JBCS



15:28, qui nov 21

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Artigo


Estudo fitoquímico, atividade antimicrobiana e citotóxica de espécimes de Leonotis nepetifolia L. R. (Br)
Phytochemical study on antimicrobial and cytotoxic activity of specimens of Leonotis nepetifolia L. R. (Br

Ana P. OliveiraI; Amanda L. GuimaraesI; Alessandra G. M. PachecoII; Camila S. AraújoII; Raimundo G. Oliveira JúniorI; Érica M. LavorI; Mariana G. SilvaI; Edigênia C. C. AraújoI; Rosemairy L. MendesI; Larissa A. RolimI; Marcília P. CostaIII; Henrique C. L. FariasIV,V; Cláudia do O PessoaIV,V; Norberto P. LopesVI; Lucas M. M. MarquesVI; Jackson R. G. S. AlmeidaI,*

IUniversidade Federal do Vale do São Francisco, 56304-205 Petrolina - PE, Brasil
IIUniversidade Estadual de Feira de Santana, 44036-900 Feira de Santana - BA, Brasil
IIIUniversidade Federal do Piauí, 64049-550 Teresina - PI, Brasil
IVUniversidade Federal do Ceará, 60430-270 Fortaleza - CE, Brasil
VFundação Oswaldo Cruz, 60180-900 Fortaleza - CE, Brasil
VIFaculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-903 Ribeirão Preto - SP, Brasil

Recebido em 03/06/2015
Aceito em 08/09/2015
Publicado na web em 26/10/2015

Endereço para correspondência

*e-mail: jackson.guedes@univasf.edu.br

RESUMO

Specimens of Leonotis nepetiflolia were obtained from cultivated and wild environments to verify their influences in chemical composition. Phytochemical analyses were conducted for the ethyl acetate phase obtained by partitioning the crude ethanol extract from the cultivated leaves of L. nepetifolia. In doing so, flavonoid 3',4',5-trimethoxy-6,7-dihidroxyflavone (cirsiliol), a chemotaxonomic marker of the family Lamiaceae, was isolated. The results reveal that all phases and extracts tested exhibited weak to moderate antimicrobial activity against the strains of bacteria tested. The evaluation of in vitro cytotoxic and antitumor activity showed that the ethyl acetate phases obtained from both wild and cultivated leaves exhibit high potential cytotoxic and antitumor (> 78.0% of inhibition) activity. The major component of these phases was identified by high-performance liquid chromatography-diode array detector and nuclear magnetic resonance analyses using both 1D and 2D methods. The results further indicate that the flavonoid cirsiliol is the agent responsible for the activity observed in these phases.

Palavras-chave: Leonotis nepetifolia; antimicrobial activity; cytotoxic activity; cirsiliol.

INTRODUÇÃO

A família Lamiaceae, que recebe este nome devido ao gênero marcante, Lamium, é composta por cerca de 6900 espécies distribuídas em 230 gêneros por todo o globo terrestre.1 É uma família de plantas aromáticas, providas em todas as suas partes de glândulas secretoras de óleos voláteis de composição variada.2 Suas espécies são exploradas em diversas áreas pelo homem, como por exemplo: na culinária, na medicina, no paisagismo, em formulações cosméticas, como alimentos (embora raramente) e em rituais religiosos, em função dos seus efeitos alucinógenos.1-3

Estudos têm mostrado que as espécies da família Lamiaceae possuem uma variedade de atividades biológicas tais como: anti-inflamatória, antioxidante, antibacteriana, antifúngica, antiviral, antialérgica, citotóxica e inibidora da síntese de melanina.4,5

O gênero Leonotis apresenta espécies que são facilmente identificadas devido ao seu florescimento, caule, porte denso, vertícilos (popularmente conhecidos como nó) e flores. As espécies pertencentes a este gênero são restritas ao continente africano, tendo como exceção a espécie L. nepetifolia, de distribuição pancontinental.6

