JBCS



4:03, sex dez 6

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Educação


Entendendo o processo químico de bioativação da sinvastatina por métodos experimentais e computacionais: uma aula prática
Understanding the chemical process related to the bioactivation of simvastatin through experimental and in silico methods: a practical class

Maurício Temotheo TavaresI; Marina Candido PrimiI; Camila Felix de CarvalhoI; Michelle Carneiro PolliII; Roberto Parise-FilhoI,*

IDepartamento de Farmácia, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Lineu Prestes, 580, 05508-000 São Paulo - SP, Brasil
IIDepartamento de Farmácia, Universidade São Francisco, Rua Waldemar César da Silveira, 105, 13057-500 Campinas - SP, Brasil

Recebido em 16/06/2015
Aceito em 14/10/2015
Publicado na web em 18/02/2016

Endereço para correspondência

*e-mail: roberto.parise@usp.br

RESUMO

Cholesterol is a lipid which in high concentration can be an important risk factor for coronary diseases and atherosclerotic lesions. This lipid presents an endogenous biosynthesis that involves several steps; one of them is modulated by the enzyme 3-hydroxy-3-methylglutaryl coenzyme A reductase (HMG-CoA reductase). HMG-CoA reductase is inhibited by statins, such as simvastatin, in order to reduce seric become active. The structure of simvastatin has a lactone ring that undergoes enzymatic hydrolysis giving the 3,5-dihydroxy-heptanoate metabolite. This group is essential for simvastatin antilipemic activity, but significantly increases their water solubility. Make students understand the influence of chemical groups and organic functions on physicochemical properties and pharmacokinetic profiles of drugs, as simvastatin, is not an easy task. In this context, combine practical strategies and theoretical presentations of the concepts involved on drug biotransformation certainly could improve the teaching learning process. This manuscript correlates organic strategies and in silico techniques throught simvastatin hydrolysis followed by comparative ClogP measurement. This approach intends to allow students to have contact with a cross-platform and multidisciplinary learning, making it ludic, easier and more interesting than theoretical classes.

Palavras-chave: medicinal chemistry; simvastatin; prodrug; experimental class; antilipemics.

INTRODUÇAO

As lipoproteínas sao necessárias para o transporte de lipídeos pelo plasma, sendo que os lipídeos mais comumente encontrados na corrente sanguínea sao: o colesterol e seus ésteres, os triglicerídeos e os fosfolipídios.1 A concentraçao elevada de lipoproteínas complexadas a lipídeos no plasma constitui fator de risco importante para lesoes ateroscleróticas e doenças coronarianas, sendo estas, o conjunto de doenças que mais geram vítimas fatais em todo o mundo.2

O colesterol consiste em um dos componentes de membranas celulares, além de ser um precursor essencial para a biossíntese de hormônios gonadotróficos (i.e. estradiol e testosterona), glicocorticóides (cortisol) e mineralocorticóides (aldosterona).3,4 Este pode ser obtido pelo indivíduo a partir de sua dieta, e também pode ser biossintetizado. A síntese endógena do colesterol é complexa e envolve diversas etapas, sendo uma das etapas iniciais, modulada pela enzima 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A redutase (HMG-CoA redutase). Esta é fundamental à biossíntese do colesterol, originando o ácido mevalônico (Figura 1A), o qual dá prosseguimento à via catalítica, por reduçao da funçao tioéster do substrato endógeno (HMG-CoA). Dessa forma, ao inibir a HMG-CoA redutase, reduz-se a concentraçao de moléculas de colesterol sintetizadas pelo organismo.5

 


Figura 1. (A) Via catalítica simplificada da biossíntese do colesterol. (B) Fórmula estrutural da sinvastatina. (C) Fórmula estrutural da lovastatina. (D) Metabólito ativo da sinvastatina, obtido após reaçao de hidrólise in vivo. Em azul é indicada a similaridade estrutural existente entre o metabólito ativo da sinvastatina e o intermediário tetraédrico da HMG-CoA

 

