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Educação


Educação para as relações étnico-raciais na formação de professores de química: sobre a lei 10.639/2003 no ensino superior
Education for ethnic-racial relations in the training of chemistry teachers: about law 10.639/2003 in higher education

Marysson Jonas Rodrigues Camargo; Anna Maria Canavarro Benite*

Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás, 74690-900 Goiânia - GO, Brasil

Recebido em 06/01/2019
Aceito em 06/05/2019
Publicado na web em 26/06/2019

Endereço para correspondência

*e-mail: anitabenite@gmail.com

RESUMO

In this paper, from the experiences of the Collective Ciata, we seek to elucidate theoreticalmethodological aspects that can establish the teaching of Chemistry for education for ethnic-racial relations and the implementation of law 10.639/2003. This research was based on the research-action technique. The recording of the interventions was done followed by transcription and analysis according to the theoretical reference of the analysis of the conversation. Our results show that racism is present in the classroom, therefore, also in Chemistry class. The teacher deals with the real school and must be trained to act in it. It is possible to promote curricular changes in favor of black populations by designing a curriculum that contemplates the ethnic-racial diversity of Brazilian society. Our results showed that it is possible to discuss in a Chemistry class subjects related to the proposals of the mentioned law, as well as, to approach concepts of related chemistry. For this purpose, knowledge was mobilized that were not present in the curriculum of the degree in Chemistry and, therefore, demanded training in service through the group of studies instituted by the Collective Ciata.

Palavras-chave: chemistry; africanities; anti-racism; Ciata; LPEQI.

INTRODUÇAO

O racismo anti-negro é um fenomeno estrutural e histórico que sistematicamente discrimina e inferioriza o segmento negro da populaçao brasileira. A base de tal fenomeno é a categoria raça que mesmo nao tendo validade enquanto categoria biológica, no mundo social é uma construçao que ainda funciona como instrumento de interdiçao do acesso a direitos socialmente estabelecidos. Em oposiçao ao racismo, a lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional (LDBEN) tornando obrigatório a instituiçoes públicas e privadas o ensino de cultura africana e afro-brasileira é um marco na luta antirracista e na conquista de direitos da comunidade negra no Brasil.1 Entretanto, sobre os obstáculos que a referida lei tem enfrentado na sua implementaçao: poucas sao as iniciativas que tem efetivado as mudanças curriculares nas escolas brasileiras. Dada a perspectiva eurocêntrica de formaçao da nossa sociedade, principalmente nas universidades, o que significa haver supervalorizaçao de conhecimentos, história e cultura europeias em detrimento das demais sociedades formadoras da nossa civilizaçao, deve-se tomar os devidos cuidados quando se trabalhar os temas demandados pela lei 10.639/03 para que nao se ensine sobre Africa, por exemplo, um continente tao plural, "à luz de conceitos pré-concebidos e legitimados por um modelo conservador de educaçao (p. 12)".2 É necessário, portanto, atuar na formaçao de docentes que de fato sejam capacitados para implementarem a lei e levantarem debates que abordem a diversidade de conhecimentos que esculpiram a naçao brasileira, contemplando, dessa forma, a diversidade étnico-racial das escolas brasileiras.3

No Ensino Superior a temática está ainda em sua gênese, muitas vezes ocupando um lugar de figuraçao nos projetos pedagógicos de cursos e pouco repercutindo em mudanças curriculares. Em trabalho em que foram analisados cursos das Universidades Federal de Santa Catarina e Federal de Sao Carlos concluiu-se que em muitos casos a simples mençao no Plano de Curso, mesmo que fragmentada, do tema faz concebê-lo como contemplado.3 Isso significa que os temas sao objetivos na formaçao dos profissionais formados nesses cursos, porém nao aparecem nas ementas das disciplinas. Nada obstante, a simples referência a norma dessa temática nos documentos oficiais dos cursos nao atende a obrigatoriedade legal, o que se pretende é uma alteraçao curricular no ensino superior.

Os esforços em levar essa discussao mais especificamente na formaçao inicial e continuada de professores de Ciências/Química também sao tímidos. Os dados de grupos de pesquisas voltadas a implementaçao da lei 10639/03 cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisas no Brasil (DGP) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) constatam que apenas 11 grupos na área de educaçao desenvolvem linhas de pesquisa abarcando os temas da lei em questao.4

Compreendemos o currículo como artefato político - portanto, está relacionado às ideologias, à conformaçao social e aos mecanismos que o constrói, como o racismo, por exemplo, assim como à cultura e à capacidade de sujeitos ou grupos influenciarem assimetricamente outros segmentos - que reúne conteúdos e práticas docentes a serem desenvolvidos na escola.5

O professor e a professora têm a própria cultura e que esta é enriquecida pela sua formaçao inicial servindo como guia da açao mediada.6 Neste sentido as "Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaçao das Relaçoes Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana" do MEC fazem algumas orientaçoes. O documento indica que toda discussao das questoes raciais deve ser incluída na matriz curricular da formaçao de licenciados bem como em cursos de formaçao continuada.

