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15:50, qui nov 21

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Educação


Influência das caraterísticas e da articulação das tarefas na qualidade das aprendizagens de química no ensino superior
Influence of tasks' features and of articulation of tasks in the quality of chemistry learning in higher education

Cristina M. C. Marques*; Joaquim B. Lopes; Maria Joao Carvalho

Departamento de Química, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal

Recebido em 27/01/2016
Aceito em 06/06/2016
Publicado na web em 05/08/2016

Endereço para correspondência

*e-mail: cmmarque@utad.pt

RESUMO

The lack of empirical findings, particularly about how to make and how to handle, intentionally, certain features of tasks, to improve the quality of learning, justifies the research questions: How to combine the features of a task to potentially improve the quality of the student learning? How to articulate different tasks over time, so as to promote good learning results? Was used an action-research study (completed in two stages) with a teacher of introductory chemistry in higher education and her students. Were analyzed data related to teaching (teacher logbook, practical worksheets, laboratory work guides) and data related to learning (students' worksheets, competences test, laboratory work observation grids). The results obtained were: (1) The open or closed typology of the task becomes less important when the contextualization in real situations is integrated, which acquired a decisive importance. That is, some features are more important than others. (2) The relevance of the tasks' features in learning is not independent of the moment when the features are integrated into the tasks. The most important factor is the articulation of tasks with specific features which results in a certain sequence of tasks over time.

Palavras-chave: features of task; articulation of tasks; competences development; conceptual development; higher education.

INTRODUÇAO

A investigaçao sobre o papel das tarefas na aprendizagem de Ciências tem um longo e renovado percurso.1 Por tarefa entende-se o trabalho que é solicitado aos alunos, que eles devem executar para dar uma resposta a uma questao ou a outro tipo de pedido.2 Note-se que tarefa e atividade do aluno sao conceitos distintos, pois sendo a tarefa o trabalho proposto aos alunos, a atividade é o trabalho que estes de facto desenvolvem. Cabe à tarefa orientar o aluno para o que ele tem de aprender e/ou fazer.2 As tarefas devem, entao, ser formuladas de acordo com os aspetos da aprendizagem conceptual que pretendam desencadear, nomeadamente, a mobilizaçao dos conhecimentos prévios dos alunos, a reconceptualizaçao e/ou a reestruturaçao dos conceitos mobilizados e das suas relaçoes; a apropriaçao de novos conceitos; a reestruturaçao do campo conceptual em jogo; a problematizaçao; o delineamento da resoluçao de problemas; a resoluçao de problemas. Uma aprendizagem de qualidade pressupoe a compreensao de conceitos científicos, das suas relaçoes e dos seus contextos de uso próxima da aceite pela comunidade científica. Existem, evidentemente, diferentes graus de qualidade das aprendizagens, consoante a aprendizagem efetuada pelo aluno se aproxima, em maior ou menor extensao, do conceito tal como ele é aceite pelos cientistas. Tal será abordado, detalhadamente, mais à frente. Há evidências empíricas de que o uso das tarefas no ensino melhoram a compreensao de conceitos e de procedimentos científicos pelos alunos,3-5 ou que os alunos podem desenvolver reais raciocínios científicos ao executarem as tarefas.1,6,7 Anderson1 salienta no entanto que "While research says inquiry teaching can produce positive results, it does not, by itself, tell teachers exactly how to do it" (p. 4). Verifica-se ainda que há poucos estudos que forneçam resultados empíricos, nomeadamente, sobre como fazer e como manipular certas caraterísticas das tarefas, de forma intencional, para melhorar a qualidade das aprendizagens. Apresentamos assim um problema geral que é o de identificar quais as relaçoes entre as caraterísticas das tarefas a executar pelos alunos e a qualidade das suas aprendizagens em termos de conhecimentos e competências de química introdutória do ensino superior. O conceito de competência pode assumir vários significados, pelo que optámos pela definiçao desenvolvida por Roldao:8 uma capacidade efetiva de mobilizar, escolher, usar e articular informaçao e conhecimento (intelectual, prático ou verbal) para enfrentar uma situaçao, problema ou questao. O estudo aqui reportado está centrado em duas questoes de investigaçao mais específicas:

QI-1 Como conjugar as caraterísticas de uma tarefa de modo a torná-la uma tarefa potenciadora da qualidade das aprendizagens dos alunos?

