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19:44, sáb dez 14

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Nota Técnica


Efeitos da rugosidade superficial nas propriedades de passivação de monocamadas orgânicas automontadas
Effects of surface roughness on properties of passivation of self-assembled organic monolayers

Tiago A. BenitesI; Willian C. RibeiroI; Márcio S. GóesII; Antonio A. P. FerreiraI; Paulo R. BuenoI,*

IDepartamento de Físico-Química, Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista 14801-970 Araraquara - SP, Brasil
II Universidade Federal da Integração Latino-Americana 85867-970 Foz do Iguaçu - PR, Brasil

Recebido em 09/01/2014
Aceito em 14/07/2014
Publicado na web em 28/08/2014

Endereço para correspondência

*e-mail: prbueno@iq.unesp.br

RESUMO

Precise surface area is needed for accurate characterization of self-assembled monolayers (SAMs) on metallic surfaces. The aim of this manuscript was to emphasize that miscalculation of surface area is the major source of errors in SAM electrochemical characterization. Limitations are discussed and recommendations given for beginners in analyses of SAM functionalized electrodes. The electrochemical measurements and examples were based on bare gold electrode immobilized with dodecanethiol. The degree of compression of the monolayer properties of formation and reproducibility of the electrochemical response depends on roughness factor, with values closer to the unit being better.

Palavras-chave: self-assembled monolayers (SAMs); roughness; cyclic voltammetry.

INTRODUÇÃO

As monocamadas automontadas (SAMs do inglês: self-assembled monolayers) são definidas como filmes de espessura monomolecular, constituídos por moléculas orgânicas que se organizam espontaneamente sobre uma superfície, normalmente sólida.1 Esses filmes são de grande interesse em áreas como a de diagnósticos clínicos, ambiental, engenharia de superfícies, etc. Isso se deve à modificação da superfície com SAMs permitindo a construção de dispositivos (bio) sensores orgânicos e inorgânicos,2,3 proteção de superfícies metálicas contra corrosão4 e o controle das propriedades físico-químicas de superfícies.3,5,6

Frequentemente, a formação desses filmes é feita a partir de solução de tióis em meio aquoso ou orgânico em contato com superfícies metálicas de ouro. Esse tipo de modificação apresenta inúmeras vantagens experimentais, aliada com a facilidade de manuseio e preparação, baixo custo, acessibilidade e estabilidade.1,5 A Figura 1 mostra a modificação de uma superfície de ouro com alcanotiol e sua estrutura unitária molecular.

 


Figura 1. Automontagem de alcanotióis sobre uma superfície de ouro e demonstraçao da estrutura unitária da formaçao. A estrutura é uma formaçao derivada da alta afinidade do átomo de enxofre com o ouro, formando uma ligaçao extremamente forte entre as partes (ligaçao covalente), isso proporciona um ambiente em que as interaçoes eletrostáticas fracas entre as cadeias laterais estabilizem várias moléculas paralelamente entre si de modo a formar um filme que recobre a superfície metálica. O fato dessa estrutura se formar espontaneamente, necessitando para isso apenas im contato entre os elementos, dá a essa formaçao o nome de monocamadas automontadas (SAMs - Inglês: Self Assembled Monolayer)

 

Uma das formas mais comuns de se formar SAMs é funcionalizando superfícies limpas de ouro com moléculas de alcanotióis, isso ocorre uma vez que o enxofre tem grande afinidade pelos átomos de ouro,7 os quais formam uma ligação forte (quimissorção/covalente) entre si. Isso permite às cadeias carbônicas formadoras das moléculas - a partir de atrações eletrostáticas fracas geradas lateralmente entre as cadeias alquil - se atraírem e gerarem uma organização espontânea entre elas, estabilizando e orientando os átomos que as compõem, formando, ao fim do processo da organização ou reação química, um filme monomolecular (Figura 1).1,8

Existem grandes interesses em se estudar as SAMs, uma vez que essa formação possibilita estudos de várias áreas, como citado acima. Sendo assim, o controle efetivo de todos os aspectos físico-químicos envolvidos nessa automontagem é de grande importância nas pesquisas das quais seja interesse obter qualidade, coerência e reprodutibilidade de análises que utilizam essa ferramenta. A aplicação mais notável das SAMs é a sua utilização como elementos de conexão entre a parte "máquina" e a parte "biológica". Em outras palavras, a autoformação desses filmes orgânicos sobre superfícies (metálicas principalmente) permite entender os sinais advindos da natureza por meio de eletrodos ou superfícies ligadas a equipamentos capazes de realizar leituras físico-químicas.

