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Química na Poesia e Poesia na Química Chemistry in Poetry and Poetry in Chemistry |
W. Martin Wallau*
Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos, Universidade Federal de Pelotas, 96010-900 Pelotas - RS, Brasil Recebido em 29/07/2014 * e-mail: martin_wallau@ufpel.edu.br Goethe's novel 'Elective Affinities', published in 1809, uses Bergmann's concept of 'Elective Attractions', from 1775, as a metaphor for social relations. Its analysis demonstrates the possibility of describing chemical theories, characterised by an anthropomorphic language, using poetic means. Due to the inherently poetic nature of chemical language, Nobel Laureate Roald Hoffmann (2002) suggests relaxing strictures against expressing emotions and personal motives in scientific publications, thus enabling the use ofing poetry to understand and communicate science. Based on the analysis of Goethe's novel and Hoffmann's essay, this article discusses the possibility of using poetic means to help understand chemistry and communicate its research results. INTRODUÇÃO Provavelmente a maioria dos leitores acharia o título deste artigo mais do que estranho, uma vez que Química e Poesia são ramos aparentemente opostos da cultura humana. E realmente, selecionando aleatoriamente um artigo de uma conceituada revista química,1 é comum encontrar frases estereotipadas e livres de qualquer traço de fantasia, paixão ou poesia, como: "The development of new preparative methods for (...) is still being of interest in (...) synthesis and in (...) science"1 e "Our major research goal has been the development of new and cleaner protocols for the preparation and synthetic applications of (...)"1 e "this observation showed that the (...) group acts as a directing and activating group for the (...)philic (...) of the (...)"1 e "This (...) method is general and can be used for (...) with reasonable to good yields."1 Lido assim, parece que os autores simplesmente preenchem as reticências de um gabarito pré-fornecido para gerar semi - automaticamente mais uma publicação, mostrando assim, aparentemente, que nem eles mesmos possuem um interesse profundo pelo tema pesquisado. Em um ensaio intitulado 'sobre poesia & a linguagem da ciência'2 o laureado do Prêmio Nobel Roald Hoffmann lamenta esta "monotonia privando a linguagem de espírito"2 nos artigos científicos, que ele acredita ser resultado dos esforços dos cientistas alemães no século XIX, que se opondo à influência do romantismo e sua filosofia natural, julgados como perniciosos, "purgaram os artigos científicos de seus últimos laços remanescentes com a poesia."2 Embora Hoffmann reconheça que os rumos divergentes da arte e da ciência, desde o século XIX, levaram não somente a dois séculos de poesia gloriosa, mas também à maior explosão de conhecimento nas ciências exatas já vista pela humanidade, ele relata na sua conclusão que, como químico requerendo significados precisos " os quais devem ser definidos por palavras lindamente imprecisas",2 ele necessita usar uma linguagem inerentemente poética para explicar suas equações matemáticas, estruturas químicas e seus novos conceitos, obrigando-o "a transformar sua compreensão da ciência em poesia."2 Surpreendentemente, existe uma obra poética da época da transição entre classicismo e romantismo alemão que apresenta de forma poética um conceito químico utilizando-o como metáfora para relações sociais e que não somente reflete as mudanças sociais desta época pós-revolucionária, mas também o conceito da química, a qual naquele momento também se encontrava na sua mais importante transformação, tornando-se uma ciência independente. Esta obra é, por alguns autores, também considerada como crítica e paródia do romantismo alemão3 e, portanto, parece interessante estudar a maneira como em um momento pré-romantismo, no qual segundo Hoffmann, um "'filósofo da natureza' sendo ambos um poeta e um químico tentando compreender o mundo em torno e dentro de nós requisitava todos os recursos da arte e da ciência", era possível tratar de forma literária um conceito químico, o que poderia indicar possibilidades como, parafraseando Hoffmann,2 a poesia pode servir para entender a química. A obra em questão é o romance "Die Wahlverwandschaften" (As Afinidades Eletivas)4 de Johann Wolfgang von Goethe (1749 - 1832) publicado em 1809 na qual se usa o conceito da 'attractio electiva' ou 'afinidade eletiva' como fundo metafórico. Assim, este artigo pretende ilustrar este conceito desenvolvido na época, na qual a química se tornou uma ciência independente e como este conceito ainda sobrevive na química contemporânea. Também é necessário evidenciar para o público brasileiro, de forma concisa, a perícia de Goethe em assuntos químicos, que influenciava ainda sua atuação como estadista, beneficiando o desenvolvimento da química científica na Alemanha do século XIX. Na sequência, tenta-se investigar a maneira como Goethe apresenta e interpreta na sua obra 'As Afinidades Eletivas' um conceito químico para, em seguida, discutir se é possível usar poesia para entender química.
'AFINIDADE' NA QUÍMICA DO SÉCULO XVIII Antropomorfismo, como se encontra na palavra 'afinidade', é encontrado na linguagem científica da química já no século XVII,5 quando Robert Boyle (1627 - 1692) publicou um livro intitulado em Francês 'Recueil d'expériences et observations sur le combat qui résulte du mélange des corps', ou seja, "Coleção de experiências e observações sobre a luta que é resultado da mistura dos corpos". Por outro lado, Herman Boerhaave (1668 - 1738) comparava, segundo Roth, reações químicas não com lutas, mas com 'fazer amor' ("lovemaking").5 Em 1718 Étienne-François Geoffroy (1672 - 1731) publicou seu 'Table des différents rapports observés en chimie entre différentes substances',5 mostrado na Figura 1.6 Deve ser ressaltado que Geoffroy usou a palavra 'rapport' (= relação) de propósito para evitar qualquer antropomorfismo.5
Figura 1. Tabela de 'Afinidades' de Geoffroy de 17186
Na primeira linha dessa Tabela de Afinidade, como ela foi chamada pelos sucessores de Geoffroy, que reintroduziram o antropomorfismo, encontram-se 16 compostos e abaixo os compostos com os quais eles possuem relações (afinidades), cuja força diminui na coluna de cima para baixo. Por exemplo, a última coluna (ao lado direito) mostra a afinidade de água (∇) com espírito de vinho () e sal (). Como a relação água - espírito de vinho (i.e. etanol) é mais forte que a relação água - sal, a adição de álcool a uma solução saturada resultaria na precipitação do sal, ou seja, no rompimento da relação água - sal. Uma explicação detalhada dessa Tabela de Afinidades, que inclui além de conhecidos compostos químicos, ainda, o flogisto aqui chamado 'principe huileux' ou 'principe soufre', e como ela explica e racionaliza reações químicas, é dada por Roth.5 Na sucessão de Geoffroy, o sueco Torbern Olof Bergman (1735 - 1784) tentou explicar as 'afinidades' como resultado de forças químicas que ele entendeu como atração ao curto alcance influenciado pela forma das substâncias.5 Esta abordagem permitiu entender porque as atrações seriam específicas para cada substância ('attractio electiva'). Além disso, Bergman diferenciou na sua obra 'Disquisitio de attractionibus electivis' (Investigações sobre as atrações eletivas),5,7-9 publicado primeiramente em 1775 em latim e póstumo em 1785 em uma tradução para o inglês,10 a 'attractio electiva' em 'attractio electiva simplex' (afinidade eletiva simples), quando um composto de dois componentes se decompõe na presença de um terceiro componente, a qual forma com um dos outros dois componentes um novo composto, e 'attractio electiva duplex' (afinidade eletiva dupla) na qual dois compostos reagem trocando seus componentes.5,8 Mais além, ele estabeleceu dois conjuntos de afinidades, um em meio úmido ('in the moist way') e outro em meio sólido ('in the dry way').5 A Figura 29 mostra umas das Tabelas com as 'simples elective attractions' da edição em inglês.10 Uma reprodução completa das Tabelas das 'simples elective attractions' pode ser encontrada nas referências indicadas.5,11 A legenda dos símbolos usados por Bergman se encontra na Figura 3.10,12 Os símbolos usados são parcialmente os mesmos já utilizados na alquimia, no entanto incluem alguns criados por Bergman.5 Deve ser ressaltado que, dentre estes símbolos, o símbolo alquímico para calor (Δ = matter of heat) persiste o mesmo até os dias atuais. Como revela a Figura 3, Bergman considerou 59 'substâncias' diferentes, entre elas 25 ácidas, 3 alcalinas, 5 terrosas, 16 metálicas e mais 10 substâncias diferentes, incluindo 'vital air', 'phlogiston' e 'the matter of heat'.
