JBCS



14:21, qui nov 21

Acesso Aberto/TP




Educação


Exposição oral no ensino superior de química
Oral presentation in undergraduate chemistry teaching

Patrícia Fernanda de Oliveira CabralI; Keila Angélica PeronII,#; Salete Linhares QueirozII,*

I. Instituto de Física, Universidade de São Paulo, 05508-090 São Paulo - SP, Brasil
II. Departamento de Físico-Química, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, 13566-590 São Carlos - SP, Brasil

Recebido em: 31/07/2018
Aceito em: 06/12/2018
Publicado em: 23/01/2019

Endereço para correspondência

*e-mail: salete@iqsc.usp.br

RESUMO

Oral presentation (OP) integrates social practices from the academic community, whereby knowledge about the subjects under study can be disseminated and discussed. On the other hand, systematic work is not verified for learning this genre in undergraduate chemistry teaching. In this perspective, this article aims to report on a classroom activity used in a scientific communication course in order to improve the skills needed for chemistry students to develop OP. The students were asked to prepare an OP by reading original research articles published in the Química Nova journal on the subject of biodiesel. The OPs were analyzed according to the Teachable Dimensions of the Oral Presentation Genre so as to indicate both the actions that make the production of this genre feasible and those that hinder it. The results suggest the relevance of commitment to OP teaching and learning in chemistry courses, which is a complex activity, but fundamental for undergraduate education.

Palavras-chave: oral presentation; scientific communication; chemistry.

INTRODUÇAO

A relevância da comunicaçao científica para a formaçao do químico é evidenciada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química.1 Estas apontam para a necessidade de o estudante aprender a "ler, compreender e interpretar os textos científico-tecnológicos", "escrever, apresentar e defender seus achados", "saber comunicar corretamente os projetos e resultados de pesquisa na linguagem científica", dentre outros. Apesar da sua importância, a comunicaçao científica se constitui em um dos aspectos menos abordados no ensino dessa disciplina. Inclusive em carreiras universitárias, pouca atençao é dada às questoes a ela relacionadas, conforme apontam artigos publicados nesta Revista.2-4

Desse modo, é possível estabelecer relaçoes entre a situaçao em pauta e o fato de os professores de química nao possuírem à sua disposiçao volume considerável de estudos que ofereçam fundamentos teórico-metodológicos, capazes de orientá-los nas práticas de ensino realizadas, visando o aperfeiçoamento da comunicaçao científica dos alunos. Usualmente, os professores adotam livros-texto que enfatizam somente os aspectos estruturais e as características dos textos científicos mais aceitos e difundidos pela comunidade científica, o que nao é surpreendente, haja vista que, na área de química, estudos que levam em conta aspectos cognitivos e retóricos envolvidos na produçao de gêneros do domínio acadêmico, embora existentes,2-4,5 encontram-se em fase preambular.6

Uma vez que os gêneros textuais circulantes na esfera acadêmica (resumo, exposiçao oral, artigo original de pesquisa, relatório de laboratório etc.) sao utilizados com frequência para a divulgaçao dos resultados de trabalhos científicos e ao final de um curso para a obtençao de um título, os estudantes precisam dominar tanto os gêneros orais quanto os escritos, pois em sua trajetória profissional iminente também será necessário que se expressem, a fim de explicitar os conhecimentos adquiridos no ensino superior e ao longo de sua experiência.7 Assim sendo, dentre os gêneros citados anteriormente, consideramos a exposiçao oral (doravante EO), elaborada a partir de artigos originais de pesquisa (doravante AOP), como objeto de estudo.

A EO integra as práticas sociais da comunidade científica, pois a partir dela é possível aprender novos conteúdos, apresentar os resultados encontrados em pesquisas, convencer e defender hipóteses etc. Por outro lado, nao sao verificados trabalhos sistemáticos para o aprendizado desse gênero em sala de aula, de modo que o mesmo seja utilizado como meio para a obtençao de outros conhecimentos ou para a avaliaçao dos estudantes.8 Assim, a pertinência do trabalho com a EO se dá por meio do desenvolvimento de habilidades como a exploraçao de diversas fontes de informaçao, a seleçao do texto que será exposto em vista do tema e da intençao do apresentador, a elaboraçao do material de apoio, o planejamento, a antecipaçao e a atençao com o auditório.9

Partindo desse pressuposto, neste trabalho temos como objetivo principal relatar uma experiência didática aplicada tendo em vista o aprimoramento das habilidades necessárias para a elaboraçao de EO, por parte de graduandos em química. Estes foram solicitados a elaborar EO a partir da leitura de AOP publicados nesta Revista (textos base), sobre o tema biodiesel. Investigamos a efetividade das EO produzidas pelos referidos alunos a partir da análise das Dimensoes Ensináveis do Gênero Exposiçao Oral, propostas por Dolz et al.,9 e descritas de forma sucinta a seguir. Dessa forma, pretendemos contribuir para a ampliaçao de estudos que fornecem subsídios teórico-metodológicos que possam redimensionar as atividades de ensino-aprendizagem desenvolvidas em cursos de química, com o objetivo de desenvolver habilidades exigidas na produçao de gêneros.

 

DIMENSOES ENSINAVEIS DO GENERO EXPOSIÇAO ORAL

Para Bakhtin10 os gêneros sao compreendidos por nós enquanto membros de uma comunidade. Nesse caso, a EO está inserida dentre as convençoes da comunidade acadêmica, que determinam a situaçao de comunicaçao na qual o gênero será produzido. Por sua vez, Silva7 salienta que os gêneros orais devem ser conhecidos dos graduandos tanto quanto os escritos, já que em um futuro próximo, no âmbito profissional, estes deverao expressar na forma oral os conhecimentos adquiridos ao longo do curso. Enquanto, Almeida, Mesquita e Alves11 acrescentam que as atividades didáticas pautadas em gêneros orais nao descartam as atividades de leitura e escrita, visto que as duas últimas fazem parte do processo de planejamento, direcionamento e organizaçao da temática que será apresentada.

Do ponto de vista didático, Dolz et al.9 enfatizam a construçao de uma sequência de atividades para ensinar EO aos estudantes. Para tanto, devem ser consideradas três dimensoes: a situaçao de comunicaçao, as características linguísticas e a organizaçao interna da exposiçao. Estas estao brevemente descritas a seguir:

Situaçao de comunicaçao: dá-se por meio da exposiçao realizada em sala de aula. Assim, o expositor, responsável pela elaboraçao de uma apresentaçao sobre determinada temática, assume o papel de professor temporariamente (fazendo-se valer da ideia de que "é ensinando que se aprende"), enquanto os colegas assumem o papel de ouvintes, com o intuito de aprender sobre o tema, aperfeiçoar ou adquirir conhecimento. Os elementos envolvidos nessa situaçao sao identificados a partir das convençoes atribuídas a esse tipo de exposiçao. Nesse contexto, o papel de especialista deve ficar explícito para o aluno expositor, de forma que ele tome consciência acerca deste e possa guiar o seu próprio comportamento, por meio de perguntas a si mesmo sobre a organizaçao e a capacidade de transmitir as informaçoes do tópico em questao.

