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15:18, qui nov 21

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Artigo


Remoção do ácido mefenâmico em água utilizando carvão ativado em pó, lama vermelha e oxidação com cloro
Mefenamic acid removal in water using activated carbon powder, red mud and oxidation with chlorine

Rodrigo B. MoruzziI,*; Verônica B. LimaI; Renata ColomboII; Fabiano T. ConceiçaoI; Marcos R. V. LanzaIII

IDepartamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento, Universidade Estadual Paulista

Recebido em 12/02/2014
Aceito em 11/08/2014
Publicado na web em 06/10/2014

Endereço para correspondência

*e-mail: rmoruzzi@rc.unesp.br

RESUMO

The use of activated carbon powder (ACP), red mud and oxidation with chlorine to remove mefenamic acid in water are described, aimed at their application as a complement to sewage treatment processes in Brazil. A study on the behavior of mefenamic acid in water was performed by evaluating its dissolution for different concentrations and times. Subsequently, the optimal conditions for removal of mefenamic acid were investigated using ACP adsorption at different pH and concentrations, and red mud adsorption using different pH. The utilization of different pH and times was also investigated to establish the ideal conditions for chemical oxidation of the drug. Among the different conditions studied, the best condition for drug removal by ACP and red mud were 100% and 96%, respectively, while the best condition for chemical oxidation occurred using solutions with pH 6 and 7 and reaction times of 30 and 60 minutes.

Palavras-chave: mefenamic acid; adsorption; oxidation.

INTRODUÇÃO

Os antiinflamatórios não-esteroides (AINE) são um grupo variado de fármacos que têm em comum a capacidade de controlar a inflamação, reduzir a dor e combater a hipertermia (febre).1 No Brasil são realizadas 75 milhões de prescrições de AINE por ano, sendo que cerca de 30 milhões de pessoas os consomem, e as taxas de consumo crescem com índices superiores a 20% ao ano.2 Os resíduos gerados pela fabricação, consumo e descarte destas drogas até recentemente não eram considerados preocupantes, mas a variedade de reações fisiológicas (incluindo efeitos estrogênicos) que estas drogas têm demonstrado no ambiente aquático, mesmo em baixissimas concentrações, fizeram com que passassem a ser consideradas como poluentes ambientais.3-6 O ácido mefenâmico, abreviado como MEF (Figura 1), é um anti-inflamatório não-esteroidal usado no alívio sintomático de artrite, osteoartrite, dismenorréia primária e na síndrome pré-menstrual.7-9 No Brasil este princípio ativo está presente em fármacos vendidos sob uma variedade de nomes comerciais, tais como Mefenam®, Neomicin®, Ponsdril®, Ponstan®, Pontin® e Standor®.10

 


Figura 1. Fórmula estrutural do ácido mefenâmico (MEF)

 

Este composto é introduzido no ambiente aquático por meio das excreções humanas, uma vez que não é totalmente metabolizado pelo organismo, e por meio dos lançamentos de efluentes de indústrias farmacêuticas.11,12 A presença do ácido mefaenâmico em esgoto doméstico, em águas superficiais e de subsolo tem sido detectada em todo o mundo.11-14 Em efluentes de águas tratadas tem sido detectadas concentrações que excedem a concentração sem efeito (0,43 µg/L).14-17 O motivo da sua alta concentração em águas tratadas é que o MEF não é completamente removido pelos processos de tratamento de esgoto convencionais.15-17 No entanto, poucos estudos têm sido relatados a respeito de procedimentos alternativos ou complementares que possam ser adaptados nas estações de tratamento de esgoto para a total eliminação deste fármaco.18-20 Dentre os estudos de remoção de fármacos em água, a técnica de adsorção em carvão ativado em pó (CAP) tem apresentado grande eficiência.21-23

Além do CAP, diferentes rejeitos industriais têm sido utilizados atualmente como adsorventes para a remoção de metais, nutrientes, corantes, vírus e bactérias, entre outros, dentre eles, a lama vermelha "red mud", subproduto do beneficiamento da bauxita, sendo este resíduo insolúvel, além de sua utilização não apresentar riscos à saúde pública.24,25 O Brasil é o terceiro país com maior produção de bauxita, superado somente pela Austrália e China. A lama vermelha é derivada do processo Bayer durante a digestão da bauxita moída em uma solução de NaOH concentrada em elevada temperatura e pressão. No Brasil, há a produção de 7.000.000 a 10.500.000 toneladas ano deste resíduo insolúvel.