Os inibidores da HMG-CoA redutase, comumente conhecidos como estatinas, até o final da década de 2000 figuraram entre os medicamentos mais lucrativos utilizados na terapêutica, sendo prescritos com o intuito de reduzir os níveis séricos de colesterol.3,6 Estatinas sao inibidoras competitivas da enzima HMG-CoA redutase, e podem ser divididas em dois grupos: naturais e sintéticas. Dentre as estatinas sintéticas pode ser citada a sinvastatina (Figura 1B), uma das primeiras representantes da classe empregada na terapêutica.7

A sinvastatina foi desenvolvida a partir da lovastatina (Figura 1C), um produto natural isolado dos fungos Monascus ruber e Aspergillus terreus. Esta é estruturalmente semelhante ao seu protótipo, possuindo uma metila como grupo substituinte adicional no carbono alfa à carbonila da funçao éster da estrutura. A inserçao desta metila reduziu o número de centros quirais da sinvastatina se comparada à lovastatina, simplificando a rota sintética e, além disso, tornou-a três vezes mais potente do que seu protótipo, apresentando valor de IC50 igual a 11 nmol L-1, frente aos 34 nmol L-1 apresentados pela lovastatina.1 Cabe ressaltar que tanto a sinvastatina quanto a lovastatina possuem o sistema bicíclico hexa-hidronaftalênico, requisito estrutural importante para o ancoramento do fármaco ao sítio ativo da enzima.8-10

Como pode ser observado na Figura 1B, a sinvastatina possui um anel lactônico em sua estrutura. O grupo lactona é um éster cíclico que sofre hidrólise enzimática in vivo, tornando a sinvastatina capaz de exercer sua açao. Dessa forma, a sinvastatina é classificada como uma estrutura latente (pró-fármaco), já que a lactona precisa ser clivada para que o metabólito originado (Figura 1D) seja capaz de inibir a HMG-CoA redutase.11 O metabólito ativo da sinvastatina apresenta similaridade estrutural com o substrato da enzima, o que é evidenciado pelo grupo 3,5-di-hidroxi-heptacarboxílico (em azul) na Figura 1. Assim, este metabólito pode ser considerado um potente análogo do estado de transiçao do substrato da enzima e, dessa forma, é capaz de se ligar ao bolsao catalítico da enzima, impedindo a clivagem do substrato e sua conversao em ácido mevalônico.12,13

A fase farmacocinética da açao de fármacos se refere aos eventos sofridos pelo fármaco desde sua entrada no organismo até a sua eliminaçao, salvo a fase famacodinâmica (na qual o mesmo exerce sua açao biológica). Fazem parte da farmacocinética os eventos de absorçao e metabolismo, os quais estao intimamente relacionados à biodisponibilidade do fármaco em questao.14 No caso da sinvastatina, a funçao ácido carboxílico mascarada na forma de lactona, confere à mesma 80% de biodisponibilidade. Neste sentido, no que se refere à absorçao de fármacos, a lipofilicidade é uma propriedade de grande importância, já que influencia diretamente a permeaçao do fármaco por meio das membranas biológicas e, caso o metabólito ativo da sinvastatina fosse administrado, a presença do grupo ácido aumentaria consideravelmente sua hidrossolubilidade, alterando assim o seu coeficiente de partiçao (LogP). Com isso, o perfil de absorçao do metabólito seria prejudicado, o que enaltece as vantagens obtidas pela administraçao da forma latente.12 Além disso, a presença do ácido carboxílico torna o metabólito suscetível à reaçoes paralelas de metabolismo de primeira passagem, tais como reaçoes de conjugaçao.14 Neste caso, essas reaçoes metabólicas comprometeriam a integridade estrutural da molécula inicial, bem como sua capacidade em exercer açao biológica, resultando em baixos valores de biodisponibilidade e rápida eliminaçao.14

As características estruturais dos fármacos estao completamente relacionadas às suas propriedades físico-químicas que, consequentemente, acabam por influenciar seus perfis farmacocinéticos. Fazer com que os estudantes entendam a influência que determinados grupos químicos exercem nas propriedades físico-químicas de fármacos nao é uma tarefa simples, principalmente quando estas propriedades sao alteradas ou moduladas por eventos biológicos. Neste contexto, aliar estratégias práticas às apresentaçoes teóricas dos conceitos farmacocinéticos e de bioativaçao de estruturas latentes, certamente, permite aos estudantes vivenciar de maneira muito singular todos os fundamentos abordados.