Características linguísticas: estas sao apresentadas por meio do sistema textual da EO: coesao temática (articulaçao entre as partes temáticas); sinalizaçao do texto (distinçao entre as partes primárias e secundárias; entre as explicaçoes e descriçoes; entre os desenvolvimentos de conclusoes em forma de resumo e as sínteses); introduçao de exemplos e reformulaçoes.

A esse respeito, Dolz et al.9 citam o trabalho de Goffman,12 que destaca que os expositores utilizam recursos como a memorizaçao, a leitura em voz alta e a fala espontânea. Tendo em vista que a última delas seja a desejável, é necessário que se ensine aos alunos como preparar uma EO sem utilizar o recurso da leitura e sim apoios diversos. Tais apoios podem ser gráficos, anotaçoes, citaçoes, dentre outros, integrantes do texto base ou nao. É desejável também que o modelo didático preze por aspectos como a compreensao do texto base, a entonaçao e dicçao das palavras, a capacidade de prender a atençao dos espectadores, a marcaçao de voz que auxilia a estruturaçao da apresentaçao, a gestualidade etc.

Organizaçao interna da exposiçao: Dolz et al.9 destacam que embora a EO seja pautada nas interaçoes entre expositor e ouvintes, seu planejamento é realizado apenas pelo primeiro, de modo que há uma boa oportunidade para analisar a sua capacidade de planejar um texto. Além disso, é importante observar a organizaçao interna inerente a EO, conforme as partes a seguir:

1) Abertura: momento de apresentaçao do expositor aos espectadores. Pode ser realizada pela introduçao por parte de uma terceira pessoa e nem sempre recebe a devida atençao em situaçoes de ensino;

2) Introduçao ao tema: tem por objetivo despertar o interesse/atençao/curiosidade dos ouvintes;

3) Apresentaçao do plano: demonstra as etapas de planejamento realizadas pelo expositor, para além da enumeraçao de ideias ou tópicos, de modo que é possível verificar se a sequência proposta por ele é adequada;

4) Desenvolvimento e encadeamento dos diferentes temas: corresponde aos tópicos enumerados previamente na apresentaçao do plano;

5) Recapitulaçao e síntese: possibilita retomar os pontos importantes da EO e representa a transiçao entre o desenvolvimento e as fases de finalizaçao;

6) Conclusao: conduz à "mensagem final", que pode conter uma introduçao a novos problemas gerados a partir da EO ou iniciar um debate;

7) Encerramento: assemelha-se à abertura e inclui agradecimentos ao auditório. Pode conter situaçoes de interaçao distintas das ocorridas na etapa de desenvolvimento, por meio de intervençoes do mediador ou dos espectadores.

Neste trabalho as referidas dimensoes foram empregadas para subsidiar a identificaçao de como os estudantes modificaram o texto dos AOP para as EO e quais recursos foram utilizados para tal. A situaçao de comunicaçao investigada foi caracterizada como EO ocorridas em disciplina de comunicaçao científica. Nesse contexto, analisamos a organizaçao interna de EO elaboradas pelos alunos e comentamos sobre as características linguísticas evidenciadas. Salientamos que tal análise nao abrange as especificidades das imagens utilizadas nos slides, mas sim a disposiçao dos mesmos na apresentaçao e sua utilizaçao por parte dos alunos. Essa análise pode fornecer subsídios aos professores no planejamento de atividades desse tipo, bem como na avaliaçao de EO produzidas pelos alunos a partir da literatura primária em química.

 

PERCURSO METODOLOGICO

As atividades didáticas foram aplicadas a alunos matriculados na disciplina de Comunicaçao e Expressao em Linguagem Científica II (dois créditos teóricos, um crédito trabalho), na ocasiao oferecida no segundo semestre do curso de Bacharelado em Química do Instituto de Química de Sao Carlos (IQSC) da Universidade de Sao Paulo. A conveniência da aplicaçao da proposta na referida disciplina se deve ao fato do seu principal objetivo consistir no aprimoramento das capacidades de escrita, leitura e comunicaçao oral dos estudantes, e nao o ensino de conteúdos específicos de química. Essa busca ainda promover o aperfeiçoamento de assuntos correlatos estudados na disciplina de Comunicaçao e Expressao em Linguagem Científica I e fornecer aos alunos subsídios que lhes permitam a realizaçao de uma leitura crítica da literatura primária em química. Essa se caracteriza pela leitura das entrelinhas do texto, que ultrapassa a leitura das informaçoes dispostas e permite ao leitor interpretar e refletir sobre o seu conteúdo, produzindo inferências por meio da produçao de sentidos pautada na reuniao de informaçoes disponibilizadas e/ou da inserçao de novos conhecimentos.13 Tal peculiaridade favorece o emprego de práticas envolvendo a elaboraçao de EO.

As atividades de produçao de EO estiveram vinculadas à aplicaçao de um processo de peer review (doravante PPR), assim como utilizado pela comunidade científica para a avaliaçao dos trabalhos redigidos por pesquisadores engajados na mesma área de conhecimento. O PPR, quando empregado como uma estratégia didática, tem finalidades distintas, como a promoçao do entendimento sobre a importância da produçao escrita na comunidade científica e o desenvolvimento da habilidade de leitura crítica, além do aprofundamento no entendimento de conceitos.14 O propósito principal da aplicaçao do PPR na disciplina foi o de entendimento dos conteúdos expressos nos AOP por parte dos estudantes, o que seria agente causador de impacto nas EO.

No semestre de aplicaçao da proposta, os sujeitos foram os estudantes que participaram de todas as etapas que serao descritas a seguir e autorizaram a utilizaçao das informaçoes coletadas por meio da assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, onde constam as normas éticas da pesquisa e seus objetivos. Assim, analisamos os resultados obtidos por 12 alunos, que elaboraram EO a partir de AOP sobre técnicas relacionadas à purificaçao no processo de produçao de biodiesel. Para a realizaçao das atividades, os alunos efetuaram leitura crítica orientada pelo professor dos artigos apresentados na Tabela 1, extraídos desta Revista e selecionados por ele previamente. Cada grupo de alunos fez a leitura de um AOP.

 

 

Todos os artigos tratam da temática biodiesel e foram escolhidos por abordarem apenas técnicas analíticas de fácil compreensao. A delimitaçao da escolha dos artigos com base neste último critério foi devido ao fato dos alunos, ainda no segundo semestre do curso, nao possuírem conhecimentos acerca de determinados princípios de química, imprescindíveis para o entendimento de técnicas analíticas mais sofisticadas. Cabe destacar ainda que mais dois critérios foram levados em conta na escolha dos artigos, com base nas consideraçoes de Santos e Queiroz.15 Os autores sugerem que existe a preferência dos alunos pela leitura de artigos originais de pesquisa que "nao sao demasiadamente extensos e que privilegiam a reflexao e a discussao sobre aspectos nao apenas científicos, mas também tecnológicos e sociais" (p. 193).