A degradação do ácido mefenâmico por processos de oxidação química, como os processos oxidativos avançados (POA) ou a ozonização, também tem se demonstrado promissores, com um elevado grau de degradação.26-28 Adicionalmente, pesquisas recentes indicam que a oxidação com cloro, um radical altamente reativo e oxidante, também pode ser um processo alternativo na degradação de fármacos dotados de anéis aromáticos em suas moléculas.29-31 Desta maneira, o presente trabalho reporta a remoção do ácido mefenâmico em soluções aquosas por meio do emprego da adsorção em carvão ativado em pó (CAP), lama vermelha e da oxidação por cloro, visando o desenvolvimento de uma técnica fácil e barata que possa vir a ser implementada nas estações de tratamento de esgoto.

 

EXPERIMENTAL

Padrões e reagentes

Foi utilizado como padrão analítico o ácido Mefenâmico (pureza: 98%) obtido da Sigma-Aldrich (St. Louis, MO, USA). Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico: utilizou-se álcool etílico e acetona (P.A.), provenientes da Labsynth Produtos para Laboratórios Ltda (Diadema, SP, Brasil). O cloro foi proveniente da Nalgon Equipamentos Científicos Ltda (Itupeva, SP, Brasil). O carvão ativado em pó foi adquirido pela empresa Labsynth Produtos para Laboratórios Ltda. Água ultrapura (resistividade 18,2 MΩ cm) foi obtida a partir do sistema de purificação de água Milli-Q, Millipore (Eschborn, Alemanhã). As amostras de lama vermelha foram coletadas em uma empresa produtora de alumínio, localizada na cidade de Alumínio, próximo a cidade de Sorocaba, interior de São Paulo.

Estudo do comportamento do MEF em solução aquosa

O ácido mefenâmico apresenta-se sob a forma de pó cristalino branco, com log Kow 5,1 (hidrofobicidade média) e praticamente insolúvel em água. Desta forma, para a realização dos estudos de remoção do ácido mefenâmico em água, inicialmente realizou-se um estudo do comportamento do fármaco em solução aquosa. Para este estudo uma solução estoque de concentração 4000 mg L-1 foi preparada por meio da dissolução de 4 g do padrão em 1000 mL de solução de etanol/acetona na proporção 1:1 v/v. A escolha do solvente foi baseada em função da solubilidade do fármaco e da toxicidade do solvente. A solução estoque ficou armazenada sob refrigeração à 8 ºC em um frasco âmbar escuro e vedado durante todo o estudo. A partir da solução estoque foram preparadas três soluções de trabalho de concentrações 1, 10 e 100 mg L-1. Para o preparo destas soluções de trabalho, alíquotas de 0,25, 2,5 e 25 mL, respectivamente, foram pipetadas e diluídas para 1000 mL com água ultrapura. As soluções foram filtradas em membranas de acetato de celulose de 0,45 µm da marca Satorius AG (Goettingen, Alemanhã), agitadas manualmente até completa homogeneização e mantidas em frasco fechado, ao abrigo de luz e temperatura ambiente (25 ºC).