Leonotis nepetifolia, conhecida popularmente no Brasil como Cordão-de-São Francisco ou Cordão-de-Frade, é uma espécie considerada medicinal pela medicina ayurvédica, que até 2007 era identificada botanicamente como L. nepetaefolia. Inicialmente, a introdução desta espécie em países fora do continente africano tinha por finalidade a ornamentação de ambientes, tendo em vista a sua boa adaptação em países de clima subtropical como México, Venezuela, Índia e Brasil.7 Na medicina popular, vários segmentos da planta são usados na forma de chás, compressas ou cataplasma no tratamento de doenças respiratórias, estomacais, uterinas, renais e inflamações.3,7 Além disso, alguns estudos têm mostrado que esta espécie possui atividade antimicrobiana, antifúngica, ação relaxante sobre os músculos do miométrio e traqueia, efeito anti-inflamatório e atividade citotóxica.8-12

A caracterização fitoquímica realizada com espécimes coletados na Índia revelou a presença de carboidratos, aminoácidos, proteínas, além de diversos metabólitos secundários tais como: óleos fixos, óleos voláteis, terpenoides, saponinas, flavonoides, fitoesteróis e alcaloides.13 Muitas das propriedades medicinais apresentadas pela espécie L. nepetifolia e demais espécies medicinais estão vinculadas aos metabólitos secundários. Sabe-se, ainda, que esta classe de compostos possui uma biossíntese altamente complexa e sujeita a alterações qualitativas e quantitativas na sua produção em função de variáveis como temperatura, grau de exposição solar, estresse hídrico, escassez de nutrientes, ataque de insetos e poluição.14 Tendo em vista a variabilidade de fatores que modificam a produção de metabólitos secundários em espécies vegetais e a correlação direta destes com as propriedades medicinais faz-se necessária a realização de estudos que investiguem o impacto provocado pelo ambiente de cultivo sobre atividades biológicas de plantas medicinais. Desta forma, este trabalho teve por objetivo avaliar a expressão dos marcadores quimiotaxonômicos da família Lamiaceae,15 os flavonoides cirsiliol e apigenina, bem como verificar as possíveis diferenças nos potenciais antimicrobiano e citotóxico de extratos etanólicos brutos obtidos de diversos segmentos da espécie Leonotis nepetifolia e das fases obtidas por partição dos extratos, em função do ambiente de coleta.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Coleta e identificação do material botânico

Os espécimes de Leonotis nepetifolia foram coletados em fevereiro de 2013 em dois diferentes ambientes: em um horto comunitário (Coordenadas S 9º23'36,852" / O 40º32'47,616"), onde o espécime era cultivado sob exposição direta ao sol e adubação orgânica, e num ambiente selvagem (Coordenadas S 9º27'4,932" / O 40º34'48,072"), em área sombreada e sem uso de adubação. A identificação botânica, realizada pelo técnico ambiental Duílio Paulino de Souza, deu-se por comparação das amostras coletadas com uma exsicata da espécie depositada no Herbário Vale do São Francisco (HVASF) na Universidade Federal do Vale do São Francisco, sob número de tombo 4454.

Processamento do material vegetal e obtenção dos extratos etanólicos brutos e fases

As folhas e o conjunto formado pelos talos e flores coletados foram secos em estufa com circulação de ar a 40 ºC por 72 horas. Em seguida, as folhas e o conjunto flores e talos dos espécimes cultivado e selvagem foram individualmente pulverizados em um moinho de facas, gerando quatro amostras de droga vegetal, as quais foram pesadas e acondicionadas em sistemas de maceração exaustiva com renovação do líquido extrator (etanol 95º GL) a cada 72 horas. Os extratos etanólicos brutos (EEB) foram obtidos por evaporação das soluções extrativas em evaporador rotativo a 50 ºC sob pressão reduzida.

Os extratos etanólicos brutos (EEB) de Leonotis nepetifolia das folhas cultivada (EEB-FC, 25,1123 g) e selvagem (EEB-FS, 14,4543 g) e do conjunto talos e flores dos ambientes cultivado (EEB-TFC 20,4435 g) e selvagem (EEB-TFS, 13,7517 g) foram individualmente submetidos à cromatografia líquida a vácuo usando sílica gel como fase estacionária e os solventes hexano, clorofórmio, acetato de etila e metanol, em polaridades crescentes, como fase móvel. Para tanto, uma alíquota de cada EEB foi adsorvida em uma porção da fase estacionária (22,3474 g EEB-FC; 11,2931 g EEB-FS; 16,6959 g EEB-TFC; 10,3998 g EEB-TFS). Em seguida, foi realizado o processo de separação das fases sob vácuo. Após evaporação do solvente em rotavapor foram obtidas as respectivas fases.