As atividades na disciplina foram realizadas individualmente e em grupo. Foram formados três grupos (doravante G1, G2 e G3), compostos por quatro alunos cada, cujas EO foram selecionadas para análise neste trabalho. No primeiro dia de aula, o professor informou sobre o conteúdo a ser ministrado na disciplina, seus principais objetivos e procedimentos. Nas semanas seguintes, individualmente, cada aluno concluiu três atividades que consistiam na resoluçao de questoes concernentes ao artigo estudado. Nesse ínterim, foi também ministrada aula expositiva na qual o professor fez consideraçoes sobre a preparaçao e apresentaçao de trabalhos orais e de painéis. Essas consideraçoes foram tecidas no sentido de apresentar aos alunos a organizaçao interna inerente às EO, na perspectiva descrita no tópico anterior: Dimensoes Ensináveis do Gênero Exposiçao Oral.

Na semana seguinte à aula expositiva foi iniciado o PPR, que ocorreu parcialmente em horário extraclasse e concomitantemente à realizaçao das seguintes atividades relacionadas ao AOP: EO das seçoes "Introduçao" e "Parte Experimental" (com ênfase nas técnicas empregadas), EO do artigo completo, apresentaçao oral de painel sobre o artigo e reapresentaçao oral do artigo. Em cada uma das quatro ocasioes, o grupo foi representado por um integrante. As apresentaçoes foram feitas em PowerPoint e tiveram a duraçao de dez ou vinte minutos, dependendo da sua natureza. Após as apresentaçoes orais do artigo completo, os alunos tiveram dez minutos para formular perguntas aos alunos expositores, representantes de cada um dos grupos, e estes tiveram, aproximadamente, o mesmo período de tempo para respondê-las, contando com o auxílio dos demais membros do seu grupo.

Cabe destacar que neste trabalho sao analisadas as EO sobre o artigo completo. É ainda muito importante reforçar o papel fundamental que o PPR desempenhou na elaboraçao das EO, uma vez que o seu desencadeamento forneceu elementos para que a leitura dos AOP fosse realizada de forma crítica e criteriosa. Por essa razao, o PPR encontra-se detalhadamente descrito a seguir.

Preparaçao, aplicaçao e avaliaçao do PPR

Antes do desencadeamento do PPR na disciplina de comunicaçao científica, os alunos participaram de uma aula que foi idealizada com o intuito de prepará-los para a produçao de um texto argumentativo, que seria o produto a ser avaliado no processo. Esse deveria ser redigido com base em informaçoes contidas no artigo estudado pelo grupo. Nessa perspectiva, o professor fez uma breve exposiçao sobre as características inerentes a um texto argumentativo e, em seguida, propôs aos alunos que participassem de um jogo argumentativo.16 Para tanto, cada um dos seis grupos elaborou, em um intervalo de vinte minutos, um bom argumento sobre o porquê do seu merecimento a uma caixa de chocolates.

Os alunos foram informados que as razoes para o merecimento do prêmio poderiam ser reais ou imaginárias, formais ou informais, direcionadas para um membro da equipe ou à equipe inteira. O professor até entao nao exerceu nenhuma influência sobre os argumentos dos alunos. Concluída a elaboraçao do argumento, este foi apresentado oralmente por um integrante de cada grupo. Após as apresentaçoes dos grupos, um material com definiçoes e exemplos de componentes do argumento, segundo Toulmin,17 foi entregue a cada um deles. Com o apoio desse material, os alunos tentaram identificar a existência dos componentes nos argumentos por eles elaborados para justificar o merecimento do grupo ao prêmio. Ou seja, os alunos tentaram identificar tais componentes em seus próprios argumentos, que foram também analisados pelo professor, o que permitiu o alcance de um consenso sobre o grupo vencedor.

Concluído o jogo, o professor esclareceu aos alunos que os conhecimentos adquiridos na aula sobre a estrutura de um "bom argumento" deveriam ser usados na produçao de um texto argumentativo individual sobre a temática em foco no artigo em estudo. Dessa forma, solicitou que cada grupo escrevesse no quadro negro, no formato de questionamento, o problema principal tratado no artigo, assim como a quantidade de soluçoes indicadas pelos autores. A Tabela 2 ilustra o problema principal em estudo em cada um dos artigos e o número de soluçoes apontadas para cada um deles, segundo o entendimento dos grupos.

 

 

Tendo sido discutida a pertinência dos questionamentos apresentados por cada um dos grupos, os alunos foram incumbidos de escrever um texto sobre os problemas elencados e argumentar a favor de uma soluçao, que poderia ter sido, ou nao, mencionada pelos autores do artigo. Com os textos em questao em maos, o PPR foi entao desencadeado pelo professor. O processo ocorreu em quatro ciclos, divididos em dezesseis etapas. A Figura 1 demonstra esquematicamente os ciclos e etapas do PPR, de maneira a sintetizar parte do texto apresentado a seguir.

 


Figura 1. Esquema representativo do PPR

 

Primeiro ciclo do PPR

O primeiro ciclo foi dividido em cinco etapas:

Etapa 1: produçao de texto inicial (número de palavras livre), individualmente e em horário extraclasse.

Etapa 2: envio do texto via e-mail pelos alunos ao professor.

Etapa 3: impressao de três cópias do texto enviado por cada um dos autores, sem identificaçao dos mesmos.

Etapa 4: distribuiçao, em sala de aula, de questionário de caracterizaçao dos alunos, tendo em vista o conhecimento sobre as suas concepçoes e experiências prévias referentes ao PPR, e entrega dos textos dos alunos autores aos alunos avaliadores. Os textos distribuídos foram acompanhados de orientaçoes sobre o procedimento de avaliaçao e solicitaçao de elaboraçao de critérios de avaliaçao. Cada aluno avaliador recebeu três textos.

Etapa 5: redaçao pelos alunos, em sala de aula, de avaliaçao dos textos analisados e indicaçao dos critérios utilizados para tanto. Entrega ao professor dos documentos produzidos nesta aula: critérios de avaliaçao empregados e avaliaçoes propriamente ditas dos textos.

Segundo ciclo do PPR

Já o segundo ciclo foi dividido em mais três etapas:

Etapa 6: elaboraçao de rubrica (Quadro 1S, material suplementar) por parte do professor, com base na leitura de todos os critérios de avaliaçao sugeridos pelos alunos na etapa 5 e de consideraçoes apresentadas em sala de aula sobre os componentes do argumento.17

Etapa 7: apresentaçao por parte do professor da rubrica e discussao com os alunos dos critérios nela contidos, além de consideraçoes adicionais sobre o PPR (princípios e procedimentos que tornam o processo mais eficaz, dentre outras). Entrega por parte do professor da rubrica aos alunos, que deveria pautar as próximas avaliaçoes no PPR.