Durante o estudo de comportamento, alíquotas de 25 mL de cada solução foram retiradas em três posições diferentes (sobrenadante, meio e fundo do refratário) e em diferentes tempos (0,1, 2,0, 18,5, 20,5, 22,5, 24,5, 26,5, 43,0, 45,0, 47,0, 49,0, 51,0, 67,5, 69,5, 71,5 e 73,5 h). Todas as alíquotas retiradas foram lidas em Espectrofotômetro DR 2800 (Hack Company World Headquarters, Alemanha), no modo de varredura (faixa de 300 -900 nm). A absorbância máxima da banda foi em 300 nm e desta forma este foi o comprimento de onda escolhido para a avaliação do estudo.

Caracterização do CAP pelo índice de iodo

O carvão ativado utilizado neste estudo foi caracterizado utilizando o método do índice de iodo, segundo a norma MB-3410 da ABNT.32 Uma massa de 1,0 g de carvão foi pesada e misturada a 10 mL de uma solução de ácido clorídrico 20% (v/v). A suspensão formada foi submetida a agitação magnética e aquecimento à 150 ºC. A suspensão foi mantida sob ebulição por 30 segundos e em seguida resfriada a temperatura ambiente. Posteriormente, foram adicionados 100 mL de solução de iodo a 0,1 mol L-1 e a solução obtida agitada vigorosamente durante 30 segundos. Imediatamente após agitação, a amostra foi filtrada com membrana de acetato de celulose (0,45 µm com 47 mm de diâmetro) da marca Satorius AG (Goettingen, Alemanhã), desprezou-se os primeiros 20 mL e um volume de 50 mL do filtrado foi titulado com uma solução de tiossulfato de sódio 0,1 mol L-1, até obtenção de coloração levemente amarelada. Foram então adicionados 2 mL de solução indicadora de amido 0,5% e prosseguiu-se a titulação até o desaparecimento da coloração azul.

Determinação do ponto de carga zero (pHPCZ)

A metodologia empregada para a determinação do ponto de carga zero (pHPCZ) para o CAP e a lama vermelha foi a denominada "experimento dos 11 pontos", descrita em literatura.33 Misturas preparadas a partir de 1,0 g de CAP e 50 mL de água tiveram seu pH inicial ajustado para 11 valores diferentes (2-12), com auxílio de soluções de HCl ou NaOH 0,1 mol L-1. As misturas foram então mantidas sob agitação contínua em mesa agitadora Orbital SL 180 (Solab Equipamentos para Laboratório Ltda, Brasil) a 250 rpm, à temperatura ambiente por 24 h. Após esse período o pH final das soluções foi medido, com auxílio de um pHmetro de bancada Qualxtron 8010 (Hexis Científica, Brasil). Alíquotas de água ultrapura (sem a presença do CAP) tiveram seus valores de pH ajustados para os mesmos valores de pH das soluções em estudo e foram submetidas ao mesmo procedimento e utilizadas como referência.

Análise mineralógica da lama vermelha

As análises mineralógicas da lama vermelha foram realizadas por difração de raios X no difratômetro modelo D5000 (Siemens, Zurique, Suíça), com radiação de Cu (WL = 1,542 Å) e filtro de Ni. A velocidade do goniômetro foi definida com 3 graus por minuto e tempo de exposição de 1 s por cada passo de 0,05º. A microscopia eletrônica de varredura com sistema de espectrometria de energia dispersiva acoplado (MEV-EDS), utilizando-se um MEV Field Emission Gun JSM 6330F (JEOL, Tóquio, Japão) também foi empregada para e identificação mineralógica, sendo que esta técnica também permite a análise morfológica dos grãos dos diferentes minerais constituintes da lama vermelha. Esta técnica permitiu identificar fases minerais com porcentagem de ocorrência menor que 5%, fator limitante para a técnica de difração de raios X.

