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A evolução da Química Medicinal no Brasil: avanços nos 40 anos da Sociedade Brasileira de Química# Medicinal chemistry progress in brazil: advances in the 40 years of the Brazilian Chemical Society |
Antonia Tavares do Amaral1; Carolina Horta Andrade2; Arthur E. Kümmerle3; Rafael V. C. Guido4,*
1Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, Avenida Prof. Lineu Prestes 748, 05508-000 São Paulo - SP, Brasil Recebido em 02/04/2017 *e-mail: rvcguido@ifsc.usp.br Medicinal Chemistry includes the invention, discovery, design, identification, and interpretation of the molecular mechanism of action of biologically active compounds. In addition to the discovery of bioactive molecules, Medicinal Chemistry investigates drug metabolism and the relationships between chemical structure and biological activity. The advances achieved in the 20th century have significantly contributed to the better understanding of pathophysiological processes as well as the development of new, safer and more effective drugs for many diseases. In this article, we review the evolution of Medicinal Chemistry in Brazil during the last 40 years and evaluate the impact of the Brazilian contributions in the international context. The analyzed data revealed that Medicinal Chemistry research in Brazil has increased exponentially in the last two decades, the research groups became more well-distributed across the Brazilian regions and our scientific contributions have significant impact in the main journals of the field. Therefore, aiming at evolving steadily and striving for excellence in drug discovery and development, we shall focus on national and international collaborations and investment in translational research, as well. INTRODUÇAO O processo de desenvolvimento de novas substâncias candidatas a fármacos é complexo, de alto custo e demanda a combinaçao de várias áreas estratégicas em ciência e tecnologia. O resultado desse esforço integrado resultou no planejamento e descoberta de inovaçoes terapêuticas para diversas doenças nas últimas décadas. Nesse sentido, a aplicaçao de métodos do estado-da-arte em Química e Biologia permitiu a elucidaçao de mecanismos fisiopatológicos e farmacológicos auxiliou a melhor compreensao do processo de reconhecimento molecular e das propriedades farmacocinéticas e toxicológicas de candidatos a fármacos. É evidente que os avanços científicos e tecnológicos na área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovaçao (PD&I) de fármacos levaram a melhorias significativas na qualidade de vida das diversas populaçoes no mundo.1,2 A Química Medicinal é uma ciência multidisciplinar, que combina várias especialidades, como Química Orgânica, Bioquímica, Físico-Química, Farmacologia, Informática, Biologia Molecular, Biologia Estrutural, Biologia Celular, entre outras. De acordo com o Subcommittee on Medicinal Chemistry and Drug Development da Chemistry and Human Health Division (VII) da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), a Química Medicinal é a disciplina que estuda os aspectos relacionados à descoberta, invençao e preparaçao de substâncias bioativas de interesse terapêutico, e os fatores moleculares do modo de açao dos fármacos, incluindo a compreensao da relaçao entre estrutura química e atividade (SAR, do inglês, Structure-Activity Relationships), além de aspectos relacionados à absorçao, distribuiçao, metabolismo, eliminaçao e toxicidade.3 Portanto, a Química Medicinal é uma ciência fundamentada em Química, que envolve aspectos importantes das Ciências Farmacêuticas, Médicas e Biológicas. A Sociedade Brasileira de Química (SBQ) está completando 40 anos de existência e para celebrar essa importante ocasiao apresentamos nesse trabalho um estudo sobre a evoluçao da Química Medicinal no Brasil e sua inserçao no mundo.