QI-2 Como articular tarefas diferentes, ao longo do tempo, de modo a promover bons resultados de aprendizagem?

Os resultados de aprendizagem podem ter níveis diferentes de qualidade, tal como já foi dito anteriormente. Usámos um referencial de quatro níveis, correspondentes aos aspetos da aprendizagem conceptual atingidos pelos alunos e crescentes em qualidade do nível um ao quatro. Assim, considera-se atingido o nível elementar de aprendizagem (1) quando há a mobilizaçao dos conhecimentos prévios dos alunos e/ou há a reconceptualizaçao e/ou a reestruturaçao dos conceitos mobilizados e das suas relaçoes. Atinge-se o nível intermédio de aprendizagem (2) quando há a apropriaçao de novos conceitos. O nível elevado de aprendizagem (3) é alcançado quando ocorre a reestruturaçao do campo conceptual em jogo. Considera-se ainda o nível de competências associadas à resoluçao de problemas (4) sempre que ocorre a problematizaçao e/ou o delineamento da resoluçao de problemas e/ou a resoluçao de problemas. Portanto, bons resultados de aprendizagem referem-se, genericamente, a aprendizagens que tenham nível elevado de qualidade ou superior (níveis 3 ou 4).

Os resultados obtidos vêm contribuir para colmatar a lacuna identificada, pois esclarecem que caraterísticas da tarefa sao mais relevantes e como as tarefas devem ser sequenciadas, e as respetivas caraterísticas articuladas, de modo a contribuir para aprendizagens de qualidade dos alunos.

 

METODOLOGIA DA INVESTIGAÇAO

Para responder às questoes de investigaçao era importante obter detalhes sobre os processos de ensino e de aprendizagem, no que respeita às tarefas, durante a sua execuçao em sala de aula (ou fora dela, mas em contexto de ensino formal) e fazer uma análise de forma interpretativa. Daí que se tenha optado por um estudo de caso do tipo investigaçao-açao. De acordo com Cohen e seus colaboradores,9 um estudo de caso é o estudo de uma circunstância em açao. Os estudos de caso podem estabelecer nexos de causa-efeito, já que um dos instrumentos de recolha de dados geralmente usado é a observaçao em contextos reais. O estudo de caso é, pois, um estudo das particularidades contextuais de um determinado caso. Segundo Cohen e colegas,9 a investigaçao-açao é uma intervençao em pequena escala no funcionamento do mundo real e uma análise dos efeitos de tal intervençao. A investigaçao-açao no ensino baseia-se numa perspetiva em que o investigador é também o professor, que analisa as suas práticas letivas, fazendo alteraçoes e avaliando os efeitos destas alteraçoes.10,11 Assim, a professora obteve dados ao longo do ensino, o que lhe permitiu refletir e agir sobre a conceçao das tarefas e a sua articulaçao e sequenciaçao, melhorando os resultados de aprendizagem dos alunos.

Na fase inicial do estudo, formularam-se as tarefas com caraterísticas intencionalmente presentes, com base na literatura, para encontrar respostas à questao de investigaçao QI-1. Para encontrar respostas à questao de investigaçao QI-2, articularam-se as tarefas com uma sequência nao arbitrária, alterando e/ou ajustando as suas caraterísticas ao longo do tempo. Concomitantemente, foi feita a avaliaçao, de forma sistemática, das aprendizagens atingidas quando as tarefas foram executadas pelos alunos. A professora foi fazendo a articulaçao e a sequenciaçao das tarefas no decorrer do tempo, de forma tentativa e exploratória.

Constituiu-se um estudo de caso do tipo investigaçao-açao com a professora/investigadora e 30 alunos duma disciplina introdutória de química, semestral, lecionada no 1º ano da licenciatura em Ecologia Aplicada, de uma universidade portuguesa.