Etapa 8: devoluçao dos textos aos alunos, acompanhados das cartas de avaliaçao e sugestoes dos colegas.

Terceiro ciclo do PPR

O terceiro ciclo dividiu-se em mais cinco etapas:

Etapa 9: produçao pelos alunos, em horário extraclasse, da segunda versao do texto argumentativo com, no mínimo, oitocentas palavras, tendo por base a avaliaçao fornecida pelos colegas avaliadores e os critérios ilustrados na rubrica fornecida pelo professor na aula anterior.

Etapa 10: envio da segunda versao do texto (doravante denominado de texto intermediário) via e-mail pelos alunos para o professor.

Etapa 11: impressao de duas cópias do texto de cada um dos autores, sem identificaçao dos mesmos.

Etapa 12: distribuiçao dos textos dos alunos autores aos alunos avaliadores. Cada aluno avaliador recebeu dois textos para avaliaçao em sala de aula. Entrega ao professor das avaliaçoes geradas sobre os textos.

Etapa 13: entrega por parte do professor dos textos intermediários aos alunos autores, acompanhados da avaliaçao dos colegas.

Quarto ciclo do PPR

O quarto e último ciclo foi fragmentado em mais três etapas:

Etapa 14: produçao pelos alunos, em horário extraclasse, da terceira versao do texto argumentativo com, no mínimo, oitocentas palavras, tendo por base a avaliaçao fornecida pelos colegas avaliadores e os critérios ilustrados na rubrica fornecida pelo professor.

Etapa 15: envio da terceira versao do texto (doravante denominado de texto final) via e-mail pelos alunos para o professor.

Etapa 16: avaliaçao e atribuiçao de nota ao texto final pelo professor.

A partir das etapas descritas anteriormente, analisamos os slides produzidos pelos estudantes para dar suporte às EO sobre o artigo completo. Além disso, transcriçoes de trechos da fala dos alunos expositores também serao apresentadas na análise.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Nesta seçao, apresentamos a análise do conjunto de slides elaborados pelos integrantes dos grupos. O tempo de apresentaçao de cada grupo, bem como o número de slides produzidos por cada um deles está apresentado a seguir (Tabela 3):

 

 

Verificamos que o grupo G2 produziu maior número de slides e apresentou a EO em maior tempo, seguido por G1 e G3. No que se refere às Dimensoes Ensináveis do Gênero Exposiçao Oral, nos atentaremos à organizaçao interna de cada EO e, a partir disso, realizamos comentários acerca das características linguísticas, conforme mencionado anteriormente. Em síntese, verificamos que as partes da EO propostas por Dolz et al.9 foram evidenciadas em sua maioria. Assim, a Tabela 4 ilustra de forma sintética como se deu a organizaçao interna da EO de cada um dos grupos.

 

 

A partir dos dados dispostos na Tabela 4, neste trabalho iremos discutir detalhadamente os dados de G2, que apresentou maior número de slides. Uma vez que as demais EO apresentam algumas particularidades no que se refere à produçao do gênero, as características das EO de G1 e G3 serao contrapostas às da EO de G2. Dessa forma, a análise parcial de dois grupos, somada à análise detalhada de um deles tornará possível investigar a efetividade na elaboraçao da EO por parte dos estudantes, de acordo com as dimensoes ensináveis, assim como a tessitura de consideraçoes que podem ser valiosas aos professores no que diz respeito ao domínio e às fragilidades dos alunos em situaçoes de EO.

O grupo G2 foi responsável pela leitura do artigo intitulado "Tratamento da água de purificaçao do biodiesel utilizando eletrofloculaçao".18 O AOP2 trata da necessidade de otimizaçao do processo de produçao de biodiesel, por conta do grande volume de água utilizado em suas etapas, que nao pode ser descartado no ambiente sem o procedimento adequado. O referido processo apresenta, além do biodiesel, a glicerina e o sabao como resíduos reaproveitados pela indústria. A partir disso, os autores propoem em seu trabalho a técnica de eletrofloculaçao como uma forma barata, eficiente e viável de método para a água de purificaçao do biodiesel, que possibilita a sua reutilizaçao no processo. Alternativas de tratamento sao citadas, como a purificaçao do biodiesel por meio do uso de adsorventes, que nao se mostrou uma técnica eficiente para o uso em escala industrial.

O grupo G1 foi responsável pela leitura do artigo intitulado "Tratamento do efluente do biodiesel utilizando a eletrocoagulaçao/flotaçao: investigaçao dos parâmetros operacionais",19 que trata do processo de eletrocoagulaçao/flotaçao para o tratamento da água residual do processo de produçao do biodiesel utilizando eletrodos de alumínio. A partir de trabalhos reportados na literatura, alguns parâmetros operacionais foram testados pelos autores do AOP1, como um valor de pH inicial, a distância entre os eletrodos e o tempo de reaçao. Alternativas foram citadas, como o tratamento biológico, com o uso do ácido sulfúrico para recuperar o biodiesel do efluente.

O grupo G3 foi responsável pela leitura do artigo intitulado "Utilizaçao de argilas para purificaçao de biodiesel",20 que trata da avaliaçao da eficácia da purificaçao de biodiesel metílico de óleo de soja descartado de processos de frituras, por meio das técnicas de lavagem com água destilada, adsorçao e destilaçao em bauxita, bentonita e atapulgita. Além disso, foi apresentada a comparaçao entre os métodos de purificaçao e foi verificada a remoçao do material insaponificável, contaminaçao total, glicerina livre e sabao. Os resultados demonstraram que a purificaçao a seco é uma alternativa possível para o biodiesel do ponto de vista econômico e ambiental, pois as argilas nacionais apresentam baixo custo e podem ser reutilizadas pelo processo de reativaçao.

Estrutura da EO: suas partes e subpartes

Segundo Dolz et al.,9 a exposiçao oral pode ser dividida em partes e subpartes, que organizam e permitem diferenciar as fases de sua organizaçao. Apresentamos a seguir a classificaçao e a discussao para os slides produzidos pelos grupos. Cabe destacar que algumas dessas partes nao estao necessariamente presentes no conteúdo dos slides, de modo que sao passíveis de observaçao somente a partir da transcriçao da fala do aluno expositor. A partir dessa classificaçao, discutiremos cada uma das partes dispostas na Tabela 4, destacando a produçao do G2, conforme mencionado.

Abertura e introduçao ao tema

Para Dolz et al.9 a abertura é caracterizada pelo cumprimento do aluno expositor aos espectadores e pela sua apresentaçao, que o coloca na posiçao de especialista em relaçao à temática que será apresentada. Ainda segundo os autores, esta é uma atividade bastante "ritualizada" e muitas vezes é entreposta por um mediador, em nosso caso, o professor responsável. O aluno expositor de G2 realizou essas etapas, conforme o slide 1, ilustrado na Figura 2.

