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Método de síntese de azidas aromáticas usando vinagre
Method for the synthesis of aryl azides using vinegar

Kauanna Naguissa Hino; Alvaro Takeo Omori*

Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, R. Santa Adélia, 166, 09210-170 Santo André - SP, Brasil

Recebido em 23/06/2014
Aceito em 18/08/2014
Publicado na web em 16/10/2014

Endereço para correspondência

*e-mail: alvaro.omori@ufabc.edu.br

RESUMO

The present paper describes a simple and low-cost procedure for preparation of aryl azides from anilines using vinegar as an unusual solvent/reagent. We observed the sequence of diazotation followed by diazo displacement with sodium azide can be carried out in aqueous solution of acetic acid

Palavras-chave: organic synthesis; diazotation; aryl azides; vinegar.

INTRODUÇÃO

Desde que Curtius descobriu o uso de HN3 na síntese de diversas azidas orgânicas (R-N3) e do rearranjo de acil azidas para os correspondentes isocianatos por (por isso, o nome do rearranjo de Curtius),1 inúmeras sínteses de moléculas contendo o grupo N3 foram reportadas. Nas décadas de 1950 e 1960, por exemplo, as azidas orgânicas (R-N3) estavam no auge da atenção dos químicos orgânicos.2 Tanta atenção dada se deve às diferentes reatividades e reações que esta classe de compostos pode realizar: reação de Staudinger/aza-Wittig,3 cicloadição de Huisgen,4 Sundberg, Boyer5 e rearranjo de Schmidt6 são alguns exemplos.7

Muitos associam as azidas como compostos instáveis e explosivos. No entanto, diferentemente das azidas alquílicas, as azidas aromáticas (ArN3) são bem mais estáveis e, por isso, seu uso não é restrito somente em síntese orgânica, mas também na área biológica e industrial. De marcadores de fotoafinidade,8 passando por polímeros condutores,9 dendrímeros,10 nanomateriais,11 as azidas aromáticas atuam até na ativação de superfícies poliméricas por luz.12

Um dos métodos mais antigos e práticos de síntese de azidas aromáticas consiste na diazotação de anilinas, seguida da conversão do íon arenodiazônio (ArN2+) na correspondente azida por meio da adição de N3- (este, geralmente na forma de azida de sódio (NaN3) ou trimetilsilil azida (TMSN3)13) (Figura 1). Acredita-se que esta reação tenha um mecanismo diferente a reação de Sandmeyer (há relatos de dois mecanismos possíveis, ambos envolvendo um intermediário Ar-N5, via cicloadição 1,3-dipolar envolvendo um intermediário arilpentazol ou via arilpentazeno).7,14

 


Figura 1. Esquema da síntese de azidas aromáticas a partir de anilinas

 

Ainda sobre a diazotação, algumas referências exigem o uso de ácido mineral forte para que a reação seja bem sucedida.15 Geralmente é empregado ácido clorídrico (HCl) (pKa=-6,3), ácido sulfúrico (H2SO4) (pKa1=-3) ou até ácido tetrafluorobórico (HBF4) (pKa=-0,4) à baixa temperatura para a geração in situ do ácido nitroso (HNO2). No entanto, há pouquíssimos relatos que provem que os ácidos fracos, como os ácidos orgânicos, não sejam eficientes na diazotação de anilinas ou na preparação de azidas.

Este presente trabalho consiste em investigar a possibilidade de um ácido fraco (ácido acético) em gerar sais de arenodiazônio. A comprovação da síntese será de maneira indireta, pois devida à pouca estabilidade os sais de arenodiazônio serão gerados in situ para obtenção de azidas aromáticas (2) (Figura 2).