As mudanças ensejadas por todo esse arcabouço legal edificam uma educaçao antirracista que, consequentemente, promovem uma ruptura epistemológica e curricular ao incluir a temática afro-brasileira e africana pública e legitimamente.7 Todo esse aparato legal e suas resultantes - pesquisas, formaçao de professores etc. - que atendem a antigas demandas do Movimento Negro, devem ser considerados como mais uma conquista na descolonizaçao do currículo que decorre de planejamentos de emancipaçao que essencialmente comporta enfrentamentos:

... o conflito ocupa o centro de toda experiência pedagógica emancipatória. Ele serve antes de tudo para tornar vulnerável e desestabilizar os modelos epistemológicos dominantes e para olhar o passado através do sofrimento humano, que, por via deles e da iniciativa humana a eles referida, foi indesculpavelmente causado. Esse olhar produzirá imagens desestabilizadoras, susceptíveis de desenvolver nos estudantes e nos professores a capacidade de espanto e de indignaçao e uma postura de inconformismo, as quais sao necessárias para olhar com empenho os modelos dominados ou emergentes por meio dos quais é possível aprender um novo tipo de relacionamento entre saberes e, portanto, entre pessoas e entre grupos sociais. Poderá emergir daí um relacionamento mais igualitário e mais justo, que nos faça apreender o mundo de forma edificante, emancipatória e multicultural (p.107). 7

Descolonizar currículos refere-se, no presente trabalho, em incluir o legado nao visibilizado de culturas que compoem a formaçao da sociedade e que foram suprimidos pelo eurocentrismo. Kabenguele Munanga, em entrevista, diz que o currículo reflete a história de um país e que em sociedades do Ocidente tem correlaçao com a dominaçao, uma vez que a educaçao é controlada pelo Estado, o qual é orientado por uma elite ideologicamente europeizada.8 Munanga ainda adverte que nao se trata de trocar um centrismo por outro, o movimento dessas militâncias é o da inclusao dos conhecimentos e culturas dos povos oprimidos.8

O legado africano e da diáspora africana deve ser introjetado ao currículo escolar em todas as áreas do conhecimento o que requer, no ensino das ciências da natureza, reconhecer que:

A espécie humana interage e modifica o mundo pelo trabalho. Recorta a realidade mediante um processo reflexivo indispensável a prediçao de fenômenos naturais ou sociais que têm impacto direto sobre a condiçao de sua sobrevivência. Desta forma, os conhecimentos científicos/tecnológicos sao importantes referenciais para julgamento e seleçao de açoes na interaçao com o ecossistema e, portanto, legitimam posiçoes sociais por meio da lógica racional atribuída equivocadamente somente ao europeu (p.137-138). 9

Há variadas possibilidades para essa ampliaçao do foco curricular no ensino de Química, por exemplo, propiciando a superaçao da ideia de que a contribuiçao africana e afro-brasileira à formaçao da sociedade brasileira contemporânea se deu apenas nas manifestaçoes folclóricas, culinárias, samba etc. Resgatar a produçao de saberes técnicos e tecnológicos de matriz africana e da diáspora em Química é combater a insipiência sobre as origens da vida material e deter a desvalorizaçao da herança cultural africana e afrodescendente tao determinante para a formaçao da nossa sociedade.9

Sem embargo, cabe ressaltar que a cultura científica a que os alunos serao apresentados nao deveria hierarquizar cor, etnia, gênero. A ciência e a ideologia se localizam em domínios distintos: a ciência na indagaçao na qual os critérios de cientificidade sao acordados entre os pares historicamente, a ideologia na convicçao que se traduz em açao social e política regidas por interesses de determinados grupos.10 Sendo assim, a ciência é um constructo da humanidade como um todo e nao apenas desenvolvida a partir de uma única matriz.11 Porém, as ciências ou mais especificamente a Química que sao ensinadas a partir de um viés de currículo eurocêntrico, produzem e reproduzem o racismo estrutural historicamente construído impondo sobre africanos e afrodescendentes um estigma de pessoas que nao produziu e/ou produz ciência e tecnologia.

Este trabalho objetiva investigar a seguinte questao: como se pode incluir a temática educaçao para as relaçoes étnico-raciais na formaçao de professores de química? Em busca de um possível caminho investigamos especificamente se a discussao sobre a Educaçao para as Relaçoes Étnico Raciais foi introduzida na formaçao inicial de professores de química por meio de um grupo de estudos, o Coletivo Ciata, do Laboratório de Pesquisas em Educaçao Química e Inclusao (LPEQI) do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás.