EVOLUÇAO DA QUIMICA MEDICINAL NO BRASIL E SUA INSERÇAO NO MUNDO Datar o início da Química Medicinal brasileira e os pesquisadores pioneiros deste processo talvez nao seja uma tarefa fácil e, possivelmente, qualquer conclusao será passível de questionamentos. No trabalho de Amaral e Montanari, publicado em 2002,4 os autores reconhecem os esforços e homenageiam o saudoso Professor Andrejus Korolkovas, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sao Paulo (FCF-USP), e o Professor Ivan da Rocha Pitta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por colocarem o Brasil no cenário internacional da Química Farmacêtucia/Medicinal através de suas publicaçoes, que abordavam diretamente o planejamento racional através dos estudos das relaçoes quantitativas entre estrutura química e atividade biológica (QSAR, do inglês Quantitative Structure-Activity Relationships).5-7 Esses estudos foram influenciados pelo trabalho de Corwin Hansch,8 que esteve no Brasil em 1966 e proferiu uma palestra sobre as relaçoes entre estrutura química e atividade biológica (SAR, do inglês, Structure-Activity Relationships), no 3º Simpósio Internacional de Farmacologia, realizado na Universidade de Sao Paulo. A vinda do Prof. Hansch ao Brasil foi possível graças a um convite do Prof. Maurício Rocha e Silva, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto (FMRP-USP). É importante mencionar que o Prof. Rocha e Silva foi um dos maiores farmacologistas brasileiros que, junto com o Prof. Sérgio Henrique Ferreira (seu discípulo à época), descobriu a bradicinina e seus mecanismos de modulaçao da pressao arterial.9,10 Esses estudos forneceram as bases farmacológicas para o desenvolvimento do fármaco captopril.11 De fato, a importância dos Professores Korolkovas e Pitta para a Química Farmacêutica/Medicinal brasileira é indiscutível. O Prof. Korolkovas modernizou a Química Farmacêutica no Brasil, introduzindo as bases para o planejamento de fármacos. Foi, também, pioneiro ao escrever o livro "Fundamentos de Farmacologia Molecular: base para o planejamento de fármacos", em 1974, e, logo depois, em 1976, o Essentials of Medicinal Chemistry, em co-autoria com Joseph Burckhalter, traduzido, posteriormente, em 1982, para o vernáculo, como "Química Farmacêutica",12 tendo-o como único autor. Publicou, também, a segunda ediçao do Essentials of Medicinal Chemistry, em 1988. O compêndio "Química Farmacêutica", por muitos anos, constituiu-se em referência para os estudantes e profissionais da área de Química Farmacêutica/Medicinal. O Prof. Pitta foi e é um grande formador de recursos humanos e contribuiu significativamente para o desenvolvimento da Química Medicinal na regiao nordeste. Visando avaliar a evoluçao da Química Medicinal no Brasil e sua inserçao no mundo, realizamos uma busca na literatura baseada nos principais periódicos internacionais de Química Medicinal (i.e., periódicos com fator de impacto maior que 2,0 e escopo principal focado em Química Medicinal), sendo eles: Journal of Medcinal Chemistry, Bioorganic and Medcinal Chemistry, Bioorganic and Medcinal Chemistry Letters, European Journal of Medicinal Chemistry, Current Medicinal Chemistry, Journal of Enzyme Inhibition and Medicinal Chemistry, ACS Medicinal Chemistry Letters, ChemMedChem, Chemical Biology and Drug Design e MedChemComm, entre o período 1960 - 2016 (Scopus 05/3/2017). O resultado dessa busca revelou dois outros expoentes do cenário científico brasileiro, os Profs. Antônio Cechelli de Mattos Paiva e Terezinha Bandiera Paiva, que fizeram contribuiçoes seminais para a Química Medicinal quando publicaram, no final da década de 1960 e início de 1970,13-15 os resultados dos estudos sobre derivados histaminérgicos e peptídicos como antagonistas de angiotensina e potencializadores de bradicinina no prestigiado Journal of Medicinal Chemistry. Nesta época, o sistema educacional universitário brasileiro passava por mudanças significativas. Entre elas desataca- se a aprovaçao da Lei Federal n.