Essa capacidade de conectar a natureza com a máquina é conhecida como sensoriamento. O sensoriamento é um estudo antigo, mas que especificamente passou a valer-se das SAMs como ferramenta de trabalho a partir do fim da década de 80, quando Rubinstein e trabalhadores notaram que superfícies de ouro modificadas por tióis podiam reconhecer seletivamente alguns íons metálicos.2 A partir de então muitos estudos surgiram com sensores capazes de reconhecer não somente compostos inorgânicos, mas também compostos orgânicos, esse último tipo de sensoriamento passou a ser conhecido como biossensoriamento.

Atualmente existem muitos estudos sobre biossensores e as aplicações para eles são inúmeras e talvez a maior arma para o avanço dessa área sejam as superfícies modificadas. Esses biodispositivos permitem o estudo e a detecção, por exemplo, de uma gama de pesticidas organosulfurados9,10 (compostos capazes de inibir o bom funcionamento de enzimas do sistema nervoso - acetilcolinesterase e seus compostos), permitem a detecção de sequências de DNA com presença de mutações gênicas envolvendo doenças genéticas ligadas ao câncer com limites de detecção baixíssimos da ordem nanomolar,11 ou podem ser usados associados ao próprio DNA para a detecção de toxinas que causam doenças em humanos e animais, como as aflotoxinas,12 entre muitas outras utilidades.

Essas e outras utilidades e aplicações das SAMs são possíveis graças a estudos fundamentais que visam entender as características envolvidas na montagem e estruturação das monocamadas como, por exemplo, estudos da cinética de adsorção de tióis sobre ouro13 ou estudos sobre a cinética de transferência eletrônica influenciada por diferentes espessuras de alcanotióis sobre ouro,14 entre outros estudos que visam a melhor aplicação e utilização das SAMs.

Assim, é de grande interesse entender os efeitos superficiais advindos da formação das monocamadas, tendo em vista sua melhor aplicação e aproveitamento nas áreas da ciência e (bio)tecnologia. Desta maneira, uma das formas mais comuns de investigação das SAMs é realizada utilizando-se técnicas eletroquímicas como, por exemplo, a voltametria cíclica (VC).6,15 Isso se justifica, pois essa ferramenta permite uma análise eficiente e apresenta velocidade e praticidade experimental para análise dos efeitos físico-químicos que ocorrem nas interfaces ouro/SAMs/eletrólito.5,6

Nesse sentido, um dos grandes obstáculos na funcionalização das monocamadas automontadas é quantificar o real efeito de bloqueio na transferência de elétrons, causado pela adsorção dos alcanotióis sobre o ouro.14,16 Isso se deve, em parte, ao fato de que a estabilidade e a organização das cadeias carbônicas podem ser prejudicadas por uma superfície com alto nível de imperfeição, pois, apesar da forte atração entre enxofre e o ouro, as interações laterais das cadeias carbônicas são fracas e sua capacidade de estabilização e organização são controladas pela quantidade de interações formadas e proximidade entre as moléculas.1,17-19

Sendo assim, quando a superfície de ouro apresenta um nível de imperfeição ou rugosidade elevada há interferência na orientação das monocamadas, fazendo com que sítios da superfície metálica fiquem diretamente expostos ao meio, o que, em termos de resposta eletroquímica, pode ocasionar um erro na interpretação do efeito de bloqueio provocado pela formação das SAMs sobre a superfície de ouro.17,19