Figura 2. Tabela parcial das 'Tables of elective Attractions' de Bergman na versão de 1785 (reproduzido com a permissão de Elsevier)9,10
Figura 3. Explicação dos símbolos químicos utilizados por Bergman na Disquisitio attractionibus electivis10,12
As 'attractiones electivae duplices' são mostrados por Bergman em 64 esquemas de reação, das quais, 40 são reações em meio úmido (indicado pelo símbolo ∇ = água) e 24 em meio sólido (indicado pelo símbolo Δ = calor). Como exemplo desses esquemas de reação, a Figura 410 mostra a reação de óxido de cálcio (pure calcareous lime) com ácido sulfúrico (vitriolic acid) e ácido nítrico (nitrous acid)13 em meio aquoso. Nesta notação as chaves verticais indicam a formação de um composto e a direção de chaves horizontais indica precipitação (para baixo) ou solução/evaporação (para cima). O uso de meia-chave indica, dependendo da direção, precipitação/solução/evaporação de um composto simples. Isto significa que, no exemplo mostrado na Figura 4, nitrato de cálcio se forma pela ação de ácido nítrico sobre óxido de cálcio, mas se decompõe pela ação do ácido sulfúrico, resultando na precipitação de gesso, enquanto o nitrato é dissolvido.10
Figura 4. Esquema de reação entre ácido sulfúrico (+) ou ácido nitrico13 (+) e óxido de cálcio () na presença de água (∇) como exemplo de 'attractio electiva duplex' acima: na notação de Bergman;10 abaixo: utilizando a notação moderna
A comparação da Tabela de Afinidades de Geoffroy (Figura 1) com as Tabelas e Esquemas de Bergman (e.g. Figura 2 e Figura 4) mostra como o conceito da 'afinidade' ajudou na evolução dos conhecimentos químicos em quase sete décadas. Enquanto Geoffroy somente resumiu os fatos observados de forma coerente, a obra de Bergman permitiu a interpretação de reações químicas com base nas propriedades químicas de substâncias específicas.5 Bergman considerava, devido a ocorrência de irregularidades, suas Tabelas e Esquemas ainda incompletos, e tinha elaborado um 'plano de pesquisa' de aproximadamente 30000 experimentos para inclusão destas irregularidades.5
JOHANN WOLFGANG VON GOETHE - QUÍMICO, ESTADISTA E POETA Goethe na WIKIPEDIA Insinuando que hoje em dia, embora quase ninguém admita, a WIKIPEDIA é a primeira (e principal) fonte consultada sobre assuntos gerais, Goethe (Figura 5)14 deve ser conhecido pelos brasileiros como "um escritor alemão e pensador que também fez incursões pelo campo da ciência."15 Para aprofundar estas informações, pretende-se mostrar aqui um pouco de seus conhecimentos químicos e sua importância como estadista para o desenvolvimento da química científica na Alemanha, enquanto sua grandeza como poeta será ilustrada pela interpretação do romance 'As afinidades eletivas', em parágrafo separado.
Figura 5. Johann Wolfgang von Goethe14 (a pintura representativa por volta de 1809 mostra Goethe com as insígnias do Grã-Cruz, reservada para os Príncipes da Família Ducal e os Ministros de Estado, da 'Ordem Dinástica do Falcão Branco')
O químico Goethe Goethe conhecia a Química por experiência própria, como pode ser mostrado na sua obra autobiográfica 'Dichtung und Wahrheit' ('Poesia e Verdade').16,17 Como exemplo, pode servir a descrição de experimentos químicos e alquímicos que ele realizou, ainda estudante de Direito, durante uma convalescença, no ano 1769, na casa de seus pais em Frankfurt am Main e descrito no 8º Livro de 'Poesia e Verdade': "Assim que melhorei um pouco e, graças à boa estação, pude instalar-me na minha velha mansarda, arranjei também um pequeno equipamento. Consegui um forninho de fundição e uma caixa de areia;18 aprendi rapidamente a transformar os balões em cápsulas com o auxílio de uma mecha acesa, para fazer evaporar as diversas misturas. Singulares ingredientes do macrocosmo e do microcosmo foram então tratados de maneira misteriosa e esquisita; acima de tudo, o que se procurava era produzir sais neutros por um método novo. Mas o que mais me interessou por bastante tempo foi o chamado liquor silicum (licor de seixos),19 que é produzido mediante a fusão do quartzo com uma proporção adequada de álcali, donde resulta um vidro diáfano que se liquefaz ao ar, dando um belo líquido transparente. Ninguém que o tenha produzido pessoalmente uma vez e visto com seus próprios olhos condenará os que acreditam numa terra virgem e na possibilidade de operar novos efeitos sobre ela e por meio dela. Eu havia adquirido uma certa habilidade em preparar esse licor de seixos; os belos sílex brancos encontrados no Meno me forneciam excelente material para isso, e não me faltava o resto, como também a aplicação."16 Além desses experimentos ainda enraizados na alquimia,7 Goethe manifestava naquela época grande interesse na aplicação prática da química, como mostra a descrição de uma de suas viagens, descrita no 10º Livro de 'Poesia e Verdade', no verão de 1770, durante a qual ele e alguns amigos visitavam a região de Sarre, onde se desenvolveu, desde a segunda metade do século XVIII, baseado nas minas de hulha e produção de ferro e vidro e iniciado pelo Príncipe Wilhelm Heinrich von Nassau-Saarbrücken (1718 - 1768),7 mencionado abaixo por Goethe como o falecido príncipe, um dos primeiros centros industriais da Alemanha. "Chegamos diante de uma casinha bastante convidativa e encontramos o Sr. Stauf, que logo reconheceu o meu amigo e o acolheu com uma série de queixas contra a nova administração. Com efeito, pudemos concluir de suas palavras que a exploração da pedra-ume,20 como tantos outros empreendimentos dignos de todo louvor, não compensava as despesas, por motivos de circunstâncias exteriores e quiçá também internas. O Sr. Stauf era como os químicos21 daquele tempo, que, sentindo muito bem todo o proveito que se poderia tirar dos produtos da natureza, abandonava-se à meditação abstrusa de bagatelas e acessórios; e que, sem possuírem conhecimentos suficientes, não sabiam fornecer de maneira ininterrupta os produtos de onde se pode auferir uma vantagem econômica e comercial. Assim, por exemplo, a sonhada utilização das escórias era muito problemática;22 e quanto aos frutos da montanha ardente,23 ele não tinha nada a mostrar senão um bolo24 de sal amoníaco. Todo solícito e contente de ter a quem exaltar suas queixas, esse homenzinho magro e decrépito, com um pé calçado de chinelo e o outro de sapato, as meias escorregando pelas panturrilhas e ele sungando-as em vão a cada passo, galgou conosco a montanha onde se encontrava a fábrica de resina instalada por ele próprio e que, com grande desgosto, vê cair atualmente em ruínas. Vimos ali uma série de fornos em que a hulha devia perder o seu enxofre para adaptar-se ao trabalho do ferro;25 mas ao mesmo tempo quisera tirar proveito da hulha e da resina, e mesmo utilizar o sebo, de modo que esses múltiplos projetos fizeram fracassar toda a empresa. No tempo do falecido príncipe eram a fantasia e a esperança26 que incitavam à ação; agora exigia-se a utilização imediata e não podia produzi-la."16 O Sr. Stauf mencionado por Goethe é identificado por Schwedt27 como o Químico Johann Kaspar Staudt, nascido por volta de 1710, que ele descreve como inventor influente, cujas ideias na tecnologia de carvão, mencionadas por Goethe no trecho acima, foram realizadas somente depois da sua morte. Também é interessante ressaltar a atenção dada por Goethe, na sua descrição feita mais de 30 anos depois da visita, ao vestiário descuidado do Químico Sr. Stauf, certamente em contraste a roupa extravagante, normalmente usada pelo garrido jurista Goethe,28 características das duas profissões até hoje. O estadista Goethe como benfeitor da química científica Embora negligenciado na versão em Português da WIKIPEDIA,15 Goethe era, além de poeta e cientista amador, também estadista, cujo trabalho tinha influência além das fronteiras do minúsculo ducado de Sachsen-Weimar-Eisenach. Como Ministro de Estado, Goethe promoveu ativamente o desenvolvimento de processos tecnológicos no Ducado como, por exemplo, a fabricação de açúcar por hidrólise ácida de amido durante o Bloqueio Continental de Napoleão, que entre 1806 - 1814, impediu, entre outras, a importação de açúcar de cana.7,29 Embora, fundada no ducado em 1812, uma primeira fábrica para transformação de amido em açúcar, a mesma era um sucesso modesto, já que o Duque Carl August (1757 - 1828) comentou a qualidade do produto com as palavras: "muito ruim e tinha no café um gosto miserável".29 Este fracasso era provavelmente devido ao baixo teor de amido nas batatas cultivadas no Ducado.7 De maior importância que estes empreendimentos, nem sempre bem sucedidos, para fortalecer a economia do Ducado, era certamente a responsabilidade de Goethe para a Universidade de Jena, mantida pelo Ducado em parceria com os demais Ducados Saxões localizados no atual Estado da Turíngia e no norte da Bavária. Nesta posição Goethe criou em 1789 a primeira cátedra de química7,30 em uma universidade alocada na faculdade de filosofia31 e não, como era o costume, na de medicina. Maar30 vê acertadamente nessa transferência o início de uma interação com a física e a matemática, permitindo uma maior interação destas áreas e acarretando a institucionalização da físico-química no fim do século XIX. Esta institucionalização de disciplinas permitiu que a química, até então voltada para sua aplicabilidade, conseguisse uma estruturação científica de seu conhecimento.30 Talvez, ainda mais importante que a criação da cátedra independente de Química, sejam a influência e a perícia de Goethe na escolha e nomeação dos primeiros docentes, ambos com grande importância para o desenvolvimento da química como ciência. Como primeiro catedrático de Química na Universidade de Jena foi nomeado Johann Friedrich August Göttling (1753 - 1809), que