 

METODOLOGIA

Esta investigaçao foi desenvolvida segundo a técnica de pesquisa-açao, isso é, uma pesquisa focada na melhoria da atuaçao profissional dos que nela se envolvem. Importa ressaltar que, na pesquisa-açao, os sujeitos da pesquisa sao vistos como profissionais que podem resolver problemas a partir da açao refletida. Na Figura 1 resumimos o caminho metodológico dessa pesquisa que se desenvolveu em ciclos espirais caracterizados por cinco etapas. Neste excerto discutimos dados obtidos em um dos ciclos de pesquisa-açao.

 


Figura 1. As tessituras do percurso metodológico. Caraterísticas de cada ciclo de pesquisa-açao

 

Os critérios da escolha da instituiçao onde realizamos a pesquisa foram: a) ser instituiçao pública; b) disponibilidade para que trabalhássemos juntos nas disciplinas de Ciências e/ou Química; c) ter o currículo aberto às mudanças: d) ser campo de atuaçao no estágio; e) parceira do Movimento Negro.

O ciclo espiral de pesquisa-açao que optamos por apresentar nesta comunicaçao foi desenvolvido por professores em formaçao inicial com alunos do 9° ano. A parceria com essa instituiçao surgiu a partir do contato da coordenadora da escola com um dos integrantes do coletivo e o atendimento, por parte da escola, aos requisitos descritos anteriormente. A mesma relatou problemas com situaçoes de racismo na escola e que a professora de Ciências estaria aberta à nossa colaboraçao nas intervençoes pedagógicas do 9° ano, no qual os alunos sao iniciados no conhecimento químico. As intervençoes pedagógicas que ministramos foram sempre no turno vespertino a cada quinze dias.

A partir da escolha da escola parceira, o desafio que primeiro nos instigou a pesquisar foi pensar em como ensinar história e cultura africana e afro-brasileira no ensino de Química. É um desafio porque a nossa grade curricular por intermédio das disciplinas específicas do curso de licenciatura (vide Quadros 1 e 2 abaixo) nao abria espaço para que pudéssemos ter acesso a referenciais que nos dessem suporte para essa discussao. Logo, tivemos que construir o nosso estado da arte e conhecer referenciais que nao estao nas estantes de livros da área de Ensino de Química e partir para a açao focados em planejar e intervir.

 

 

 

 

Conforme mostra o Quadro 2, as disciplinas como "Estágios de Licenciatura 1, 2, 3 e 4" e "Instrumentaçao para Ensino de Química" nao possuíam incluídos em seus ementários referenciais e discussoes que contemplassem a proposta da lei 10.639/2003. Assim, mediante esse cenário, o Coletivo Ciata, buscando em autores como Henrique Cunha Júnior, Kabengele Munanga, Cheik Anta Diop, Nilma Lino Gomes e outros (as), desenvolveu estratégias de intervençoes pedagógicas para implementaçao da lei 10639/03. O Coletivo Ciata, como um grupo de estudos, poderia ser, portanto, o meio pelo qual inseriríamos a educaçao para as relaçoes étnico-raciais e a implementaçao da lei 10639/2003 como componente curricular na formaçao de professores de Química.

Os sujeitos deste ciclo foram PF1, PF2, PS, A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9, A10, A11, A12, A13, A14, A15 e A16. PF1 e PF2 - professor em formaçao 1 e professora em formaçao 2, respectivamente - eram no ano em questao (2013) alunos do curso de licenciatura em Química da Universidade Federal de Goiás, ambos nao haviam ainda passado pelo Estágio Supervisionado do curso de licenciatura e, portanto, nao tinham experiência em sala de aula, porém ambos eram membros do coletivo Ciata e alunos de iniciaçao científica.

A PS - professora supervisora - já era servidora na escola e professora oficial da turma na disciplina de Ciências do 9º ano (C9). De A1 até A16 representam os alunos e alunas da turma em que atuaram PF1 e PF2. Todas e todos as/os alunos/as eram matriculados regularmente e com idades compatíveis a séria em curso. As intervençoes nesta disciplina foram gravadas por registro fílmico para posterior transcriçao e análise.

Nossos resultados foram analisados por intermédio da técnica de análise da conversaçao. Assim, temos por base que, enquanto ser que fala, o ser humano faz da língua oral uma atividade comunicativa entre dois ou mais interlocutores que desenvolvem turnos de fala sobre variados assuntos.13 A conversaçao é um processo de socializaçao, no qual seres humanos podem mediar entre si conhecimentos, logo pode ser classificado como simétrico quando os falantes ocupam posiçoes iguais ou assimétrico quando pelo menos um dos interlocutores tem maior influência sobre os demais partícipes do diálogo, como é o caso do uso da língua falada, por exemplo, em sala de aula na qual o professor ocupa posiçao de autoridade no assunto.14

 

RESULTADOS E DISCUSSOES

A seguir apresentamos o plano de aula (Quadro 3) da intervençao pedagógica selecionada para caracterizar o primeiro ciclo da pesquisa: uma de nossas primeiras intervençoes na educaçao básica. A IP intitulada "Relaçoes étnico-raciais e transformaçoes químicas: as leis ponderais" - aconteceu em 16 de setembro de 2013 em uma escola da rede pública estadual de tempo integral do estado de Goiás na regiao sudoeste da Grande Goiânia. A intervençao teve duraçao de 50 minutos, da qual foram produzidos 608 turnos de discursos.

