeiro estudo realizado foi a avaliação da eficiência das enzimas imobilizadas, ou livres, em gel de ágar, em epoxidar o substrato (1) ao produto (2). Foram usadas sete lipases comerciais e três oriundas de microrganismos do solo na região de Bueno Brandão (LRO, LAN e Lipase 32). Ao utilizar as lipases comerciais como catalisadores, observou-se a formação apenas do monoepóxido (2), e os resultados estão apresentandos na Tabela 1.

 

 

Como pode ser observado na Tabela 1, as conversões do β-cariofileno ao respectivo epóxido utilizando as diferentes lipases imobilizadas variaram de 2 a 15%, sendo que o melhor resultado foi obtido com a lipase F-AP15 (15%). Nos estudos iniciais, utilizou-se diclorometano como meio reacional. Pode se observar também que ao utilizar as lipases não-imobilizadas, as conversões de (1) a (2) foram superiores. Por exemplo, ao usar as lipases F-AP15 e PS Amano, as conversões foram de 16%, e após imobilização foram de 15 e 8%, respectivamente (Tabela 1, entradas 1 e 2). Ao usar as lipases AK Amano 20, M Amano 10 e AY Amano 30 na forma livre, as conversões ao monoepóxido (2) foram de aproximadamente 25%. Após imobilização, estes valores foram de 2 a 6% (Tabela 1, entradas 3-5).

Ao usar as lipases AS Amano e AYS Amano nas formas livre ou imobilizada, as conversões ao produto (2) foram <5% (Tabela 1, entradas 6 e 7). Resultados similares foram obtidos ao utilizar as lipases nativas LRO, LAN e Lipase 32 (dados não mostrados na Tabela 1).

Em geral, as conversões ao produto (2) foram menores ao usar as lipases imobilizadas. Isso se deve, provavelmente, ao fato que após imobilização o catalisador pode não assumir as modificações estruturais adequadas e necessárias, que favoreçam o encaixe adequado do substrato no sítio ativo, bem como a limitações na difusão do substrato ao sítio ativo.19,31,32

Não existem regras específicas para prever a atividade e estabilidade de uma enzima mediante à imobilização, podendo este processo inibir ou ativar a atividade. O que se pode afirmar é que a maioria das lipases imobilizadas apresentam maior resistência à temperatura e a diferentes solventes que as livres, além de permitir a reutilização. Esta observação é atribuída ao fato de que as enzimas imobilizadas são menos sensíveis à desativação, pois a estrutura se torna mais rígida.31,33

A partir destes resultados, foi selecionada a lipase F-AP15 imobilizada em gel de ágar para avaliar outros parâmetros reacionais com o intuito de obter maiores conversões do substrato (1) ao monoepóxido (2).

Efeito do meio orgânico

Como pode ser observado na epoxidação químioenzimática do β-cariofileno19 e do citronelol34 o efeito do meio orgânico é um fator importante na formação dos epóxidos. Portanto, a seguir avaliou-se a influência do meio ao utilizar a lipase F-AP15 imobilizada em gel de ágar. Foram utilizados dezesseis solventes orgânicos com diversos valores de Log P. O Log P é definido como o logaritmo do coeficiente de partição do solvente no sistema octanol/água, e é o parâmetro mais usado para verificar a influência dos solventes em reações biocatalisadas. Considera-se que os solventes com log P >4,00 (não polares) são os mais eficientes para estas reações. Os solventes com log P entre 2,00 e 4,00 são moderadamente eficazes e os polares com log P <2,00 muitas vezes não são adequados.35 Os resultados obtidos de conversão a (2) usando os diferentes solventes orgânicos estão apresentados na Tabela 2.