Foram concebidas tarefas com certas caraterísticas intencionalmente presentes, delineadas tendo em conta objetivos de aprendizagem específicos: suscitar (i) a reflexao e a discussao acerca da(s) situaçao(oes) química(s) e dos conhecimentos prévios dos alunos, (ii) a problematizaçao e a procura de respostas ou vias de resoluçao de problemas, (iii) a reflexao acerca dos conceitos científicos postos em jogo e sua reconceptualizaçao e/ou reestruturaçao, (iv) a apropriaçao de novos conceitos e a extensao e a interligaçao dos campos conceptuais envolvidos. As caraterísticas das tarefas concebidas neste estudo podem identificar-se pelos descritores: tipologia aberta/fechada; tipo e quantidade de informaçao fornecida; detalhe da situaçao química e seu contexto; existência ou nao de modelizaçao da situaçao química; grau de explicitaçao do obstáculo; grau de dificuldade conceptual; grau de orientaçao de resoluçao; conhecimento prévio de um algoritmo.

Ao longo do ensino, a professora foi solicitando aos alunos a execuçao das tarefas concebidas e, simultaneamente, recolhendo dados sobre o ensino e a aprendizagem. Ao longo da execuçao das tarefas, a professora detetou dificuldades dos alunos em termos da compreensao da tarefa, dos seus objetivos e da linguagem utilizada, e também ao nível das aprendizagens alcançadas. Houve, portanto, a necessidade de ir alterando, ajustando e/ou articulando melhor as caraterísticas das tarefas. Estes processos decorreram tanto durante a execuçao de cada tarefa, como de tarefa para tarefa, ou de aula para aula; ou seja, no momento do ensino ou após cada aula. Portanto, as caraterísticas das tarefas que foram intencionalmente incluídas na sua conceçao tiveram de sofrer ajustes para que as caraterísticas pretendidas em cada tarefa, agora de forma mais consciente, estivessem efetivamente presentes. Foi necessário, também, fazer ajustes na articulaçao dessas caraterísticas em tarefas diferentes e na sequência com que as tarefas, com caraterísticas diferentes, iam sendo apresentadas ao longo do tempo aos alunos.

Os dados sobre o ensino foram recolhidos através do diário de bordo da professora (registo quotidiano detalhado da dinâmica das aulas, das tarefas dadas aos alunos, das atividades que eles desenvolveram durante a execuçao das tarefas, das manifestaçoes das suas dificuldades, dos seus comentários, das intervençoes da professora, das suas perceçoes ...) e dos documentos fornecidos aos alunos (fichas de trabalho prático e enunciados dos trabalhos laboratoriais). Para recolher os dados sobre a aprendizagem dos alunos recorreu-se também aos registos do diário de bordo da professora, às respostas dadas pelos alunos nas fichas de trabalho prático e à observaçao direta da execuçao pelos alunos dos trabalhos laboratoriais (com o apoio de uma grelha de observaçao).

A análise de dados relativos ao ensino foi feita através da análise de conteúdo do diário de bordo da professora, das fichas de trabalho prático e dos enunciados dos trabalhos laboratoriais. A análise de dados relativos às aprendizagens foi feita através da análise de conteúdo das aulas com e sem ficha de trabalho prático (através do diário de bordo) e ainda com base na análise das grelhas de observaçao dos trabalhos laboratoriais. Na análise de conteúdo procuraram-se evidências empíricas: (i) dos descritores das tarefas dadas, (ii) dos níveis de aprendizagem definidos e apresentados acima (referencial de quatro níveis) e (iii) das caraterísticas das interaçoes da professora durante a execuçao das tarefas.

Foram selecionados três episódios de ensino para serem analisados. Cada episódio corresponde a um conjunto de tarefas concebidas e dadas aos alunos para eles executarem, ao ensino e às aprendizagens que as tarefas proporcionaram. Decorreram, geralmente, em uma ou duas aulas. Os episódios de ensino foram analisados em termos das caraterísticas de cada tarefa, do ensino que a tarefa proporcionou e da aprendizagem que a tarefa proporcionou: (i) ao longo da execuçao da(s) tarefa(s) em cada episódio e (ii) de episódio para episódio. Estes episódios de ensino foram também analisados globalmente, em termos da sequência de apresentaçao das tarefas.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

A análise dos três episódios de ensino foi feita em duas etapas. Na primeira etapa, cada episódio foi analisado individualmente em termos das categorias de análise: Caraterísticas da tarefa; Ensino que a tarefa proporciona; e Aprendizagem que a tarefa proporciona. Na segunda etapa, foram analisados globalmente os três episódios em termos da categoria de análise: Sequência de apresentaçao das tarefas.

