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Química verde: a evolução de um conceito Green chemistry: the evolution of a concept |
Eduardo F. Sousa-AguiarI; Joao M. A. R. de AlmeidaII; Pedro N. RomanoII,*; Rodrigo P. FernandesII; Yuri CarvalhoII
ICENPES/Petrobras, Cidade Universitária, 21949-900 Rio de Janeiro - RJ, Brasil Recebido em 06/03/2014 *e-mail: pedronromano@gmail.com The topic "Green Chemistry" has gained great importance over recent years, being quoted in an increasing number of publications. This fact shows how concern over developing "greener" processes has played a prominent role in the scientific community. In this context, the scope of this work encompasses an analysis of the evolution of the theme since its conception to the present. This analysis elucidates how bibliographic output on "Green Chemistry" is distributed worldwide. Moreover, the main journals on the subject were listed and ranked, according to impact factor. INTRODUÇÃO Química verde ou química para o desenvolvimento sustentável é um campo emergente que tem como objetivo final desenvolver as ações científicas e/ou processos industriais ecologicamente corretos.1 O movimento relacionado com o desenvolvimento da Química Verde começou no início dos anos 1990, principalmente nos Estados Unidos, Inglaterra e Itália, com a introdução de novos conceitos e valores para as diversas atividades fundamentais da química, bem como para os diversos setores da atividade industrial e econômica correlatos.1 Em 1987, divulgou-se o documento Our Common Future ou, como é mais conhecido, Relatório Brundtland. O relatório foi elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento e introduziu o conceito de desenvolvimento sustentável como aquele que "satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades".2 A Química Verde tem por objetivo a viabilização de processos e produtos de maneira a evitar ou minimizar o impacto negativo causado ao homem e ao meio-ambiente. Os avanços na área visam a aumentar a segurança dos processos e também resolver questões mundiais como a mudança climática, produção de energia, disponibilidade de recursos hídricos, produção de alimentos e a emissão de substâncias tóxicas ao meio-ambiente.3 O progresso na Química Verde tem sido alcançado em diversas linhas de pesquisa, como na catálise,4 formulação de solventes menos nocivos ao ambiente e desenvolvimento de processos que utilizam matérias-primas renováveis.3,5 Além das linhas mais tradicionais, existem ainda diversos estudos relacionados a novas áreas da química, como, por exemplo, a sonoquímica, que busca aumentar rendimentos e reduzir gastos com insumos através do uso de ultrassom.6 Atualmente, o conceito de verde, ou sustentável, é, na opinião de diversos governantes e pesquisadores, essencial para alcançar metas sociais, ambientais e até mesmo econômicas. Por esse motivo, foram criados programas e centros de pesquisa focados no desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis em todo o mundo.3 Principalmente na última década, o número de centros de pesquisa em química verde se multiplicou, disciplinas de química e engenharia verde foram criadas em diversas universidades, e até mesmo cursos de graduação voltados integralmente para a área foram abertos.7 Segundo Clark,8 a busca por tecnologias mais limpas é acompanhada pelo surgimento de novos desafios. Entretanto, esses desafios abrem portas para oportunidades de novas descobertas em química. Além disso, com o conceito de química verde, surge a oportunidade de recuperar a imagem, muito manchada, da indústria química. Segundo Seidl et al.,9 existem três grandes categorias nas quais se encaixam os produtos e processos da Química Verde: o uso da matéria-prima renovável (biomassa) ou reciclada; aumento da eficiência energética, que significa consumir menos energia para produzir a mesma ou maior quantidade de produto; e a eliminação de substâncias persistentes, bioacumulativas e tóxicas. Poliakoff et al.10 citam diversos exemplos de aplicações dentro dessas categorias que já estão sendo exploradas na indústria química. Por exemplo, o uso de CO2 como reagente,11 o que reduz o consumo de petróleo e as emissões do gás na atmosfera e a redução no uso de solventes orgânicos, promovendo reações que utilizam apenas os reagentes e catalisadores. Além disso, pode-se destacar também o uso de enzimas em substituição a catalisadores químicos, demandando menos energia para os processos. No cenário atual há