Vale ressaltar que é importante estar ciente das corretas metodologias de pré-tratamento dos eletrodos, além disso, é de significante relevância calcular a área real superficial, já que essa é quem está envolvida com os processos em escala atômica de transferência eletrônica e é utilizada para normalizar os valores de corrente redox, obtidas por meio de experimentos amperométricos, voltamétricos, etc. Em decorrência desses dois pontos destacados, um parâmetro de grande utilidade para se estimar a perfeição da superfície e garantir, consequentemente, uma boa funcionalização de tióis sobre ela, é o fator de rugosidade superficial, baseado no cálculo da área real.20

O fator de rugosidade pode ser descrito como a semelhança que a área real de uma superfície apresenta com a sua área geométrica.19,20 Desse modo, o fator de rugosidade pode ser calculado por meio de fr = Ar/Ag, em que fr representa o fator rugosidade, Ar a área real ou área eletroquimicamente ativa e Ag a área geométrica ou área superficial.21 Em outras palavras, quanto mais próximo o fr estiver da unidade (1,0), mais semelhante será Ar de Ag. Em contrapartida, quanto mais distante da unidade for fr, maior será a imperfeição da superfície.17,21

Em virtude do valor da informação experimental como sendo primordial para o entendimento do real efeito de bloqueio provocado pelas monocamadas automontadas por meio de análises eletroanalíticas, este trabalho destaca a influência da rugosidade nas respostas eletroquímicas geradas pelas modificações de superfícies de ouro por meio das monocamadas automontadas. Assim, esta nota tem como objetivo demonstrar a importância do controle da área real na funcionalização de uma superfície metálica de ouro com alcanotióis, em outras palavras, será provado que o controle do fator de rugosidade superficial mais próximo possível da unidade tem como consequência uma funcionalização adequada (em termos analíticos) das SAMs sobre superfícies de ouro. De fato, o controle do fator de rugosidade propicia um ambiente favorável para a formação das SAMs, o que se reflete em respostas analíticas confiáveis que pode ser ratificado pela repetitividade e reprodutibilidade das medidas eletroquímicas de voltametria cíclica. As recomendações experimentais são importantes para pesquisadores iniciantes a fim de evitar resultados incorretos ou equivocados, ou seja, esses parâmetros não podem ser negligenciados no estudo ou aplicação das SAMs em biossensores.

 

EXPERIMENTAL

Esta etapa consta dos processos de pré-tratamento dos eletrodos, dos quais foram controlados os fatores de rugosidade, com o intuito de observar sua influência na alteração da resposta elétrica obtida pela formação dos filmes, que serão analisadas por voltametria cíclica.

Equipamentos e célula para as medidas eletroquímicas

Para as medidas eletroquímicas foi utilizado um potenciostato/galvanostato AUTOLAB PGSTAT302N (Metrohm), uma célula eletroquímica de vidro comum contendo o eletrodo de trabalho de ouro convencional (tarugo de disco rotativo, ∅ = 2 mm, METROHM), um eletrodo auxiliar de platina em forma de rede (Ageom = 2,0 cm2) e um eletrodo de referência de Ag|AgCl, KCl (3 mol L-1). O polimento físico do eletrodo (Au) em politriz foi com pasta de alumina de granulometria 1,0, 0,3 e 0,05 mm.

Procedimentos

Eletrodos de ouro foram polidos até atingir o grau de rugosidade desejado.20 Em seguida, a etapa denominada de dessorção redutiva foi aplicada ao eletrodo de ouro, etapa que consiste de um pré-tratamento eletroquímico para remover completamente traços de impurezas (p.e., tióis previamente estudados) presentes na superfície, pois essa etapa pode diminuir a adsorção desses tióis, limpando o eletrodo.22 Para isso, realizou-se a voltametria cíclica aplicando uma varredura de potencial (100 mV s-1) (400 ciclos) entre -0,5 e -1,5 V (Ag|AgCl|, KCl 3 mol L-1) em solução aquosa de NaOH (0,5 mol L-1).19 Trabalhos reportados na literatura recomendam para o processo de limpeza da superfície de metais o uso de solução piranha (solução composta de H2SO4 + H2O2, na relação 3:1 (v:v), respectivamente). No entanto, pelo fato dessa solução ser tóxica e corrosiva optou-se por não utilizá-la neste trabalho.