 


Figura 2. Slide 1 da apresentaçao do grupo G2

 

Um trecho da transcriçao para o referido slide auxilia na detecçao da abertura:

Bom, primeiramente bom dia a todos. Eu gostaria de agradecer a professora doutora pela oportunidade da apresentaçao e também ao meu grupo (...), por todo o apoio, por toda força e pela ajuda.

Dolz et al.9 tecem uma crítica em relaçao à pouca importância dada a esse momento em situaçoes de sala de aula, visto que, em muitos casos, o professor solicita para que o aluno vá para frente da sala e a EO se inicia, pulando esta etapa. Conforme o trecho da transcriçao acima, verificamos que isto nao ocorreu, de modo que o aluno expositor cumprimentou a todos, agradeceu ao professor pela oportunidade da apresentaçao e aos colegas de grupo. Esta atividade é relevante, pois define a situaçao de comunicaçao, os papeis e as finalidades da EO que será conduzida.

Ainda que o professor e os demais integrantes do grupo G2 sejam conhecidos de todos os presentes, o fato de citá-los e agradecê-los atinge um dos requisitos da construçao do gênero EO. A introduçao ao tema é delimitada como o momento de introduçao no discurso, no qual há a apresentaçao e delimitaçao do tema. Assim, o aluno expositor pode justificar as suas escolhas, a sua motivaçao e o ponto de vista adotado para a apresentaçao da EO.9 Assim como o G2, os grupos G1 e G3 realizaram esta etapa, de modo que os alunos expositores apresentaram a si mesmos e o restante do grupo, cumprimentaram os colegas e agradeceram o professor, enquanto mediador da EO.

A introduçao ao tema é realizada na sequência, conforme o trecho da transcriçao do grupo G2 abaixo, também referente ao slide 1:

Hoje eu gostaria de falar um pouquinho mais sobre o tratamento da água de purificaçao do biodiesel utilizando a eletroflouculaçao.

Por outro lado, o aluno expositor nao referenciou a autoria do AOP2, ainda que esta estivesse disposta no conteúdo do slide, de modo que os nomes dos autores do texto base nao fizeram parte da estrutura do gênero produzido. As particularidades da introduçao ao tema também nao foram evidenciadas em relaçao ao planejamento da exposiçao, de modo que as motivaçoes, as razoes para as escolhas do autor e a delimitaçao do tema nao foram explicitadas.

Para Dolz et al.,9 esse é o momento de despertar a atençao e o interesse do público, porém, o aluno expositor nao realizou nenhuma explicaçao capaz de despertar tal interesse na abertura da EO. Nessa ocasiao, seria interessante que o aluno expositor compartilhasse alguma informaçao que julgasse interessante acerca do AOP2, visto que a sua leitura era obrigatória apenas para os integrantes do seu próprio grupo. No que se refere aos grupos G1 e G3, os alunos expositores citaram a temática que seria tratada, por meio do nome do AOP, assim como ocorrido no grupo G2. Além disso, o aluno expositor do grupo G1, de maneira distinta dos demais grupos, indicou os autores do AOP1 nos slides e comentou que os mesmos sao pesquisadores de uma universidade localizada no estado da Paraíba.

Apresentaçao do plano

Este momento é o de delimitaçao do assunto que será tratado na EO e se configura como uma etapa na qual se tornam evidentes, para o aluno expositor e para os espectadores, o planejamento,9 que inclui os objetivos e ideias que orientam a exposiçao.21 Assim, a etapa se mostra duplamente eficaz, esclarecendo o texto, enquanto produto do planejamento, e o planejamento em si.9 Dessa forma, o acompanhamento dos tópicos que foram abordados na EO e que auxiliam no entendimento do planejamento foram introduzidos no slide 2, além de uma imagem (Figura 3). Cabe destacar que as imagens utilizadas pelos estudantes nos slides expostos neste trabalho foram encontradas mediante a ferramenta online Google Imagens® ou pertenciam ao conteúdo do AOP (slides 14 e 16, discutidos posteriormente).

 


Figura 3. Slide 2 da apresentaçao do grupo G2

 

Um trecho da transcriçao da EO do grupo G2 demonstra o plano de exposiçao:

Entao, primeiramente eu vou dar uma rápida introduçao sobre o biodiesel no atual contexto. É, vou falar as principais, as que mais se destacam, as principais vantagens e desvantagens. Vou apresentar o processo de produçao e a questao problema do processo de produçao e aí eu vou explanar um pouquinho mais sobre as alternativas de reutilizaçao da lavagem especificamente.

A partir do trecho transcrito, observamos que o aluno expositor enumera os tópicos que serao apresentados por ele durante a EO. Para Silva21 os organizadores temporais (primeiro, segundo, depois etc.) possibilitam perceber quais os temas serao tratados e auxiliam na compreensao do público acerca da sequência textual da EO. Dessa forma, a apresentaçao do plano da exposiçao sugere o domínio, ainda que parcial, da estrutura do gênero elaborado. O aluno expositor destacou a inserçao de uma breve introduçao sobre a temática em questao, depois a apresentaçao de suas vantagens e desvantagens, seguida da apresentaçao do processo de obtençao do biodiesel. Tais tópicos foram inseridos por ele, a fim de potencializar o entendimento dos espectadores.

Houve a inserçao de informaçoes ao conteúdo do AOP2, mesclando o que seria apresentado aos espectadores, de modo que a contextualizaçao do tema marca o modo de organizaçao da EO, que oferece uma visao amplificada do assunto, para depois entrar no tema específico da purificaçao da água de lavagem do biodiesel. Tal comportamento demonstra o envolvimento do aluno expositor com o tema. Cabe destacar que a elaboraçao de um plano de exposiçao foi recomendada pelo professor na aula de preparaçao sobre o gênero EO, de acordo com o livro texto adotado na disciplina.22 Os autores destacam que "pode ser apresentado um esboço ou resumo do que será exposto, para que as pessoas possam tomar conhecimento do assunto a ser abordado" (p. 41).

Silva21 salienta a importância do plano de exposiçao para os espectadores, de modo que eles possam ter a compreensao das partes que serao abordadas. De fato, em muitas ocasioes esses nao têm conhecimento detalhado acerca do tema que será exposto, assim, tal organizaçao pode favorecer o entendimento acerca do desenvolvimento das ideias que serao apresentadas na sequência. Em relaçao aos demais grupos, ambos cumpriram a etapa de apresentaçao do plano, porém, de formas distintas. O aluno expositor de G1 realizou a apresentaçao do plano de acordo com o seu entendimento sobre o AOP. Assim como ocorrido para o grupo G2, nao foram utilizadas as mesmas seçoes contidas no texto base, mas sim títulos elaborados pelo grupo. Por outro lado, o aluno expositor de G3 apresentou o plano seguindo exatamente as mesmas seçoes do AOP (Introduçao, Parte Experimental, Resultados e Discussao e Conclusao).