O primeiro episódio desenrolou-se a partir da promoçao, pela professora, de uma discussao sobre o significado do conceito de química como área científica e acerca da relevância da disciplina para a compreensao de fenómenos do dia a dia e de problemas ambientais. Considerou-se esta abordagem importante, numa das primeiras aulas da disciplina, por a química ser uma área científica fundamental na compreensao de fenómenos ambientais, sendo estes de enorme relevância na licenciatura em causa, Ecologia Aplicada. A Tabela 1 diz respeito ao episódio 1 e apresenta as tarefas que foram dadas aos alunos, a análise das tarefas (em termos das suas caraterísticas), a análise do ensino e da aprendizagem (em termos do que funcionou ou nao funcionou com as tarefas) e as alteraçoes e/ou ajustes que se tiveram de fazer nas tarefas. Analisando a Tabela 1, verificou-se que a primeira tarefa, com caraterísticas que a tornaram complexa para os alunos (tipologia aberta, nenhuma informaçao fornecida, sem referência a situaçoes reais ou académicas, ...), obteve respostas que indicaram dificuldades de compreensao do objetivo da tarefa, pois os alunos apenas mobilizaram os seus conhecimentos prévios sobre o conceito de química, relacionados com a visao disciplinar desta área científica. A reformulaçao da tarefa (tarefa 2) manteve a globalidade das caraterísticas da tarefa 1, mas os alunos continuaram com dificuldades na sua execuçao pois estabeleceram apenas algumas relaçoes entre o conceito de química e os seus contextos de uso. A professora entendeu, entao, que deveria incluir tarefas auxiliares de natureza menos complexa (tarefa 3), portanto com tipologia mais fechada e referindo algumas situaçoes reais. As respostas foram dadas com facilidade e indicaram que houve aprendizagens ao nível do estabelecimento de variadas relaçoes entre a química e os seus contextos de uso (ver Tabela 1). Nesta altura, pareceu oportuno apresentar e discutir conceitos novos e as suas relaçoes, designados genericamente por inter-relaçoes ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTS-A), sendo este um conceito estruturante e contextualizador das aprendizagens anteriores. A aprendizagem das inter-relaçoes CTS-A foi avaliada com a tarefa 4, tarefa de tipologia aberta mas ancorada nas respostas e discussao ocorrida na tarefa 3 (com informaçao relevante para a sua execuçao, várias situaçoes e contextos referidos, alguma modelizaçao das situaçoes, ...). Por fim, foi dada a tarefa 5, na realidade praticamente igual à tarefa 1 em termos de formulaçao, com tipologia aberta, mas ancorada nas discussoes e aprendizagens anteriores (o que modificou as outras caraterísticas da tarefa 5 relativamente à 1). Tanto na tarefa 4 como na 5, tarefas de maior complexidade do que as anteriores, os alunos responderam com elevada autonomia e atingiram aprendizagens de maior nível de qualidade, pois apropriaram conceitos novos, reconstruindo os seus significados, reestruturaram os campos conceptuais em jogo e aplicaram-nos em contextos reais (ver Tabela 1).

 

 

Portanto, da tarefa 3 à 5, os conhecimentos prévios dos alunos evoluíram para conhecimentos mais próximos dos aceites pela comunidade científica, o que se pode relacionar com a melhoria da qualidade das suas aprendizagens. A reflexao sobre os dados do ensino e das aprendizagens no episódio 1 parece indicar que quando se pretende que os alunos executem uma tarefa complexa, esta deve ser precedida por outras mais simples, que sirvam de âncora e de contextualizaçao (aos conhecimentos a mobilizar, às situaçoes químicas, às modelizaçoes a fazer das situaçoes, à orientaçao da execuçao da tarefa, entre outros exemplos).