uma grande taxa de geração de bibliografia na área de Química Verde. Portanto, o objetivo geral desse trabalho é fornecer uma análise dessa produção de acordo com a qualidade e um mapeamento do desenvolvimento do conceito ao redor do mundo. Esses resultados são extremamente úteis para auxiliar a busca daqueles que estão para iniciar um trabalho, ou que desejem se aprofundar no tema. O índice de impacto e a qualidade das revistas O índice de impacto de um periódico é uma métrica utilizada para refletir o número médio de citações que uma publicação do mesmo recebe. Como o número de citações está intimamente relacionado à importância de uma publicação, o índice de impacto é frequentemente utilizado para classificar os periódicos quanto à sua qualidade. Qualis da Capes Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. A classificação de periódicos é realizada pelas áreas de avaliação e passa por processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1 (o mais elevado), A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C (com peso zero). Um mesmo periódico pode receber diferentes avaliações dependendo da área em que está classificado. O Web Qualis é o aplicativo que permite a classificação e consulta ao Qualis das áreas, bem como a divulgação dos critérios utilizados para a classificação de periódicos.12
METODOLOGIA A primeira etapa da pesquisa foi procurar por resultados utilizando diferentes palavras-chave como: "green chemistry", "sustainable chemistry" e "clean chemistry". Para isso, foi utilizada como ferramenta de busca a base de dados Web of Science,13 na qual foi obtido o número de artigos publicados para cada palavra-chave e para todos os anos desde o primeiro ano de citação de cada uma. Com essa informação foi possível construir um gráfico mostrando a evolução do número de publicações para cada palavra-chave ao longo dos anos e, de posse desses dados, escolher o termo que melhor se refere ao tema. Partindo-se da palavra-chave selecionada no método anterior, foram classificados os periódicos que contém o maior número de artigos publicados que citam o tema "Química Verde". Esses periódicos foram classificados não só pelo número de artigos, mas também pelo seu índice de impacto. Além disso, as revistas também foram catalogadas segundo seu conceito no Qualis da Capes para as áreas de Engenharias II e Química.12 Com a intenção de analisar as contribuições de cada país, uma nova busca foi feita utilizando o termo "green chemistry", filtrando por país de origem. A pesquisa restringiu-se apenas aos países com mais de 20 artigos publicados no tema em todo o horizonte temporal (1990-2013). Com isso foi possível identificar os países que mais publicam, mas sem levar em consideração o impacto dessas publicações. Portanto, para permitir uma análise mais aprofundada com relação à distribuição mundial dos artigos que citam "green chemistry", gerou-se uma série de relatórios de citações utilizando a ferramenta do Web of Science,13 que permite calcular a quantidade de citações para uma dada busca. De posse desses dados, foi possível calcular uma média de citações por artigo para cada país, ou seja, um "índice de impacto" para o país.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Busca por palavra-chave Após a realização de uma busca na plataforma Web of Science13 por diferentes palavras-chave, foi possível analisar a evolução na utilização de cada uma destas e verificar qual o termo mais empregado quando se trata de trabalhos relacionados à química verde. A) "Green chemistry" Na Figura 1 encontra-se um gráfico demonstrando a evolução, ao longo do tempo, do número de publicações fazendo uso da palavra-chave "green chemistry".
Figura 1. Evolução das publicações utilizando como palavra-chave "green chemistry"
É possível observar que o primeiro artigo utilizando o termo "green chemistry" foi publicado no ano de 1990. Até o ano de 1998, o número de artigos manteve-se praticamente constante, apresentando um aumento pouco significativo. A partir desse ano, houve um aumento exponencial desse número, quase atingindo a marca de 800 artigos no ano de 2013. Posto isso, é possível afirmar que a palavra-chave "green chemistry" tornou-se uma referência em trabalhos relacionados a Química Verde, como, a princípio, era de se esperar. B)"Sustainable chemistry" Na Figura 2 encontra-se um gráfico demonstrando a evolução, ao longo do tempo, do número de publicações fazendo uso da palavra-chave "sustainable chemistry".
