JBCS



15:10, qui nov 21

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Nota Técnica


Recuperação de acetona em resíduos laboratoriais: uma abordagem sobre aspectos da gestão, operacionais e da eficiência ambiental
Acetone recovery in laboratories wastes: an approach of aspects of management, operation and environmental efficiency

Guilherme Furlan Coletti*; Glauco Arnold Tavaresa e José Albertino Bendassolli

Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, 13416-000 Piracicaba - SP, Brasil

Recebido em 06/02/2019
Aceito em 26/03/2019
Publicado na web em 22/04/2019

Endereço para correspondência

*e-mail: gcoletti@yahoo.com.br

RESUMO

The objective of this work was to exclusively improve the management of wastes constituted mainly by organic solvents, due to the opportunities for improvements in the processing of such substances in the institution where the studies were realized. By means of the tests carried out in the distillation system using acetone as a reference, advantages and disadvantages were found with increasing/decreasing the temperature used in the process. From the use of gas chromatography, it was possible to obtain a more precise control of the quality of the recovered product and also to verify the high efficiency of the distillation process in the separation of the solvent from the other contaminants present in the waste. And in terms of comparison of treatments, distillation proved to be environmentally more sustainable and about 8 times more economical than incineration.

Palavras-chave: chemical wastes; distillation; gas chromatography; environmental and financial analyzes.

INTRODUÇAO

Indiscutivelmente as indústrias, principalmente químicas, sao as maiores geradoras de resíduos químicos, sendo comumente associada a elas a responsabilidade pelos impactos causados ao meio ambiente decorrentes da contaminaçao e/ou poluiçao resultante de qualquer evento de descarte irregular de compostos químicos tóxicos. Consequentemente, as mesmas sao os principais alvos de fiscalizaçao dos órgaos ambientais.

Por outro lado, os laboratórios de universidades e instituiçoes de ensino e pesquisa também sao geradores de resíduos químicos, porém em escala muito menor, motivo esse que nao justifica o desprezo dos potenciais danos ambientais com a destinaçao incorreta de seus resíduos. Esse tema se torna ainda mais relevante quando se leva em consideraçao a postura e a coerência que esses centros educacionais devem apresentar perante a sociedade, seja através da disseminaçao do conhecimento, da prestaçao de serviço ou na formaçao de futuros profissionais, tornando, dessa forma, imprescindível a criaçao de mecanismos para a gestao e gerenciamento de seus resíduos.1

Felizmente, encontram-se na literatura trabalhos relacionados à implantaçao de programas de gerenciamento de resíduos químicos em universidades e instituiçoes de ensino e pesquisa, evidenciando uma tendência de preocupaçao cada vez maior com assuntos relacionados as questoes ambientais nessas instalaçoes.1-9

O Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de Sao Paulo (CENA/USP) possui, desde 2001, um programa de gerenciamento de resíduos químicos e águas servidas, a partir do qual vários trabalhos de pesquisa nessa área do conhecimento vêm sendo realizados, abordando temas que discutem desde o desenvolvimento de métodos analíticos mais limpos, até açoes que visam a identificaçao, reaproveitamento ou tratamento de resíduos.10-17 A relaçao de resíduos químicos gerados pelos laboratórios do CENA é bastante diversificada, incluindo solventes (etanol, metanol, hexano, acetonitrila, tolueno, acetona, entre outros) soluçoes inorgânicas diversas (NH3aq, SO2aq, ácidos, bases, soluçoes contendo metais, entre outras) e resíduos sólidos (óxidos de cobre, perclorato de magnésio, géis de agarose ou poliacrilamida, etc).17

Valendo-se dessa breve descriçao do atual cenário dos resíduos químicos gerados no CENA, o objetivo deste trabalho foi realizar uma análise criteriosa e promover o aprimoramento da gestao dos resíduos constituídos majoritariamente por solventes orgânicos, devido às possibilidades de otimizaçao e implantaçao de novos procedimentos analíticos para um maior controle da qualidade de tais substâncias na Instituiçao. Deve-se ressaltar, entretanto, que atualmente as duas opçoes de destinaçao18 aplicadas a esses resíduos sao a destilaçao (quando há interesse de reutilizaçao dos solventes recuperados) e a incineraçao (tratamento externo, realizados em incineradores licenciados), sendo pertinente, nesse caso, a realizaçao de uma análise comparativa em termos financeiros e ambientais dessas duas formas de destinaçao, fazendo uso do software de uso livre Ecosolvent para fins de avaliaçao de impacto ambiental, ferramenta essa que vem sendo bastante empregada em pesquisas dessa natureza.19-23