O segundo episódio analisado desenrolou-se com a discussao em pequeno e grande grupo de uma ficha de trabalho contendo sete tarefas. Foram apresentadas, no início da aula, inúmeras situaçoes ambientais e/ou químicas (por exemplo, a contaminaçao dos solos devido a aterros sanitários, a poluiçao atmosférica devido à atividade industrial, os incêndios florestais, as chuvas ácidas), através do visionamento do programa Ambiente e Crescimento Demográfico do filme Educaçao Ambiental,12 com a duraçao de cerca de 20 minutos. De seguida, os alunos, em pequeno grupo, discutiram o filme e responderam às tarefas 1 e 2. Posteriormente leram um texto sobre os principais modelos de desenvolvimento económico "Diferentes alternativas à problemática ambiental"13 (texto adaptado da fonte original, sobre desenvolvimento sustentável, conservacionismo sem concessoes, exploraçao incontrolada) e responderam à questao 3. Seguiu-se a execuçao das restantes tarefas. Note-se que durante o trabalho em pequeno grupo a professora interveio apenas perante a solicitaçao dos alunos. No final da execuçao da ficha de trabalho foi feita a discussao em grande grupo, em que a professora interveio essencialmente no sentido de mediar as aprendizagens dos alunos. A Tabela 2 diz respeito ao episódio 2 e apresenta algumas tarefas que foram dadas aos alunos (as mais relevantes para este estudo), a análise das tarefas (em termos das suas caraterísticas), a análise do ensino e da aprendizagem (em termos do que funcionou ou nao funcionou com as tarefas) e as alteraçoes e/ou ajustes que se tiveram de fazer nas tarefas.

 

 

No episódio 2 pretendia-se a execuçao pelos alunos de uma tarefa complexa. Entao, a professora concebeu as primeiras tarefas (1 e 2) com caraterísticas que as simplificaram: de tipologia pouco aberta, com informaçoes relevantes, com a apresentaçao de situaçoes reais muito diversificadas, com obstáculos tipificados e implícitos, ... Verificou-se que os alunos apresentaram dificuldades que se prenderam com a linguagem utilizada e com a compreensao dos objetivos das tarefas (ver Tabela 2). Estas sao mais abertas do que as tarefas no ensino tradicional, têm obstáculos tipificados mas implícitos, há a necessidade de mobilizaçao de raciocínios estabelecidos, o contexto nao é o contexto da disciplina (por exemplo), o que ajuda a explicar as dificuldades acrescidas. Feitos os esclarecimentos necessários, as tarefas foram executadas sem dificuldades. Assim, apesar do ensino na tarefa 1 ter sido feito através da apresentaçao de um filme, em que sao os alunos que têm de selecionar os conceitos e as relaçoes relevantes para a execuçao da tarefa, estes eram já do seu conhecimento, quer pelas suas vivências, como resultantes das últimas aulas. As aprendizagens dos alunos consistiram apenas numa validaçao dos seus conhecimentos prévios. Na tarefa 2 as aprendizagens fizeram-se sem dificuldades, pois resultaram de confronto de ideias, da mobilizaçao de conhecimentos prévios (o conceito Revoluçao Industrial) e do estabelecimento de relaçoes entre conceitos. Os alunos mobilizaram os seus conhecimentos prévios, reestruturaram os conceitos mobilizados e as suas relaçoes, apropriaram novos conceitos, aplicando-os em contexto e reestruturaram os campos conceptuais em jogo. Seguiu-se a tarefa 3, de tipologia aberta, mas com informaçoes relevantes, com situaçoes claras, com obstáculos tipificados e implícitos, ... Uma vez mais, as dificuldades relacionaram-se com o objetivo da tarefa, a qual, após os devidos esclarecimentos, foi resolvida sem dificuldades. Os alunos conseguiram mobilizar os seus conhecimentos, estabelecer inter-relaçoes entre conceitos, aplicando-as a situaçoes novas. A tarefa 4 era de tipologia aberta, com informaçao fornecida vaga, sem referência a situaçoes reais explícitas, com obstáculos tipificados e implícitos, ... Os alunos foram autónomos ao escolherem situaçoes reais, ao identificarem as inter-relaçoes CTS-A existentes, de uma forma mais complexa e rica, e ao confrontarem entre pares os seus argumentos. Os alunos conseguiram atingir conhecimentos e desenvolver competências de qualidade elevada. Ou seja, mobilizaram os seus conhecimentos prévios, permitindo a apropriaçao de novos conceitos, muitos deles estruturantes, reestruturaram os conceitos adquiridos e aplicaram-nos em contexto/situaçoes novas. Tal como na tarefa 4, com a tarefa 5 (aberta, mas com ancoragem nas aprendizagens ocorridas nas tarefas anteriores), os alunos atingiram conhecimentos e desenvolveram competências de qualidade elevada.