A fase inicial de planejamento desse ciclo começou pela reflexao de que a ciência é um empreendimento social e historicamente construído, o que implica dizer que a ciência é resultado da colaboraçao entre vários povos do planeta ao longo da história da humanidade. Reiteramos que "a ciência moderna, portanto, nao surgiu de um dia para o outro, nem a partir de uma única proposta (pag. 79) ".11 Essa visao nao hegemônica está materializada no plano acima (Quadro 3) quando, a partir da divisao da intervençao pedagógica em cinco momentos, planejamos discutir sobre o legado africano e a lei ponderal de conservaçao de massas a qual ficou notoriamente conhecida como uma contribuiçao do cientista químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743 - 1794).

Nao concordamos que a Química foi fundada por Lavoisier com o livro Traitté elementaire de chemie (1789) - quando no mesmo ele enuncia a Lei de Conservaçao das Massas sendo considerado por muitos o "pai da Química Moderna" - ou mesmo que esse fundador tenha sido o inglês Robert Boyle (1627 - 1621) com seu sistemático estudo dos gases ideais.15 Técnicas e ferramentas, portanto, conhecimentos criados e utilizados por nossos ancestrais também provocaram grandes transformaçoes:

O trabalho foi o passo decisivo para a transformaçao de nossos ancestrais, e a descoberta de ferramentas foi um momento-chave nessa transformaçao. Logo se descobriu como operar melhorias nas ferramentas primitivas. Novos materiais foram descobertos: chifres, dentes, conchas, fibras vegetais, couro e cascas converteram-se em martelos, peneiras, arcos, agulhas, raspadores, trituradores. Começava a construçao do arsenal tecnológico, e com esse início surgiu o fabrico de cordas e redes de fibras e um interminável aperfeiçoamento de novas tecnologias até os dias atuais (p. 20). 15

O Quadro 3 mostra que o primeiro e segundo momentos foram planejados para viabilizar o ensino de uma ciência que incorpore em seu repertório de conteúdos nao somente as culturas produzidas em um espaço-tempo singular, mas que abarque experiências com a natureza de todos os povos e, principalmente, em se tratando do Brasil, as matrizes étnicas formadoras da sociedade brasileira. Portanto, conforme representamos na Figura 2, a açao mediada foi planejada de modo que a prática docente abordasse os três aspectos do conhecimento químico: o fenomenológico, o teórico e o representacional.

 


Figura 2. A IP planejada conforme os três níveis do conhecimento químico

 

A seguir passamos a analisar e discutir o Extrato 1 dessa intervençao pedagógica intitulado "Discutindo Racismo e o Legado Africano na Aula de Química" de C9:

Extrato 1/C9: Discutindo Racismo e o Legado Africano na Aula de Química
165. PF1: Gente, fenótipo é aquilo que a gente consegue visualizar da sua genética, entendeu?! Você visualmente é negra.... Fenotípica se refere a ter certa altura, ter o olho de uma determinada cor, isso é o nosso fenótipo, entenderam?
166. Alunos: Sim.
167. PF1: É o que está na nossa aparência, como a professora falou ali, o que é visual - percebido socialmente - em nós, se eu inferiorizo ou superiorizo alguém por isso eu estou sendo racista.
168. A2: Racista.
169. PF1: Injusto, o racismo é injusto né, e o racismo também é crime, existe a lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que completou 25 anos esse ano, que criminaliza atos de racismo. O que seria isso? Você nao deixar alguém entrar nessa sala aqui porque ela é negra, você falar mal de alguém, diminuir alguém porque ela é negra, isso é o racismo.
170. A16: Discriminar ele por causa da cor dele, falar: sai daqui, porque você é preto!
183. PF1: Os negros que foram tirados da sua terra, da sua naçao, e foram levados, foram traficados, na verdade né, para outros países. A diáspora significa dispersao de um povo, eles pegaram os africanos, os brancos, e europeu, os traficantes
de negros, entao eles pegavam eles daqui de um certo país da Africa. (PF1 apresenta neste momento o Mapa da Diáspora).