º 5.540, de 28/11/1968, que regulamentou a Reforma Universitária no Brasil e determinou a inclusao da disciplina de Química Farmacêutica no currículo do curso de graduaçao em Farmácia no Brasil. A análise dos dados coletados nesse levantamento bibliográfico indica que, inicialmente, os trabalhos publicados por cientistas brasileiros na área de Química Medicinal eram raros (Figura 1). A primeira publicaçao identificada foi em 1969, seguida de maneira esporádica por algumas outras, na maioria do grupo do Prof. Mattos Paiva, durante a década de 1970. Em 1975, ocorreu a primeira ediçao do "Encontro Nacional de Professores de Química Farmacêutica (ENPQF)", na cidade do Rio de Janeiro, organizado pelo Prof. Korolkovas. Este evento, que culminou com a publicaçao do livro "Memória do I Encontro Nacional de Professores de Química Farmacêutica", de autoria do Prof. Korolkovas, restabeleceu a disciplina de Química Farmacêutica como obrigatória nos cursos de Farmácia e definiu seus objetivos no âmbito da profissao farmacêutica.16 Desde entao, o evento tem sido um espaço para discussao de tópicos relacionados ao ensino e pesquisa da área de Química Farmacêutica ou Medicinal no Brasil.17
Figura 1. Número total de publicaçoes de cientistas brasileiros por ano, de 1969 a 2016, obtido na base de dados Scopus (busca em 05/03/2017), nos periódicos Journal of Medicinal Chemistry, Bioorganic and Medicinal Chemistry, Bioorganic and Medicinal Chemistry Letters, European Journal of Medicinal Chemistry, Current Medicinal Chemistry, Journal of Enzyme Inhibition and Medicinal Chemistry, ACS Medicinal Chemistry Letters, ChemMedChem, Chemical Biology and Drug Design e MedChemComm
A partir da década de 1980, contribuiçoes importantes de outros cientistas brasileiros atuando na área de Química Medicinal começam a aparecer e a se destacar (Figura 1), mas ainda com um pequeno número de publicaçoes dentre os periódicos selecionados (até 2 publicaçoes/ano). O início da década de 1990 foi importantíssimo para o desenvolvimento da Química Medicinal no Brasil. Especificamente, em 1993, um marco para os químicos medicinais brasileiros foi estabelecido. Neste ano, atendendo ao anseio de muitos sócios da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), foi criada a Seçao Relaçoes Quantitativas Estrutura-Atividade (SA), tendo em sua diretoria Profa. Antonia Tavares do Amaral (Diretor), Prof. Eliezer J. Barreiro (Vice-Diretor) e Prof. Rosendo Augusto Yunes (Tesoureiro). Em 1998, a SA se tornou a Divisao de Química Medicinal (MED) tendo em sua diretoria o Prof. Carlos Alberto Montanari (Diretor), Prof. Eliezer J. Barreiro (Vice-Diretor) e Prof. Ricardo Bicca de Alencastro (Tesoureiro) (Apêndice). A concepçao da SA ocorreu durante o processo de referagem das Reunioes Anuais da SBQ. Nesta oportunidade, foi realizado um trabalho intenso junto aos membros da Sociedade Brasileira de Química para a identificaçao de pesquisadores que poderiam contribuir e serem beneficiados dos métodos de Relaçao Estrutura-Atividade (SAR, Structure Activity Relationship). Os potenciais interessados foram entao convidados a apresentar seus trabalhos e participarem da SA. Essa iniciativa foi conduzida com a anuência e incentivo da Diretoria da SBQ da época. Assim, durante as Reunioes Anuais da SBQ, os alunos e os pesquisadores eram incentivados a discutir seus resultados e projetos sob a perspectiva de utilizá-los como estratégias metodológicas para o entendimento das interaçoes no sistema biológico. Pretendia-se, deste modo, superar uma das grandes dificuldades da multidisciplinaridade que era o estabelecimento de uma linguagem científica rigorosa, mas comum às diferentes áreas. Além disso, havia a exigência de maturidade científica para compreender e admitir as limitaçoes de cada abordagem, ou sistema de estudo, em especial o químico e o biológico, provavelmente, uma das razoes da baixa produtividade científica brasileira na área de Química Medicinal até entao nesta época. Como pode ser observado na Figura 1, esse panorama de baixo número de contribuiçoes brasileiras na área de Química Medicinal se manteve até o ano de 1995, quando essa estagnaçao e "barreira" de dificuldades foi rompida. A partir daquele ano, os pesquisadores brasileiros começam a publicar com mais