Isolamento e caracterização estrutural do flavonoide

A fase acetato de etila das folhas do ambiente cultivado (AcOEt-FC) (1,80 g) foi fracionada em coluna cromatográfica utilizando sílica gel 60 como fase estacionária e os solventes clorofórmio, acetato de etila e metanol, em ordem crescente de polaridade, como fase móvel, fornecendo 17 frações. O precipitado verificado na fração 13 foi purificado por meio de sucessivas lavagens com clorofórmio, fornecendo uma massa final de 30,0 mg, a qual foi posteriormente submetida a experimentos de ressonância magnética nuclear (RMN) de 1H e 13C (1D e 2D) após solubilização em dimetilsulfóxido (DMSO), registrados em espectrômetro Bruker (1H: 500 MHz; 13C: 125 MHz).

Identificação e quantificação do composto isolado por CLAE-DAD

A verificação do teor do composto isolado nos extratos etanólicos brutos e nas fases AcOEt-FC e AcOEt-FS e ainda a investigação da presença do flavonoide apigenina (Merck®) nas mesmas amostras foi desenvolvida em um aparelho de cromatografia líquida de alta eficiência acoplado a um detector de arranjo de diodos (CLAE-DAD). Soluções de 1 mg mL-1 em metanol grau HPLC dos extratos etanólicos brutos e fases, bem como dos padrões, foram injetadas no aparelho CLAE-DAD da Shimadzu® com coluna C18 Restek® (250 mm x 4.6 mm, 5 µm) a 25 ºC protegida por pré-coluna Restek® C18 (10 mm × 4 mm, 5 µm). Os padrões e os extratos foram eluídos com gradientes de fase móvel binária composta por: (A) ácido acético a 2% em água e (B) constituído por uma mistura contendo metanol: ácido acético: água, na proporção de (18:1:1). O sistema de eluição teve como condição inicial a eluição de 25% de B por 20 minutos, seguido de um gradiente linear de B até 100% por mais 20 minutos e retorno da condição inicial, 25% de B, por 10 minutos, com fluxo de 0,8 mL min-1 e volume de injeção de 20 µL para cada extrato, fase e padrão. A faixa de comprimento de onda (λ) 270 nm a 350 nm foi utilizada na investigação, por ser a faixa de detecção para flavonoides indicada pela literatura seguida.15

Atividade antimicrobiana

O efeito antibacteriano foi avaliado pelos métodos da microdiluição em caldo para a determinação da concentração inibitória mínima (CIM), seguida da concentração bactericida mínima (CBM), de acordo com as diretrizes preconizadas pelo The National Committee for Clinical Laboratoty Standarts.16 As cepas da coleção American Type Culture Colletion (ATCC) utilizadas foram obtidas do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/FIOCRUZ - Brasil). O potencial antimicrobiano foi avaliado frente a cepas gram-positivas: Bacillus cereus (ATCC 11778), Enterococcus faecalis (ATCC 19433), Staphylococcus aureus (ATCC 25923) e gram-negativas: Escherichia coli (ATCC 25922), Klebsiella pneumoniae (ATCC 13883), Salmonella enterica (ATCC 10708), Serratia marcescens (ATCC 13880), Shigella flexneri (ATCC 12022). Inicialmente, soluções dos extratos etanólicos brutos e fases foram preparadas a 25 mg mL-1 em DMSO 20% aquoso. Em seguida, 100 µL de cada solução a ser testada foi transferida para microplacas de 96 poços, contendo 100 µL de caldo Müller-Hinton. Diluições sucessivas a partir da primeira concentração resultante foram realizadas de modo a se obter poços com concentrações de 12,5 a 0,0975 mg mL-1. Para o composto isolado, partiu-se de uma solução inicial com concentração de 1 mg mL-1 e as concentrações utilizadas variaram de 0,5 a 0,008 mg mL-1. 10 µL do inóculo contendo 5 × 105 UFC mL-1 (0,5 na escala de McFarland) foram adicionados em cada poço. Foram reservados poços nas microplacas para controle de esterilidade do caldo, de crescimento bacteriano e da ação do antimicrobiano de referência (Gentamicina) com concentrações de 0,8 a 0,0125 mg mL-1. As microplacas foram incubadas sob condições de aerobiose durante 24 horas a 37 ºC e a formação de um precipitado vermelho após a adição do cloreto de 2,3,5-trifenil-tetrazólio CTT 2%(aq) em cada poço refletiu o metabolismo bacteriano ativo. A CIM foi determinada como a menor concentração dos extratos, fases e composto isolado incapaz de reduzir o sal de CTT, indicando o metabolismo bacteriano inativo. A CBM foi determinada pela inoculação de 10 µL de cada poço do ensaio anterior, com o auxílio de um replicador, em placa de Petri contendo ágar Müller-Hinton. As placas foram incubadas em condições de aerobiose durante 24 horas a 37 ºC. O surgimento de colônia de bactéria para uma dada concentração indicou que essa não foi capaz de matar 99,9% ou mais do inóculo bacteriano utilizado.16 Os ensaios foram realizados em triplicata e os resultados de CIM e CBM expressos como mg mL-1.