Face ao exposto, o objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de aula prática, que busca apresentar aos estudantes uma simulaçao dos eventos farmacêuticos e enzimáticos relativos ao metabolismo de fármacos, bem como as consequências destes eventos em relaçao às alteraçoes de propriedades físico-químicas dos mesmos. Com isso, espera-se que os estudantes fixem de forma contundente os temas abordados, aprimorando assim, sua compreensao. Esta atividade prática foi planejada de forma a ser aplicada na disciplina de Química Farmacêutica e/ou na disciplina de Planejamento e Síntese de Fármacos, as quais compoem o currículo básico de disciplinas dos diferentes cursos de graduaçao em Farmácia do país, devendo ser trabalhada em um encontro único de 4 horas/aula, ou em dois encontros de 2 horas/aula cada.

Os eventos desta atividade prática estao subdivididos em:

A - Extraçao da sinvastatina a partir de comprimidos de sinvastatina 40 mg;

B - Hidrólise química da sinvastatina e obtençao do seu metabólito;

C - Comparaçao de lipofilicidade por análise dos fatores de retençao (Rf) obtidos por cromatografia em camada delgada

D - Determinar o coeficiente de partiçao calculado (ClogP) da sinvastatina e do produto hidrolisado;

E - Interpretaçao dos resultados.

 

PARTE EXPERIMENTAL

A sinvastatina utilizada no procedimento sintético desta aula prática foi extraída de comprimidos de sinvastatina 40 mg. Utilizou-se o fármaco genérico, comercializado em drogarias, a fim de reduzir o custo agregado da aula prática. Os espectros de ressonância magnética nuclear (RMN) foram obtidos em aparelho Brucker, modelo Advanced DPX-300, nas frequências 300 MHz e 75 MHz, com tetrametilsilano (TMS) como padrao de referência interno e CDCl3 como solvente. As constantes de acoplamento (RMN 1H) foram expressas como: s, singleto; sl, singleto largo; d, dubleto; dd, duplo dubleto; t, tripleto; dt, duplo tripleto; m, multipleto. Para análise de massas do produto hidrolisado (HRMS), foi utilizado o aparelho Brucker, modelo MicroTof Daltonics, com aquisiçao negativa (m/z - H+). O espectro de infravermelho (IV) do produto hidrolisado foi obtido em espectrofotômetro Shimadzu, modelo FT-IRAffinity-1, em discos de KBr entre 4000-400 cm-1. Foram utilizadas placas cromatográficas de sílica gel fluorescentes (GF254), as quais foram reveladas em câmara de ultraviotela (UV) em 254 nm. As vidrarias envolvidas neste procedimento prático sao de uso comum a laboratórios, tais como béqueres, balao de fundo redondo e funil de separaçao. Para a reaçao de hidrólise básica, foi utilizado CHCl3 como solvente e soluçao aquosa de NaOH 2 mol L-1. A determinaçao teórica de ClogP nao requer grandes recursos de performance computacional, podendo ser realizada em computadores comuns a laboratórios de informática, ou nos computadores pessoais dos alunos, quando possível.

Extraçao e hidrólise da sinvastatina

Extraçao da sinvastatina a partir de comprimidos

Primeiramente, os alunos sao orientados a triturar em gral 10 comprimidos de sinvastatina 40 mg (aproximadamente 0,96 mmol) e entao transferir o pó resultante para um béquer de 50 mL. Adicionar 10 mL de CHCl3 ao béquer e manter em agitaçao por 5 minutos.

Em seguida, filtrar (em algodao ou gaze) o conteúdo para um balao de fundo redondo de 50 mL, lavando o resíduo retido com 10 mL de CHCl3. O filtrado presente no interior do balao conterá a sinvastatina extraída dos comprimidos.