desde 1774 trabalhava na Botica da Corte (Hof-Apotheke) em Weimar e tinha recebido em 1785, pelo Duque Carl August, por intervenção de Goethe, uma bolsa de estudos que lhe possibilitou por dois anos estudos em Química na Universidade de Göttingen e, em seguida, uma viagem para Holanda e Inglaterra para conhecer a tecnologia química emergente nesses países durante a primeira fase da industrialização.7 Devido a esta preparação, Göttling recebeu na Universidade de Jena o grau de doutor em filosofia, sem a necessidade de escrever uma dissertação em latim, e assumiu no verão de 1789 as aulas de Química, Farmácia e Tecnologia.7 Como adepto de Lavoisier,30 ele contribuiu para derrubar a teoria do flogisto na Alemanha e ajudou na disseminação e no reconhecimento da química moderna.7 Com a ajuda de Goethe, Göttling ainda conseguiu instalar na Universidade um dos primeiros laboratórios para realização das aulas em uma universidade alemã.7 Além disso, ele contribuiu para a popularização da química científica pela confecção e comercialização do 'Chemischen Probir- Cabinets' (Figura 6). Este 'kit' de química era acompanhado de um livro de mais de 200 páginas e permitiu, para o público alvo, artistas das separações,32 médicos, mineralogistas, metalurgistas, tecnólogos, fabricantes, economistas e amantes da natureza,33 a realização de 152 ensaios da química analítica inorgânica-qualitativa e a análise de águas minerais, vinhos e o controle da qualidade de medicamentos.7,34
Figura 6. Reconstrução do 'Chemischen Probir-Cabinets' ('kit' de Química) construído e comercializado por Göttling.8 Deve ser ressaltado que em vez de tubos de ensaio, se usavam taças de vinho, que não acompanhavam o 'kit' (reproduzido com permissão de Wiley-VCH)
Depois da morte de Göttling em 1809, foi nomeado em 1810, como professor de química, Johann Wolfgang Döbereiner, um autodidata que tinha trabalhado em diversas boticas e manufaturas químicas. Mesmo sem educação acadêmica formal ele recebeu, em virtude de suas publicações, o grau de doutor de filosofia pela Universidade de Jena.7 Döbereiner e Goethe mantiveram, até a morte do último, contato sobre assuntos científicos, como é lembrado no túmulo de Döbereiner (Figura 7),35 ao lado de suas contribuições para a química (Regra das Tríades e Catálise da Platina), para as quais ele também foi cantado e dançado durante o Carnaval de 2011 em Olinda.36
Figura 7. Túmulo de Johann Wolfgang Döbereiner (1780 - 1849), Professor de Química da Universidade de Jena35 (abaixo da grinalda de lauréis está escrito em Alemão: Conselheiro de Goethe, Criador da Teoria das Tríades, Descobridor da Catálise da Platina)
'AS AFINIDADES ELETIVAS' DE GOETHE ' Attractio electiva' como fundo do romance ' Die Wahlverwandtschaften' de Goethe A Figura 837 mostra a primeira edição do romance "Die Wahlverwandtschaften", no qual Goethe transfere o conceito 'attractio electiva', formulado por Bergman, às relações humanas. Embora a tradução 'Auswählende Anziehung' (atrações eletivas) seria mais adequada, Christian Ehrenfried Weigel (1748 - 1831) cunhou em 1779 o termo alemão 'Wahlverwandtschaft' (literalmente: parentesco eletivo) para o conceito de Bergman.7,8
Figura 8. Folha de rosto da primeira edição de 'Die Wahlverwandtschaften' de 180937
No título do romance de Goethe o parentesco não deve ser interpretado como parentesco natural ou consanguíneo, mas como parentesco civil ou afim, e, portanto, a tradução 'Afinidades Eletivas' é mais indicada, uma vez que o romance descreve o conflito entre inclinação (eleição) e restrições sociais impostas por parentescos afins, definidos e regulamentados no Direito Civil, ou seja, entre amor e casamento, entre sentimentos seguindo suas regras próprias e normas determinadas pela sociedade civil.8 Sobreposta a esta área de conflito surge a questão se a inclinação entre os personagens depende da livre vontade atribuída aos seres humanos, ou se suas escolhas são como a 'attractio electiva' entre os compostos químicos, resultado de uma necessidade natural inerente, em outras palavras, se o fim trágico do romance é consequência da vontade própria ou das condições sociais e das necessidades naturais dos personagens. Em resumo, o romance narra o convívio de "Eduard - (...) um rico barão em plena virilidade"4 e sua esposa Charlotte com o Capitão, um amigo de Eduard, e com Ottilie, a afilhada de Charlotte. Na sua juventude Eduard e Charlotte formavam um par romântico, mas ambos se casaram com outros parceiros por decisão de suas famílias, porém se reencontraram, como viúvos, e no começo da história, vivem seu casamento romântico em plena harmonia. Eduard convida, contra a vontade de Charlotte, que teme um distúrbio do convívio harmonioso com seu par romântico perfeito, um amigo de juventude, o Capitão, que se encontra em dificuldades econômicas, para conviver com o casal na propriedade opulenta onde ele participará na administração. No decorrer da história, Charlotte chama sua afilhada Ottilie para viver também na propriedade e assim se desenvolve entre as personagens uma reação (química) nos moldes da 'attractio electiva' de Bergman. A conversa química em 'As Afinidades Eletivas' de Goethe No romance, a 'attractio electiva' de Bergman é introduzida e explicada durante uma conversa entre Eduard, o Capitão e Charlotte. Esta conversa, descrita no 4º Capítulo, acontece durante uma das reuniões noturnas onde "a conversa e a leitura eram quase sempre dedicadas àqueles assuntos que aumentam a prosperidade, as vantagens e o bem-estar da sociedade burguesa."4 Como para Charlotte a "camada de chumbo nos potes de barro, o azinhavre nos vasos de cobre já lhe tinham causado muita preocupação. Quis instruir-se a esse respeito e naturalmente precisou retroceder a noções fundamentais de Física e Química."4 Durante a leitura de obras químicas, Charlotte é confrontada com a palavra 'Afinidades' que a faz lembrar "em meus parentes, em alguns primos, que tanto me preocupam neste momento"4 e estranha sua atribuição às "coisas totalmente inanimadas" deixando-a com vontade de saber: "o que significa de fato aqui a palavra 'afinidades'?"4 Para ilustrar o termo 'afinidade eletiva' Eduard relata exemplarmente o comportamento de substâncias simples entre si e em relação uma à outra: "imagine a água, o óleo, o mercúrio: você verá uma unidade, uma coesão entre as suas partes. Essa união só deixará de existir pela força ou por determinação qualquer. (...) Ora agirão como amigos ou velhos conhecidos que rapidamente se reúnem, se juntam, sem modificarem um ao outro, tal como o vinho ao se misturar com a água; ora ao contrário, permanecerão absolutamente estranhos um ao outro, sem se unirem, mesmo através de fricções ou misturas mecânicas; tal como o óleo e a água, que logo depois de sacolejados juntos voltam a se separar."4 Interessantemente Goethe aprova aqui o antropomorfismo, com as palavras de Charlotte: "o que mais se assemelha a esses seres inanimados são as massas se enfrentando no mundo, as classes sociais, as profissões, a nobreza e a burguesia, o militar e o civil",4 o que é reforçado por Eduard e levado de volta ao mundo químico: "tal como esses grupos que se agregam por meio de costumes e leis, há também, em nosso mundo químico, elementos para juntar aquilo que se repele mutuamente."4 No romance, Goethe continua descrevendo nas palavras do Capitão o conceito de 'afinidades eletivas' entre compostos diferentes: "Àquelas naturezas que, ao se encontrarem, se ligam de imediato, determinando-se mutuamente, chamam-nos 'afins'. Nos álcalis e ácidos essa afinidade é bastante evidente; embora sejam opostos e talvez justamente por isso, procuram-se e se agregam da maneira mais decidida, modificando-se e formando um novo corpo. Pensemos somente na cal,38 que manifesta uma grande atração por todos os ácidos, um impulso imperativo para a união! Logo que chegar o nosso laboratório de química, iremos deixá-la ver diversas experiências que, além de muito divertidas, darão uma noção mais clara do que palavras, nomes e termos técnicos".4 Deve ser ressaltado que Goethe se refere com "nosso laboratório de química" certamente ao 'Chemische Probir-Cabinet' de Göttling (Figura 6),8 e é provável que Goethe já tivesse realizado diversos experimentos com este 'kit' de Química, incluindo o descrito abaixo pelo Capitão. "Por exemplo: o que chamamos de pedra-cal não passa de terra calcária mais ou menos pura, estreitamente unida a um ácido tênue que ficou conhecido para nós como gaseiforme. Se colocarmos um pedaço dessa pedra em ácido sulfúrico diluído, este então se juntará à cal,38 ganhando com ela a forma de gesso; aquele ácido tênue, etéreo, por sua vez, se evaporará. Aqui ocorreu uma desagregação e uma nova combinação, o que nos autoriza a aplicar a expressão 'afinidade eletiva', pois realmente parece que se preferiu uma relação e não outra, que se elegeu uma em detrimento da outra."4 No sentido de Bergman, o Capitão descreveu aqui uma 'attractio electiva simplex'. Como comentário se desenvolve um diálogo entre Charlotte e Eduard: "- O gesso que o diga! - exclamou Charlotte. - Ele está pronto; é um corpo; não precisa de mais nada, ao contrário daquele corpo repelido, que ainda pode passar muitas necessidades até encontrar abrigo. - Se não estiver enganado - disse Eduard sorrindo -, há um pouco de malícia por trás de suas palavras. Confesse a sua traquinice. Em última análise, sou, aos seus olhos, a cal38 que o Capitão, como ácido sulfúrico, apanhou e afastou de sua agradável companhia, transformando-me em gesso refratário." A reação química entre calcário e ácido sulfúrico, descrita aqui como exemplo de 'attractio electiva simplex' e sua transferência metafórica à esfera social, é mostrada no Esquema 1.