Figura 2. Evolução das publicações utilizando como palavra-chave "sustainable chemistry"
Diferentemente do item anterior, o termo "sustainable chemistry" foi utilizado pioneiramente no ano de 1998. Porém, a palavra-chave também se tornou uma referência em trabalhos de Química Verde apresentando um crescimento marcante nos anos decorrentes. No ano de 2013, existiam cerca de 120 publicações fazendo uso do conceito. C)"Clean chemistry" Na Figura 3 encontra-se um gráfico demonstrando a evolução, ao longo do tempo, do número de publicações fazendo uso da palavra-chave "clean chemistry".
Figura 3. Evolução das publicações utilizando como palavra-chave "clean chemistry"
A expressão "clean chemistry" foi trazida à tona pela primeira vez em 1991 com a publicação de um artigo na revista Chemistry & Industry. Entretanto, diferentemente dos termos anteriores, a palavra-chave em questão não teve uma utilização consistente, tendo seu uso oscilado em poucos artigos durante os anos. Em 2013, nenhum artigo fez uso do termo, mostrando que o mesmo não conseguiu se difundir e se firmar como uma possível palavra-chave para os trabalhos de Química Verde. Revistas que mais publicam em Química Verde Uma vez que se observou que o termo "green chemistry" é o mais utilizado como palavra-chave em publicações nessa linha, construiu-se a Tabela 1 que mostra o ranking de periódicos que mais publicam em Química Verde fazendo uso do mesmo.
A partir da análise da Tabela 1, é possível observar que nas primeiras posições encontram-se os periódicos Green Chemistry, Tetrahedron Letters e Advanced Synthesis & Catalysis. Vale ressaltar que a revista Química Nova encontra-se em 17º lugar com cerca de 50 publicações na linha de pesquisa, sendo o periódico brasileiro mais bem colocado. A Figura 4 mostra um gráfico com o índice de impacto dos periódicos que mais publicam no tema Química Verde. Os resultados mostram que a maioria desses periódicos apresenta um índice de impacto maior que 2. Além disso, é importante observar que há mais de seis periódicos na lista que possuem índice de impacto maior que 5, mostrando que nesse conjunto aparecem revistas altamente respeitadas com alto número de citações como a Angewandte Chemie.
Figura 4. Índice de impacto dos periódicos que mais publicam no tema Química Verde
"Índice de impacto" dos países De forma a avaliar a distribuição do número de publicações pelos diferentes países e identificar os maiores difusores de conhecimento na área de química verde, construiu-se a Tabela 2 com o objetivo de medir a participação de cada país na divulgação do conhecimento dessa área. Como métrica para essa participação utilizou-se o que definimos como o "índice de impacto" por país, que consiste na divisão entre o número de citações referentes aos artigos produzidos no país pelo número total de artigos publicados no país. A tabela foi construída com os 30 primeiros países no quesito "índice de impacto".
Ao analisar a Tabela 2, pode-se observar que a Holanda lidera com uma média de 39 citações por artigo publicado, seguida do Reino Unido e Japão. Apesar de países como Estados Unidos, China e Índia liderarem o ranking do número de publicações, a tabela mostra que os artigos publicados por esses países não são tão referenciados quando comparados com os de outros países que publicam menos, mas possuem uma média alta de citações por artigo. Como exemplo, a Dinamarca apresenta um número muito baixo de publicações, com apenas 20, mas se destaca com uma média de aproximadamente 22 citações por artigo, o que lhe garante a quarta posição no ranking do "índice de impacto". No caso do Brasil, sua posição não é muito prejudicada quando a classificação é feita por número de publicações, colocando-o em 11º no ranking. Porém, quando o critério utilizado é o "índice de impacto", sua posição cai para 26º. Classificação dos periódicos de acordo com o Qualis da CAPES Dentre os periódicos mais atuantes listados no item anterior, realizou-se uma pesquisa utilizando o Qualis da CAPES12 a fim de avaliar a qualidade das revistas mais importantes na área de Química Verde. A Tabela 3 mostra a classificação das mesmas junto a CAPES.