 

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais utilizados

Os testes de destinaçao dos resíduos, em processo físico, foram conduzidos em um sistema dedicado para destilaçao e recuperaçao de solventes dimensionado para atender à demanda institucional e detalhado na Figura 1. As análises foram realizadas utilizando um cromatógrafo gasoso marca Agilent modelo 7820A com detector por ionizaçao de chama (FID), empregando coluna HP-INNOWAX (fase estacionária polietilenoglicol) de 30 m de comprimento, 0,25 mm de diâmetro e 0,15 μm de espessura do filme.

 


Figura 1. Representaçao ilustrativa do sistema de destilaçao para recuperaçao de solventes, dotado de: (a) baloes Pyrex de três vias e 5 L de capacidade volumétrica; (b) mantas aquecedoras Fisaton; (c) colunas Pyrex preenchidas com anéis de Raschig; (d) condensadores Pyrex tipo serpentina; (e) sistemas digitais de controle de aquecimento Biothec modelo BTDS5; (f) termômetros digitais Incoterm; (g) banho ultratermostatizado para recirculaçao de água Biothec modelo BT80UR; (h) medidor de energia monofásico Hiking modelo DDS238-4; (i) plataforma elevatória; (j) frasco coletor

 

Todos os solventes empregados foram grau pró-análise, notadamente para as moléculas de acetona 99,50% (Synth), acetonitrila 99,90% (Tedia), butanol 99,40% (Vetec), clorofórmio 99,80% (J.T Baker), diclorometano 99,90% (Tedia), etanol 99,50% (Carlo Erba), isopropanol 99,80% (Merck), metanol 99,90% (J.T Baker) e tolueno 99,50% (Merck). Insumos como água desionizada, gases especiais pressurizados (Hidrogênio 4.5 FID, Nitrogênio 4.6 e Ar Sintético 5.0 FID) e as soluçoes residuais contendo acetona também foram utilizados. Em relaçao à vidraria e demais equipamentos e acessórios empregados, destacam-se: pipetas, pipetadores, frascos para amostragens diversos, provetas, bequeres, microseringas, funis, balanças de precisao Bel modelos 210A e M5202, cronômetro digital Cronobio SW-2018, termômetros Incoterm, densímetros Incoterm e refratômetro automático Anton Paar modelo Abbemat MW.

Metodologias

Diagnósticos da gestao de resíduos

Considerando-se que a recuperaçao de solventes já vigorava na Instituiçao, como parte da pesquisa proposta, delineou-se inicialmente a elaboraçao de uma entrevista estruturada, cujo direcionamento estava voltado para um público-alvo compreendido pelas pessoas que manipulavam solventes orgânicos em suas atividades. Todas as perguntas formuladas apresentavam alternativas de respostas, sendo permitido ao entrevistado a opçao de responder, quando julgasse necessário, mais de uma resposta ou até mesmo citar outras além das disponibilizadas nos questionários. As questoes formuladas objetivaram a compreensao de aspectos relacionados à identificaçao, segurança e gerenciamento (rotulagem, segregaçao, acondicionamento e armazenamento) dos solventes orgânicos, antes, durante e após seu manuseio, bem como quanto à aceitaçao de solventes orgânicos recuperados.

Avaliaram-se os históricos de geraçao de resíduos constituídos por solventes orgânicos, para identificar aqueles usados em maiores quantidades e os principais laboratórios usuários dos mesmos, onde posteriormente realizaram-se visitas para entrevistar funcionários, alunos (graduaçao e pós-graduaçao) e pós-docs que manipulavam solventes em suas pesquisas. De posse das respostas coletadas, buscou-se traçar um diagnóstico, que poderia ser confrontado com mapas anuais de aquisiçao de reagentes do mesmo período da realizaçao da entrevista (2014 e 2015), e que sao apresentados aos órgaos de fiscalizaçao, no caso, a Divisao de Controle e Fiscalizaçao de Produtos Químicos da Polícia Federal.