Após a etapa de dessorção redutiva o eletrodo foi abundantemente lavado e, em seguida, sonicado em água Milli-Q por 5 min. Posteriormente, o eletrodo foi seco com gás N2 seguido do processo de limpeza eletroquímica, que consistiu de uma varredura de potencial linear entre -0,2 e 1,5 V (25 ciclos), seguido por uma varredura de potencial entre 0,2 e 0,75 V (Ag|AgCl, KCl 3 mol L-1) (10 ciclos), ambos a uma velocidade de varredura de 100 mV s-1 em solução aquosa de H2SO4 0,1 mmol L-1. A imersão do eletrodo em etanol absoluto após essas etapas é recomendada para a redução química do óxido de ouro na superfície, sendo que deve ser realizada em temperatura ambiente e em condições sem agitação durante 15 a 20 min.

A área eletroquimicamente ativa foi calculada por meio da integração da área do pico catódico de remoção de óxido, do último ciclo (25 ciclos) dos voltamogramas obtidos na limpeza eletroquímica, sendo que a corrente capacitiva foi subtraída durante o cálculo.17 O valor obtido da integração foi dividido pela densidade de carga do ouro (390 ± 10 µC cm-2) - mais detalhes sobre a densidade de carga (por vezes conhecida como constante de condutividade) vide referência20 - ou seja, a determinação da área real do eletrodo se dá pela razão do valor de integração do pico catódico pela constante de condutividade de Au.17,18

A caracterização elétrica foi realizada para o ouro limpo e para imobilização da molécula de tiol de 12 carbonos (dodecanotiol - C12), na concentração de 20 mmol L-1. O tempo de imobilização do eletrodo em solução de tiol variou entre 12-18 h. A caracterização pela voltametria cíclica foi realizada em eletrólito de suporte KNO3 1 mol L-1 contendo o par redox K3Fe(CN)6 e K4Fe(CN)6∙4H2O 1,0 mmol L-1 (ferri/ferro). Os voltamogramas foram obtidos com varredura de potencial (10 mV s-1) entre -0,2 e 0,6 V (10 ciclos).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O cálculo da área eletroquimicamente ativa já foi pré-estabelecido há vários anos e várias formas de cálculos são possíveis, por exemplo, pela capacitância superficial, pela adsorção de hidrogênio ou oxigênio, por transferência de massa e muitos outros métodos.20,23,24 Cada maneira de cálculo tem suas vantagens e desvantagens experimentais, porém mais importante do que calcular a área real é interpretar o valor dessa informação e correlacioná-la com a reprodutibilidade da medida.

Definir o valor da área real ativa é de fundamental interesse, isso pode ser realizado por intermédio de algumas formas já pré-estabelecidas na literatura para sua quantificação.17,18,20 Deste modo, o cálculo da área real, feito neste trabalho, baseia-se, resumidamente, na adsorção/dessorção da monocamada de oxigênio sobre a superfície de Au por meio da técnica de VC e na afirmação de que o filme monomolecular de óxido está ligado na proporção de 1:1 sobre a superfície metálica de Au. Sendo assim, a partir da quantificação de óxido formada é possível, por meio de cálculos matemáticos, encontrar o valor de área real.20 Isto envolve a realização de ensaios experimentais de limpeza eletroquímica com H2SO4 e a integração do pico catódico do voltamograma de limpeza gerado conforme mostra a Figura 2.

 


Figura 2. Voltamograma de limpeza eletroquímica em H2SO4 (0,1 mmol L-1) a uma velocidade de varredura de 100 mV s-1, no qual o pico (pintado de taxado) representa a formaçao/dessorçao de óxido (Figura 2A), enquanto que a parte destacada como zona da dupla camada capacitiva (Figura 2B), representa a capacitância interfacial

 

O pico de óxido formado representa a quantidade de carga acumulada na superfície, assim, o valor da integração da área catódica taxada (Figura 2) é a quantidade de carga total acumulada em toda a área superficial. Dessa maneira, se o valor de integração encontrado for dividido pela constante de condutividade do ouro - que é o produto da carga elementar e da densidade atômica superficial (C.cAu = e.das) - é obtido o valor da área real.17,20 De forma definitiva a equação geral se resume em:

 

 

em que Ar é a área eletricamente ativa, Qm a quantidade de carga, obtida pela integração do pico catódico, Qdc é a carga da dupla camada, obtida pela integração da dupla camada capacitiva e C.cAu é a constante de condutividade para o ouro (400 µC cm-2).17,19,20 O valor da dupla camada capacitiva, Qdc, é subtraído do cálculo como correção, pois pode representar interferência de outras espécies na superfície.17

O que resta então é calcular a carga Qm, via a relação entre a corrente e o tempo:

 

 

Na qual ti e tf expressam, respectivamente, o tempo onde se inicia e cessa a remoção do oxigênio na superfície do ouro, como mostrado na Figura 2A, na região destacada (quadriculada). O potencial em um dado momento é expresso pelo potencial inicial (E0) menos (no caso de uma varredura para valores mais negativos) o produto entre o tempo e a velocidade de varredura (v = dE/dt):

 

 

Ao isolar a variável tempo t em tempo inicial ti e tempo final tf, têm-se as seguintes relações:

 

 

Utilizando a notação de diferencial:

 

 

Substituindo o diferencial na Equação 2 e considerando a velocidade de varredura constante, tem-se:

 

 

Em outras palavras, a carga relacionada com a quantidade de óxido formada e dessorvida na superfície pode ser quantificada por meio do valor da integração do pico da Figura 2A dividido pela velocidade de varredura aplicada.

A contribuição capacitiva da corrente pode gerar erro no cálculo da área real, devido a uma pequena região de acúmulo de carga interfacial (zona da dupla camada capacitiva), relacionada à adsorção de hidrogênio.17 Desta forma, deve-se integrar a região de corrente correspondente a resposta de dupla camada capacitiva e subtraí-la da Equação 6, obtendo-se finalmente:

 

 

na qual Qdc é o valor para a carga da dupla camada capacitiva. Essa região da dupla camada capacitiva está destacada na Figura detalhe inserida na Figura 2B. Levando-se em consideração a região do pico da corrente catódica (Figura 2B), tem-se, ao integrá-la, um valor de área que é proporcional a Qm, conforme salientado acima.

No caso experimental utilizado (Figura 2) esse valor foi de Qm = 14 µC. Tal valor representa a quantidade total de carga e, ao substituir esse valor de Qm na Equação 1 e dividir pela constante de 400 µC cm-2, chega-se ao valor de área real ativa, que nesse caso foi de 0,035 cm2. O fator de rugosidade (fr) se dá pela relação, conforme salientado, entre área real ativa (Ar) e a área geométrica (Ag), isto é, fr =Ar/Ag. Sendo assim, como Ar = 0,035 cm2 e Ag = 0,0314 cm2 tem-se que fr = 1,11, o qual é considerado um valor excelente de rugosidade.

Após a quantificação dos valores de área real e fator de rugosidade, realizou-se experimentos em que foram obtidas áreas com fatores de rugosidade elevados em comparação a áreas com a rugosidade controlada próxima a unidade. E para cada situação houve a funcionalização com tiol de 12 carbonos (C12), medidas contra uma espécie eletroativa em solução.

Os resultados demonstraram uma tendência clara de que nas áreas com fator de rugosidade próximos da unidade houve um bloqueio muito mais efetivo (superior em 2 ordens de magnitude), confirmando a reprodutibilidade das análises pela triplicata, enquanto que para áreas com fator de rugosidade elevadas o poder de isolamento da transferência eletrônica foi inferior e não houve replicabilidade das análises.

Os resultados (Figura 3) mostraram que em áreas onde a superfície é mais plana ocorre uma melhor orientação e compactação das monocamadas, confirmando um maior bloqueio da passagem de carga e respostas similares, enquanto que superfícies mais imperfeitas oferecem um local desfavorável para a organização e empacotamento dos alcanotióis, fazendo com que o poder de isolamento das SAMs seja prejudicado, pela exposição de sítios da superfície ao meio, e a organização dos filmes não seja homogênea, já que não há uma igualdade no perfil de orientação dos alcanotióis sobre o ouro.