frequência nos periódicos de Química Medicinal, com variaçoes entre 5 e 7 publicaçoes ao ano. O ano de 1995, aliás, foi particularmente especial para a Química Medicinal brasileira, pois neste ano foi realizada a primeira Escola de Verao em Química Farmacêutica Medicinal (EVQFM), organizada pelo Laboratório de Avaliaçao e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio), sob a coordenaçao do Prof. Eliezer J. Barreiro e chancela da SBQ, que em 2017 chegou a sua 23ª ediçao. A EVQFM é uma importante iniciativa do LASSBio que muito contribuiu e continua a contribuir significativamente para a formaçao de novos talentos em Química Medicinal no Brasil. De fato, a longevidade do evento é reflexo do sucesso, indicado pelo grande número de alunos de graduaçao e pós-graduaçao que por ele passaram e hoje atuam como pesquisadores nesta área. É importante mencionar que em 1991, 1994 e 2001 ocorreram três Workshops on Chemical Structure and Biological Activity, realizados no Instituto de Química da USP. Esses eventos contribuíram para a formaçao de massa crítica de cientistas e para o desenvolvimento da Química Medicinal no Brasil. Nesse contexto, destaca-se a contribuiçao do Prof. Hugo Kubinyi, da Universidade de Heidelberg, Alemanha, que mostrou para a comunidade brasileira de químicos, farmacêuticos, biólogos, estatísticos e médicos ser possível aplicar os modelos SAR/QSAR no desenvolvimento de medicamentos e compostos bioativos. A contribuiçao do Prof. Kubinyi para área de Química Medicinal foi reconhecida ao ser eleito como Membro Correspondente da Academia Brasileira de Ciências em 2012. A virada do século marca um momento importante para a Química Medicinal nacional. A partir do ano de 2001, as publicaçoes brasileiras em revistas internacionais quebram uma segunda "barreira", atingindo pela primeira vez 9 publicaçoes num ano, e a partir daquele ano começam a apresentar um crescimento exponencial. Interessantemente, o ano de 2001 foi marcado pela criaçao de mais um grande evento da comunidade da Química Medicinal brasileira, o Brazilian Symposium on Medicinal Chemistry (BrazMedChem), organizado pelos Profs. Carlos Alberto Montanari, Ricardo Bicca de Alencastro e Antonia Tavares do Amaral. A primeira ediçao do BrazMedChem foi caracterizada pela interdisciplinaridade e multiplicidade de objetivos das abordagens utilizadas em Química Medicinal. O evento teve cerca de 130 participantes e ofereceu a oportunidade para a troca de informaçoes, atualizaçao das tendências e a cooperaçao entre os diferentes grupos de pesquisa participantes. Passados 15 anos, em 2016, o BrazMedChem chegou à sua 8ª ediçao, e pela primeira vez foi realizado como um evento da Divisao de Química Medicinal da SBQ. Nesta ocasiao, o evento contou com 280 inscritos, 170 trabalhos apresentados e a participaçao de renomados pesquisadores provenientes de 11 países. O ano de 2001 foi realmente importante para a Química Medicinal brasileira, pois foi a data da primeira publicaçao do livro "Química Medicinal: As Bases Moleculares da Açao dos Fármacos" de autoria dos Profs. Eliezer J. Barreiro e Carlos Alberto Manssour Fraga (UFRJ). O livro representou uma importante contribuiçao para os estudantes, professores e pesquisadores em Química Medicinal, pois aborda aspectos modernos do planejamento de fármacos. Atualmente, em sua 3ª Ediçao (2015), o livro possui 14 capítulos que discutem desde os aspectos gerais da açao dos fármacos, passando pela origem, identificaçao de candidatos a fármacos, métodos de planejamento e estratégias, além do mecanismo molecular de açao dos fármacos. Após dez anos, outra importante contribuiçao foi feita à Química Medicinal brasileira. Em 2011 foi publicada a primeira ediçao do livro "Química Medicinal - Métodos e Fundamentos em Planejamento de Fármacos" organizado pelo Prof. Carlos A. Montanari. O livro contou com a colaboraçao de diversos pesquisadores brasileiros nas diferentes especialidades da Química Medicinal, que contribuíram com 19 capítulos que discutem a descoberta de fármacos, otimizaçao de compostos líderes, aspectos moleculares como quiralidade, forças intermoleculares, propriedades