Esquema 1. 'Attractio electiva simplex' entre calcário e ácido sulfúrico na notação moderna e com transferência metafórica na esfera social das personagens
Depois de ter levado o exemplo à esfera social, Goethe permitiu que Charlotte refletisse novamente sobre o antropomorfismo metafórico: "Essas alegorias são graciosas e divertidas, e quem não gosta de brincar com as semelhanças? Entretanto o ser humano está muitos degraus acima de tais elementos e, se nesse caso tem sido tão liberal com essas belas palavras 'escolha' e 'afinidades eletivas', ele fará bem em voltar-se para si mesmo e desse modo refletir bem sobre o valor dessas expressões. Infelizmente conheço muitos casos em que a união íntima e aparentemente indissolúvel de dois seres foi desfeita pela junção ocasional de um terceiro, lançando num imenso vazio um dos membros de tão bela união."4 Rebatendo a peteca, Eduard e o Capitão levam a conversa de volta à esfera química, ampliando o conceito da 'attractio electiva' para a 'attractio electiva duplex': "os químicos são muito mais galantes; (...) eles agregam um quarto elemento para que nenhum fique imune. - Mas claro! - exclamou o Capitão. - Esses casos são, sem dúvida, os mais significativos e curiosos; por meio deles pode-se realmente demonstrar a atração, a afinidade, esse abandono e essa junção entrecruzando-se; neles veem-se os quatro seres, unidos até então dois a dois, que, entrando em contato, abandonam a sua união anterior e formam novas. Nesse ato de largar e prender, nessa fuga e nessa busca, julgamos ver realmente uma determinação mais elevada; atribuímos a esses seres uma espécie de vontade e preferência, e assim consideramos plenamente justificado o termo técnico 'afinidades eletivas'."4 Eduard finaliza a conversa química com a transferência da 'attractio electiva duplex', utilizando uma espécie de fórmula química à situação pessoal: "vamos considerar essa fórmula como uma alegoria, da qual podemos tirar ensinamentos para uso imediato. Você, Charlotte, representa o A, e eu o seu B, visto que na verdade estou ligado a você e a sigo como o B ao A. O C é evidentemente o Capitão, que agora está de certo modo me afastando de você. Bem, para que não fique na incerteza, é justo que se procure um D para você, e esse será sem dúvida a amável senhorita Ottilie, cuja vinda você não pode mais protelar."4 No Esquema 2 se encontra a representação da 'attractio electiva duplex' descrita aqui por Eduard com sua transferência à esfera social junto com a análise da reação nos conceitos da química moderna.
Esquema 2. Reação usada como exemplo de 'attractio electiva duplex' por Eduard para ilustrar as pretendidas relações sociais entre as personagens, com a notação usada por Eduard, e a sua transferência para a esfera social junto com os equilíbrios químicos considerados na química moderna
A química como metáfora para o fracasso das relações sociais A perícia química de Goethe se mostra claramente na escolha da reação metafórica. Como revela o Esquema 2, para qualquer químico que prestou a mínima atenção nas aulas práticas de Química Inorgânica, o arranjo pretendido para salvar a paz domiciliar não funcionará. Pela presença do ácido, o equilíbrio (2) no Esquema 2 é deslocado para o lado esquerdo e assim, parafraseando Goethe, "o coitado do ácido gasoso" [não pode] "ligar-se à água e, como fonte mineral, servir de refresco aos sãos e aos doentes."4 Goethe conhecia as obras7,39 de Claude Louis Comte Berthollet (1754 - 1822), nas quais ele, como antítese a 'attractio eletiva' de Bergman, desenvolve os primeiros conceitos de equilíbrio químico, mostrando na sua obra 'Essai de Statique Chimique', publicada em 1801, que é possível inverter uma reação com um excesso suficiente de um dos produtos de reação.40 Especialmente um trecho, publicado na tradução alemã em 1802, da obra 'Untersuchungen über die Gesetze der Verwandtschaft in der Chemie',41 que usa praticamente o mesmo vocabulário que Eduard na conversa química: "devo provar que se um elemento C age sobre o composto AB, isto não resulta de imediato no composto AC (...), mas que A se divide entre B e C, na relação da sua afinidade",42 parece ter inspirado Goethe em seu 'Experimento Literário'. Mesmo insinuando que Goethe não tinha ciência do equilíbrio químico, ele deveria ter conhecimento, a partir da sua própria experiência química, da formação de uma camada protetora de gesso na superfície da pedra-cal, evitando sua completa dissolução. Exatamente esse rumo, de uma reação química incompleta, tomam os relacionamentos entre as personagens depois da chegada de Ottilie. Pensando que Goethe provavelmente conhecia a inversão de reações químicas proporcionado pela quantidade das substâncias participantes e que ele deve ter realizado a reação entre pedra-cal e ácido sulfúrico diluído utilizando o 'Chemische Probir-Cabinet' de Göttling (Figura 6), parece perfídia, que ele, privando seus personagens da realização do experimento químico antes de tirar conclusões precipitadas, obrigou-os a realizarem este 'experimento social'. Na continuação do romance não há o emparelhamento previsto por Eduard e ilustrado na Equação (3) do Esquema 2, mas sim uma aproximação sentimental entre estas personagens, que reagem de maneira diferente. Enquanto Charlotte e o Capitão resistem a seus sentimentos mútuos, Ottilie e Eduard retribuem os seus, mas sem que Eduard consiga se liberar do seu parentesco afim (casamento) com Charlotte. Assim, os conflitos entre amor e casamento, sentimento e regras sociais, representados pela reação química incompleta, levam o conflito à catástrofe terminando com as mortes de Eduard e Ottilie e o romance termina com as palavras, ironizando um fim romântico feliz: "E, assim, os dois amantes descansam lado a lado. A paz paira sobre sua morada; imagens de anjos serenos, seus afins, miram-nos da cúpula; e que momento agradável aquele em que um dia despertarão juntos!"4
DISCUSSÃO Antropomorfismo na linguagem química À primeira vista, a química de Bergman, usada por Goethe como fundo para um romance social, nada tem a ver com a química moderna e, assim, parece improvável que nossos conceitos modernos poderiam, também, servir como fundo de uma obra poética. Porém, deve ser lembrado que até hoje a linguagem química está repleta de antropomorfismos. Por exemplo, palavras como eletrofílica, nucleofílica, hidrofóbica ou lipofílica são tão amplamente usadas, que até parecem fazer parte do conjunto de frases utilizado para preencher as reticências nos gabaritos da produção (mecanizada)2 de artigos. Todos estes derivados das palvaras gregas φίλος ou φιλία geralmente traduzidos como 'amigo'43 e 'amor' ou 'afeição';44 e φόβος, traduzido como 'medo'43 ou 'fuga' e 'timidez',45 e também as 'Famílias'46 da Tabela Periódica, são inegavelmente termos antropomórficos. Até o termo afinidade se encontra ainda na linguagem química, na qual ele é usado como sinônimo para entalpia livre.40 Bergman já havia discutido a influência do excesso de um dos compostos nas reações,5 como também o efeito do calor e solubilidade nos processos químicos.8 Na sua sucessão, Berthollet mostrou a influência das quantidades no decurso de reações químicas, mudando o paradigma das intransmutáveis 'attractiones electivae' de Bergman, consideradas como 'afinidades qualitativas',47 para o paradigma das reações transmutáveis pela quantidade dos reagentes, consideradas 'afinidades quantitativas'.47 Embora, como nós sabemos, os argumentos de Berthollet eram corretos, ele errou quando postulou que as quantidades não somente mudariam o percurso da reação mas também a composição dos produtos. A verificação da 'Lei das Proporções Definidas' desacreditou estas ideias de Berthollet e assim, na opinião de seu tempo, também suas considerações sobre o equilíbrio químico e, portanto, o conceito de equilíbrio químico foi somente estabelecido por Guldberg e Waage em 1863, com a Lei de Ação das Massas.40 Por outro lado se mostrou a partir da segunda metade do século XX a existência de inúmeros compostos inorgânicos como, por exemplo, compostos