As várias tarefas, colocadas ao longo do episódio 2, foram sendo cada vez mais abertas, com cada vez menos informaçoes fornecidas ou de cariz mais vago, a apresentaçao de situaçoes reais foi sendo mais rara ou inexistente, ... Embora o ensino proporcionado tivesse, por vezes, um cariz orientativo, aquele esteve sempre centrado nos alunos e estes conseguiram aprendizagens gradualmente mais autónomas, envolvendo o estabelecimento de relaçoes novas entre conceitos ou aplicadas a situaçoes novas, conseguindo atingir conhecimentos e desenvolver competências de elevado nível de qualidade. A reflexao sobre os dados do ensino e das aprendizagens nos episódios 1 e 2 reforçam a convicçao de que quando se pretende que os alunos executem uma tarefa complexa, esta deve ser precedida por outras mais simples, que sirvam de âncora e de contextualizaçao para a construçao de conhecimento novo e o desenvolvimento de competências.

O terceiro episódio analisado decorreu durante a observaçao direta para avaliar a competência "Compreensao do problema a resolver", do trabalho laboratorial "Determinaçao da fórmula empírica do óxido de magnésio". Foi dada uma tarefa com uma sugestao para orientar os alunos na resoluçao do problema proposto. Esta tarefa, apesar de recorrer a uma sugestao facilitadora do delineamento da resoluçao do problema, é de natureza mais complexa do que as apresentadas nos episódios anteriores, uma vez que diz respeito a uma competência (Compreensao do problema a resolver) que incorpora outras de mais baixo nível, mas que têm de estar relacionadas e articuladas para o desenvolvimento da competência em questao. A Tabela 3 diz respeito ao episódio 3 e apresenta as tarefas que foram dadas aos alunos, a análise das tarefas (em termos das suas caraterísticas), a análise do ensino e da aprendizagem (em termos do que funcionou ou nao funcionou com as tarefas) e as alteraçoes e/ou ajustes que se tiveram de fazer nas tarefas.

 

 

A tarefa 1 colocada no episódio 3 foi de cariz aberto. Nao explicitava, na sua formulaçao, a informaçao total necessária para a sua execuçao, apesar de ela estar presente na introduçao incluída no guiao do trabalho laboratorial, na sugestao anexa à tarefa e na bibliografia de apoio aos trabalhos laboratoriais. A situaçao química era apresentada adequada, mas nao explicitamente, na introduçao ao trabalho, e nao estava referida na tarefa. A modelizaçao da situaçao química era dada, na introduçao ao trabalho, para uma classe de situaçoes, mas nao para a situaçao particular. Os obstáculos nao eram tipificados nem explícitos. As dificuldades conceptuais colocavam-se ao nível da mobilizaçao de diversos conceitos e da necessidade de os articular de forma nova. A orientaçao da resoluçao da tarefa era dada apenas implicitamente na introduçao e na sugestao da tarefa. Os algoritmos necessários eram dados para uma classe de situaçoes químicas. Os alunos tiveram dificuldades em compreender a funçao da sugestao dada, bem como em mobilizar conceitos dados, e em modelizar a situaçao química, entre outras. Por isso, o ensino proporcionado teve de recorrer à mediaçao da professora, para tornar explícitos dados, informaçoes, situaçoes, algoritmos, ... Apesar das intervençoes da professora, o ensino esteve sempre centrado nos alunos e, na tarefa 2, estes conseguiram, globalmente, delinear uma forma de resolver o problema proposto, processando o conhecimento de forma nova e aplicando-o a uma situaçao nova.