físico-químicas, estratégias computacionais e experimentais para a identificaçao de ligantes, química combinatória, entre outros tópicos. O impacto e relevância dessa publicaçao, nao apenas para a Química Medicinal, mas para a ciência brasileira, foi reconhecida quando a obra foi agraciada em 2012 com o 2º Lugar na categoria Ciências Exatas do mais importante prêmio literário do Brasil, o prêmio Jabuti. O crescimento do número de publicaçoes internacionais observado a partir de 2001 (9 publicaçoes) se manteve constante até o ano de 2014, que contabilizou um total de 131 publicaçoes (Figura 1). Esse dado pode ser relacionado ao aumento no número de grupos atuantes em Química Medicinal no Brasil, bem como o maior investimento em Ciência e Tecnologia no período. Os dados de 2015 e 2016 indicam que houve reduçao no número de publicaçoes por dois anos consecutivos (i.e., 112 em 2015 e 107 em 2016) nas revistas científicas internacionais selecionadas. Este fato pode estar relacionado à reduçao dos recursos destinados à pesquisa neste período, em funçao da crise político-econômica brasileira, bem como a inserçao de outras revistas internacionais com escopo multidisciplinar, como o Scientific Reports do Nature Publishing Group que publica trabalhos de elevada qualidade e rigor científico em todas as áreas do conhecimento. Por exemplo, pesquisadores brasileiros em 2015 e 2016 publicaram 10 e 16 artigos, respectivamente, no Scientific Reports, cujos temas estavam relacionados à palavra-chave Medicinal Chemistry. O total de publicaçoes brasileiras no período analisado foi de 1.176 (Scopus 05/3/2017). Com base nos dados de filiaçao dos autores dessas publicaçoes pudemos verificar a representatividade de acordo com as regioes do Brasil. A Figura 2 apresenta a distribuiçao percentual da contribuiçao de cada regiao do Brasil nas publicaçoes identificadas, na área de Química Medicinal. A Figura 2A indica que a regiao Sudeste contribuiu com 1.379 (71%) artigos, a regiao Nordeste com 240 (12%), a regiao Sul com 215 (11%), a regiao Centro-Oeste com 64 (3%) e a regiao Norte com 35 (2%).
Figura 2. Distribuiçao percentual da contribuiçao de cada regiao do Brasil em publicaçoes internacionais na área de Química Medicinal. (A) Distribuiçao das contribuiçoes totais durante todo o período avaliado (1969-2017). (B) Distribuiçao das contribuiçoes durante o período de 1969-2010 e (C) Distribuiçao das contribuiçoes durante o período de 2011-2017
Uma análise detalhada dessas contribuiçoes, dividida em dois períodos, um de 1969 - 2010 e o outro de 2011 - 2017 (Scopus 05/3/2017), indicou uma distribuiçao geográfica mais homogênea da participaçao dos grupos de pesquisa em Química Medicinal no segundo período analisado (Figuras 2B e 2C). Os dados sugerem um crescimento significativo em contribuiçoes científicas das demais regioes brasileiras, com destaque para as regioes Sul e Nordeste, que apresentaram um aumento de 10% e 8%, respectivamente, entre os dois períodos avaliados. Um panorama atual da distribuiçao dos grupos de pesquisa por regioes brasileiras pôde ser obtido a partir de uma análise parametrizada no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (http://lattes.cnpq.br/web/dgp). A pesquisa realizada com a palavra-chave "Química medicinal", com as opçoes: "busca exata", aplicada a busca nos campos: "nome do grupo", "nome da linha de pesquisa", "palavras-chave da linha de pesquisa", resultou na identificaçao de 96 grupos de pesquisa, que estao organizados por regioes e apresentados na Tabela 1. Os dados obtidos nesta pesquisa correlacionam- se diretamente com a distribuiçao de contribuiçoes brasileiras observadas nos periódicos de Química Medicinal, no período de 2011-2017 (Figura 2C). Por exemplo, a regiao Sudeste possui 55% dos grupos de pesquisa em Química Medicinal e no período 2011-2017 contribuiu com 54% das publicaçoes internacionais nos periódicos da área. Correlaçao similar pode ser observada para as regioes Centro-Oeste e Nordeste, que possuem 9% e 18% dos grupos de pesquisa, respectivamente, e contribuíram com 6% e 19% das publicaçoes internacionais, respectivamente.