 

 

Quando foram usados n-hexano e ciclo-hexano, as conversões de (1) em (2) foram de 88%. Utilizando tolueno e MTBE as conversões foram de ~50%. Ao usar acetonitrila, etanol, clorofórmio, acetato de etila, éter etílico e diclorometano as conversões do substrato (1) ao produto (2) foram < 35%. Ao empregar THF, acetona, metanol, DMF e DMSO como solventes não foi detectada a formação de (2). (Tabela 2, entradas 10,11,14,15 e 16)

Pode-se observar também que, com exceção da reação que utilizou acetonitrila como solvente (Tabela 2, entrada 13), as conversões de (1) em (2) estão relacionadas com o Log P, conforme proposto por Laane.35 O resultado obtido com esse solvente é inesperado baseando-se apenas na polaridade do solvente. Entretanto, deve-se considerar também a solubilização do peróxido de hidrogênio neste meio, essencial para a formação do peroxiácido e, além disso, o uso de H2O2 aquoso pode ter proporcionado o teor de água necessário para manter a atividade da enzima. Resultado similar foi obtido na epoxidação quimioenzimática do (+)-3-careno.18

Com objetivo de aumentar a conversão em (2), avaliou-se a influência do uso de líquidos iônicos (LIs) derivados do imidazol em misturas com solventes orgânicos. Os LIs usados foram tetrafluoroborato de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][BF4], hexafluorofosfato de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][PF6], tiocianato de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][SCN], cloreto de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][Cl] e brometo de 1-butil-3-metil-imidazólio [BMIM][Br], na proporção 9:1 (v:v). A escolha desta composição foi baseada em trabalhos da literatura que utilizaram estes LIs na resolução da (R,S)-feniletilamina36 e na obtenção de oxaziridinas.37 Foram selecionados cinco solventes com diferentes valores de Log P, sendo estes o tolueno (TOL), éter t-butil metílico (MTBE), diclorometano (DCM), etanol (EtOH) e acetonitrila (ACN). Ao utilizar estes solventes puros, as conversões de (1) em (2) foram próximas ou inferiores a 50%. Os resultados das conversões de (1) a (2) utilizando mistura dos solventes com os LIs estão apresentados na Tabela 3.

 

 

As misturas MTBE:LIs ou TOL:LIs (Tabela 3, entradas 1 e 2) apresentaram efeitos negativos em comparação com o uso de solventes puros. Na ausência de LIs, as conversões ao produto (2) foram de 49 e 52%, respectivamente, e ao empregar estas misturas as conversões variam de 3-16% e 2-34%. As maiores conversões ao produto (2) foram obtidas quando foram utilizadas misturas de MTBE/[BMIM][PF6] e TOL/[BMIM][PF6], sendo de 16% e 34%, respectivamente.

Os dados obtidos com DCM (Tabela 3, entrada 3) não apresentaram mudanças significativas, pois ao usar o solvente puro a conversão de (1) a (2) foi de 15%, e o mesmo resultado foi obtido ao empregar a mistura DCM:[BMIM][SCN]. Ao usar a mistura de DCM com [BMIM][BF4] e [BMIM][PF6], as conversões do β-cariofileno ao monoepóxido foram <10%.

Quando foi utilizado EtOH (Tabela 3, entrada 4) a conversão de (1) a (2) foi de apenas 5%, e ao usar este solvente em mistura com os diferentes LIs, as conversões ao produto (2) aumentaram. O maior valor foi obtido usando o LI [BMIM][SCN] (31%), seguido por [BMIM][BF4] (23%) e [BMIM][PF6] (21%).

Pode-se observar nos dados da Tabela 3 (entrada 5) que na presença de ACN como solvente sem adição de LI a conversão do produto (1) ao (2) foi de 34%, e ao usar a mistura de ACN com os LIs [BMIM][BF4] e [BMIM][PF6] as conversões do β-cariofileno ao monoepóxido aumentaram para 64 e 40%, respectivamente. Ao empregar ACN com [BMIM][SCN] a conversão de (1) a (2) foi de apenas 10%. Vale salientar que, ao utilizar as misturas dos diversos solventes orgânicos com os LIs [BMIM][Br] e [BMIM][Cl], não foi detectada formação do produto (2).