A análise feita aos três episódios de ensino referidos, e apresentada nas respetivas Tabelas 1, 2 e 3, permite chegar aos seguintes resultados. No primeiro episódio, as aprendizagens dos alunos evoluíram em termos da qualidade dos conceitos adquiridos e das competências desenvolvidas. Começaram pela simples apropriaçao de conceitos novos, da reconstruçao dos seus significados e dos campos conceptuais em jogo e da sua aplicaçao em contexto. No segundo episódio, os alunos passaram para aprendizagens envolvendo o estabelecimento de relaçoes novas entre conceitos ou aplicadas a situaçoes novas. Mais tarde (episódio 3), no delineamento de vias de resoluçao de problemas, processaram o conhecimento de forma nova e aplicaram-no a uma situaçao nova. Este processo evolutivo - de episódio para episódio e focado na tarefa principal - decorreu à medida que as tarefas foram seguindo uma linha de apresentaçao em que houve gradualmente: número crescente de conceitos envolvidos, complexidade crescente da natureza dos conceitos e das suas relaçoes, maior grau de abertura e diminuiçao da informaçao explícita referida (quanto às situaçoes químicas e às suas modelizaçoes), menor tipificaçao e explicitaçao de obstáculos, menor orientaçao da execuçao das tarefas.

Os resultados globais obtidos neste estudo foram: 1 - Quando os alunos executam tarefas contextualizadas em situaçoes reais, sendo aquelas de cariz fechado ou aberto, ... as suas aprendizagens atingem níveis de qualidade mais elevados; 2 - Quando os alunos executam tarefas principais sequenciadas de modo a envolver conceitos em número e complexidade crescentes, cada vez mais abertas, com situaçoes gradualmente menos modelizadas, com obstáculos cada vez menos explícitos e com uma diminuiçao progressiva da orientaçao dada, as aprendizagens dos alunos em conhecimentos e competências atingem níveis crescentes de qualidade ao longo do ensino.

Face aos resultados obtidos, pode responder-se às QI. Assim:

Resposta a QI-1: Com o resultado 1, foi possível concluir que a tipologia aberta/fechada... da tarefa perde importância quando se integra a "contextualizaçao em situaçoes reais". Ou seja, há caraterísticas mais importantes que outras. A "contextualizaçao em situaçoes reais" revelou-se decisiva.

Resposta a QI-2: Com o resultado 2, foi possível concluir que as caraterísticas das tarefas, de per si, nao sao o mais determinante na promoçao de aprendizagens de qualidade, ou seja, a relevância das caraterísticas nas aprendizagens nao é independente do momento em que essa(s) caraterística(s) sao integradas nas tarefas. O que é determinante é a articulaçao das tarefas com determinadas caraterísticas, de que resulta uma determinada sequenciaçao das mesmas ao longo do tempo.

Portanto, este estudo permitiu obter o resultado geral de que há aquisiçao de conhecimentos e o desenvolvimento de competências de alto nível quando os alunos executam tarefas concebidas deliberadamente com caraterísticas específicas e com uma linha de apresentaçao que nao é arbitrária.

Minner e colegas3 desenvolveram um trabalho de revisao onde se analisaram 138 estudos realizados entre 1984 e 2002, em vários países, disciplinas de ciências, níveis de ensino e em diversos contextos de ensino. Este estudo mostra que há melhoria no desenvolvimento conceptual, na motivaçao, nas crenças sobre a ciência, na compreensao científica processual e epistemológica, quando o ensino da ciência se baseia em inquiriçao (inquiry). Portanto, as estratégias de ensino que envolvem ativamente os alunos nos processos de aprendizagem através de inquiriçoes sao mais adequados para a melhoria da compreensao conceptual do que as estratégias que se baseiam em técnicas mais passivas.