Avaliaçao do processo de recuperaçao de acetona

Para a avaliaçao das condiçoes operacionais de recuperaçao, foi utilizado como referência nos testes de destilaçao o resíduo gerado no método de análise de alimentos (forrageiras) empregados na nutriçao de animais ruminantes, também conhecido como análise de FDN (fibra em detergente neutro) e FDA (fibra em detergente ácido), cuja geraçao ocorre no Laboratório de Nutriçao Animal do CENA. Os principais motivos para essa escolha residem na boa frequência de geraçao, no alto teor de acetona na composiçao do resíduo e no interesse em reutilizar o solvente por parte do laboratório gerador. Resumidamente, a referida análise consiste em determinar a parede celular insolúvel por meio da extraçao de constituintes do conteúdo celular solúvel em soluçao neutra de lauril sulfato de sódio e EDTA, denominada FDN. No resíduo dessa extraçao encontram-se proteínas insolúveis, que podem ser solubilizadas, assim como a hemicelulose, através de outro processo de extraçao denominado FDA, em que se utiliza o brometo de cetil-trimetilamônio e ácido sulfúrico.24 Ao final de cada uma das duas etapas e após as amostras terem sido previamente lavadas em água, faz-se necessário o uso da acetona para uma última lavagem, que por sua vez é segregada e acondicionada em recipiente específico, gerando dessa forma uma soluçao residual cuja proposta de destinaçao é o processo de destilaçao.

Considerando-se a importância de se avaliar diversos parâmetros relacionados à operaçao do sistema de recuperaçao de solventes, vários ensaios foram propostos objetivando o estabelecimento das temperaturas ideais de aquecimento para a obtençao de solventes de elevada pureza, o que permitiria a otimizaçao do consumo energético e, consequentemente, a reduçao nos custos e demanda por energia.

Para a avaliaçao da influência da temperatura de aquecimento das mantas no rendimento do processo de recuperaçao do solvente, vários testes foram realizados em cada uma das linhas (A e B) do sistema de destilaçao. Essa etapa teve a finalidade de estabelecer a condiçao mais adequada com o objetivo de obter um produto recuperado similar ao reagente P.A-A.C.S, considerando-se ainda o consumo de energia e o tempo necessário para o término do processo. Estabeleceu-se em cada teste a temperatura aferida no topo das colunas em 56 ºC (valor aproximado ao ponto de ebuliçao da acetona) e a temperatura da água de recirculaçao do banho ultratermostatizado em 20 ºC.

A massa de resíduo fixada em cada processo de destilaçao foi da ordem de 3.000 g, sendo realizadas amostragens para permitir a realizaçao de análises por cromatografia gasosa, refratometria e densimetria no produto recuperado final. Ao término da destilaçao, o líquido remanescente (sobra da destilaçao) foi pesado, em balança semi-analítica, para estimativa de balanço de massas nesse substrato.

O consumo de energia (kwh) em cada teste foi obtido com auxílio de um medidor de energia monofásico instalado ao sistema de destilaçao e ao banho ultratermostatizado. Para estimar os dispêndios na recuperaçao de cada quilograma de solvente, ponderou-se, além da demanda energética, os gastos com a depreciaçao dos equipamentos e hora/atividade do operador responsável pelo tratamento. O custo aferido, diretamente relacionado ao balanço de massas do processo, pôde ser comparado ao valor do reagente comercial P.A-A.C.S e aos gastos com uma eventual destinaçao dos resíduos para incineraçao, permitindo-se avaliar a economicidade das açoes.

Avaliaçao de parâmetros de qualidade

Uma das maiores preocupaçoes dos gestores de resíduos refere-se à eficiência da segregaçao dos solventes nos laboratórios geradores, evitando-se qualquer mistura indevida, que poderia resultar em contaminaçao do produto recuperado que, ao ser reutilizado, poderia levar a outras inconveniências (erros analíticos, contaminaçao de processos, etc). Nesse contexto, insere-se a aplicaçao de técnicas que possibilitem a separaçao e identificaçao dos constituintes presentes em amostras de interesse, sendo a cromatografia gasosa uma ferramenta apropriada para esse diagnóstico.

De forma a implementar o monitoramento em rotina da avaliaçao de parâmetros de qualidade dos solventes recuperados, houve a necessidade do estabelecimento de um método cromatográfico de análise, sendo que, para a realizaçao das análises preliminares e o acompanhamento dos tempos de retençao, recorreu-se à injeçao de acetona e demais solventes utilizados em rotina nos laboratórios do CENA (todos grau P.A-A.C.S), cuja circulaçao interna na forma de resíduos se mostrou mais frequente, substâncias essas que poderiam ser de interesse para fins de recuperaçao em caso de viabilidade operacional e interesse no reuso. Durante os testes, parâmetros como temperaturas do injetor, coluna (incluindo o estabelecimento de rampas de aquecimento) e detector, vazao do gás de arraste e tempo de análise foram avaliados. Com isso, foi possível estabelecer as melhores condiçoes de trabalho e também criar um banco de dados referente aos tempos de retençao das moléculas orgânicas, auxiliando nas futuras identificaçoes de rotina.