Atividade citotóxica

A atividade citotóxica in vitro foi avaliada frente a linhagens tumorais humanas, cedidas pelo Instituto Nacional do Câncer (EUA), HCT-116 (colorretal), SF-295 (glioblastoma), OVCAR-8 (ovário), para os extratos e fases; HL-60 (leucemia) e a linhagem não tumoral L929 (fibroblasto murino), bem como as anteriores, para o composto isolado. As células foram cultivadas em meio RPMI 1640, suplementado com 10% de soro fetal bovino e 1% de antibióticos a 37 ºC e atmosfera contendo 5% de CO2. Para os experimentos com os extratos e fases, testados em concentração única de 10 µg mL-1, as células foram plaqueadas em placas com 96 poços na concentração de 0,1 × 106 cél mL-1 (SF-295), 0,7 × 105 cél mL-1 (HCT-116) e 0,5 × 106 cél mL-1 (OVCAR-8). As placas foram incubadas a 37 ºC por 72 horas em estufa a 5% de CO2. Ao término do período de incubação, as mesmas foram centrifugadas e o sobrenadante removido. Em seguida, foram adicionados 150 µL da solução de MTT (sal tetrazólium) e as placas foram incubadas por 3 h. A absorbância foi lida após a dissolução do precipitado com 150 µL de DMSO puro em espectrofotômetro de placa (DTX- 880) em 595 nm.17 Os ensaios foram realizados em triplicata com solução de DMSO 0,5%, utilizada como controle negativo. Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão da média da porcentagem de inibição do crescimento celular usando o programa GraphPad Prism, e uma escala de intensidade foi utilizada para avaliar o potencial citotóxico das amostras testadas: amostras sem atividade (SA), com pouca atividade (PA, inibição de crescimento celular variando de 1% a 50%), com atividade moderada (MO, inibição de crescimento celular variando de 50% a 75%) e com muita atividade (MA, inibição de crescimento celular variando de 75% a 100%). Para o composto isolado, testado com concentração máxima de 5 µg mL-1, as linhagens celulares foram plaqueadas na concentração de 0,7 × 105 cél mL-1 (HCT-116), 0,1 × 106 cél mL-1 (SF-295, OVCAR-8 e L292) e 0,3 × 106 cél mL-1 (HL-60). A metodologia seguida foi a mesma utilizada no experimento anterior. Os experimentos foram realizados em duplicata, analisados como média ± desvio padrão da média da porcentagem de inibição do crescimento celular usando o programa GraphPad Prism. A atividade citotóxica para o composto foi expressa como valores de CI50.