185. PF1: Entao, daqui eles eram levados para as Américas, para Europa, entenderam? E esse povo, será que eles nao tinham nada de conhecimento ou tinham?
186. A6: Tinham.
187. PF1: Eles tinham uma história na naçao deles, eles tinham conhecimentos, todas suas produçoes culturais, e também tinham sua forma de produzir.
188. A6: comidas, roupas...
189. PF1: Para viverem, ali onde eles viviam. Entao aos africanos, é atribuída aos africanos, sabe uma transformaçao superimportante. Sabem qual é? Sabe qual foi aliás? A descoberta do fogo. Vocês pensam que, gente isso revolucionou demais a história da humanidade nao foi?!
190. A7: Igual naquele filme que chama "A guerra do fogo"!
191. PF1: O quê que a gente pode fazer com o fogo? A gente pode cozinhar.
192. A7: Se aquecer.
193. A1: Se queimar.
194. PF1: Aquecer, se queimar também, tenho certeza que um dos primeiros a descobrir o fogo colocou o dedo lá para ver né, porque era uma coisa diferente, entao é atribuída aos africanos a descoberta do fogo, que era usado para transformar o quê? Para transformar a matéria né? O quê que é matéria?
195. A7: O alimento! Alimento é matéria!
197. PF1: Matéria é tudo o que nos cerca, o que modificamos produzindo a cultura ...
198. Alunos: tudo!
199. PF1: Entao, com o fogo eles puderam transformar a matéria. Como eu transformo a matéria? Cozinhando, né, reagindo uma coisa com uma outra coisa para obter o produto que eu quero né, os africanos também desenvolveram a mais antiga técnica de forja do ferro.
201. PF1: Vocês acham que se encontra ferro desse jeito da natureza (apontando para um objeto de ferro)?
202. Alunos: Nao!
203. PF1: Na natureza temos os minérios, estes sao constituídos de uma substância chamada óxido de ferro que deve ser transformada.
204. A7: Podemos levar ao fogo.
205. PF1: Levava onde? Leva ao fogo né, tinha um forno que eles transformavam o minério em ferro metálico? E isso é o quê? Uma transformaçao, nao é?
207. ... PF1: Bom, e a técnica de forja do ferro mais antiga que, que se tem conhecimento, que é africana, ela foi utilizada no Brasil até na metade do século XIX, entao, é uma técnica africana que é um elemento da...?!
208. Alunos: Diáspora.
209. PF1: Da diáspora africana, nossos ancestrais vieram para cá só para trabalhar e obedecer a ordens? Nao né. ... . Entao agora nós vamos passar para uma próxima parte da aula que é com a PF2.
211. PF1: Ela vai fazer um experimento com vocês sobre transformaçoes da matéria.

O Extrato 1 começa com PF1 fazendo referência ao racismo, tentando dar exemplos de como ele se materializa na sociedade nos turnos 165 e 167. No turno 169, PF1 argumenta por meio da intertextualidade e o discurso de autoridade quando se refere ao texto da lei 7.716 de 1989 objetivando, dessa forma, o entendimento dos alunos de que racismo é crime e como tal deve ser denunciado e nao praticado.

PF1 é intertextual, pois cita o texto da lei 7.716/1989, reafirmando-o. Ao mesmo tempo, ao enunciar tal referência, ou seja, um texto com força de lei, PF1 faz o uso do discurso de autoridade, talvez na tentativa de inibir seus alunos à prática do racismo. No turno 170, A16 na produçao da contrapalavra parece compreender ao dar o exemplo de uma situaçao que ele considera racista: "Discriminar ele por causa da cor dele, falar: sai daqui, porque você é preto!".

A partir dos turnos 183 e 185, PF1 começa a discutir sobre o conceito de diáspora africana com o auxílio do Mapa da Diáspora presente no kit "A cor da cultura III". Nos turnos 187 e 189 o professor ainda discute que os povos africanos ao serem transportados de sua terra originária para outras naçoes, como o Brasil, impactaram estes novos espaços com a sua cultura, PF1 reafirma esta posiçao no turno 209 quando questiona se os africanos trouxeram para a América Portuguesa apenas sua força de trabalho e de pronto responde, negativamente, à própria questao.

Africanos e seus descendentes foram resistentes em compartilhar com seus algozes europeus conhecimentos e tecnologias que poderiam enriquecê-los ainda mais, sendo, portanto, necessários mais estudos sistematizadores da contribuiçao africana no Brasil. Contudo, podemos citar tecnologias africanas legadas por intermédio da diáspora africana que trouxe para o Brasil mao-de-obra qualificada para determinadas atividades econômicas.16

A bateia, instrumento utilizado em técnica de mineraçao africana, amplamente utilizado em um dos ciclos de desenvolvimento no Brasil Colônia - o Ciclo do Ouro - figura um dos mais representativos objetos nao religiosos originários no continente africano e introduzido no Brasil e, podemos tomá-lo como exemplo de elemento da cultura africana que impactou a vida social na sociedade brasileira a partir do século XVII.17

Escravizados oriundos da Costa da Mina (conhecidos como os "Mina") - regiao que atualmente corresponde aos territórios dos países africanos Gana, Togo, Benin e Nigéria - eram associados a uma capacidade inigualável em descobrir o ouro.