Adicionalmente às análises cromatográficas, também foram realizadas aferiçoes de densidade e refratometria, o que permitiu estimar as concentraçoes do solvente (% m/m) nas amostras de interesse a partir da comparaçao de dados de tabelas referentes a mistura binárias entre água e acetona disponíveis na literatura.25

Com o intento de disponibilizar as informaçoes da análise de pureza do solvente recuperado, preocupou-se com a elaboraçao de um laudo/FISPQ (Ficha de Informaçao de Segurança para Produtos Químicos) a ser fornecido junto ao produto no ato da entrega ao usuário. No laudo sao apresentadas, além das condiçoes do método e resultado cromatográfico, as informaçoes sobre as características, riscos, medidas preventivas e remediativas para o manuseio do solvente.

Comparaçao destilaçao x incineraçao

Para o estudo da análise comparativa entre os tratamentos aplicáveis aos resíduos contendo solventes (destilaçao versus incineraçao), utilizou-se o software de fonte aberta Ecosolvent® v.1.0.1. Capello, Hellweg e Hungerbühler, criadores do software, referem-se ao mesmo como sendo uma ferramenta de avaliaçao de ciclo de vida. Esse processo permite uma comparaçao em termos ambientais, da destilaçao de soluçoes residuais de solventes, com tratamentos termais em incineradores industriais de produtos químicos ou fornos para produçao de cimento (coprocessamento).20

Graças aos modelos de análise de inventário de ciclo de vida das referidas tecnologias de tratamento, informaçoes sobre emissoes de gases, geraçao de coprodutos, uso de insumos, entre outros impactos ambientais, sao possíveis de serem calculadas. Os referidos modelos sao baseados nos inventários disponibilizados pela Associaçao sem fins lucrativos Ecoinvent, representada atualmente por institutos do ETH Domain e pelo Swiss Federal Offices, cujos esforços possibilitam manter um banco de dados com várias publicaçoes relacionadas a estudos sobre análise de ciclo de vida de diferentes processos industriais.

Para realizar a avaliaçao, considerou-se como unidade funcional a massa usada nos testes de destilaçao, ou seja, 3.000 g de resíduo contendo acetona. Dentre os indicadores ambientais disponibilizados pelo software para quantificaçao dos impactos, foi selecionado o Eco-indicator 99. Fornecendo os resultados em valores numéricos denominados ecopontos, o referido indicador quantifica os prejuízos à vida humana e ao meio ambiente provocados por todas as emissoes e danos aos recursos naturais.

As demais informaçoes necessárias para alimentar o software, como composiçao do resíduo, consumo de energia, quantidade e qualidade do solvente recuperado, distância percorrida no transporte dos resíduos para uma eventual incineraçao, entre outras, foram adquiridas, principalmente, a partir dos testes realizados. No que se refere às informaçoes relacionadas à pré-tratamentos, usos de auxiliares (como por exemplo o uso de substâncias arrastadoras no caso de misturas azeotrópicas) e outras que nao condiziam com a realidade da pesquisa, foram preenchidas como nao utilizadas ou zeradas quando havia a necessidade de inserir valores numéricos.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Diagnósticos da gestao de resíduos

De forma a diagnosticar as etapas envolvidas na manipulaçao dos solventes e na gestao dos resíduos gerados, foram visitados os Laboratórios de Melhoramento de Plantas, Nutriçao Animal, Ecotoxicologia, Radiobiologia e Ambiente, Carbono 14 e Biotecnologia Vegetal, tendo sido entrevistados colaboradores desses setores. Dentre as informaçoes obtidas, pode-se destacar aquela que inventaria os solventes orgânicos usados nas rotinas em cada laboratório gerador de resíduos e cuja relaçao é discriminada na Tabela 1.

 

 

A Tabela 1 permite a identificaçao de quais solventes estao presentes nas atividades de cada laboratório, ainda que o volume utilizado nao esteja sendo considerado. Com essa informaçao é possível realizar uma rápida comparaçao com os solventes mais usados identificados através dos históricos de geraçao de resíduos, que foram: acetona; acetonitrila; butanol; clorofórmio; diclorometano; etanol; isopropanol; metanol; e tolueno, notando uma clara coerência entre as informaçoes.