Observou-se que o aumento das conversões em (2) ao usar misturas de solvente orgânico com os LIs [BMIM][SCN], [BMIM][BF4] e [BMIM][PF6] em relação aos solventes puros foi dependente da polaridade do LI, bem como do solvente. Betti et al. relataram que a nucleofilicidade de uma série representativa de ânions associados com cátions imidazólios é dependente da interação com o cátion, bem como com o conteúdo de água presente no meio.38 Esta observação permite sugerir porque o melhor resultado foi obtido ao utilizar misturas de acetonitrila com os diferentes LIs. Além disso, os líquidos iônicos, e em particular os ânions, formam fortes ligações de hidrogênio que auxiliam na interação enzima-substrato, e essas ligações podem ser estabilizadas na presença de solventes polares.39 Outros parâmetros tais como a viscosidade e transferência de massa também devem ser considerados e podem aumentar ou reduzir a atividade enzimática.40

Apesar de ter obtido aumentos nas conversões de (1) em (2) utilizando acetonitrila e etanol como solvente, o gel, bem como os liquidos iônicos, não puderam ser reutilizados na avaliação de outros parâmetros. Os líquidos iônicos interagiram fortemente com o gel de ágar, não sendo possivel a separação e recuperação adequada do meio reacional. Além disso, observou-se alteração no aspecto macroscópico do gel.

Portanto, na avaliação de outros parâmetros, tais como o efeito do tempo, da temperatura e da velocidade de agitação, optou-se por utilizar n-hexano e ausência de LIs.

Vale salientar que a reação de epoxidação com a enzima F-AP15 não imobilizada foi realizada em n-hexano, e não houve conversão do β-cariofileno ao respectivo epóxido. Nesse sentido pode-se observar que o gel protege a lipase do meio orgânico e do agente oxidante, permitindo que ela catalise a reação.

Estudo do tempo e da temperatura

O próximo estudo realizado foi a avaliação do tempo de reação. Os dados de conversão ao monoepóxido do β-cariofileno estão apresentados na Figura 1.

 


Figura 1. Influência do tempo na epoxidação quimio-enzimática do β-cariofileno. [Cond. Reac.: β-cariofileno (2,5 mmol), PHA (5,0 mmol, 30%), ácido octanóico (1,0 mmol), lipase F-AP15 (50 mg) imobilizada em gel de agar (0,4 g de ágar/10 mL de água) n-hexano (10 mL), t.a., 150 rpm.]

 

Observa-se pelos dados da Figura 1 que houve um aumento na conversão em (2) em função do tempo. A maior conversão em (2) foi obtida em 12 h, sendo de 96%. A partir desse tempo os valores de conversões diminuíram um pouco e, após 24 h, foi de 88%.

Outro parâmetro que influencia as reações quimioenzimáticas é a temperatura. A temperatura afeta a velocidade de uma reação catalisada por enzimas e pode influenciar na atividade, seletividade e estabilidade do biocatalisador, bem como no equilíbrio da reação.31

Para avaliar a influência do tempo e da temperatura nesta reação, estas variáveis foram analisadas conjuntamente, em uma superfície de resposta. Foram selecionados três tempos de reação (4, 8 e 12 h) e cinco temperaturas (20, 25, 30, 35 e 40 ºC), e os resultados estão apresentados na Figura 2.

 


Figura 2. Influência do tempo e da temperatura na epoxidação quimio-enzimática do β-cariofileno. [Cond. Reac.: β-cariofileno (2,5 mmol), H2O2 (5,0 mmol, 30%), ácido octanóico (1,0 mmol), lipase F-AP15 (50 mg) imobilizada em gel de agar (0,4 g de ágar/10 mL de água) hexano (10 mL), 150 rpm.]

 

A Figura 2 corrobora com a Figura 1, pois com o aumento do tempo, a conversão de (1) em (2) também aumentou. Em todas as temperaturas estudadas, as conversões do reagente (1) ao produto (2) aumentaram até 35 ºC e, após este valor, diminuiu. Por exemplo, em 4 h, à 20 ºC, a conversão foi de 35%, em 35 ºC foi de 52% e em 40 ºC foi de 35%. Em 8 h, as conversões aumentaram de 68 a 96% nas temperaturas de 20 a 35 ºC, e diminuiu para 64% a 40 ºC. Em 12 h, as variações nas conversões foram menores, sendo de 78% a 20 ºC, 91% a 35 ºC e 78% a 40 ºC. O maior valor de conversão de (1) em (2) foi obtido em 8 h a 35 ºC, sendo de 96%.