Adsorção do ácido mefenâmico (MEF) em diferentes adsorvedores

A partir do pHPCZ do CAP e da lama vermelha foram realizados os experimentos de adsorção do MEF nestes adsorvedores. O estudo com carvão ativado em pó foi realizado utilizando-se duas concentrações diferentes de CAP (0,1 g e 1,0 g) e seis pH diferentes (5; 6; 7; 10, 11 e 13). Os testes utilizando 0,1 g de CAP foram realizados em pH 5, 6, 7, 10, 11 e 13 e os testes utilizando 1,0 g de CAP foram realizados em pH 6, 10 e 13. Inicialmente, procederam-se ensaios com 1,0 g de CAP e, posteriormente, após verificação de alta capacidade de adsorção do MEF para essa massa de CAP, os ensaios foram conduzidos com fração correspondente a décima parte da massa original de CAP, ou seja, 0,1 g. Para a lama vermelha, os estudos foram conduzidos com 0,1 g em pH 4, 6, 10 e 13, mantendo-se assim a mesma massa de CAP para efeitos de comparação. Para cada um dos experimentos a referida massa de CAP e de lama vermelha foi misturada com 25 mL da solução de MEF (100 mg L-1), devidamente filtrada em membrana de acetato de celulose de 0,45 µm e os pH então ajustados com auxílio de soluções de HCl ou NaOH 0,1 mol L-1. Após o ajuste do pH as amostras foram submetidas a agitação em mesa agitadora Orbital SL 180 (Solab Equipamentos para Laboratório Ltda, Brasil), a 145 rpm, por 8 h, à temperatura ambiente. A cada 15 minutos as amostras foram retiradas da mesa agitadora para reajuste do pH. Após 8 horas de agitação as amostras foram filtradas novamente em membranas de acetato de celulose de 0,45 µm e analisadas por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE). Os experimentos foram realizados em triplicata e os resultados expressos em função da média aritmética.

Oxidação do ácido mefenâmico (MEF) com cloro

Nesta etapa foram realizados ensaios para a determinação do teor de cloro ativo no reagente adquirido. A análise foi realizada pelo método volumétrico do cloro ativo, descrito na ABNT NBR 9425:2005.34 Após a determinação desse parâmetro, foi realizado o estudo da oxidação do MEF com cloro. Para este estudo, soluções de MEF (100 mg L-1) tiveram seus pH ajustados para 5, 6 e 7 e uma alíquota de 20 mL destas soluções foram misturadas com quantidades apropriadas de hipoclorito de sódio para obtenção das concentrações de 1, 5 e 10 mg L-1 de cloro ativo. As amostras foram submetidas à agitação, em mesa agitadora, na rotação de 145 rpm por 1 hora. Após 10, 30 e 60 minutos alíquotas foram retiradas, adicionadas imediatamente em quantidades apropriada de tiossulfato de sódio (para cessar a reação de oxidação do cloro) e posteriormente filtradas em membranas de acetato de celulose de 0,45 µm para serem analisadas por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE). Uma alíquota de 20 mL de cada pH, sem adição do hipoclorito de sódio, foi submetida ao mesmo procedimento e utilizada como referência para os cálculos da eficiência de degradação. Os experimentos foram realizados em triplicata e os resultados expressos em função da média aritmética.

Análises cromatográficas CLAE-UV

As concentrações iniciais e finais de MEF nas amostras foram determinadas por CLAE usando um sistema Shimadzu (Kyoto, Japão) Prominence LC 20 AT modular, composto por duas bombas CBM-20, um forno CTO-10AS, um amostrador automático SIL 20A, um detector de comprimento de onda variável SPD-20A e um sistema de dados LC-10 Workstation Class. A separação foi realizada em uma coluna Phenomenex C18 de 250 mm de comprimento x 4,6 mm d.i.; 5 µm de tamanho de partícula (Merck, Darmstadt, Alemanha), protegida por uma coluna de guarda C18, de 20 mm de comprimento x 4,6 mm d.i.; 5 µm de tamanho de partícula (Merck, Darmstadt, Alemanha). Como fase móvel, utilizou-se água (solvente A) e acetonitrila (solvente B), ambas acidificadas com 0,5 % (v/v) de ácido fórmico. O modo de eluição foi gradiente na programação: 0 - 15 min, 45-100 % B. A temperatura do forno foi de 25 ºC; fluxo de 1,0 mL min-1; o volume de injeção foi de 20 µL e a detecção no UV foi feita em 280 nm. Para avaliar a eficiência dos processos na remoção do MEF foi construída uma curva analítica do ácido mefenâmico. A curva analítica foi preparada a partir de uma solução estoque na concentração de 100,98 mg L-1, preparada pesando-se 0,0051 g do padrão de ácido mefenâmico (99 % de pureza) e diluindo-se para 50 mL de metanol. A partir da diluição da solução estoque foram preparadas oito soluções padrão utilizadas na curva. As soluções foram analisadas em triplicata e a curva analítica construída utilizando a média das áreas obtidas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estudo do comportamento do ácido mefenâmico (MEF) em solução aquosa