Quando questionados sobre a frequência de retirada dos resíduos contendo solventes, 50% dos entrevistados nao tinham certeza sobre essa informaçao, 31% responderam ser mensal e 19% quinzenal. A metade dos entrevistados que responderam nao ter certeza é representada, em grande maioria por alunos, evidenciando um envolvimento quase que exclusivo dos funcionários no que se refere ao encaminhamento interno dos resíduos. É importante esclarecer que a remoçao interna de resíduos na Instituiçao é realizada semanalmente, mediante solicitaçao por parte dos laboratórios geradores, ou seja, esses percentuais refletem a rotina da gestao desses resíduos. Por outro lado, é possível concluir que nao ocorre um acúmulo muito grande de resíduos nos laboratórios geradores, estando as frequências citadas relacionadas com as diferentes demandas de análises. Isso pode ser considerado extremamente positivo e ocorre devido à existência de um Programa de Gerenciamento de Resíduos Químicos na Instituiçao que atua de forma dinâmica no manejo correto dos ativos gerados, tornando o acúmulo de passivos cada vez mais raro de ser encontrado.

O principal foco da entrevista foi a aceitaçao dos solventes recuperados, sendo que pouco mais da metade dos entrevistados (56%) se demonstrou receptivo aos usos de tais substâncias. No que se refere aos motivos que justificariam a opçao dos entrevistados que responderam nao usar solventes recuperados, as principais justificativas sao listadas na Figura 2. Resalta-se que o item "outros" nesta Figura refere-se a: experiências mal sucedidas decorrentes do uso de solventes recuperados, porém, caso houvesse uma análise da qualidade dessas substâncias, o problema poderia ter sido evitado; falta de disponibilidade do recuperado; e especificidade do protocolo analítico, que nao permitiria o uso do solvente recuperado. Nesse contexto, percebe-se a importância de uma maior divulgaçao da possibilidade de recuperaçao de solventes em âmbito institucional, com ênfase na qualidade desses produtos recuperados. Obviamente, determinadas análises demandam um elevado grau de pureza em seus reagentes, o que inviabilizaria o uso dos solventes recuperados, mas para outras análises seria possível a realizaçao de testes para verificaçao da possibilidade de seu uso, diminuindo dessa forma as restriçoes ao uso de tais produtos.

 


Figura 2. Justificativas apresentadas pelos entrevistados que declaram nao utilizar solventes recuperados

 

A aplicaçao do questionário permitiu também identificar em qual etapa de trabalho esses solventes estavam sendo reutilizados. Nota-se na Figura 3, que além da utilizaçao na limpeza de materiais e vidrarias, que representa um uso menos nobre, tem-se um significativo uso em etapas de trabalho de processos analíticos. O item "Outros" na Figura 3 representa um uso específico em um banho criogênico (gelo seco + etanol). Como complemento, quando provocados a opinar sobre a qualidade desses produtos, a totalidade dos entrevistados respondeu ser satisfatória, o que serve para corroborar ainda mais a qualidade e o incentivo ao uso dos solventes recuperados.

 


Figura 3. Principais usos de solventes recuperados nos laboratórios do CENA/USP

 

Uma última etapa do diagnóstico envolveu o trabalho de coleta de dados junto ao Setor de Compras e Almoxarifado para fins de comparaçao com os registros de coleta de resíduos contendo solventes no mesmo período (2014/2015). Esses dados estao representados na Tabela 2 e ilustram um baixo volume de solventes comprados, principalmente no ano de 2015, enquanto o volume de resíduos coletados foi bastante superior. Essa diferença quantitativa pode ser explicada pela disponibilidade em estoque dessas substâncias nos laboratórios, evitando a necessidade de compras; por eventuais compras sem o conhecimento dos setores administrativo e financeiro da instituiçao (compra direta); ou por pesquisas realizadas em parceria com outras instituiçoes, sendo os reagentes comprados com verba dessas instituiçoes e os resíduos gerados no CENA. De todo modo, o referido diagnóstico é um indicador de que a gestao de compras e estocagem desses solventes é passível de aprimoramento, o que conduz a um cenário no qual a fiscalizaçao pelos órgaos competentes (Policia Federal) tem se mostrado cada vez mais rígida. Para isso, se faz necessária a criaçao de mecanismos que possibilitem um real conhecimento das substâncias que entram na Instituiçao, como a criaçao de um sistema informatizado para pedidos de compras e um almoxarifado central para recebimento e estocagem dos produtos químicos, levando em consideraçao ainda a agilidade e a segurança no processo.