Um segundo método in vitro permitiu avaliar o potencial citotóxico das amostras submetidas ao teste frente à linhagem tumoral de sarcorma S-180, mantidas in vivo. As células foram retiradas do peritônio de animais portadores do tumor ascítico, desenvolvido por sete dias. O líquido peritoneal foi transferido para tubos de centrífuga, seguido da adição de 10 mL de solução tampão fosfato (PBS) pH 7,4 e centrifugação a 1200 RPM por 3 min. O sobrenadante foi desprezado e as células ressuspensas em meio RPMI-1640, suplementado com 25 mM de HEPES, 2 mmol L-1 de L-glutationa, 100 UI mL-1 de penicilina, 100 µg mL-1 de estreptomicina e 10% de soro fetal bovino. As células tumorais foram plaqueadas a uma densidade de 1 × 105 células poço-1 em placas de 96 poços e incubadas a 37 ºC por 4 horas. Após o período de incubação, 20 µL de soluções em tampão PBS-tween das fases AcOEt-FC e AcOEt-FS submetidas ao teste com concentrações variando entre 6,25 a 400 µg mL-1 foram adicionados a cada poço. Após a incubação a 37 ºC por 24 horas, alíquotas de 10 µL de cada poço foram retiradas, seguido da adição de 20 µL da solução de MTS (3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-5-(3-carboximetoxifenil)-2-(4-sufofenil)-2H-tetrazólio) a 5 mg mL-1. Posteriormente, as placas foram agitadas em agitador de microplacas e incubadas a 37 ºC por 2 horas. A absorbância foi determinada em 492 nm em leitora de microplacas Termoplate®. O branco do experimento era constituído pelo meio de cultura e o controle negativo pela suspensão celular sem o tratamento.18 O percentual de atividade citotóxica (AC) após o tratamento foi calculado pela fórmula:

Os experimentos foram realizados em duplicata, analisados como média ± desvio padrão da média da porcentagem de inibição do crescimento celular, usando o programa GraphPad Prism. A atividade citotóxica para as fases foi expressa como valores de CI50.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização estrutural do composto isolado

O flavonoide 3',4',5-trihidoxi-6,7-dimetoxiflavona (cirsiliol) (Figura 1) foi obtido durante o fracionamento em coluna cromatográfica da fase acetato de etila das folhas do ambiente cultivado sob a forma de um precipitado, que foi separado da sua respectiva fração por sucessivas lavagens com clorofórmio. Após a purificação, o composto apresentou-se como um sólido amarelo amorfo, solúvel em DMSO. A identificação do cirsiliol foi baseada na análise dos espectros de RMN de 1H e 13C e pela comparação dos dados de deslocamento químico de RMN de 1H obtidos na literatura (Tabela 1).19

 


Figura 1. Estrutura química do cirsiliol, 3',4',5-trihidroxi-6,7-dimetoxiflavona

 

 

 

O espectro de RMN de 13C (125 MHz, DMSO-d6) registrou a presença de 17 carbonos, dentre os quais dois sinais (δC 56,99 e 60,60) com deslocamento característico de grupos metoxila, confirmados pela presença dos sinais em (δH 3,65 e 3,85) no espectro de RMN de 1H.20 A partir da análise dos espectros de RMN 13C em conjunto com o DEPT 135º foi possível identificar a presença de carbonos aromáticos sugerindo a presença de esqueleto flavonoídico, confirmado pelos sinais de hidrogênios registrados na região de aromáticos no espectro de de RMN de 1H. O sinal registrado em δH 12,89 sugere a presença de uma hidroxila quelatogênica. A análise dos deslocamentos químicos de 1H e 13C e o experimento de DEPT sugeriam que a substância em questão tratava-se de uma flavona com duas metoxilas e três grupos hidroxila. O espectro de correlação homonuclear COSY 1H-1H registrou a presença de uma única correlação entre os sinais em δH 6,83 com δH 7,37. O espectro HMBC registrou correlações que possibilitaram a localização dos grupos substituintes ao longo da aglicona, podendo identificar a posição dos grupamentos hidroxila em C-3', C-4' e C-5, além dos grupamentos metoxila em C-6 e C-7.

Identificação do flavonoide apigenina e quantificação do marcador cirsiliol por CLAE-DAD

A análise por CLAE dos extratos etanólicos brutos e das fases AcOEt-FC e AcOEt-FS dos espécimes em estudo teve o objetivo de comparar a expressão do flavonoide cirsiliol em cada espécime e verificar se este constituinte químico encontrava-se apenas nas folhas ou se também era produzido nos talos e flores. Além do padrão cirsiliol, foi verificada a presença do flavonoide apigenina, uma vez que o seu isolamento na espécie Leonotis nepetifolia já foi registrado.3 A identificação dos compostos se deu por meio da comparação dos tempos de retenção e espectros de absorção no ultravioleta.15 O teor do flavonoide cirsiliol foi calculado a partir da interpolação das áreas dos picos obtidos na equação de reta em 350 nm (R2 = 0,9998), oriunda da curva de calibração do flavonoide cirsiliol previamente isolado da fase AcOEt-FC, e o composto foi identificado por meio dos experimentos de RMN de 1H e 13C 1D e 2D. Os cromatogramas obtidos para os extratos etanólicos brutos e as fases AcOEt-FC e AcOEt-FS (Figura 2), submetidos ao experimento, mostram que o cirsiliol é expresso em todas as partes estudadas da planta, porém a maior expressão se dá nas folhas (Tabela 2).