Apesar do grande número de relatos sobre a presença do ácido mefenâmico em esgoto doméstico e em águas superficiais e subterrâneas, o referido fármaco é um composto altamente insolúvel em água. Diversos autores relatam esta baixa solubilidade mesmo em diferentes condições de pH, temperatura e concentração,35-37 o que dificulta os estudos e pode comprometer a confiabilidade dos resultados em escala laboratorial. Neste trabalho um estudo do comportamento do MEF em solução aquosa foi realizado visando a determinação do grau de homogeneidade e de dissolução do fármaco na solução.

O comportamento do MEF em função do tempo e da posição de coleta da amostra está apresentado na Tabela 1 e Figura 2. Para a concentração teórica de 1 mg L-1, do tempo 0 até 47 h foi possível verificar que os pontos apresentaram grandes desvios relativos, com valor médio de 27%. A partir de 49 h até 73,5 h o valor médio do desvio relativo diminuiu para 7%, sugerindo uma estabilização na dissolução do fármaco em solução. Para as concentrações de 10 e 100 mg L-1, desde as primeiras 22,5 h já foi possível observar desvios relativos médios menores do que para a solução de 1 mg L-1 (5% e 2%, respectivamente). De 67,5 h até 73,5 h o desvio relativo médio para estas concentrações variou, estabilizando em 7 e 2%, respectivamente. Desta forma foi constatado que soluções com concentrações mais elevadas (como 100 mg L-1) apresentam comportamento mais estável de dissolução desde as primeiras horas de preparo da solução. A partir destes resultados foi adotada a concentração de 100 mg L-1 para as soluções utilizadas neste trabalho e o tempo de 72 h do momento do preparo da solução até o início dos testes de remoção do MEF pelas diferentes técnicas estudadas (CAP, lama vermelha e oxidação com cloro).

 

 

 


Figura 2. Comportamento do ácido mefenâmico em soluçao aquosa durante 72 h, em diferentes concentraçoes (0,1; 10 e 100 mg L-1) e em diferentes pontos da soluçao (S = sobrenadante; M = meio; F = fundo)

 

Caracterização do CAP, determinação do ponto de carga zero e análise mineralógica da lama vermelha

A norma ABNT EB 2133/1991 determina para o carvão ativado que o número de iodo seja no mínimo 600 mgI2 g-1. Nos ensaios realizados o número de iodo (I) obtido foi de 892 mgI2 g-1, sendo considerado satisfatório para o presente estudo.

Para a determinação do ponto de carga zero gráficos de pHfinal versus pHinicial, das amostras referências e de estudo foram construídos para o CAP e lama vermelha. O cruzamento entre as duas retas determinou que o ponto de carga zero (pHPCZ) do CAP e da lama vermelha é de 10,1 e 9,0, respectivamente. O pHPCZ é o pH da solução em equilíbrio com o adsorvente no qual a carga elétrica da superfície é nula. O adsorvente pode apresentar cargas negativas quando o pH do meio for maior que o pHPCZ e cargas positivas quando o valor de pH estiver abaixo do pHPCZ.38 Desta maneira, o CAP e a lama vermelha utilizados neste estudo tendem a apresentar cargas negativas em soluções com pH maior do que 10,1 e 9,0, respectivamente. Já para soluções com pH menor que os citados, os adsorventes estudados devem possuir cargas positivas.