Como foi dito anteriormente, o estudo que desenvolvemos desenhou as tarefas com os objetivos de promoverem: i) a reflexao sobre situaçoes químicas e os conhecimentos prévios dos alunos; ii) a formulaçao de problemas e a procura de respostas ou de vias para a sua resoluçao; (iii) a reconceptualizaçao e/ou reestruturaçao de conceitos; (iv) a apropriaçao de novos conceitos e a extensao e a interligaçao dos campos conceptuais envolvidos. Portanto, a nossa estratégia de ensino foi concebida com o intuito geral de envolver ativamente os alunos em processos científicos. Entendemos, por isso, que as tarefas concebidas se enquadram numa estratégia de ensino baseada em inquiriçao. Por outro lado, o nosso estudo mostra que há desenvolvimento conceptual e de competências quando as tarefas estao contextualizadas em situaçoes reais e quando as tarefas principais estao sequenciadas de modo a envolver conceitos em número e complexidade crescentes, cada vez mais abertas, com situaçoes gradualmente menos modelizadas, com obstáculos cada vez menos explícitos e com uma diminuiçao progressiva da orientaçao dada. Portanto, os nossos resultados estao de acordo com os resultados globais referidos no estudo de Minner e colegas,3 salientando-se ainda que o nosso estudo contribui com indicaçoes claras sobre como fazer e como manipular certas caraterísticas das tarefas, de forma intencional, algo que vem preencher uma lacuna nos estudos desenvolvidos sobre tarefas.1

Tiberghien e colegas,6 que compararam 75 fichas com instruçoes para atividades de laboratório de vários estudos, consideram que estas fichas condicionam as atividades desenvolvidas pelos alunos. Referem, no entanto, que o papel desempenhado pelas fichas depende do tipo de questoes colocadas e do nível de detalhe da informaçao fornecida. Em particular, salientam que a conclusao principal dos vários estudos é a de que o tipo de questoes colocadas tem uma forte influência nas atividades dos alunos, em particular, no tipo de conhecimentos envolvido quando os alunos executam uma sequência de tarefas solicitadas.

O nosso estudo vem comprovar esta influência, pois verificou-se que quando os alunos executam tarefas com certas características e com uma determinada sequência nao arbitrária, os alunos desenvolvem conhecimentos e competências. Por outro lado, os nossos resultados verificaram-se tanto em discussao em sala de aula, como durante a execuçao de trabalho prático ou em trabalho laboratorial (e nao apenas em trabalho laboratorial, como no caso do estudo de Tiberghien e colaboradores).

Segundo a equipa de Gulacar,14 que aplicou um conjunto diferenciado de tarefas a alunos de uma licenciatura de química, os resultados obtidos sugerem que os alunos com piores resultados de aprendizagem necessitam de tarefas de menor complexidade e com maior orientaçao, enquanto alunos com melhores resultados de aprendizagem necessitam de tarefas complexas e abstratas, portanto, mais desafiadoras.

Parece-nos poder estabelecer algumas relaçoes entre os resultados deste estudo e do nosso. Note-se que quando os nossos alunos revelaram grandes dificuldades na execuçao de tarefas, eles superaram as suas dificuldades executando tarefas mais fechadas e com maior orientaçao de resoluçao (entre outras caraterísticas). Quando os alunos já tinham conhecimentos e processos mentais mais organizados e de maior qualidade, estes já conseguiram executar com sucesso tarefas mais complexas, por exemplo, mais abertas e com menor orientaçao de resoluçao.

Este estudo deixa em aberto várias questoes pertinentes para investigar: Se a linha de apresentaçao das tarefas nao pode ser arbitrária, haverá outras formas de articulaçao e/ou sequenciaçao de que resultem melhores resultados de aprendizagem? Que variaçoes relevantes aparecem quando se altera contexto científico, quando conhecimentos prévios dos alunos sao melhores ou piores do que os deste estudo e/ou quando backgrounds e sensibilidade didáticos do professor sao diferentes?

 

CONCLUSAO

Os resultados deste estudo vêm reforçar a ideia de que as tarefas devem ter determinadas caraterísticas e estar articuladas com as restantes, de forma nao arbitrária para promover aprendizagens de qualidade nos alunos. Por outro lado, é essencial que o professor faça uma avaliaçao sistemática do seu ensino e que monitorize as aprendizagens, para refletir e agir sobre as suas práticas. Só desta forma poderá ajustar o ensino, as tarefas nomeadamente, aos contextos de ensino particulares, promovendo assim aprendizagens de qualidade.

 

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