Como é possível observar na Tabela 3, a maior parte das revistas está classificada como revistas A1, tanto na área de Engenharias II quanto na área de Química, classificação esta que representa a maior pontuação possível junto à CAPES. Da listagem total, somente um periódico, em cada área, apresenta conceito C, a menor pontuação do Qualis. A Figura 5 apresenta um gráfico mostrando a distribuição dos conceitos Qualis para os principais periódicos atuantes na área de Química Verde.
Figura 5. Distribuição dos conceitos Qualis para os principais periódicos atuantes em Química Verde
Analisando a Figura 5, percebe-se que, na área de Engenharias II, mais de 50% das revistas apresenta classificação A, enquanto somente 8% apresentam classificação C. No que tange a área da Química, o percentual de revistas A encontra-se abaixo dos 50%, porém ainda assim próximo desse valor. Cerca de 75% dos periódicos, nessa mesma área, estão classificados com os três maiores índices do Qualis (A1,A2,B1). Tais informações mostram que os periódicos relacionados à área de Química Verde são de qualidade reconhecida.
CONCLUSÃO Os resultados deste trabalho mostram claramente que o tema Química Verde vem ganhando destaque na comunidade científica ao longo dos últimos anos. Isso fica evidente quando se analisa o crescimento expressivo do número de artigos ligados ao tema no período entre 1990 e 2013. Além disso, é possível observar que periódicos científicos com fatores de impacto maiores que 15, como a Science, publicam artigos relacionados ao assunto, também é importante ressaltar que existem periódicos dedicados a Química Verde como a Green Chemistry que apresentem um alto fator de impacto. Com relação à distribuição geográfica da produção em Química Verde, fica evidente a liderança de países como os EUA e a Inglaterra. Analisando a origem dos periódicos de maior impacto na área é possível notar que Alemanha, Reino Unido e EUA são os principais países de origem dos mesmos. Tais países também apresentam índices de impacto elevados, o que demonstra a grande participação dos mesmos na área de Química Verde. Quanto ao Brasil, é possível notar que, apesar de já existir um número de artigos considerável tratando sobre o assunto, a produção brasileira é pequena e pouco citada se comparada à do Reino Unido, por exemplo. Por esse motivo é importante incentivar que mais pesquisadores se dediquem ao tema e desenvolvam pesquisa de alto nível, publicando seus trabalhos em periódicos com bom fator de impacto. Nesse contexto, é necessário ressaltar que o Web Qualis da CAPES12 é uma boa ferramenta para se consultar antes de se submeter um trabalho na área, já que de maneira geral as revistas bem classificadas no Qualis são periódicos com um bom fator de impacto, representando um conveniente meio de divulgação para o trabalho.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à CAPES e ao CNPQ pelo apoio financeiro.
REFERÊNCIAS 1. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos; Química Verde no Brasil 2010-2030, CGEE: Brasília, 2010 (ISBN 978-85-60755-31-8). 2. Brundtland, H. G.; Our Common Future: The World Commission on Environment and Development, United Nations: Oxford, 1987. 3. Anastas, P. T.; Kirchhof, M. M.; Acc. Chem. Res. 2002, 35, 686. 4. Sheldon, R. A.; Chem. Commun. 2008, 29, 3352. 5. Mohanty, A. K.; Misra, M.; Drzal, L. T.; J. Polym. Environ. 2002, 10, 19. 6. Cintas, P.; Luche, J-L.; Green Chem. 1999, 1, 115. 7. Anastas, P.; Eghbali, N.; Chem. Soc. Rev. 2010, 39, 301. 8. Clark, J. H.; Green Chem. 1999, 1, 1. 9. Seidl, P. R.; Borschiver, S.; Freire, E.; Mota, C. J. A.; Rev. Bras. Eng. Quim. 2011, 27, 13. 10. Poliakoff, M.; Fitzpatrick, J. M.; Farren, T. R.; Anastas, P. T.; Science 2002, 297, 807. 11. Zonetti, P. C.; Letichevsky, S.; Gaspar, A. B.; Sousa-Aguiar, E. F.; Appel, L. G.; Appl. Catal., A 2014, 475, 48. 12. http://www.qualis.capes.gov.br, acessada em Janeiro 2014. 13. http://www.webofknowledge.com, acessada em Janeiro 2014. |
On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
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