Na análise da morfologia dos minerais da lama vermelha natural (Figura 3a) foi observado que todas as amostras são compostas por partículas de diferentes tamanhos e formas. Além disso, pela técnica de microscopia eletrônica de varredura com sistema de espectrometria de energia dispersiva acoplado (MEV-EDS) pode ser obtida a composição química do material a ser analisado.39 Assim, foi possível identificar os minerais presentes na lama vermelha, como os apresentados na Figura 3a. A Figura 3b ilustra o difratograma obtido para a lama vermelha, a qual apresentou a seguinte mineralogia: muscovita (KAl2Si3AlO10(OH)2), goethita (FeOOH), calcita (CaCO3), sodalita (Na8Al6Si6O24Cl2) e gibbsita (Al(OH)3), além de pequena quantidade de quartzo (SiO2) e rutilo (TiO2).

 


Figura 3. Fotomicrografia e identificaçao mineralógica obtida por MEV-EDS (a) e difratograma gerado pelo uso de difraçao de raios X (b) da amostra de lama vermelha

 

Adsorção do ácido mefenâmico (MEF) em diferentes adsorventes

A determinação da eficiência de remoção do MEF foi realizada quantificando-se a quantidade de fármaco presente inicialmente na solução e posteriormente (após o procedimento com CAP e lama vermelha). Para a quantificação do referido fármaco utilizou-se uma curva analítica no intervalo de 0,100 - 100,98 mg L-1, com coeficiente de linearidade de 0,9999805 e equação da reta igual a y = 44371,25 x + 4933,091.

A Figura 4 apresenta a remoção de MEF utilizando-se 1g e 0,1 g de CAP. Destaca-se que a remoção de 100% foi considerada quando o residual de fármaco não foi detectado pela técnica empregada neste estudo. Para 1,0 g de CAP e solução com pH 6, 10 e 13 foi possível obter eficiências de remoção de 100%. A mesma eficiência de 100 % foi observada para 0,1 g de CAP em solução de pH de 5, 6 e 7. A concentração de 0,1 g de CAP em pH de 10 e de 11 apresentou uma eficiência menor (98%) e solução com pH 13 é a que apresenta menor eficiência de remoção (78%). Utilizando a lama vermelha como adsorvente, a eficiência de remoção também variou em função do pH da solução, ficando entre 12-96% (Figura 5). A melhor eficiência de remoção (96%) foi obtida com solução de pH 4. Para pH 6 e 13 a eficiência foi de aproximadamente 60% e 50%, respectivamente. Solução de pH 10 foi a que apresentou menos eficiência de remoção (12%).

 


Figura 4. Eficiência de remoçao do ácido mefenâmico utilizando técnica de adsorçao com carvao ativado em pó (CAP) em diferentes concentraçoes e pH. Concentraçao teórica de MEF = 100 mg L-1, Massa = 0,1 e 1,0 g de CAP e tempo de contato = 8 horas

 

 


Figura 5. Eficiência de remoçao do ácido mefenâmico utilizando lama vermelha como adsorvente em diferentes pH. Concentraçao teórica de MEF = 100 mg L-1, Massa = 0,1 g de lama vermelha e tempo de contato = 8 horas

 

Especificamente em relação à lama vermelha, pode-se afirmar que a sodalita é a principal fase relacionada à capacidade de adsorção deste adsorvente para o MEF, pois este mineral é um tectossilicato de cálcio e sódio, que tem sua estrutura porosa aberta e pode ser considerado como um material com propriedades do tipo zeólitas.40-42 Além disso, pode-se concluir que o pHPCZ influência diretamente na adsorção de MEF, com a menor capacidade de adsorção relacionada ao pH de equilíbrio, sendo a maior capacidade de adsorção associada ao pH de 4,0, no qual as cargas da superfície dos minerais que compõem a lama vermelha são favoráveis a remoção do MEF. O mesmo comportamento foi observado para a remoção de corantes utilizados nas indústrias têxteis quando utilizado a lama vermelha como adsorvente.41,42