A entrada maciça dos Mina na regiao fomentou, entao, essa crença. Mas guardou, também, outros significados. Esses homens e mulheres africanos, embarcados na Costa da Mina com destino ao Brasil, eram tradicionais conhecedores de técnicas de mineraçao do ouro e do ferro, além de dominarem antigas técnicas de fundiçao desses metais. Eles conheciam muito mais sobre a matéria que os portugueses, antigosparceiros comerciais dos reinos negros da Africa, vorazes consumidores do ouro desse continente e senhores de enorme extensao territorial no Novo Mundo. Ao que parece, o poder quase mágico dos Mina para acharem ouro e a sorte na mineraçao associada a uma concubina Mina eram, na verdade, aspectos alegóricos de um conhecimento técnico apurado, construído durante centenas de anos, desde muito antes de qualquer contato com os reinos europeus da era moderna. A opçao dos traficantes luso-brasileiros por escravos da Mina, principalmente durante a segunda metade do século XVII e a primeira do século XVIII, fundou-se nesse know-how mineratório e metalúrgico dos negros. Tratou-se, pois, de equipar a regiao mineradora da Colônia com mao-de-obra especializada. Ao contrário, entao, do que se tem pensado em geral, o tráfico atlântico de escravos obedeceu, ainda que parcialmente, a parâmetros originados de demandas específicas, como, por exemplo, as surgidas entre os mineradores coloniais (p. 187,188).17

A partir do turno 183, PF1 começa a exemplificar contribuiçoes africanas que impactaram culturalmente as sociedades: o fogo e o beneficiamento de minério de ferro. Defendemos que a química enquanto ciência que descreve, analisa e discorre sobre a matéria e suas transformaçoes produzindo conhecimentos, técnicas e tecnologias que reverberam na vida social deve combater, quando ensinada na escola, a insipiência da sociedade quanto à sua própria história e a participaçao dos vários povos em sua construçao, inclusive o povo africano e a diáspora.18

Sobre a descoberta do fogo no continente africano citada por PF1 no turno 189, a mesma ocorreu no Quênia há mais de um milhao e quatrocentos mil anos atrás onde o nosso ancestral Homo erectus aprendeu a controlar o fogo - reaçao de combustao - é de lá a evidência mais antiga desse fato, pois, segundo os arqueólogos, esse ancestral sepultava seus mortos utilizando-se de argila vermelha que para ficar enrijecida tal como foi encontrada, neste sítio arqueológico, era necessário um aquecimento de no mínimo 400 °C.19

Fica a seguinte indagaçao: por que temas como esses nao sao apresentados nos currículos escolares? Todo legado que nao atende ao etnocentrismo europeu tende a ser colocado à margem da história e invisibilizado. Ou seja, o currículo reduz a totalidade de experiências e conhecimentos de todos a quem deveria representar à particularidade de um determinado grupo com vistas a supremacia do mesmo.20

Nos turnos 199, 201, 203 e 205, PF1 discorre sobre a técnica de forjaria do ferro africana como sendo a mais antiga técnica e que essa foi importada para o Brasil através da diáspora africana. No turno 207 PF1 afirma que essa técnica foi utilizada no Brasil até meados do século XX. No que diz respeito à anterioridade dos africanos na invençao da forja do ferro, citamos:

O uso do ferro em fundiçao e forjaria, aparece na Africa Ocidental em 1200 a. C., tornando-se um dos primeiros lugares para o nascimento da Idade do Ferro. Antes do século 19, métodos africanos de extraçao de ferro foram empregados no Brasil, até que métodos europeus mais avançados fossem instituídos (p. 36). 19

O ferro é o vigésimo sexto elemento da tabela periódica, ou seja, tem número atômico igual a 26 prótons. A massa molar do elemento ferro é de aproximadamente 55, 845 g/mol considerando que o mesmo possui quatro isótopos em diferentes abundâncias. Dentre as suas propriedades físicas citamos as temperaturas de fusao e ebuliçao, que sao 1535 °C e 2862 °C, respectivamente.21

O ferro ocorre na natureza constituindo minérios como, por exemplo, a hematita (Fe2O3), a magnetita (Fe3O4), a pirita (FeS2), entre outros. A obtençao do ferro no estado de oxidaçao zero pode ocorrer, endotermicamente, por reduçao direta ou indireta. No estado metálico, o ferro está presente puro ou em proporçoes diversas em uma variedade infinda de materiais. O ferro é o principal constituinte do aço, que, por sua vez, é uma liga metálica ou uma soluçao de ferro com até 2,00% de carbono além de percentagens bem menores de elementos remanescentes do processo de fabricaçao do aço que é um material utilizado da construçao civil ao uso doméstico.21,22