Desenvolvimento e desencadeamento dos diferentes temas

Segundo Dolz et al.,9 o desenvolvimento e o desencadeamento dos diferentes temas devem seguir a numeraçao disposta no plano de exposiçao. Destacamos que no slide 2, referente ao plano, nao foram utilizados números que indicassem os tópicos a serem expostos. Por outro lado, o aluno expositor organizou suas ideias na mesma ordem de tópicos, conforme os slides 3 (vantagens), 5 (desvantagens), 6 (processo de produçao) e 10 (tratamento utilizando eletrofloculaçao), conforme ilustra a Figura 4.

 


Figura 4. Slides 3, 5, 6 e 10 da apresentaçao do grupo G2

 

Destacamos que a introduçao, disposta no plano, nao foi expressa nos slides, mas sim na fala do aluno expositor, conforme o trecho da transcriçao a seguir:

Entao, nós sabemos que o crescimento e o desenvolvimento industrial e econômico gerou grandes demandas por fontes de energia. É, questoes, problemas econômicos, sociais... E aí surgiram as fontes de energia renováveis como uma alternativa, né? Como uma soluçao a esses problemas, entre os biocombustíveis, o biodiesel se destaca bastante.

De acordo com a transcriçao, o aluno expositor tratou da Introduçao conforme o tópico do slide 2 (Figura 3), referente ao plano de exposiçao ("Introduçao: Biodiesel no atual contexto social e econômico"). Notamos que o contexto social, expresso no slide, nao foi considerado, de forma a desfalcar o plano, indicando o domínio parcial do gênero produzido. Silva21 salienta que essa etapa se caracteriza como central na EO, e sendo assim, é nela que a efetividade na elaboraçao do gênero EO se dá, essencialmente. Em contraponto, os grupos G1 e G3 seguiram os tópicos elencados em seus respectivos planos de exposiçao durante a apresentaçao.

Na EO do grupo G2 observamos que a etapa em questao se constitui dos slides 3 a 19, e, portanto, representa a maior parte da exposiçao. Nesse sentido, o aluno expositor apresentou pontos de vista construídos a partir das ideias dispostas no AOP2 ou de pesquisas realizadas pelo grupo e também da construçao de opinioes pessoais a partir da leitura do texto base. A Figura 5 ilustra exemplos de slides pertencentes a essa etapa, que serao discutidos na sequência.

 


Figura 5. Slides 7, 8, 14 e 16 da apresentaçao do grupo G2

 

Assim sendo, identificamos na maior parte dos slides a característica de retomada. Essa se dá pela citaçao direta ou indireta de trechos do texto base.23 As retomadas foram acompanhadas de outras características. No que se refere à retomada acompanhada de eliminaçao de informaçoes, observamos apenas uma vez a sua ocorrência, no slide 1, na qual os nomes dos autores do AOP2 foram eliminados da fala do aluno expositor:

[RETOMADA] Tratamento da água de purificaçao do biodiesel utilizando a eletroflouculaçao... [ELIMINAÇAO].

Salientamos também, os momentos nos quais a retomada foi precedida e/ou antecedida por acréscimos de informaçoes, como no trecho da transcriçao do slide 7:

[RETOMADA] Essa água de lavagem é composta principalmente por saboes de sódio, ácidos graxos, resíduos de glicerina, de NaOH, que é o catalisador que foi utilizado no processo, de etanol. Enfim, de resíduos que foram sendo carregados durante todo seu processo de produçao. [ACRÉSCIMO] Aqui nós temos essa imagem que exemplifica a glicerina e o sabao. [RETOMADA] Bom... esse processo de lavagem é extremamente efetivo na remoçao de todos esses resíduos, porém ele é muito dispendioso porque ele utiliza um grande volume de água. Para purificaçao de um litro de biodiesel sao necessários três litros de água. Entao é um processo extremamente dispendioso que é uma desvantagem... porque. É, pensem vocês...

A partir do trecho transcrito fica evidente a leitura mais ativa por parte do aluno expositor, visto que há a concordância com as ideias dispostas no AOP2. Porém, a partir de seu julgamento, ocorre o acréscimo de novas informaçoes que possam potencializar o entendimento dos espectadores. O acréscimo pode ter sido realizado a partir de dúvidas do próprio aluno expositor, já que esse se encontra no mesmo nível de instruçao dos espectadores: seus colegas de turma. A reformulaçao de ideias também aponta para a leitura mais ativa, visto que há a explicaçao de um trecho do AOP2, após a sua retomada. Identificamos esse aspecto no trecho da transcriçao do slide 16:

[REFORMULAÇAO] [RETOMADA] Essa remoçao de ácidos graxos é coerente com aquele aumento de pH que eu falei no início, porque... É ... mostra efetivamente que houve remoçao dos ácidos e o aumento de pH também comprova que houve remoçao de ácidos.

O mesmo comportamento pode ser observado ainda para a complementaçao de ideias, que surge após alguma conclusao realizada pelo aluno expositor após a leitura do AOP2, de forma a complementar o seu sentido para os espectadores:

[RETOMADA] Entao se nós deixássemos decantar esses coágulos iriam descer pro fundo e na alíquota teria menor quantidade de matéria orgânica. Quanto aos aspectos de matéria orgânica [COMPLEMENTAÇAO] esse efluente poderia também ser reutilizado no processo.

No que se refere à retomada acoplada à inserçao de exemplos, esta confirma a leitura crítica e de cunho reflexivo por parte do aluno expositor, visto que essa característica demonstra a integraçao às ideias dispostas no texto base.21 Verificamos tal ocorrência no slide 10, que tem um trecho de sua transcriçao ilustrado a seguir:

[RETOMADA] A eletrofloculaçao é um processo no qual é gerada uma corrente elétrica no efluente... e ela gera um agente coagulante... O que que acontece? No ânodo a oxidaçao com metal de sacrifício... [INSERÇAO DE EXEMPLO] geralmente alumínio ou ferro por serem baratos e, altamente... É, sao altamente encontrados no mercado e sao muito baratos para a indústria.

A construçao de opiniao própria pode ter sido acoplada às ideias do AOP2 ou elaboradas por temas a partir dele.21 Assim, a retomada antecedida pela construçao de opiniao própria, evidenciada no slide 8, no qual o aluno expositor demonstra a concordância com a efetividade do processo proposto pelos autores do AOP2. O trecho da transcriçao referente a tal característica é apresentado a seguir:

[CONSTRUÇAO DE OPINIAO PROPRIA] Além disso, se nós conseguíssemos a reutilizaçao dessa água no processo... É, manteríamos a efetividade do processo de lavagem porque esse processo de lavagem com água especificamente é extremamente efetivo na remoçao dos resíduos e porque eu falei disso, de manter a efetividade do processo de lavagem com água, porque [RETOMADA] há outros estudos de tratamentos alternativos e os que mais se destacam utilizam adsorventes.