intermetálicos, que variam significativamente de composição estequiométrica. Reconhecendo esta reabilitação de Berthollet tais compostos são agora chamados de bertoloídeos.40 Talvez seria interessante estudar na teoria da ciência tais 'Espíritos da escada', nos quais hipóteses, como por exemplo a Hipótese de Prout, em que os átomos de todos os elementos são constituídos de um número definido de átomos de hidrogênio, são em um primeiro momento refutadas pelas observações experimentais, porém ressuscitam na luz de novas observações. Goethe tinha, no romance de 1809, a intenção de tratar não somente o conceito da 'attractio eletiva' de Bergman, mas também sua mudança, que iniciou com as obras de Berthollet. Isto se revela no início da 'Conversa Química', nas palavras do Capitão quando ele se oferece para explicar o termo 'afinidade' a Charlotte: "farei isso da melhor maneira possível, tal como li e aprendi há dez anos. Se é assim que ainda se pensa no mundo científico, ou se isso se ajusta às novas doutrinas, não saberia dizer."4 Realmente, nos dez anos antes da publicação do romance em 1809, iniciou-se uma mudança da doutrina das 'afinidades qualitativas' de Bergman para a das 'afinidades quantitativas' de Berthollet. O romance é interpretado, também, como uma alegoria para a mudança social.47 Da sociedade aristocrática, separada em classes sociais, intransmutável como as 'attractiones electivae' de Bergman, para a sociedade burguesa, caracterizada por Igualdade, Liberdade e Fraternidade, transmutável como o equilíbrio químico pela ação das massas, que encontra sua expressão social, por exemplo, na 'Levée en masse' durante a Guerra da Primeira Coalizão (1792 - 1797). Dos primeiros e arranjados casamentos de Eduard e Charlotte, intransmutáveis pelas normas da classe social, para o segundo casamento baseado no transmutável amor romântico. Esta pequena excursão na interpretação da obra de Goethe mostra certamente o potencial encontrado com o uso do conceito antropomórfico das 'afinidades eletivas' como alegoria. Um ponto central desse antropomorfismo já indicado por Goethe nas palavras de Charlotte é a semelhança entre "esses seres inanimados [e] as massas se enfrentando no mundo"4 que pode ser reencontrado no artigo 'O Poder das Coisas'48 de Hoffmann e Laszlo, no qual eles comparam de forma poética a saponificação de gordura com uma dança e conversa de moléculas e íons: "It's a mad dance floor inside the pot. Some 1025 molecules of fat are jiggling around the viscous solution, moving much quicker (if tortuously) than we may imagine. The molecules collide with each other very frequently, as well as with the OH-, Na+, K+, Ca2+ ions and waters. Once in a while a hydroxide nears one of the three central carbon atoms of a fat molecule, the knock is just right (men and women are not that different from molecules as they think) and a C-OH bond forms, while the C-R bond loosens. An R- ion slides into the murk, picks up some surrounding waters, and is of onto the dance floor, picking up a positive ion partner. One of the authors [RH] has a fond remembrance of the closest model he has seen for molecular collisions and reaction kinetics. It was outside of Havana, an immense crowd densely dancing as the greatest Cuban band of them all, Los Van Van, played 'Muvete'. Lye and fat talk, the triglyceride and hydroxide ions sing in this wild riff, entangling, reacting ... in the dark of the deep, except that sunlight comes in, and other energy in the form of heat, more energy to be released when nearby bonds are productively broken. The conversation becomes more heated, old bonds are loosened, new ones formed. Eventually, the conversation quiets, and we have ... soap."48 Diretamente inquietante parece esse texto de Hoffmann e Laszlo ao lado da descrição do Laureado do Prêmio Nobel de Literatura Elias Canetti sobre sua percepção da revolta socialista que foi testemunhada por ele quando estudante de Química, no dia 15 de Julho de 1927 em Viena. Este relato pode ser entendido como complemento do texto de Hoffmann e Laszlo, não descrevendo de fora a "pista de dança louca dentro do caldeirão",48 mas de dentro da massa, a percepção de um ser singular puxado e arrastado por seus pares: "Talvez fosse isto o mais tenebroso: viam-se e ouviam-se pessoas em meio a um gesto violento que excluía tudo o mais, e logo estas mesmas pessoas haviam sumido da face da terra. Tudo cedia, e em toda parte abriam-se buracos invisíveis. Mas a relação de conjunto não se rompia; mesmo quando de repente nos encontrávamos sozinhos em algum lugar, sentíamos que algo nos puxava e arrastava. Isto era porque em toda parte ouvíamos alguma coisa; havia no ar um som rítmico, uma música maligna. Pode-se chamá-lo de música; aquilo nos elevava. Eu não tinha a sensação de estar caminhando com minhas próprias pernas. Era como se estivesse dentro de um vendaval retumbante. Uma cabeça vermelha surgiu à minha frente, em diversos lugares, para cima e para baixo, para cima e para baixo, elevava-se e abaixava-se, como se flutuasse sobre a água. Eu a procurava com os olhos, como se tivesse de obedecer às suas ordens; pensei que fossem cabelos vermelhos, depois reconheci um lenço vermelho, e deixei de procurar." 49 A impressão de que tanto as moléculas inanimadas no caldeirão de sabão quanto o racional escritor, aparentemente com livre-arbítrio, não são sujeitos, mas objetos de uma vontade externa, é fortalecido pelo fato que nos dois casos os autores descrevem como força motriz a música. Na percepção de Schopenhauer (1788 - 1860) a música "[é] de modo algum semelhante às outras artes, ou seja, cópia de Idéias, mas CÓPIA DA VONTADE MESMA,"50 e para ele está "VONTADE" é 'Das Ding an sich', ou seja "a coisa-em-si, o conteúdo íntimo, o essencial do mundo",51 o que leva-o a sua bem conhecida poda do livre-arbítrio humano: "Es verdad pudes hacer52 lo que quieras:52 pero em cada momento dado de tu vida no puedes querer52 más que uma cosa precisa, y una sola, con exclusión de todo lo demás".53 Baseado neste pensamento podemos reconhecer que o antropomorfismo na descrição de fenômenos químicos não atribuía a 'seres inanimados', injustificadamente, 'emoções' ou 'vontade livre', mas ao contrário, recoloca o ser humano em uma posição na qual suas emoções e seu livre-arbítrio são como os movimentos das moléculas inanimadas, expressão "DA VONTADE MESMA",50 ou seja, expressão da 'Coisa-em-si', cujo desvendamento é a mais profunda força motriz de qualquer atividade científica, assim o fato de que "homens e mulheres não são tão diferentes de moléculas como eles imaginam"48 permite descrever a realidade química da mesma maneira como nosso mundo social, aplicando todas as técnicas intelectuais, incluindo imaginação, fantasia e poesia.2 Poesia na Química Vimos no parágrafo anterior a legitimidade de uma linguagem poética, usando antropomorfismos para descrever fenômenos químicos. Agora, devemos discutir a questão de como uma linguagem poética pode ser usada na literatura química. Hoffmann sugeriu que "[a] comunidade deveria relaxar suas restrições contra a expressão de emoções e motivos pessoais"2 e ele até esperava que, com a revelação das emoções e da motivação pessoal na pesquisa, fosse revelada, com mais facilidade a pesquisa realmente inovadora. Porém, deve-se duvidar que poesia nos 'research papers' realmente seja necessária ou prestimosa para sua compreensão. Num típico 'paper',1 especialistas falam para especialistas e cada um, certamente, deve ser consciente de suas emoções e motivos pessoais que o levaram a este trabalho. Assim, o uso de uma linguagem extremamente formal e livre de emoções ajuda os autores,1 mesmo sendo de uma "monotonia que priva a linguagem de espírito",2 na comunicação rápida e clara de suas "descobertas novas e suas descrições de moléculas maravilhosas".2 Ainda deve-se levar em consideração que ambições literárias, quando se escreve um artigo científico, sejam anteparados pelo fato que a maioria dos autores considera-se feliz caso consigam, em uma língua que eles não aprenderam com suas mães, preencher