 

 

Avaliaçao de parâmetros da qualidade

Após a realizaçao de diversos testes cromatográficos objetivando a definiçao de um protocolo analítico para uso em rotina e nos testes de interesse, estabeleceram-se como condiçoes operacionais de trabalho os seguintes parâmetros: Temperatura do injetor = 200 ºC; Injeçao modo Split na proporçao 75:1; Programaçao da temperatura da coluna (HP INNOWAX) = 40 ºC por 2 min, 15 ºC min-1 até 190 ºC; Temperatura do detector = 300 ºC; Vazao do gás de arraste = 1,5 mL min-1; Volume da amostra = 1 μL; e Tempo total da análise: 12 minutos. A título de ilustraçao, a Figura 4 apresenta um cromatograma da acetona grau P.A-A.C.S com uma pureza de 99,978%, obtido de acordo com as condiçoes citadas acima e usado como referência para comparaçao nas análises de pureza do solvente recuperado.

 


Figura 4. Cromatograma de acetona P.A-A.C.S nas condiçoes definidas (Coluna HP-INNOWAX, 30 m x 0,25 mm, espessura do filme de 0,15 μm; fase móvel: nitrogênio a 1,5 mL.min-1; temperatura do injetor: 200 ºC; temperatura da coluna: 40 ºC por 2 minutos a 190 ºC a 15 ºC min-1; detecçao por ionizaçao em chama, 300 ºC)

 

Estabelecidas as condiçoes analíticas, criou-se um banco de dados com os tempos de retençao dos principais solventes utilizados na Instituiçao (Tabela 3), para serem usados nas futuras identificaçoes desses compostos em outras soluçoes residuais de interesse e, principalmente, para avaliar a eficiência do processo de destilaçao, analisando a presença dessas moléculas, assim como possíveis contaminantes no produto recuperado.

 

 

Nota-se, principalmente para os solventes metanol e diclorometano, assim como para clorofórmio e acetonitrila, que os tempos de retençao se mantiveram muito próximos, mesmo tendo sido testados outros valores de vazao do gás e de temperaturas de aquecimento do forno. O limitante nessa questao recai sobre a coluna usada, sendo a mesma nao possuidora de comprimento e/ou espessura do filme suficientes para uma melhor separaçao dessas substâncias, porém, isso nao se tornou um fator agravante para o desenvolvimento da pesquisa.

Em relaçao aos demais parâmetros de qualidade, os resultados observados estao apresentados e discutidos à seguir, conjuntamente ao estudo das variáveis do processo de recuperaçao de solventes, utilizando-se acetona como matriz residual a ser destilada.

Avaliaçao do processo de recuperaçao de acetona

Em relaçao às temperaturas de aquecimento testadas em ambas linhas (A e B), foram notadas pequenas diferenças no tocante a pureza do solvente recuperado, evidenciando a eficiência do processo de purificaçao mesmo nas maiores temperaturas avaliadas. Já em relaçao aos valores aferidos de densidade, foi possível notar um moderado aumento conforme se aumentaram as temperaturas de aquecimento das mantas, evidenciando um crescente arraste indesejável de água junto à acetona. Em contrapartida, o aumento das temperaturas proporcionou menores tempos de destilaçao e consequentemente menores consumos de energia, mesmo com a elevaçao da potência do sistema de aquecimento.

A partir da tendência encontrada, segundo a qual aumentandose a temperatura ocorre diminuiçao na pureza, na concentraçao do solvente recuperado, no tempo de destilaçao, no consumo de energia e na perda de massa de acetona no processo, elegeu-se como melhor condiçao operacional as temperaturas mínimas de aquecimento que permitiram atingir os 56 ºC no topo das colunas das linhas A e B, as quais foram utilizadas nos testes comparativos, realizados em triplicatas. Mesmo nao havendo sido encontradas diferenças muito acentuadas entre os parâmetros avaliados, a opçao pelo uso dessas temperaturas permitiria a obtençao de um produto recuperado com excelente pureza em um período de tempo que nao ultrapassasse 6 horas de destilaçao. Na Tabela 4 constam os principais parâmetros mensurados operando-se simultaneamente as duas linhas na destilaçao de um resíduo com concentraçao de acetona de 59% (m/m) e densidade de 0,911 g mL-1 a 21 ºC. Ressalta-se que, nesssas condiçoes, o consumo total de energia aferido foi de 3,8 kwh.