Reaçao de hidrólise básica da sinvastatina

A reaçao de hidrólise apresentada neste trabalho foi proposta a partir de adaptaçoes às condiçoes descritas por Fazio e Schneider.15 Tais adaptaçoes buscaram adequar solventes e reagentes, para aqueles comuns à rotina dos laboratórios de ensino, particularmente da área química, das diversas universidades do país.

Adicionar ao balao reacional 6 mL de NaOH 2 mol L-1 (6 eq.) e manter sob agitaçao constante, por 30 minutos, em temperatura ambiente. Durante a reaçao, alteraçoes de coloraçao no meio poderao ser observadas. Estas alteraçoes estao relacionadas aos diferentes excipientes utilizados na produçao do medicamento, que variam de acordo com o fabricante, porém, é válido ressaltar que tais excipientes nao afetam o resultado final deste procedimento. Com o término da reaçao, orientar os estudantes a transferir o meio reacional bruto para um funil de separaçao de 100 mL. Adicionar 20 mL de CHCl3 e 20 mL de HCl 5% e proceder a extraçao. Coletar a fase orgânica em um béquer de 50 mL, secar com Na2SO4 anidro e filtrar o sistema. A fase orgânica resultante, de coloraçao branca, conterá o produto hidrolisado da sinvastatina, a ser utilizado na etapa de comparaçao por cromatografia em camada delgada.

Caracterizaçao do produto hidrolisado da sinvastatina

Acido (3R,5S)-7-((1S,2S,6R,8S)-8-((2,2-dimetilbutanoil)oxi)-2,6-dimetil-1,2,6,7,8,8a-hexahidronaftalen-1-il)-3,5-di-hidroxiheptanóico: sólido branco, obtido em 95% de rendimento. RMN 1H (CDCl3, 300 MHz): Δ 5.99 (d, J = 9.6 Hz, 1H), 5.80-5.75 (t, 1H), 5.50 (s, 1H), 5.38 (s, 1H), 4.63 (sl, 1H), 4.36 (sl, 1H), 4.12 (dd, J = 14.3, 7.1 Hz, 1H) 3.82 (s, 1H), 2.73-2.60 (m, 1H), 2.40 (dd, J = 13.9, 7.4 Hz, 2H), 2.26 (d, J = 9.4 Hz, 1H), 2.04-1.83 (m, 4H), 1.71-1.42 (m, 6H), 1.29 (dt, J = 14.2, 6.3 Hz, 3H), 1.10 (dd, J = 12.5, 4.6 Hz, 9H), 0.90-0.81 (m, 6H). RMN 13C (CDCl3, 75 MHz): Δ 178.12, 170.73, 132.88, 131.49, 129.66, 128.36, 126.35, 68.12, 62.51, 43.02, 38.55, 37.53, 36.62, 36.10, 32.96, 30.62, 28.98, 27.24, 24.73, 24.26, 23.03, 13.84, 9.27. HRMS m/z calculado para C25H40O6 - H+: 435,2752. Encontrado: 435,2753. IV (cm-1): 3414, 2966, 2359, 1713, 1576.

Os espectros de RMN e demais dados de caracterizaçao estao disponíveis no material suplementar.

Comparaçao de lipofilicidade por análise dos Rf obtidos por cromatografia em camada delgada

Na aula prática, os alunos sao orientados a aplicar o produto hidrolisado e a sinvastatina, em cromatofolhas de alumínio fluorescente (GF254), de 4 cm de altura e distância de eluiçao igual a 3 cm. As placas sao eluídas em hexano/acetato de etila (1:2), com 2,0% de ácido acético. O caráter mais polar do produto hidrolisado é refletido na sua maior retençao na placa, em comparaçao à sinvastatina. Assim, com revelaçao em luz ultravioleta a 254 nm, é possível observar a mudança do perfil físico-químico obtido pela hidrólise da lactona da sinvastatina, correlacionando tal alteraçao com as possíveis implicaçoes da administraçao oral deste "metabólito", no lugar da estrutura latente. Orientar os estudantes a calcularem os Rf de cada substância. Neste trabalho, os valores qualitativos de Rf encontrados para a sinvastatina e para o produto hidrolisado foram iguais a 0,47 e 0,33, respectivamente.