Pode-se observar que nas temperaturas analisadas, independentemente do tempo, as menores conversões foram obtidas em 40 ºC. Em temperaturas mais elevadas, a energia de desnaturação supera a energia de ativação para catálise enzimática, tornando o processo de desnaturação da enzima mais rápido.31

Influência do tipo de agitação

O modo e a intensidade da agitação em reações com enzimas imobilizadas ou não são importantes, pois estes podem definir a quantidade de enzima que estará disponível para catalisar a reação. A transferência de massa de enzima pode ser um fator limitante, pois apenas com aumento da velocidade de agitação pode ocorrer uma redução ou aumento na transferência de massa dependendo da enzima e do suporte utilizado.41

Para avaliar este parâmetro, as reações foram realizadas em diferentes agitadores (tipo Dubdoff, orbital e magnético) e velocidades de agitação (rpm). Os resultados obtidos estão apresentados na Figura 3.

 


Figura 3. Conversão (%) do cariofileno (1) em epóxido (2) em diferentes agitadores e rotações. Cond. Reac.: β-cariofileno (2,5 mmol), H2O2 (5,0 mmol, 30%), ácido octanóico (1,0 mmol), lipase F-AP15 (50 mg) imobilizada em gel de agar (0,4 g de ágar/10 mL de água) hexano (10 mL)

 

Quando foi utilizado o agitador tipo Dubdoff, as conversões de (1) em (2) não apresentaram relação direta com a velocidade de agitação, sendo que o melhor resultado foi obtido em 30 rpm (88%). Ao usar o agitador orbital, as conversões aumentaram com a velocidade de agitação, sendo que em 150 rpm a conversão ao produto (2) foi de 96%. Com o agitador magnético, as conversões aumentaram com a velocidade de agitação até 90 rpm (80%), e posteriormente diminuiram (61-55%).

Conforme descrito por Oliveira et al., na esterificação enzimática do ácido oleico e etanol e em taxas mais baixas de agitação, o equilíbrio para a conversão dos reagentes ao produto leva mais tempo para ser atingido e, assim, mais tempo para a reação a ser completada. Em velocidades mais elevadas, como 120-150 rpm, o sistema pode exibir um vórtice (movimento espiral ao redor de um centro de rotação), que diminui a quantidade de solvente disponível para reação e, consequentemente, diminui a conversão ao produto.42

A partir destes resultados e dos melhores obtidos nos estudos anteriores (lipase F-A15, hexano, 8h, 35 ºC), observou-se que o uso do agitador orbital com a velocidade de agitação de 150 rpm foi o sistema mais adequado para a obtenção seletiva do monoepóxido (2) em conversão alta.

 

CONCLUSÃO

O gel de ágar mostrou-se resistente na reação de epoxidação quimioenzimática do β-cariofileno (1). Houve a formação seletiva de um único produto, o monoepóxido do β-cariofileno (2). As conversões de (1) a (2) foram dependentes da procedência da lipase, meio orgânico, tempo, temperatura e agitação. Quando a lipase F-AP15 foi utilizada, a conversão do reagente (1) ao produto (2) aumentou de 16% na forma livre a 96% quando imobilizada em 8h de reação a 35 ºC, 150 rpm e em n-hexano. Foram testadas misturas de solventes orgânicos com LIs, e o melhor resultado obtido foi com ACN:[BMIM][BF4] 9:1 (v;v), sendo que a conversão de (1) a (2) aumentou de 34% (sem LI) para 64%. Finalizando, o método de imobilização empregado mostrou-se vantajoso, sendo que foi observado a manutenção da atividade catalítica mesmo na presença de meio orgânico, com e sem LIs, e do agente oxidante.

 

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi financiado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-Brasil), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-Brasil), CAPES e INCT-Catálise, que forneceram apoio financeiro e bolsa de estudo. Agradecemos também à Amano Pharmaceutical Co (Japão), Novozymes (Brasil) e à Profª. Dra. Patricia O. Carvalho da Universidade São Francisco (USF-Brasil) pela doação das lipases.

 

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