as reticências no 'template',54 fornecido pela editora, sem que o resultado pareça ser da autoria do monge Salvatore, do famoso romance de Eco.55 Por outro lado, os artigos de revisão poderiam ser um campo para apresentação mais 'poética' da pesquisa, e realmente algumas revistas especializadas incentivam o uso de "estilos de apresentação um tanto menos formal do que aqueles que prevalecem em grande parte da literatura científica".56 Infelizmente, neste gênero, a ambição literária dos autores se restringe normalmente a comparações pitorescas, como: "(...), assim como vários compostos naturais semelhantes, pode ser considerado como Canivete Suíço para o químico orgânico"57 ou fúteis alusões literárias como "Catalisadores Heterogêneos (...): Pedra Filosofal ou Cavalo de Troia?",58 que embora adequadas para chamar a atenção do leitor, revelam mais sobre o pretexto de escrever a revisão do que sobre o motivo e o valor da pesquisa descrita. Talvez os gêneros de literatura científica mais propensos às aspirações literárias sejam os que possuem elementos autobiográficos. Um exemplo digno de leitura é o discurso de Barry Sharpless, durante a cerimônia do Premio Nobel em 2001,59,60 que é caracterizado pela descrição viva de sua paixão pela pesquisa química culminando numa parábola quase bíblica, que compara sua busca pela reatividade nova com a pesca. Porém, relatos autobiográficos, muitas vezes redigidos anos ou mesmo décadas depois da descoberta científica, envolvem o risco de se tornar um conto de 'Rashomon',61 como discutem Laszlo e Hoffmann, ao confrontar os relatos dos diversos cientistas envolvidos na elucidação da estrutura do ferroceno, e ao mostrar que cada um, como as personagens do famoso filme de Akira Kurosawa do ano 1950, 62 possui sua versão própria dos acontecimentos e de sua sequência, bem como de seu papel nessa descoberta. Como visto na conversa química no romance 'As Afinidades Eletivas'4 e na descrição da saponificação por Hoffman e Laszlo,48 os antropomorfismos na linguagem química facilitam a descrição de reações e de conceitos químicos usando elementos poéticos. Assim, pode-se pensar em usar tais descrições antropomórficas em exercícios didáticos. Já Goethe disse: "Essas alegorias são graciosas e divertidas",4 e assim poderia ser uma brincadeira intelectual, descrever reações químicas por alegorias antropomórficas ou vice-versa. O leitor interessado poderia, por exemplo, procurar uma reação, que diferente da reação escolhida por Goethe, realmente resultaria na constelação (social) pretendida por Eduard e mostrada no Esquema 2. Ele ainda poderia procurar uma reação representando o comportamento das personagens do romance 'O Quatrilho',63 mais famoso na sua adaptação cinematográfica.64 É possível descrever o relacionamento entre Bento, Capitu, Escobar e Sancha nos moldes de uma reação química?65 Especialmente no nível do ensino médio, tais brincadeiras não tão sérias, poderiam despertar o interesse de alunos mais interessados nas áreas humanas para a química e as áreas das ciências exatas e vice-versa, uma vez que haveria necessidade de analisar, com cuidado e profundamente, tanto o modelo literário como também a reação química para não errar, como Eduard, na sua escolha. (Qual molécula tem 'Olhos de ressaca'? Se o autor entendeu essa imagem literária direito, NÃO seria o etanol!) Hoffmann2 advertiu que "uma [produção] mecânica e ritualizada de 6 × 105 [artigos] por ano (...) propaga a noção de que cientistas são secos e insensíveis, que eles reagem apenas às contorções de um espectro."2 Certamente o público em geral teria mais compreensão e interesse em problemas químicos se eles pudessem participar ou pelo menos pressentir a paixão por problemas científicos e sua solução. Já que a sugestão de Hoffmann2 de diminuir as restrições contra a expressão de emoções e motivos pessoais nos artigos científicos parece, como foi discutido acima, inadequado para atingir seus objetivos. Assim, podemos incentivar o uso de poesia em outro tipo de literatura química, procurando expressar paixão e o poder de sedução da química para quem não pode experimentá-lo. Além disso podemos mostrar estas emoções nos textos mais próximos ao trabalho de pesquisa: As dissertações e teses dos jovens cientistas, ainda com a paixão da juventude envolvido no trabalho experimental. Ao diminuir as restrições impostas às publicações científicas, desde o século XIX, para banir emoções e motivos pessoais nas dissertações e teses, poderia-se dar um novo valor as suas produções. Tendo em vista que os resultados apresentados geralmente já foram ou serão publicados em revistas especializadas, não há necessidade de repeti-los em um texto a parte e no mesmo estilo seco e insensitivo reclamado por Hoffmann.2 Ao dar ao mestrando ou doutorando mais liberdade na forma de apresentar seu trabalho, ele poderia usar este espaço para expressar os apaixonantes motivos pessoais de sua pesquisa, utilizando técnicas poéticas. Certamente, há o perigo de que o uso de poesia em uma dissertação ou tese leve ao seu fracasso, uma vez que poucos têm o talento de Goethe, mas no pior caso, este pedaço de literatura ruim ficaria arquivado nas prateleiras da biblioteca universitária e seria visto por pouquíssimos. Outro perigo para os jovens cientistas em se usar poesia já foi identificado por Hoffmann, que temia que "[examinadores] conservadores (...) se esforçando em achar alguma coisa moderadamente inteligente para dizer, provavelmente olham com desconfiança aos coloquialismos, fala simples e toques de estilo literário - qualquer linguagem, em resumo, que desvia das convenções ossificadas da [literatura] científica."2 Porém, para evitar este problema poderia-se restringir, num primeiro momento, o uso de poesia nas teses e dissertações a certas partes, como na Introdução, na qual se poderia falar não somente das justificativas habituais e quase idênticas aos gabaritos preenchidos na produção dos respectivos 'papers',1 como: "A química dos (...) vem despertando grande interesse na química orgânica desde a, , descoberta de sua aplicabilidade como intermediário sintético em diversas reações"66 ou "Compostos orgânicos contendo um átomo de (...) são de grande interesse sintético e biológico, devido as atividades (...)";67 mas também dos motivos pessoais que levaram o aluno à pesquisa específica. Também, na Conclusão, usualmente caracterizada por estereótipos como: "Considerando-se os objetivos propostos para este trabalho e analisando os resultados obtidos, podemos concluir que foi desenvolvida uma nova metodologia sintética simples e limpa, (...)"67 ou "Considerando-se os objetivos que foram propostos para o presente trabalho e analisando-se os resultados obtidos nos experimentos realizados, foi possível fazer algumas considerações pertinentes frente ao estudo realizado",66 que seria o lugar ideal para expressar a paixão ou excitação sentidas durante o trabalho experimental ou durante a análise dos dados, quando finalmente se revelou o resultado do 'experimentum crucis' do projeto de pesquisa. Assim, tanto os autores como os avaliadores aprenderiam a aplicar e desfrutar Poesia na Química e tal familiaridade dos Químicos com uma linguagem literária ajudaria na comunicação com o público em geral. Também, poderia-se pensar em usar Poesia 'hors concours'. Quase todas as produções dos Programas de Pós-Graduação possuem dedicações aos familiares, mas deve-se duvidar que a maioria deles entenda o trabalho dedicado. Por que não usar algumas páginas para, por exemplo, em forma de uma 'Conversa Química', conversar com a mãe, pai, vó, vô ou a gata querida, sobre o que e como se pesquisou durante os últimos anos, despertando neles a mesma paixão e compreensão para o objeto estudado? Curiosamente, parece se desenvolver no Brasil um tipo inédito de percepção da ciência: Seu uso como enredo carnavalesco.36,68 Então, porque não usar como epígrafe um samba-enredo de autoria própria sobre o trabalho apresentado? O mesmo ainda serviria, depois da defesa, para animar a festa com a família e o grupo de trabalho.