A Tabela 2 apresenta a diversificaçao das principais doenças e desordens investigadas pelos grupos de Química Medicinal no Brasil no período de 1969 - 2017. Os dados indicam que as parasitoses: doença de Chagas, malária e leishmanioses, sao foco de intensas pesquisas em Química Medicinal no Brasil, representando 30% do total de trabalhos publicados no período analisado. Além disso, a análise dos dados em funçao do período sugere uma tendência de maior distribuiçao das pesquisas entre as principais doenças parasitárias investigadas em nosso país, ou seja, no período 1969- 2000, a doença de Chagas era a principal parasitose investigada no Brasil, com 24% do total de trabalhos publicados, enquanto que malária e leishmaniose representavam 6% dos trabalhos. No último período analisado (2011-2017), houve um aumento significativo das pesquisas em malária e leishmaniose, que passaram a representar 17% do total das pesquisas publicadas por grupos brasileiros na área de Química Medicinal. Outros dois dados destacam-se nesta análise: (i) crescimento expressivo da pesquisa na área de câncer, que no último período (2011-2017) apresentou o maior percentual relativo dentre as principais doenças investigadas pelos grupos de Química Medicinal no Brasil, ou seja, 27% do total de artigos publicados por brasileiros nas revistas selecionadas; e (ii) reduçao das pesquisas em inflamaçao e dor, que no primeiro período (1969-2000) representava 31% dos trabalhos publicados e que no último período (2011-2017) foi de 10%.
A internacionalizaçao da pesquisa em Química Medicinal teve impacto significativo nos trabalhos de grupos brasileiros (Figura 3). Nesse contexto, os Estados Unidos destacam-se como o maior parceiro científico do Brasil, estando presente em 114 das 1.176 publicaçoes analisadas, ou aproximadamente 10% do total. Na sequência, observa-se França (com 58 publicaçoes em parceria), Alemanha (45 publicaçoes em parceria), Reino Unido (44 publicaçoes em parceria) e Espanha (43 publicaçoes em parceria). A colaboraçao de grupos brasileiros com parceiros da América do Sul é relativamente menor, ou seja, o primeiro país latino-americano que aparece nesta pesquisa foi o Uruguai (com 30 publicaçoes em parceria), seguido da Argentina (23 publicaçoes em parceria).
Figura 3. Quantitativo de publicaçoes envolvendo países colaboradores no período de 1969-2016, obtido na base de dados Scopus (05/3/2017), nos periódicos indicados na Figura 1
Dentre os periódicos internacionais utilizados na busca, o Brasil encontra-se na 14a posiçao em termos de número absoluto de publicaçoes, sendo responsável por cerca de 2,5% do conhecimento em Química Medicinal gerado no mundo, no período de 2011 a 2017 (Scopus 05/3/2017) (Figura 4). A importância da contribuiçao brasileira varia de acordo com cada periódico, sendo o Chemical Biology and Drug Design e o European Journal of Medicinal Chemistry aqueles nos quais o Brasil possui sua maior representatividade, estando na 6a e 9a posiçoes, respectivamente. A análise do periódico de maior prestígio na área, o Journal of Medicinal Chemistry, mostra o Brasil em 22o lugar em termos de contribuiçao, atrás de países como Suíça, Taiwan, Austria e República Tcheca.