A reordenaçao tópica acoplada à retomada revela a organizaçao das ideias a serem expostas e o julgamento do aluno expositor no que se refere à hierarquizaçao dessas ideias, de modo que os tópicos foram reordenados a partir do AOP2, conferindo maior coerência em sua EO. No slide 14 podemos observar a ocorrência dessa característica, sendo que nao há prejuízos ao sentido do AOP2 a partir da reordenaçao tópica. O trecho referente a essa situaçao é apresentado a seguir:

[REORDENAÇAO TOPICA] [RETOMADA] A turbidez é essencial. Ela é uma análise essencial porque o efluente nao pode ser descartado se estiver muito túrbido porque ele impede que a radiaçao solar passe pela água e impede o processo de fotossíntese. Ou seja, altera a atividade natural aquática.

Apresentamos, assim, uma breve discussao acerca da caracterizaçao do desenvolvimento das EO e suas propriedades linguísticas, associadas à retomada, que foi a mais recorrente durante a EO do grupo G2. O aluno expositor, nesse contexto, demonstrou o domínio parcial da elaboraçao do gênero em questao e a leitura crítica e reflexiva acerca do texto base, uma vez que nas ocasioes julgadas oportunas por ele, foram tecidas complementaçoes, acréscimo de informaçoes, inserçao de exemplos e reformulaçoes.

Em linhas gerais, consideramos que os grupos G1 e G3, assim como G2, também realizaram modificaçoes no texto base para potencializar o entendimento dos espectadores. Estas ocorreram de formas distintas e emergiram de acordo com o entendimento de cada um sobre o AOP estudado. Para citar alguns exemplos, o aluno expositor de G1 adicionou subtítulos ao texto original e elaborou um gráfico a partir de informaçoes contidas no AOP. Já o aluno expositor de G3 se ateve no uso de somente imagens e gráficos presentes no texto, porém, os explicou de maneira que os colegas pudessem compreender o conteúdo estudado.

Recapitulaçao e síntese

Para Dolz et al.9 esta é uma etapa importante para retomar os principais pontos da EO e por se caracterizar como uma fase de passagem entre a EO e suas duas etapas de conclusao, que serao apresentadas na sequência. Destacamos que o aluno expositor de G2 nao contemplou tal etapa, de modo que esta desfalca a estrutura do gênero elaborado e demonstra a sua falta de domínio acerca da produçao. Dessa forma, o aluno passa diretamente do slide 19, que é o último da etapa de desenvolvimento, e trata das discussoes acerca dos resultados obtidos pelos autores do AOP2 para o slide 20, denominado conclusoes gerais. Verificamos o mesmo comportamento para os grupos G1 e G3.

Conclusao e encerramento

A etapa da conclusao trata da comunicaçao da mensagem final sobre o texto base e também pode apresentar aos espectadores a existência de um problema novo, a partir do que foi dito na exposiçao, o que requer novos estudos e também o início de um debate, dentre outros aspectos.9 Já a etapa de encerramento deve ser simétrica à abertura, visto que comporta os agradecimentos aos espectadores. Assim como a abertura, é uma etapa bastante "ritualizada" e apresenta ainda uma característica de interaçao, distinta da ocorrida ao longo da exposiçao, por incluir, muitas vezes, o mediador, os espectadores etc.9 O slide 20, que tratou da etapa de conclusao da EO está ilustrado na Figura 6.

 


Figura 6. Slide 20 da apresentaçao do grupo G2

 

O trecho da transcriçao da fala do aluno expositor delimita a conclusao e o encerramento:

Bom, no geral, entao, com esse processo nós podemos obter novecentos e cinquenta e cinco ml em um litro de líquido transparente de todos aqueles aspectos que eu falei, de pH, de matéria orgânica e quarenta e cinco ml desse lodo residual. O aperfeiçoamento dessa técnica geraria grandes ganhos ambientais inimagináveis porque geraria a economia de um grande volume de água. E ele é perfeitamente aplicável em comparaçao à eletrofloculaçao, é perfeitamente aplicável em escala industrial, em comparaçao com o uso de adsorventes. Porque, pensem vocês que o uso de adsorventes geraria maiores danos ao meio ambiente. Por quê? Porque o uso de adsorventes requer tratamento químico depois de sua utilizaçao para que eles sejam reativados e isso gera novos resíduos químicos que também deveriam, vao ser tratados. Entao, em comparaçao com a eletrofloculaçao ,,, A eletrofloculaçao é perfeitamente aplicável em comparaçao com os outros tratamentos. E é isso

Observamos que o aluno expositor retoma as ideias dispostas na conclusao do AOP2, de modo que há a retomada das ideias principais. Conforme indicado por Dolz et al.,9 há a presença de uma mensagem final, que nesse caso, reafirma as potencialidades do tratamento aplicado pelos autores do AOP2, em comparaçao a outros tratamentos citados durante a EO. Por outro lado, o aluno expositor nao se refere a novos problemas, necessidades de estudos posteriores e nem indica o início de um debate (que nao ocorreu, segundo a proposta aplicada) ou o início das perguntas que poderiam ser realizadas pelos colegas. Dessa forma, o domínio do gênero elaborado se mostra parcial para a etapa de conclusao.

Em relaçao aos demais grupos, ambos retomaram as conclusoes apresentadas nos AOP, assim como G2, de forma parcial. O aluno expositor de G1 apresentou, além das conclusoes em tópicos, uma imagem do AOP, que fazia parte da seçao Resultados e Discussao, para ilustrar o sucesso da técnica empregada. Já o aluno expositor de G3 destacou os bons resultados obtidos pelos autores e os pontos positivos da técnica por eles utilizada. Ambos nao comentaram, assim como G2, os tópicos descritos, como a realizaçao de estudos posteriores e nao indicaram o início da etapa de perguntas pelos colegas.

No que se refere à etapa de encerramento, essa nao foi evidenciada da maneira disposta por Dolz et al.,9 de modo que nao houve o ritual de agradecimento aos espectadores e ao professor. O encerramento por parte do aluno expositor de G2 se resumiu à fala "e é isso". Desse modo, inferimos que o encerramento nao foi compreendido pelo aluno expositor, o que torna o domínio do gênero elaborado parcial. O uso da expressao para encerrar a apresentaçao pode ser tido como informal, o que implica na utilizaçao adequada ao gênero produzido, e deixa evidente as falhas na apropriaçao dos padroes para a elaboraçao da EO. Por outro lado, os grupos G1 e G3 realizaram esta etapa de forma adequada, agradecendo os espectadores pela atençao após o término das apresentaçoes.