A transformaçao do minério em utensílios indica o uso de operaçoes unitárias nas quais o material passa por transformaçoes físicas e químicas até chegar ao ferro no estado de oxidaçao zero. O objetivo dos estudos arqueológicos é desvelar e sistematizar esses processos e como foram utilizados nos passados mais remotos. Assim, no contexto da Africa Ocidental, há mais de cinco milênios o ser humano passou a deliberadamente fabricar utensílios de ferro a partir do beneficiamento de minérios correlatos:

A primeira fase na arte da fabricaçao de metais envolve a separaçao do metal no minério dos outros elementos com os quais é combinado. Entre os mais importantes destacamos o oxigênio. O oxigênio deve ser eliminado com a ajuda de outro composto químico (como o carbono no carvao vegetal). Portanto o metal é obtido por meio de uma reduçao sucessiva desses óxidos. Os outros elementos contidos no minério (ganga) sao expulsos em graus variados na forma de escória (p. 65, traduçao nossa). 23

Efetivamente, o processo começava ainda na prospecçao e garimpo de matéria-prima, ou seja, nos critérios de escolha do minério a ser beneficiado e nas estratégias de obtençao do mesmo. A maior parte do minério de ferro era obtida em minas superficiais, mas existem alguns casos de minas com mais de dez metros de profundidade.23 Em seguida, o minério era preparado para ser colocado no forno o que poderia envolver procedimentos, tais como, lavagem, trituraçao, esmerilhaçao, separaçao, calcinaçao, etc. Posteriormente, o minério era disposto no forno que fora construído, especificamente, para esse fim.23

O forno era obtido a partir do uso de material cerâmico refratário no qual eram misturadas porçoes variáveis de carvao vegetal e minério de ferro que, na presença de oxigênio atmosférico, eram queimados chegando a temperaturas altas, mas menores que a temperatura de fusao do ferro. O produto final desse processo era uma esponja de ferro metálico e aço com outras impurezas. Nas imagens da Figura 3 podemos observar modelos de forno, escórias e as esponjas de ferro com as impurezas produzidas.23

 


Figura 3. (1) Pequeno forno contemporâneo em Burkina Fasso (2) Reconstituiçao experimental étnico-arqueológica de um forno pequeno; (4) Escória densa expelida de um forno; (5) Escória - sítio arqueológico de Danawel no Senegal - 1995 (7) Esponja de ferro reduzido com impurezas contemporânea. Missao étnico-arqueológica, sítio de Toungaré (Burkina Faso); (8) Reconstituiçao étnico-arqueológica.23

 

Nos modelos de forno representados acima, a reduçao dos óxidos acontece via reaçao de reduçao direta, que pode ser representada pela equaçao 1, na qual o óxido de ferro, representado pela hematita, é reduzido a Fe metálico. Assim o carbono, presente no carvao, queima produzindo dióxido de carbono e calor (Equaçao 2), porém, é necessário o calor produzido na combustao e o carbono em excesso para ocorrer a reduçao direta da hematita:

A escória produzida nessas operaçoes era composta, principalmente, por óxidos de ferro e silicatos. Porém, o ferro reduzido nao será o único elemento nos produtos, pois estarao presentes impurezas e nem todo o carbono será oxidado a gás carbônico, preenchendo interstícios da rede cristalina do ferro reduzido. A soluçao ferro e carbono em diferentes proporçoes é o que denominamos de aço. O material de ferro/aço produzido nesse processo, portanto, tem alto grau de impureza e precisa passar ainda por refinamento.23

O refinamento consiste em remover o excesso de impurezas, fazendo uso de martelagem com ou sem aquecimento. A moldagem é a etapa final, na qual, o ferro/aço produzido ganha utilidade. Os lingotes de ferro eram moldados principalmente em facas, enxadas e ferramentas para manipular a madeira e voltadas à agricultura.22,23

Os conhecimentos acerca da natureza e suas transformaçoes sempre estiveram relacionados à organizaçao social e cultural da humanidade e em Africa nao foi diferente. Ao se espalhar pelo continente as técnicas de forjaria do ferro era associada a organizaçoes políticas e a religiosidade africanas, destarte, nao tinha apenas valor econômico e utilitário aos autóctones africanos.