CONCLUSÃO Conceitos e observações da química com sua linguagem inerentemente antropomórfica podem ser, como mostra a análise do romance 'As Afinidades Eletivas', descritos usando meios literários e, não somente o estilo formal, reinante na literatura científica. O uso de elementos de estilo literário como coloquialismos ou conversa aberta, nos textos científicos, poderia habilitar o químico a uma comunicação facilitada, sem ser atrapalhada por preconceitos e reservas do público em geral, facilitando assim a aceitação da química na sociedade. Porém, a objetividade e a clareza do estilo científico formal, responsável pelo menos em parte por uma acumulação nunca vista de conhecimentos confiáveis, e assim para o progresso geral da humanidade nos últimos dois séculos, é um bem tão valioso que não deve ser descartado para dar espaço a um novo estilo de apresentação e linguagem que não provou seus méritos. Portanto, é mais do que questionável que a ideia de Hoffmann2 de liberar nos artigos científicos o uso de expressões de emoção e motivos pessoais resultaria no desejado melhoramento da compreensão e aceitação da química pelo público em geral. Por outro lado, usando um estilo literário em outras produções científicas, como artigos de revisão, livros de texto e de exercícios, ou dissertações e teses não somente tornaria a leitura mais divertida e interessante para os leigos, mas também treinaria a comunicação dos cientistas num estilo mais coloquial e compreensível, diminuindo assim reservas existentes em relação à química, causadas pela linguagem formal caracterizada pelo uso de equações e fórmulas não acessíveis ao leigo.
AGRADECIMENTOS Às Profas. Dras. D. Bianchini e A. J. R. W. A. dos Santos (CCQFA - UFPel) pelos esforços sobre-humanos na transformação das balbuciações salvatoreianas da primeira minuta em um texto legível. Especialmente à Profa. Bianchini pela ajuda na tradução de algumas citações originalmente em Inglês para o Português vernáculo. Também gostaria agradecer às bibliotecárias do Instituto Goethe em Porto Alegre pela ajuda em encontrar as referências 4, 16, 17, 49, 50, 51 e 53. Agradeço também a ajuda do Prof. Dr. Klaus Hilbert, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) com a referência 65.
REFERÊNCIAS 1. Lara, R. A.; Borges, E. L.; Lenardão, E. J.; Alves, D.; Jacob, R. G.; Perin, G.; J. Braz. Chem. Soc. 2010, 21, 2125. 2. Hoffmann, R.; Daedalus (Boston) 2002, 131, 137. 3. Herrmann, E.; Die Todesproblematik in Goethes Roman ,,Die Wahlverwandtschaften", Erich Schmidt Verlag: Berlin, 1998 (acesso parcial em: http://books.google.com.br/books?id=kGU-Vx3hRqsC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false, acessada em Setembro 2014). 4. Goethe, J. W.; As afinidades eletivas, Nova Alexandria: São Paulo, 2008 (além de trechos da 'Conversa Química' no 4º capítulo, são citadas as primeiras e as últimas palavras do romance). 5. Roth, E.; Fresenius' J. Anal. Chem. 1990, 337, 188. 6. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ee/Affinity-table.jpg, acessada em Setembro 2014. 7. Schwedt, G.; Goethe als Chemiker, Springer: Berlin, 1998. 8. Soentgen, J.; Chem. Unserer Zeit 1996, 30, 295. 9. Smeaton, W.A.; Endeavour 1984, 8, 71. 10. Bergmann, T.; Dissertation on Elective Attractions, J. Murray: London, 1785. (http://books.google.co.uk/books?id=gP4JAAAAIAAJ&pg=PA362&lpg=PA362&dq=Dissertation+on+Elective+Attractions+of+1783&source=bl&ots=VIJqUSM3Ch&sig=LBlCDVD6NacSB48cKTmyO6bEcRk&hl=en&sa=X&ei=aM3BUeimOoH_PKbugfgJ&ved=0CDEQ6AEwAA#v=onepage&q=Dissertation%20on%20Elective%20Attractions%20of%201783&f=false, acessada em Setembro 2014). 11. http://www.meta-synthesis.com/webbook/35_pt/pt_database.php?PT_id=515, acessada em Setembro 2014. 12. http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alchemical-symbols-1775.jpg, acessada em Setembro 2014. 13. Na terminologia moderna nitrous acid não seria ácido nítrico (HNO3), mas ácido nitroso (HNO2). Porém, este somente existe em solução aquosa diluída e não na sua forma livre, como o ácido nítrico já conhecido e produzido em escala técnica desde o século XIII a partir de salitre (MINO3). 14. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/90/JW_Goethe_-_K%C3%BCgelgen.jpg, acessada em Setembro 2014. 15. http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Wolfgang_von_Goethe, acessada em Setembro 2014. 16. Goethe, J. W.; Memórias: poesia e verdade. Primeiro volume, EdUNB: Brasilia, sem ano. 17. Goethe, J. W.; Memórias: poesia e verdade. Segundo volume, Globo: Porto Alegre, 1971. 18. No original Goethe fala de um: "Windöfchen mit einem Sandbade" ou seja, um pequeno forno (öfchen) que permitiu que uma corrente de ar (Wind-) fosse conduzida ao fogo, permitindo a queima a temperaturas elevadas. Este forno ainda era equipado com um Banho de Areia (Sandbad). 19. Trata-se nesse caso, de vidro líquido ou água de vidro de fórmula geral Na2O∙nSiO2 (n = 1 - 4) que Goethe chama no original 'Kieselsaft'. Neste caso, 'Kiesel', utilizado no Alemão também como sinônimo de pedregulho ou seixos, se refere à composição química do silicato de sódio, sal do ácido silícico chamado em Alemão 'Kieselsäure'. 20. Esta passagem se refere à lixiviação de alume de potássio (KAl(SO4)2∙12 H2O), conhecido também como pedra-ume, da ardósia calcinada que pude ser minerada na montanha ardente (ver ref. 23) também descrito nos parágrafos anteriores do 10º livro de "Poesia e verdade". 21. No original Goethe escreve: "Er gehörte unter die Chemiker jener Zeit"; assim a crítica de Goethe não se refere a todos os Químicos da época como sugere a tradução. 22. No original Goethe escreve: "So lag der Nutzen, den er sich von jenem Schaum versprach, sehr im weiten"; 'Schaum', significa literalmente 'espuma' e é aqui traduzido como escórias. Ele é obtido na lixiviação do alume como subproduto, o qual Goethe observou durante sua visita e que ele descreve como "groβe Haufen eines weisen, fetten, lockeren, erdigen Wesens", ou seja, como "enormes montões de uma substância branca, friável, gorda e terrosa".16 Schwedt (ref. 7) enumera como subprodutos da produção de alume a partir de ardósia calcinada, além de sal amoníaco (NH4Cl), enxofre, sulfato de ferro(II), sulfato de magnésio e halotriquita (alume de ferro(II); FeAl2(SO4)4∙22 H2O), a jaspe de porcelana (uma variedade microcristalina de quartzo). Embora Schwedt não identifica o 'Schaum', Roemer (Roemer, F. A.; Synopsis der Mineralogie und Geognosie, Hahn'sche Hofbuchhandlung: Hannover, 1853) descreve o brilho de jaspe de porcelana como gorduroso (fettglänzend), o que indica que a "substância (...) gorda" é uma variedade de jaspe. Esta conclusão é corroborada pelo fato que para os demais subprodutos enumerados por Schwedt, já se conhecia aplicações na época de Goethe. Assim se explica que o proveito esperado dessa espuma (der Nutzen, den er sich von jenem Schaum versprach) encontrava-se (lag) muito distante (sehr im Weiten). 23. A montanha ardente ('Der Brennende Berg'): Devido à autoignição de um veio de hulha, se iniciou em 1688, em uma montanha situada perto da cidade de Dudweiler, a queima subterrânea da hulha, que durante o século XVIII era acompanhada de altas temperaturas e de forte desenvolvimento de fumaça. Embora desde 1777 a queima diminuiu significativamente, ainda hoje é possível observar em dias úmidos o desenvolvimento de vapores quentes e sentir o calor saindo de fendas nas rochas (ver ref. 27). 24. Neste caso se trata de um bolo (torta) de filtração. 25. No original Goethe descreve: "eine zusammenhängende Ofenreihe, wo Steinkohlen abgeschwefelt und zum Gebrauch bei Eisenwerken tauglich gemacht werden sollten"; o que é mais bem traduzido como: "uma série de fornos em que a hulha seria dessulfurizada para adaptá-la para a utilização nas siderúrgicas". 