Oxidação do ácido mefenâmico (MEF) com cloro

Os resultados apresentados na Figura 6 mostram a eficiência de remoção do MEF, utilizando a técnica de oxidação com cloro, em diferentes valores de pH, tempos de oxidação e concentrações de cloro ativo. Neste estudo foi possível observar uma remoção eficiente do MEF nos três pH avaliados. Em meio levemente ácido (pH 5) observou-se uma interferência considerável da concentração de cloro ativo e do tempo de oxidação, sendo que a melhor eficiência (correspondente a remoção de 100% de MEF) somente foi obtida com a utilização de alta concentração de cloro ativo (10 mg L-1) e 60 minutos de reação.

 


Figura 6. Eficiência de remoçao do ácido mefenâmico via oxidaçao com cloro ativo, utilizando diferentes concentraçoes de Cl2, pH e tempos de reaçao. Concentraçao teórica de MEF = 100 mg L-1

 

Em meio levemente acidificado (faixa de pH entre 6 e 7) observou-se pouca interferência da concentração de cloro ativo e do tempo de oxidação empregado e em todas as condições testadas foi possível obter eficiências superiores a 92%. Com pH 6 a eficiência de 100% de remoção foi alcançada utilizando baixas concentrações de cloro livre (1 mg L-1), porém foram necessários 60 minutos de reação. Utilizando-se pH 7 esta eficiência de 100% de remoção foi alcançada utilizando baixas concentrações de cloro livre (1 mg L-1) e menor tempo de reação (30 minutos).

Valores de pH entre 5-7 têm sido relatados na literatura como sendo os mais eficientes para a degradação de diversos fármacos considerados como poluentes.29,30 Estas variações na porcentagem de remoção em função do pH têm sido atribuídas às diferentes reatividades das espécies ácido-base do cloro ativo e dos fármacos. Geralmente, o cloro ativo está presente nas formas HOCl ou OCl- (com um pka associado de 7,5 a 25 ºC) e segundo os resultados relatados na literatura e encontrados neste estudo, parece que o OCl- não contribui em extensão considerável para a cloração de alguns compostos.43-46

Sob estas condições, outras espécies de cloro, tais como Cl2O e Cl2, emergem e mecanismos de reações mais complexos ocorrem entre estes compostos e o cloro ativo. Nesta faixa de pH, eficiências satisfatórias de remoção também têm sido encontradas para outros tipos de fármacos, como a propifenazona (com remoção > 90% na faixa de pH entre 6,01 e 7,54), aminopirina (com remoção > 85% na faixa de pH entre 5,48 e 6,48), ácido acetilsalicílico (com remoção de 68% com valor de pH 7,1) e o diclofenaco, napoxeno e indometacina (com remoção de 100% com valor de pH 7,1).29,30

 

CONCLUSÕES

A utilização do carvão ativado em pó (CAP) e da lama vermelha como adsorvente e do cloro como agente oxidante apresentou-se como uma promissora técnica para a remoção do ácido mefenâmico em água. Para uma concentração teórica de 100 mg L-1 de ácido mefenâmico e em pH da solução menor que o pHPCZ (10,1 e 9,0 para o CAP e a lama vermelha, respectivamente), a eficiência de remoção alcançou o valor de 100% para o CAP com massa de 1,0 e 0,1 g e 96% para a lama vermelha utilizando-se 0,1 g. A técnica de oxidação com cloro também se demonstrou bastante promissora. Com baixa concentração de cloro (1 mg L-1), pouco tempo de reação (30 minutos) e pH neutro foi possível obter eficiência de 100% de remoção do MEF.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq (Processo nº 472826/2012-3) pelo auxílio financeiro e à CAPES pela bolsa de Mestrado para V.B. L.

 

REFERÊNCIAS

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