 


Figura 3. Efeito da rugosidade da superfície do eletrodo de ouro na imobilizaçao das monocamadas formadas pelas moléculas de dodecanotióis e a sua correlaçao com a resposta de voltametria cíclica correspondente. Nas Figuras 3B e 3C a rugosidade superficial (fator de rugosidade - fr) apresenta valores maiores do que 1,7 e demonstraram, de acordo com os voltamogramas do dodecanotiol (C12), que houve uma maior passagem de corrente que está associada a uma má orientaçao das monocamadas, por outro lado a Figura 3A apresentou um fr menor (1,10) o que consequentemente proporcionou um ambiente propício para uma melhor orientaçao das monocamadas, o que pode ser confirmado pelo maior impedimento gerado demonstrado no voltamograma da Figura 3A

 

Em áreas onde os fatores de rugosidade são maiores que 1,6 há uma maior dificuldade na replicabilidade e um menor bloqueio relacionado à funcionalização dos tióis. De fato, esse é um indicativo de que este valor seja um limite para se adquirir respostas analíticas confiáveis das monocamadas.

Esses valores foram confirmados por espectroscopia de impedância eletroquímica, embora os gráficos das análises não estejam demonstrados, os valores de bloqueio para a triplicata da situação com fator de rugosidade controlado e não controlado estão dispostos na Tabela 1.

 

 

A Tabela 1 ratifica o conteúdo anteriormente citado e adiciona outro aspecto, de que em fr altos pode haver inconformidade nos resultados, isto é, a partir de certo ponto de rugosidade a desordem das SAMs pode apresentar um bloqueio não compatível com a rugosidade superficial. Em suma, os resultados obtidos aqui mostram que a partir de um fr maior que 1,6 não é possível se ter um efeito de bloqueio confiável, pois o valor da resistência, pelo qual é aferido o nível de bloqueio proporcionado pelas monocamadas, poderá adquirir qualquer valor de resistência incompatível com os valores reais de bloqueio oferecidos pela adsorção das SAMs.

Assim, nesse trabalho teve-se o interesse de demonstrar a importância de se controlar efetivamente a rugosidade superficial de eletrodos de Au para a realização da funcionalização de tal superfície pelo alcanotiol de 12 carbonos (dodecanotiol). De tal maneira, por meio de experimentos feitos por VC, foi possível observar que em áreas com uma rugosidade superficial considerada elevada a auto-orientação típica dessas monocamadas é prejudicada, o que acaba tendo como consequência a vacância de sítios na estrutura do filme, permitindo um livre fluxo de carga entre a superfície eletródica e o meio. Isso pode, como ilustrado anteriormente, levar a erros analíticos das análises eletroquímicas. Em contrapartida, o controle adequado da rugosidade superficial pode garantir o correto desenvolvimento das análises experimentais.

 

CONCLUSÕES

Foi possível comprovar, com experimentos de voltametria cíclica, que a rugosidade superficial de eletrodos de ouro pode afetar a resposta de bloqueio elétrico oferecido pela adsorção dos tióis sobre a superfície metálica. O controle da rugosidade por meio de adequados pré-tratamentos dos eletrodos é fundamental para a garantia da realização de experimentos com respostas analíticas confiáveis e reprodutíveis, já que as interações eletrostáticas laterais das cadeias de alcanotióis podem ser prejudicadas em superfícies com fator de rugosidade elevado, o que leva a formação de sítios livres (pin-holes) entre a solução e a superfície eletródica. Em outras palavras, o correto controle da rugosidade superficial é fator fundamental para o estudo de eletrodos modificados, sendo determinante na correta compreensão dos sinais derivados dos biossensores, o que conclui que um controle adequado da rugosidade superficial tem a capacidade de garantir medidas analíticas confiáveis.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP e à CAPES pelo suporte financeiro. Tiago A. Benites agradece à CAPES pela bolsa de estudos.

 

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