26. No original Goethe escreve: "Bei Lebzeiten des vorigen Fürsten trieb man das Geschäft aus Liebhaberei, auf Hoffnung"; ou seja, nos tempos do falecido príncipe estes empreendimentos eram feitos mais como passatempo e um eventual uso econômico teve um papel secundário somente no futuro. 27. Schwedt, G.; Chemie und Literatur - ein ungewöhnlicher Flirt, Wiley-VCH: Weinheim, 2009. 28. Um dos exemplos da vaidade de Goethe é um episódio relatado no 16º livro de 'Poesia e Verdade', onde ele descreve o espanto dos transeuntes quando ele participa do combate de um fogo "bem vestido" e "em sapatos com meias de seda". 29. Vaupel, E.; Chem. Unserer Zeit 2006, 40, 306. 30. Maar, J.H.; Sci. Stud. (São Paulo) 2004, 2, 33. 31. Embora segundo Schwedt [7] e Maar [30] Göttling foi o primeiro Professor de Química alocado na faculdade de Filosofia, na Universidade de Ingolstadt, o boticário Georg Ludwig Claudius Rousseau (1724 - 1794), desde 1760 foi demonstrador de Química na Faculdade de Medicina e atuou por um curto período (1772 - 1776) como professor extraordinário de Química na Faculdade de Filosofia, mas voltou como Ordinário para Faculdade de Medicina em 1776 (Müller, W.; Universität und Orden: die bayerische Landesuniversität Ingolstadt zwischen Aufhebung des Jesuitenordens und der Säkularisation, Duncker & Humbolt: Berlin, 1986; acesso parcial em: http://books.google.com.br/books?id=qu5ZKgus7LsC&pg=PA390&lpg=PA390&dq=die+bayerische+landesuniversit%C3%A4t+ingolstadt+Georg+Ludwig+claudius&source=bl&ots=f6s6yht4Tw&sig=SJkw26lyI9MNBlrd7hdmnR7KVXQ&hl=pt-BR&sa=X&ei=Rm_iUqXVFIrxkQf9noAo&ved=0CDgQ6AEwAg#v=onepage&q=die%20bayerische%20landesuniversit%C3%A4t%20ingolstadt%20Georg%20Ludwig%20claudius&f=false, acessada em Setembro 2014). 32. Em Alemão a química era antigamente denominada como 'Scheidekunst', literalmente 'arte da separação' e os químicos eram denominados 'Scheidekünstler', literalmente 'artistas das separações', termo utilizado também na tradução do romance 'Die Wahlverwandtschaften' ("Era até um título honorífico significativo para os químicos serem chamados de artistas das separações."; ver ref. 4). 33. Göttling, J. F. A., Vollständiges chemisches Probir-Cabinet zum Handgebrauche für Scheidekünstler, Aerzte, Mineralogen, Metallurgen, Technologen, Fabrikanten, Oekonomen und Naturliebhaber, Erster Theil, Untersuchungen auf dem nassen Wege, Mauke: Jena, 1790, apud ref. 34. 34. Öxler, F. K.; Friedrich, C.; Chem. Unserer Zeit 2008, 42, 282. 35. http://de.wikipedia.org/wiki/Johann_Wolfgang_Döbereiner#mediaviewer/File:J_W_Döbereiner_Grab.jpg acessada em Setembro 2014. 36. Moraes de Rezende, C.; Ferreira, V. F.; Quim. Nova 2012, 34, 1681. 37. http://de.wikipedia.org/wiki/Die_Wahlverwandtschaften#mediaviewer/File:Goethe_die_wahlverwandtschaften_erstausgabe_1809.jpg, acessada em Setembro 2014. 38. A palavra 'Kalk' utilizada aqui por Goethe é usada no Alemão (ver ref. 43) como sinônimo de pedra-cal ou calcário (CaCO3), enquanto a palavra português 'cal' utilizada na tradução representa, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa - Básico, Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1988, óxido de cálcio (CaO) obtido por calcinação de CaCO3, cuja terminologia correta em alemão seria 'gebrannter Kalk' (calcário calcinado); ver ref. 43 e Büchel, K. H.; Moretto, H.-H.; Woditsch, P.; Industrielle Anorganische Chemie, Wiley-VCH: Weinheim, 1999. 39. Bühler, A.; Graf, E.; Chem. Unserer Zeit 1997, 31, 47. 40. Moore, W. J.; Hummel, D. O.; Physikalische Chemie, Walter de Gruyter: Berlin, 1976. 41. Berthollet, C. L.; Untersuchungen über die Gesetze der Verwandtschaft in der Chemie, Ernst Gottfried Fischer: Berlin, 1802. 42. No original: "Ich werde also beweisen müssen, daß, wenn man den Stoff C auf die Verbindung AB wirken läßt, hieraus nicht geradezu die Verbindung AC entstehen werde (...), sondern das sich A zwischen B und C im Verhältnis ihrer Verwandtschaft (...) theilen werde", apud Kristek, B.; Poesie und Wissenschaft in Goethes 'Die Wahlverwandtschaften', GRIN Verlag: München, 2007, p. 42 (acesso parcial em: http://books.google.com.br/books?id=w7Iiv-AU3eYC&pg=PA1&hl=de&source=gbs_toc_r&cad=2#v=onepage&q&f=false, acessada em Setembro 2014. 43. Wiberg, N.; Holleman-Wiberg Lehrbuch der Anorganischen Chemie, Walter de Gruyter: Berlin, 2007. 44. Verbete: ...phil, em Römpp Lexikon Chemie, Falbe, J.; Regitz, M., eds.; Georg Thieme Verlag: Stuttgart, 1998, 3268. 45. Verbete: ...phob, em Römpp Lexikon Chemie, Falbe, J.; Regitz, M., eds.; Georg Thieme Verlag: Stuttgart, 1998, 3271. 46. Atkins, P. Jones, L.; Princípios de Química - Questionando a vida moderna e o meio ambiente, Bookman: Porto Alegre, 2001. 47. Bauer, M.; Chem. Unserer Zeit 1997, 31, 47. 48. Hoffmann, R.; Laszlo, P.; Soc. Res. 1998, 65, 653. 49. Canetti, E.; Uma luz em meu ouvido: História de uma vida; 1921-1931, Companhia das Letras: São Paulo, 1988, Parte 3, Capítulo 'O 15º Julho'. 50. Schopenhauer, A.; O mundo como vontade e representação, vol. I, Contraponto: Rio de Janeiro, 2001, § 52. 51. Idem, ibid, § 54. 52. Esta acentuação corresponde ao original (ver ref. 53), mas não é encontrada na tradução. 53. Schopenhauer, A.; Los problemas fundamentals de la Etica, parte 1º Sobre le libre albedrio, Aguilar: Buenos Aires, sem ano; no original: "Du kannst thun was du willst: aber du kannst, in jedem gegebenen Augenblick deines Lebens, nur Ein Bestimmtes wollen und schlechterdings nichts Anderes, als dieses Eine", idem: Über die Freiheit des menschlichen Willens, em Die beiden Grundprobleme der Ethik, F. U. Brodhaus: Leipzig, 1860, p. 24. (acessível em: http://books.google.com.br/books?id=55cCAAAAcAAJ&printsec=frontcover&dq=%C3%9Cber+die+Freiheit+des+menschlichen+Willens,+%22Du+kannst+Thun+was+Du+willst%22&hl=de&sa=X&ei=PEEgVKjnO9S0yATw9YHYDQ&ved=0CDoQ6AEwBQ#v=onepage&q&f=false, acessada em Setembro 2014). 54. http://quimicanova.sbq.org.brhttps://s3.sa-east-1.amazonaws.com/static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/arquivos/template_QN_PT.doc, acessada em Setembro 2014. 55. Eco, U.; O Nome da rosa, Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1983. 56. ACS; Author Guidelines for Accounts of Chemical Research; acessível em: http://pubs.acs.org/page/achre4/submission/authors.html, acessada em Setembro 2014. 57. Lenardão, E. J.; Botteselle, G. V.; de Azambuja, F.; Perin, G.; Jacob, A. G.; Tetrahedron 2007, 63, 6671. 58. Sheldon, R. A.; Wallau, M.; Arends, I. W. C. E.; Schuchardt, U.; Acc. Chem. Res. 1998, 31, 485. 59. Sharpless, K. B.; Angew. Chem. Int. Ed. 2002, 41, 2024. 60. http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2001/sharpless-lecture.html, acessada em Setembro 2014. 61. Laszlo, P.; Hoffmann, R.; Angew. Chem. Int. Ed. 2000, 39, 123. 62. Kurosawa, A.; Rashomon (1950); DVD, Continental (DVDS). 63. Pozenato, J. C.; O Quatrilho, Mercado Aberto: Porto Alegre, 1995. 64. Barreto, F.; O Quatrilho (1995); DVD, PARAMOUNT - AMZ. 65. O leitor interessado pode se informar ainda sobre as conexões entre 'As afinidades eletivas' de Goethe e 'Dom Casmurro' de Machado de Assis, entre outras, nas seguintes referências: Merquior, J.G., De Anchieta a Euclides - Breve história da literatura brasileira, Topbook: Rio de Janeiro, 1996, p. 245; Larsen, K. S., Luso-Braz. Rev. 1991,28,49; Zedevic, P. D.; German Life Lett. 1994, 47, 469. 66. de Lima Borges, E.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pelotas, Brasil, 2013. 67. Gonçalves Lara, R.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pelotas, Brasil, 2011. 68. Hoffmann, R.; Nature 2004, 428, 21.
Dedicado ao professor de química e médico José Pedro Moreira, ótimo colega e grande amigo. |
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