 


Figura 2. Esquema de síntese de azidas aromáticas a partir de anilinas usando vinagre

 

PARTE EXPERIMENTAL

As anilinas substituídas (Sigma-Aldrich) e os solventes utilizados (hexano, acetato de etila e metanol padrão P.A.- Synth) foram utilizados sem prévia purificação. O vinagre utilizado foi obtido em mercado local (marca: Carrefour, tipo: vinagre de álcool, teor de ácido acético: 4%). As análises de cromatografia em camada delgada (CCD) foram efetuadas em cromatofolhas de alumínio (gel de sílica 60), com espessura de 0,2 mm, contendo indicador para 254 nm usando mistura hexano/acetato de etila como fase móvel. As análises de espectrometria de massas foram feitas em um GC-MS Ion trap marca Varian, modelo 4000, da Universidade Federal do ABC.

Procedimento geral da metodologia "one-pot" da conversão de anilinas para azidas aromáticas

Em um balão de 50 mL foram adicionados 2 mmols da anilina substituída e 20 mL de vinagre. Após deixar sob banho ultrassônico por 10 min, a mistura foi mantida sob agitação vigorosa a 0 ºC e, em seguida, foram adicionados gota a gota 3 mmols de NaNO2 (207 mg) dissolvido em H2O gelado (2 mL). Após 15 min de agitação, 2,4 mmols de NaN3 (156 mg) também dissolvido em H2O gelado (2 mL) foram adicionados gota a gota. Após o término da adição (monitorada pelo consumo do material de partida por TLC), a mistura reacional foi extraída apenas com hexano. Após secagem com Na2SO4, a fase orgânica foi evaporada sob pressão reduzida. O produto obtido foi identificado por comparação do espectro de massas com a literatura.16

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em uma primeira abordagem para a obtenção das azidas aromáticas, a reação foi feita à temperatura ambiente e foi utilizado acetato de etila como solvente para extração do produto. Oito anilinas disponíveis no laboratório foram utilizadas (anilina, orto, meta e para-bromoanilina, orto e meta-nitroanilina, 3-aminoacetofenona e p-anisidina) e obtivemos as respectivas azidas aromáticas em rendimentos moderados (Tabela 1) com tempos de reações relativamente baixos (35 min em média). No entanto, o uso do acetato de etila apresentou alguns inconvenientes. Primeiro, o produto bruto das extrações de todas as reações com este solvente apresentou um forte odor de ácido acético oriundo do vinagre. Outro resultado deste método é a presença de um subproduto de acoplamento diazo (Ar-N=N-Ar) o que nos obrigou a realizar a purificação em coluna cromatográfica de todas as reações.

 

 

As análises de cromatografia em camada delgada de todas as reações mostraram que as azidas apresentam um valor muito maior de Rf em relação às anilinas. Isso nos motivou a escolher um solvente mais apolar para a extração que não solubilizasse o ácido acético do vinagre. A formação do subproduto também nos obrigou a realizar a reação em baixa temperatura.

Assim, foi desenvolvido o método usando hexano como solvente e realizando a banho de gelo. As oito anilinas utilizadas no método anterior também forneceram as respectivas azidas em rendimentos maiores e sem a presença do subproduto de acoplamento diazo (Tabela 1).

Este método apresenta vantagens em relação aos métodos já descritos por utilizar um solvente/reagente facilmente disponível, de baixíssimo custo e oriundo de fonte renovável (vinagre). Além disso, o uso de um ácido mais fraco dificulta a protonação da anilina, permitindo que o par de elétrons desemparelhados esteja mais disponível para o ataque ao eletrófilo (cátion nitrosônio NO+, provavelmente formado), favorecendo mais a formação do sal de arenodiazônio.16 E, por fim, observamos que nesta nova condição reacional não há necessidade de purificação, uma vez que após evaporação do produto obtivemos exclusivamente a azida aromática. As únicas exceções ficaram por conta da orto-nitroanilina, para a qual obtivemos baixos rendimentos nas duas condições testadas, e do ácido 4-aminobenzóico. Neste caso, devido à presença do grupo ácido carboxílico, a extração utilizando acetato de etila se mostrou mais eficiente do que usando hexano.