Para Silva21 as açoes envolvidas durante a EO dependem de fatores, além daqueles explicitados neste trabalho. Sendo assim, é importante destacar que é esperado que o aluno expositor também tenha conhecimento sobre o gênero que será produzido a fim de direcionar a sua apresentaçao; produza o gênero de modo claro, considerando os espectadores; seja capaz de produzir o gênero a partir do texto base, que envolve a utilizaçao correta das características cognitivas e linguístico-discursivas envolvidas, dentre outros aspectos.

Assim, inferimos que os alunos expositores dos grupos G1, G2 e G3 foram capazes de produzir o gênero em questao, ainda que nao tenham se apropriado de sua elaboraçao em todos os momentos. Diante da proposta realizada, tal elaboraçao do gênero se mostra como importante para cumprir os aspectos citados por Silva21 e tomar conhecimento de como se dá uma EO em âmbito acadêmico.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

Os resultados apresentados indicam o domínio parcial do gênero EO pelos alunos expositores dos grupos analisados, com fragilidades concentradas principalmente nas subpartes denominadas na Tabela 4 de: introduçao ao tema; recapitulaçao e síntese; encerramento. Tal constataçao nao desabona a qualidade das referidas EO, pois a maioria das subpartes foi satisfatoriamente contemplada, com destaque para aquela de complexidade elevada, que abarca o desenvolvimento e encadeamento dos diferentes temas. A associaçao dessas duas afirmativas permite a tessitura das seguintes consideraçoes:

• Uma vez que a produçao de todas as EO propiciou o desenvolvimento e encadeamento dos diferentes temas a contento, é possível afirmar que, para tanto, os alunos lograram sucesso na seleçao das ideias principais dos autores dos AOP, na elaboraçao de slides a partir da progressao lógica de conteúdos e na utilizaçao destes como material de apoio de forma coerente durante a exposiçao. Esse exercício nao é trivial, especialmente para graduandos matriculados no segundo semestre, a quem poucas oportunidades de contato com os gêneros EO e AOP costumam ser oferecidas. Parte da capacidade exibida para levar tal exercício a cabo pode ser creditada ao cumprimento de todas as etapas cuidadosamente planejadas da atividade didática em si, que envolveu, além da leitura guiada dos AOP, a produçao de textos argumentativos e a participaçao no PPR. Dessa maneira, o presente artigo, ao caracterizá-la de forma detalhada, possibilitando ao leitor inclusive o acesso a recurso instrucional empregado no formato de rubrica (Quadro 1S, material suplementar), tem caráter inédito na literatura nacional voltada ao ensino de química, com potencial para subsidiar professores interessados na conduçao de açoes vinculada à elaboraçao dos gêneros EO e AOP na universidade.

• As fragilidades observadas nas EO, concentradas nas etapas iniciais e finais, sugerem que, da mesma forma como sao concedidos espaços em disciplina da graduaçao para o ensino e aprendizagem da produçao de textos que circulam na academia, como resumos, pôster, também deve existir lugar para a produçao de EO. A forte tradiçao de valorizaçao da escrita nas disciplinas, em detrimento do oral, precisa ser superada a partir do oferecimento de orientaçoes para a produçao do gênero em questao, o que pode acentuar a performance dos alunos na esfera acadêmica. Nessa perspectiva, providenciar recomendaçoes que venham a fortalecer o entendimento dos expositores sobre a relevância das etapas mencionadas é uma necessidade que emerge da análise dos dados. Ou seja, a partir da organizaçao interna da EO, explicitar as partes que a compoem, com ênfase naquelas que sao ritualizadas em âmbito acadêmico é relevante.

Muitas vezes os alunos nao têm a chance de aprender a produçao do gênero antes da apresentaçao em eventos científicos, em disciplinas (como critério de avaliaçao), e em tantas outras situaçoes nas quais sao solicitados a elaborar EO. Desse modo, este trabalho tem o propósito de fomentar discussoes acerca desse gênero na esfera acadêmica e de quais processos possibilitam ou dificultam a sua produçao, para que ele venha a atender aos seus objetivos e às suas funçoes comunicativas e nao seja efetivado apenas como uma atividade avaliativa.

Por fim, entendemos que atividades que envolvam a leitura, compreensao e produçao textual no âmbito do ensino superior devem ser encorajadas, por serem intrínsecas à academia e à formaçao profissional dos estudantes.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

A rubrica para dar embasamento à elaboraçao e análise dos textos produzidos pelos estudantes pode ser encontrada em http://quimicanova.sbq.org.br, em formato PDF, com acesso livre.

 

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenaçao de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, e da Fundaçao de Amparo à Pesquisa do Estado de Sao Paulo (FAPESP) - Processo: 2016/20073-0.

 

REFERENCIAS

1. Brasil. Conselho Nacional de Educaçao. Parecer CNE/CES 1.303/2001, de 6 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química. Diário Oficial da Uniao, Brasília, 7/10/2001. Seçao 1, p. 25.

2. Oliveira, J. R. S.; Queiroz, S. L.; Quim. Nova, 2012, 35, 851.

3. Oliveira, J. R. S.; Queiroz, S. L.; Quim. Nova, 2014, 37, 1559.

4. Oliveira, J. R. S.; Queiroz, S. L.; Quim. Nova, 2015, 38, 553.

5. Barros, A. A. D.; Garcia, V. M.; Yamashita, M.; Francisco Júnior, W. E.; Revista Amazônica de Ensino de Ciências 2012, 5, 83; Francisco Júnior, W. E.; Investigaçoes em Ensino de Ciências 2011, 16, 161; Oliveira, J. R. S.; Queiroz, S. L.; Alexandria 2011, 4, 89; Wenzel, J. S.; Maldaner, O. A.; Quim. Nova Esc. 2014, 36, 314.

6. Francisco Júnior, W. E.; Quim. Nova Esc. 2010, 32, 220.

7. Silva, A. V. L.; Revista Virtual de Letras 2016, 8, 43.

8. Freitas, P. R.; Dissertaçao de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, 2016.

9. Dolz, J.; Schneuwly, B.; Pietro, J-F.; Zahnd, G. Em Gêneros orais e escritos na escola; Schneuwly, B., Dolz, J., eds.; Mercado de Letras: Campinas, 2004, cap. 9.

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11. Almeida, R. L. L.; Mesquita, E. M. C.; Alves, M. M.; Interfaces da Educaçao 2018, 9, 43.

12. Goffman, E.; Façons de parler, Éd. De Minuit: Paris, 1987.

13. Marcuschi, L. A.; Produçao textual, análise de gêneros e compreensao, Parábola Editorial: Sao Paulo, 2008.

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21. Silva, A. V. L.; Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, 2013.

22. Oliveira, J. R. S.; Queiroz, S. L.; Comunicaçao e linguagem científica: guia para estudantes de química, Editora Atomo: Campinas, 2007.

23. Silva, A. V. L.; Revista Memento 2011, 2, 70.

 

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