A adiçao de ácido acético ao sistema eluente tem o intuito de evitar a ionizaçao do produto hidrolisado, o que poderia causar seu arraste (cauda) pela placa cromatográfica. Assim, a fase móvel acidificada garante a perfeita eluiçao de ambas as espécies.

Determinaçao do coeficiente de partiçao calculado (ClogP) da sinvastatina e do produto hidrolisado

Ao finalizar a execuçao do experimento químico-laboratorial, os alunos sao conduzidos ao laboratório de informática e orientados a acessar via internet (on line) o site do programa gratuito MarvinSketch16 (www.chemaxon.com/marvin/sketch/index.php) para calcular o ClogP da sinvastatina e do produto hidrolisado. Esta etapa da aula também pode ser realizada em tablets, smartphones ou laptops, o que facilita sua aplicaçao. O método detalhado para a realizaçao do cálculo de ClogP pelo programa MarvinSketch encontra-se amplamente descrito no material suplemetar deste manuscrito.

Os estudantes, após realizarem os cálculos de ClogP no programa MarvinSketch, observam a janela de resultados (Figura 2) e sao orientados a anotá-los, sendo os valores 4,46 e 3,79, para a sinvastatina e para o produto hidrolisado (na forma nao-ionizada), respectivamente. Posteriormente, esses valores serao utilizados para análise e comparaçao dos resultados. Faz-se necessário ressaltar que o coeficiente de partiçao calculado (ClogP) consiste em um descritor físico-químico capaz de avaliar a lipofilicidade relativa de compostos orgânicos porém, nao é capaz de prever sua partiçao hidro/lipofílica considerando as influências exercidas pelo pH do meio em que se encontra. Portanto, ainda que este descritor seja totalmente correlacionável com os resultados obtidos durante esta aula prática, o mesmo deve ser encarado com prudência, uma vez que nao traduz os eventos fisiológicos associados ao produto hidrolisado da sinvastatina que, por ser uma espécie ácida, em pH = 7,4 encontra-se totalmente ionizado, fato que altera significativamente sua partiçao hidro/lipofílica.

 


Figura 2. Janela de resultados do cálculo de ClogP. Indicados no interior dos retângulos brancos (canto esquerdo superior) estao os valores de ClogP absoluto da sinvastatina e do hidrolisado. A direita é representado o mapa de hidrofobicidade de cada estrutura. A esquerda estao apresentados os valores calculados das constantes de hidrofobicidade (ϖ) de cada átomo que compoe cada uma das moléculas

 

O material suplementar deste manuscrito apresenta o método de determinçao do ClogP pelo programa MarvinSketch, porém, é possível realizar este cálculo em outros programas gratuitos disponíveis on line, como o Molinspiration (www.molinspiration.com) e o OSIRIS Property Explorer (www.organic-chemistry.org/prog/peo/). Com isso, o docente que aplicar esta metodologia, poderá empregar o programa computacional de sua preferência.

Análise e comparaçao dos resultados

Uma vez que a fase farmacêutica de açao de fármacos consiste na desintegraçao da forma farmacêutica (quando sólida), seguida da solubilizaçao do princípio ativo, e que a absorçao é a primeira etapa da fase farmacocinética, é possível traçar um paralelo desses eventos biológicos com cada etapa realizada em aula.

O fato dos estudantes triturarem os comprimidos, solubilizarem em solvente adequado e realizarem extraçao orgânica alterando o pH (de básico para ácido), simula, de forma didática, a mesma sequência de eventos que ocorre no organismo. A trituraçao dos comprimidos pode ser comparada à desintegraçao da forma farmacêutica. A solubilizaçao em solvente, mimetiza a dissoluçao do fármaco no fluido gastrintestinal e sua separaçao dos excipientes da formulaçao.

Posteriormente, na etapa de extraçao do produto hidrolisado (de natureza ácida), o composto encontra-se ionizado no meio (devido à presença de NaOH no meio reacional), o que mostra aos estudantes que compostos ionizados possuem elevada afinidade por água e baixa afinidade pela fase orgânica, nao sendo capazes de permear membranas biológicas. Esta situaçao ilustra o fato de que fármacos, para possuírem boa permeaçao em membranas biológicas, necessitam estar em suas formas moleculares, as quais possuem maior afinidade pela natureza lipofílica das membranas.