 

 

Na aferiçao do balanço energético no processo, comparando-se a operaçao das linhas A e B operando individual ou simultaneamente, tem-se nessa última condiçao uma diminuiçao do consumo de energia em 27%, mantendo os mesmos valores de pureza e concentraçao do produto recuperado. Isso ocorre devido ao melhor aproveitamento do banho ultratermostatizado, já que o mesmo promove a recirculaçao da água nas duas linhas, independente de qual esteja em funcionamento.

As análises cromatográficas e de densidade comprovaram a elevada qualidade possível de se obter em um solvente recuperado pelo processo de destilaçao avaliado, assegurando-se a obtençao de um produto livre de contaminantes que possam causar interferências nos procedimentos em que o produto seja empregado. Por sua vez, quando se avaliou o índice de refraçao nas amostras de solvente recuperado nas linhas A e B, obteve-se diagnóstico semelhante, visto que o índice de refraçao da acetona é da ordem de 1,3588 nD (20 ºC),26 valor esse muito próximo ao encontrado nos testes realizados. Tendo como referência os resultados desse parâmetro, permite-se estimar em aproximadamente 98% a concentraçao de acetona nos solventes, através da relaçao direta com os índices de refraçao de misturas binárias de acetona e água.25 Tal concentraçao é equivalente àquela possível de ser estimada a partir da densidade do solvente recuperado.

No que se refere à estimativa dos custos envolvidos no processo de destilaçao, tem-se os parâmetros fixos e variáveis. O custo de aquisiçao do sistema dedicado para destilaçao, composto pelas duas linhas e banho de circulaçao ultratermostatizado, é da ordem de R$19.000,00 (US$4,935.00). Fixou-se para esse conjunto uma vida útil estipulada em 20 anos. Visando o aproveitamento máximo do sistema, considerou-se que ao longo do período estipulado, o mesmo estaria em operaçao todos os dias úteis com as duas linhas trabalhando simultaneamente e destilando uma massa de 3 kg de resíduo por linha/dia. Para fins de tabulaçao, na operaçao do sistema de destilaçao mais as realizaçoes das análises, considerou-se a dedicaçao de 30 minutos diários de um técnico de laboratório com salário mensal de R$3.933,26 e fixou-se em R$0,50 por kwh o valor da tarifa cobrada pela concessionária responsável pelo fornecimento de energia. Como simulaçao desse cenário, em período de 20 anos, a Tabela 5 resume as informaçoes utilizadas nos cálculos de interesse.

 

 

A soma dos valores contabilizados nos parâmetros acima elencados totaliza R$83.896,00, o que resulta em estimativa de custo da ordem de R$5,50 para cada quilograma de acetona recuperada. Comparando esse valor com o custo de aquisiçao de 1 kg do produto comercial, na ordem de R$35,00 (com base no valor de R$28,00 o litro), mais o custo do encaminhamento da mesma massa de resíduo para incineraçao no valor de R$10,00, conclui-se que o custo da destilaçao é cerca de 8 vezes menor que o da compra do produto somada à incineraçao do resíduo. Ressalta-se, ainda, que seria possível economizar R$39,50 por cada quilograma recuperada, ou R$119,00 a cada batelada diária, permitindo que o custo da aquisiçao de um sistema completo de destilaçao como esse seja pago em 160 dias úteis ou 8 meses.

Comparaçao destilaçao x incineraçao

Para quantificaçao dos impactos ambientais da destilaçao pelo Ecoindicator 99 foram consideradas as seguintes informaçoes: processo único em batelada; sem a realizaçao de pré-tratamentos; sem uso de auxiliares; destinaçao da sobra da destilaçao para estaçao de tratamento de esgoto (considerou-se essa alternativa de encaminhamento para o resíduo utilizado na pesquisa, pois sua composiçao é compreendida majoritariamente por água, nao apresentando compostos com potenciais de causarem danos a rede de esgoto e ao meio ambiente, nao sendo recomendada esta destinaçao para todas as sobras provenientes da destilaçao de demais resíduos com diferentes composiçoes); sem trans-porte dos resíduos até o destilador; absorçao como tratamento para os vapores orgânicos emitidos; dados obtidos durante os testes realizados (consumo de energia, quantidade e qualidade do solvente recuperado). Para a incineraçao, considerou-se os impactos provenientes de incinerador industrial de produtos perigosos e com uma distância de 170 km percorrido no transporte do resíduo (equivalente à distância entre Piracicaba e Taboao da Serra, principal destino dos resíduos perigosos enviados pelo CENA/USP para fins de incineraçao).