 


Figura 2. Cromatogramas e espectros de ultravioleta dos padrões (a) cirsiliol, 29,5 min e (b) apigenina 32,0 min; Cromatogramas dos extratos etanólicos brutos dos espécimes de L. nepetifolia, (c) EEB-FC; (d) EEB-FS; (e) EEB-TFC; (f) EEB-TFS; (g) AcOEt-FS; (f) AcOEt-FC

 

 

 

A investigação por CLAE-DAD constatou a presença dos dois flavonoides investigados. Os teores calculados para o flavonoide cirsiliol mostram que este composto tem uma maior expressão nas folhas, quando a comparação se dá entre as partes da planta. Quando a comparação é feita entre os ambientes de cultivo, observa-se uma maior expressão no ambiente selvagem. Nos vegetais, os flavonoides exercem funções como proteção contra raios ultravioleta e fungos patógenos, estão envolvidos na ação alelopática de algumas espécies e de hormônios de crescimento, no controle da respiração e fotossíntese e, ainda, na proteção contra injúrias ocasionadas por baixas temperaturas e patógenos externos.21-24 O espécime selvagem foi coletado num ambiente com maior número de variáveis que elevam a produção biossintética de flavonoides como: menor grau de maturidade do tecido vegetal, exposição a poluentes, uma vez que a coleta foi realizada próximo a uma rodovia, e maior vulnerabilidade a ataques de patógenos externos em geral. Desta forma, os resultados obtidos são justificados e confirmam o potencial de modificação da resposta metabólica que as variáveis citadas exercem sobre as espécies vegetais.14

Atividade antimicrobiana

De acordo com a classificação seguida,25 os extratos e fases das folhas exibiram fraca atividade antibacteriana frente a todas as cepas testadas. Estudos de atividade semlhantes realizados com um espécime de L. nepetifolia coletado na Tanzania, subemtida ao screening frente as cepas de Bacillus cereus, Staphylococcus areus e Klebisiella pneumoniae, mostram que o extrato metanólico possui moderada atividade bacteriostática (1 mg mL-1) somente frente a cepa de Bacillus cereus dentre as testadas.26 Para cepa de Bacillus cereus utilizadas, no presente trabalho, foram obseravadas fracos potenciais bacteriostáticos somete paras as fases AcOEt-FS e MeOH-FS (12,5 mg mL-1) e ausência de atividade para as mesmas fases do ambiente cultivado (AcOEt-FC e MeOH-FC). Estudos realizados com um espécime coletado no Mato Grosso,27 mostram resultados divergentes aos alcnaçados neste trabalho quando se procede a comparação do potencial bacteriostático dos extratos e fases frente aos mesmos microorganismos, estes resultados reforçam a hipótese do poder de modificação da resposta metabólica que o meio de cultivo exerce sobre o vegetal. Apesar dos resultados não promissores, foi possível perceber que o ambiente de cultivo dos espécimes modificou a produção de metabólitos secundários a ponto de refletir na atividade antimicrobiana, uma vez que foram obtidos diferentes resultados frente às mesmas fases e microrganismos. Em relação aos extratos e fases do conjunto talos e flores, uma moderada atividade foi observada para a fase AcOEt-TFC (CIM = 0,78 mg mL-1) frente à cepa do microrganismo Escherichia coli. Foi observada, ainda, moderada atividade para a fase AcOEt-TFS (CIM = 0,78 mg mL-1) frente às cepas dos microrganismos Enterococcus faecalis e Escherichia coli. O cirsiliol exibiu fraca atividade (CIM = 12,5 mg mL-1) somente frente à cepa de Escherichia coli. Este resultado pode ser explicado pela presença dos dois grupos metoxilas encontrados na molécula, padrão de substituição que reduz drasticamente a atividade antibacteriana dos flavonoides.21

Atividade citotóxica

O screening de atividade citotóxica realizado com os extratos etanólicos brutos e fases das folhas e do conjunto talos e flores, dos dois ambientes de cultivo estudados, mostraram que a fase AcOEt-FS exibiu atividade citotóxica elevada, expressa como percentual de inibição de crescimento celular, frente a duas linhagens tumorais humanas (HCT-116 e OVCAR-8) dentre três testadas inicialmente. A atividade citotóxica in vitro com células tumorais de Sarcoma-180 possibilitou a determinação da CI50 das fases AcOEt-FS e AcOEt-FC. A escolhas destas fases se deu em função da elevada atividade citotóxica in vitro apresentada por estas fases, observada na metodologia anterior (Tabela 3).