Figura 4. Número de artigos publicados no período 1969-2017 e classificaçao dos países nos principais periódicos científicos especializados em Química Medicinal
Entre os trabalhos publicados nestes periódicos, 12 apresentam mais de 150 citaçoes e 23 possuem mais de 100 citaçoes.18-40 Esses dados sugerem a importância da contribuiçao brasileira para a Química Medicinal mundial. Dentre estes, o maior destaque é a revisao sobre bioisosterismo de autoria dos Profs. Eliezer J. Barreiro e Lidia M. Lima, publicado no Current Medicinal Chemistry, com 311 citaçoes.28 O grupo do Prof. Eliezer J. Barreiro possui mais 5 trabalhos na lista de artigos com mais de 100 citaçoes.21,23-25,36 O segundo artigo mais citado (249 citaçoes) descreve a síntese de análogos da α-melanotropina e é oriundo de uma colaboraçao entre a Profa. Ana Maria de Lauro Castrucci (USP) e o grupo do Prof. Victor Hruby, da Universidade do Arizona - EUA, publicado no Journal of Medicinal Chemitry.18 Ainda nessa lista, menciona-se o trabalho que descreve a síntese e avaliaçao antitumoral de chalconas, flavanonas e flavonas publicado no Bioorganic & Medicinal Chemistry, com 189 citaçoes, por reunir grupos da América do Sul nos quais citam-se, o Prof. Eduardo E. Castellano da Universidade de Sao Paulo (Brasil), o Prof. Hugo Cerecetto da Universidade de la Republica (Uruguai) e o Prof. Oscar Piro da Universidade de la Plata (Argentina).37
CONSIDERAÇOES FINAIS A Química Medicinal avançou significativamente nos últimos 40 anos. Nesse período, vimos surgir novas doenças e descobrimos fármacos inovadores para o tratamento de enfermidades que até entao causavam altas taxas de mortalidade ou debilitavam as populaçoes, com graves consequências ao bem-estar e economia das naçoes. Os avanços nas áreas de Química Orgânica, Biologia Molecular e Estrutural, Bioinformática e Biotecnologia favoreceram significativamente a melhor compreensao dos processos fisiopatológicos bem como a descoberta de novos fármacos mais seguros e eficazes. Particularmente, as pesquisas em Química Medicinal no Brasil avançaram de modo exponencial a partir dos anos 2000 e têm reconhecido impacto nos principais periódicos internacionais da área, alcançando significativos números de citaçoes. Em âmbito nacional, diversos avanços foram obtidos nas últimas décadas, entre eles destacam- se: a consolidaçao de eventos importantes da área, como o Encontro Nacional de Professores de Química Farmacêutica (ENPQF), a Escola de Verao em Química Farmacêutica Medicinal (EVQFM) e o Brazilian Symposium on Medicinal Chemistry (BrazMedChem). Além disso, foram publicados novos livros cujo o tema central sao os fundamentos e métodos em Química Medicinal. No que se refere à formaçao de recursos humanos, foram criados no Brasil Programas de Pós-Graduaçao específicos da área de Química Medicinal, com destaque para o Programa de Pós-Graduaçao em Farmacologia e Química Medicinal, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi pioneiro da América Latina a integrar formalmente as disciplinas de Farmacologia e Química Medicinal. Por fim, é importante mencionar a criaçao da subárea de Química Farmacêutica Medicinal no comitê de assessoramento (CA) de Farmácia e da subárea de Química Medicinal no comitê de assessoramento (CA) de Química, ambos do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq), que tem permitido o fortalecimento da Química Medicinal como uma subárea do conhecimento e nao somente como uma disciplina dos cursos de graduaçao. Por último, mas nao menos importante, destaca-se o papel da SBQ como de fundamental importância na aglutinaçao e cooperaçao entre pesquisadores da área de Química Medicinal.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FAPESP (Fundaçao de Amparo à Pesquisa do Estado de Sao Paulo), ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), à CAPES (Coordenaçao de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), à FAPERJ (Fundaçao de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) e à FAPEG (Fundaçao de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás) pelo apoio a pesquisa na área de descoberta e desenvolvimento de fármacos. Aos Profs. Elizabeth Igne Ferreira, Etelvino José Henriques Bechara e Glaucius Oliva pela revisao crítica do texto e sugestoes. Ao doutorando Arthur de Carvalho e Silva (UFG) pela ediçao dos gráficos. A Sociedade Brasileira de Química pela oportunidade de apresentar esta contribuiçao. A Divisao de Química Medicinal está no Facebook (Divisao de Química Medicinal - SBQ) e no Twitter (@MedChemSBQ). Siga-nos e acompanhe as novidades da área de Química Medicinal no Brasil e no mundo.
MATERIAL SUPLEMENTAR As diretorias da Divisao de Química Ambiental (MED estao disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.
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