Os resultados apresentados na Figura 5 trazem a comparaçao entre o dois tratamentos aplicáveis, sendo os resultados positivos representativos de encargos ambientais e os resultados negativos representativos de créditos ambientais. Nota-se, no caso da destilaçao, indicada pela letra D, apenas a contabilizaçao dos impactos em D1, pois os tratamentos realizados sempre ocorreram em apenas uma etapa, sendo D2 representativo de uma possível segunda etapa de destilaçao. A Tabela 6 apresenta os ecopontos em valores numéricos para os principais parâmetros considerados.

 


Figura 5. Comparaçao dos impactos ambientais pelo Eco-indicator 99 entre destilaçao e incineraçao obtidos pelo software Ecosolvent

 

 

 

O indicador utilizado aponta para a destilaçao do resíduo como sendo o tratamento mais sustentável, tendo como principal vantagem a compensaçao dos impactos causados durante a produçao do solvente quando o mesmo é recuperado. Com relaçao à incineraçao, esse tratamento se mostrou mais impactante devido principalmente ao transporte dos resíduos, além dos impactos provenientes da produçao do solvente. É importante ressaltar que o impacto poderia ser menor caso a energia liberada pela queima dos resíduos fosse convertida em eletricidade, como acontece em incineradores de produtos perigosos localizados em países europeus, diferentemente da realidade brasileira.

Com o uso do Ecosolvent, Amelio et al.19 concluíram que os impactos originados durante a produçao do solvente devem ser a principal questao a ser observada para a escolha de qual método de tratamento será aplicado ao resíduo. De forma geral, os autores sugerem que os solventes que apresentam baixos impactos ambientais de produçao sao candidatos a serem incinerados, já aqueles que apresentam altos valores de danos ambientais devem ser recuperados em vistas a diminuir seus impactos totais. Porém, há de se levar em consideraçao a distância percorrida no transporte, pois como foi possível notar, os impactos decorrentes dessa etapa apresentaram uma grande contribuiçao para os impactos totais da incineraçao.

 

CONCLUSAO

Primeiramente, deve-se destacar a importância que deve ser dada ao acompanhamento do fluxo dos reagentes em âmbito instituicional, o que inclui desde a programaçao para compra até a destinaçao final ambientalmente adequada dos resíduos gerados, resultando em açoes continuadas que permitam aprimorar procedimentos atrelados ao gerenciamento.

Com base nos testes de destilaçao realizados em cada linha, foi possível encontrar vantagens e desvantagens com o aumento/diminuiçao da temperatura de aquecimento das mantas, ficando a cargo do operador estabelecer aquela condiçao que mais se encaixe nas suas necessidades, sendo preferível optar pelo uso das duas linhas ligadas ao mesmo tempo (desde que haja volume de resíduo suficiente) para otimizaçao do consumo energético do processo. Considerando-se essa otimizaçao e os custos operacionais envolvidos, foi possível estimar em apenas R$ 5,50 a despesa para a obtençao de 1 kg de acetona recuperada.

A partir da implantaçao da análise por cromatografia gasosa do solvente recuperado, em conjunto com as aferiçoes de densidade e índice de refraçao, constatou-se a eficiência do processo, mesmo nas temperaturas mais elevadas, tornando possível observar a alta qualidade desses produtos, servindo de estímulo quanto à aceitaçao para fins de reaproveitamento interno.

No que diz respeito à comparaçao entre as duas formas de tratamento para os resíduos constituídos de solventes, os resultados obtidos corroboram as vantagens econômicas e ambientais em se destilar esses resíduos ao invés de incinerá-los, devendo-se avaliar, concomitantemente, o interesse em reuso desses solventes por parte dos usuários dos laboratórios e a própria composiçao desses resíduos, evitando-se a indesejável presença de substâncias termicamente instáveis e outras que possam interferir no processo de recuperaçao.

Por fim, permite-se concluir que a recuperaçao de solventes deve ser estimulada em âmbito institucional, o que também é prática corrente em outras Instituiçoes.7,9,23,27,28

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq e à CAPES pelo auxilio financeiro, ao Sr. Joao Geraldo Brancalion do CENA/USP pelo apoio na diagramaçao das figuras e à Dra. Patrícia Busko Di Vitta do IQ/USP pela valiosa discussao e sugestoes por ocasiao do desenvolvimento da pesquisa.

 

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