 

 

O valor de CI50 abaixo de 30 µg mL-1 apresentado pela fase AcOEt-FS, para a linhagem de células tumorais S-180, bem como a citotoxicidade apresentada frente a três linhagens de células tumorais humanas, caracterizam esta fase como uma fase promissora para a pesquisa de novos agentes anticâncer.28

Tendo em vista que a análise por CLAE-DAD realizada com as fases AcOEt-FS e AcOEt-FC mostrou que o flavonoide cirsiliol era o componente majoritário em ambas, e ainda que a fase que apresentou maior potencial de inibição do crescimento celular continha um maior teor deste composto, a avaliação da atividade citotóxica com este flavonoide teve o objetivo de verificar se as atividades observadas estavam relacionadas com este composto. Os resultados, expressos como CI50, foram obtidos por meio da regressão não-linear num intervalo de 95% de confiança. O cirsiliol exibiu atividade citotóxica frente às linhagens tumorais humanas, sendo não citotóxico para a linhagem de células normais testadas L929. Em estudos de relação estrutura-atividade de flavonoides em modelos de atividade citotóxica in vitro, constatou-se que flavonoides substituídos por grupos metoxila na posição 6, bem como a presença de um grupo catecol (hidroxilas nas posições 3' e 4' do anel B), têm o seu potencial citotóxico aumentado. Este padrão de substituição encontra-se presente na estrutura do cirsiliol, justificando assim o elevado potencial citotóxico encontrado.29

Os resultados obtidos com estes últimos experimentos chamam a atenção em virtude dos valores de CI50 < 5 µg mL-1 encontrados, bem como pela seletividade por células tumorais exibida. Embora estejam acima de um dos padrões geralmente utilizados, a Doxorubucina 0,02 µg mL-1 (HL-60) e 1,36 µg mL-1 (OVCAR-8),29 estes resultados encorajam a continuidade dos estudos para que sejam traçados os mecanismos de ação deste composto bem como a avaliação da sua atividade antitumoral in vivo.

 

CONCLUSÃO

De maneira geral, os experimentos desenvolvidos com os espécimes de Leonotis nepetifolia, selvagem e cultivado, evidenciaram a capacidade de modificação de metabólitos secundários que o meio de cultivo possui e, ainda, que estas modificações são capazes de interferir nas atividades biológicas in vitro avaliadas. Os resultados obtidos com as atividades citotóxica e antitumoral in vitro, em especial a seletividade por células tumorais anormais, estimulam a continuidade de estudos futuros e mais aprofundados com as fases AcOEt-FS e AcOEt-FC e com o flavonoide cirsiliol.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

Algumas imagens, espectros e tabelas com os resultados deste trabalho (Figuras 1S à 6S, Tabela 1S e Tabela 2S) estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Prof. Dra. Maria Helena Tavares de Matos pela revisão crítica deste trabalho, bem como à CAPES, FACEPE, FUNCAP, FAPESP e ao CNPq pelo apoio financeiro.

 

REFERÊNCIAS

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2. Betancur, J.; García, N.; Fernández-Alonso, J. L.; Díaz-Rivera, O.; Hernández, A. En Libro rojo de plantas fanerógamas de Colombia, Vol. 3: Las bromelias, las labiadas y las passifloras; García, N.; Galeano, G., eds.; Instituto Alexander von Humboldt - Instituto de Ciencias Naturales de la Universidad Nacional de Colombia - Ministerio de Ambiente, Vivienda y Desarrollo Territorial, 2006.

3. Li, J.; Fronczek, F. R.; Ferreira, D.; Burandt-Jr, C. L.; Setola, V.; Roth, B. L.; Zjawiony, J. K.; J. Nat. Prod. 2012, 75, 728. DOI: http://dx.doi.org/10.1021/np3000156 PMID: 22475308

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