Neste sentido, a posterior acidificaçao da fase aquosa (com HCl 5%) promove a restituiçao da forma molecular do fármaco, que possui alta afinidade pela fase orgânica utilizada no procedimento (CHCl3). Este fato pode ser correlacionado à afinidade da forma molecular de fármacos por membranas biológicas, e assim, à passagem do compartimento gastrintestinal para a circulaçao pré-sistêmica, fenômeno conhecido como absorçao. É válido ressaltar que conduzir os estudantes à elaboraçao deste raciocínio durante o período de aula contribui significativamente para o maior entendimento de tópicos correlatos aos abordados nesta prática.

O processo de bioativaçao da sinvastatina é extremamente relevante para sua açao farmacológica e, dessa forma, esta substância pode ser classificada como um pró-fármaco, ou seja, substância que necessita de ativaçao endógena para exercer seus efeitos terapêuticos. É sabido que para ser bioativada, a sinvastatina deve sofrer hidrólise enzimática, provocando assim, a abertura de seu anel lactônico, expondo o grupo 3,5-di-hidroxi-heptacarboxílico, farmacóforo da classe.

Nesta proposta de aula prática, a hidrólise química foi utilizada para mimetizar o processo de biotranformaçao (hidrólise enzimática) que ocorre in vivo e que gera metabólito com propriedade físico-química diferenciada do pró-fármaco precursor. Forma bastante prática de se caracterizar a substância obtida é correlacionar suas propriedades físico-químicas através da realizaçao da cromatografia em camada delgada comparativa com as propriedades apresentadas por seu antecessor, a sinvastatina.

A utilizaçao de um solvente de média polaridade para a fase móvel permite a eluiçao de ambas as substâncias. Porém, a substância de maior polaridade fica mais retida na fase estacionária, que também possui características polares. Dessa forma, como a sinvastatina apresentou um Rf superior ao do seu metabólito (0,47 e 0,33, respectivamente), isto expressa maior lipofilicidade para o pró-fármaco. Este fato é relevante, pois para ser absorvido de maneira satisfatória, o fármaco necessitaria de certo grau de lipofilicidade. Ao realizar os cálculos computacionais para determinaçao do coeficiente de partiçao (CLogP), o estudante é capaz de observar que os resultados demonstram e corroboram àqueles obtidos pela cromatografia experimental. Utilizando o programa MarvinScketch 5.3.8, foram obtidos os valores de ClogP de 4,46 para o pró-fármaco e de 3,79 para o metabólito ativo. Estes resultados mostram aos alunos que a sinvastatina é mais lipofílica que o seu metabólito ativo e que alteraçoes de propriedades hidro/lipofílicas ocorrem em reaçoes de metabolismo (Figura 3).

 


Figura 3. Interpretaçao dos resultados da aula prática. Correlaçao dos valores de ClogP da sinvastatina e do produto hidrolisado, com os respectivos fatores de retençao. Nota-se a maior eluiçao da molécula mais lipofílica, neste caso, o pró-fármaco sinvastatina

 

CONCLUSOES

A aplicaçao desta atividade prática mostra-se uma estratégia capaz de atingir os estudantes de forma bastante eficiente no âmbito da compreensao dos eventos associados, especialmente, à biotransformaçao de fármacos. A possibilidade de correlacionar atividades práticas de química orgânica, com técnicas químico-computacionais, permite que os alunos vivenciem os conceitos teóricos de forma multidisciplinar. Neste sentido, este trabalho buscou associar o emprego de uma estratégia lúdica de ensino ao baixo valor agregado, para tornar viável sua aplicaçao nos mais variados cursos de Farmácia e áreas afins das universidades brasileiras.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

O passo-a-passo para o cálculo de logP pelo programa MarvinSketch, bem como os espectros de RMN 1H, 13C, IV, HRMS e demais análises de caracterizaçao do produto hidrolisado, estao disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, e possuem acesso livre.

 

REFERENCIAS

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