 

CONCLUSÃO

Mostramos que o método de síntese de azidas aromáticas a partir de anilinas pela sequência de diazotação seguida da adição do íon azida (N3-) pode ser feita usando um ácido fraco, o que contraria a exigência de um ácido forte para que a reação seja bem sucedida. A reação pode ser feita em vinagre, um reagente barato e facilmente disponível. As azidas foram obtidas sem necessidade de purificação em bons rendimentos.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

No material suplementar, disponível gratuitamente em arquivo PDF no endereço http://quimicanova.sbq.org.br, encontram-se os espectros de massas das azidas aromáticas obtidas por GCMS.

 

AGRADECIMENTOS

À UFABC pela bolsa de iniciação científica e pela estrutura, e ao CNPq e à FAPESP pelo apoio financeiro.

 

REFERÊNCIAS

1. Curtius, T.; J. Prakt. Chem. 1894, 50, 275. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/prac.18940500125

2. Boyer, J. H.; Canter, F. C.; Chem. Rev. 1954, 54, 1. DOI: http://dx.doi.org/10.1021/cr60167a001

3. Palacios, F.; Alonso, C.; Aparicio, D.; Rubiales, G.; los Santos, J. M.; Tetrahedron 2007, 63, 523. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.tet.2006.09.048

4. Meldal, M.; Tornoe, C. W.; Chem. Rev. 2008, 108, 2952. DOI: http://dx.doi.org/10.1021/cr0783479 PMID: 18698735

5. Boyer, J. H.; Morgan Jr., L. R.; J. Org. Chem. 1959, 24, 561. DOI: http://dx.doi.org/10.1021/jo01086a604

6. Krow, G. R.; Tetrahedron 1981, 37, 1283. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0040-4020(01)92445-7

7. Bräse, S.; Gil, C.; Knepper, K.; Zimmerman, V.; Angew. Chem. Int. Ed. 2005, 44, 5188. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/anie.200400657

8. Baskin, J. M.; Bertozzi, C. R.; QSAR Comb. Sci. 2007, 26, 1211; Debets, M. F.; van der Doelen, C. W. J.; Rutjes, F. P. J. T.; van Delft, F. L.; ChemBioChem 2010, 11, 1168. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/qsar.200740086

9. Lutz, J.-F.; Angew. Chem. Int. Ed. 2007, 46, 1018. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/anie.200604050

10. Carlmark, A.; Hawker, C. J.; Hult, A.; Malkoch, M.; Chem. Soc. Rev. 2009, 38, 352. DOI: http://dx.doi.org/10.1039/B711745K PMID: 19169453

11. Liu, L. H.; Yan, M.; Acc. Chem. Res. 2010, 43, 1434. DOI: http://dx.doi.org/10.1021/ar100066t PMID: 20690606

12. Tasdelen, M. A.; Yagci, Y.; Angew. Chem. Int. Ed. 2013, 52, 5930. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/anie.201208741

13. Keumi, T.; Umeda, T.; Inoue, Y.; Kitajima, H.; Bull. Chem. Soc. Jpn. 1989, 62, 89. DOI: http://dx.doi.org/10.1246/bcsj.62.89

14. Bruckner, R. Em Organic Mechanisms - Reactions, Stereochemistry and Synthesis; Harmata, M., ed.; Springer: Berlin, 2010.

15. Bräse, S.; Keck, D.; Em Science of Synthesis: Houben-Weyl Methods of Molecular Transformations Vol. 31b. Compounds with two Carbon-Heteroatom Bonds; Ramsden, S. A., ed.; Georg Thieme Verlag: Stuttgart, 2007.

16. Clayden, J.; Greeves, N.; Warren, S.; Wothers, P.; Organic Chemistry, 1st ed., Oxford University Press Inc.: New York, 2001.

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