Até o século 16 d.C, o desenvolvimento técnico e tecnológico africano foi superior ao europeu.24 Os povos africanos traficados para o Brasil, originários da Africa Ocidental e Central, para forma de trabalho do escravismo criminoso trouxeram um vasto acervo de conhecimentos tangentes à matéria e às suas transformaçoes.25

As imigraçoes forçadas de africanos para o trabalho compulsório, no escravismo criminoso, foram realizadas durante um período de mais de 300 anos, tendo variado de regioes, segundo as épocas, e também variados os ciclos de produçao no Brasil. Estas variaçoes fizeram com que o Brasil tenha recebido uma imensa diversidade de conhecimentos contidos na mao de obra africana de diferentes condiçoes geográficas. Todos os ciclos de produçao do Brasil eram de domínio de conhecimento de diversas regioes africanas (p. 17). 25

A tecnologia africana de metalurgia do ferro chegou ao Brasil importada do Reino do Congo e depois passaram a ser desenvolvidas em território nacional por africanos e afrodescendentes.24,25 Campos acresce que o traslado de conhecimentos de fabrico do ferro tem relaçao com a tecnologia do cadinho, que é um recipiente cilíndrico de argila refratário adequado para sínteses químicas a altas temperaturas.26

Por esses e outros exemplos concordamos que:

... se fizermos recuar a história às origens do conhecimento químico, vamos encontrar em tempos imemoriais, nas mais diferentes civilizaçoes, um grande número de tecnologias químicas, como as relacionadas com a alimentaçao (cocçao, conservaçao com sal, produçao de vinagre, vinho e cerveja); com a extraçao, produçao e tratamento de metais; com aproduçao de esmalte e corantes; com o fabrico de utensílios de cerâmica, vidro, porcelana e metal; com a produçao de pomadas, óleos aromáticos e venenos; com técnicas de mumificaçao; com a produçao de materiais de construçao como argamassa, tijolos, ladrilhos etc. (p. 21). 15

Desse modo, compreendemos que somos um país forjado pela contribuiçao histórica e cultural de diferentes matrizes étnicas e essa visao deve ser consumada no currículo em açao deslocando-o epistemologicamente para abordar, entre outras, as experiências legadas pelas populaçoes negras. Ou seja, professores de química ao concretizarem o currículo na sala de aula devem valorizar e representar adequadamente a pluralidade de matrizes formadoras de nossa sociedade e nao somente a matriz europeia.

Reduzir africanos e afrodescendentes a peças produtivas dos modos de produçao é desumanizar a história e menosprezar as experiências e o legado deste segmento para humanidade. É preciso desconstruir a ideia de "escravo" historicamente elaborada no Brasil, na qual eles sao vistos como selvagens, ignorantes, sem cultura e incapazes de produzir conhecimentos.24,25 Nossos ancestrais negros produziram conhecimentos e tecnologias que nao deveriam ser suprimidos por ideologias racistas que ainda persistem no imaginário social.

Vamos agora à análise do Extrato 2/C9 denominado "Balança Egípcia: sobre Experimentaçao e Racismo? ":

Extrato 2/C9: Balança Egípcia: sobre Experimentaçao e Racismo?
267. PF1: O que vocês acham que vai acontecer?
268. Alunos: Vai pegar fogo.
269. PF1: Vai pegar fogo.
270. A7: E depois vai virar só o pó.
271. PF1: O que vocês acham que vai ficar mais pesado depois que pegar fogo?
272. A4: O que pegou fogo.
273. PF2: Por que?
274. A5: Por causa do, do aaah...
275. PF2: Vamos ver, vamos fazer.
277. PF2: Calma gente, vamos lá, vamos fazer.
278. PF1: Vamos por fogo, vocês querem nesse ou nesse?
279. Alunos: Nesse.
289. A4: Tá fedendo o cabelo da A7 queimado professor.
290. A7: Tá fedendo seu cabelo naquele dia que eu fui lá na sua casa.
293. PF2: Poe fogo.
294. A1: Poe fogo nesse daqui.
297. PF1: Mas aqui já dá para a gente falar de transformaçao.
298. A?: Nao dá nao, tá igualzinho.
299. A7: Tá nao, ele tá mais escuro.
300. A2: Tá mais escuro.
301. PF1: Tá mais escuro.
304. PF2: Vamos continuar botando fogo.
312. PF2: Vamos equilibrar essa balança.
313. PF1: Oh, vamos ver o que vai acontecer, vou por nesse agora.
317. A13: Assopra.
318. PF1: Nao assopra.
319. A7: Acho que o cabelo da AX é melhor.
320. PF1: Vocês estao observando o que está acontecendo aqui, além de ficar escuro.
321. A2: A cor tá diferente.
322. PF2: Ok.
323. A13: Parece que tá se comprimindo.
324. PF2: Huuum.
325. A6: O tamanho tá diminuindo.
326. PF2: Legal.
334. A4: Palha de aço, eu acho que se fosse o cabelo da AX já tinha pegado fogo.
335. A6: Se fosse o cabelo da AX ia fazer vrrrrum.
341. A2: isso é preconceito com o cabelo.

No Extrato 2 os alunos A4, A6 e A7 nos turnos 289, 319, 334 e 335 em meio a realizaçao do experimento - em que se utiliza de uma balança de pratos para comparar os pesos antes e depois de uma transformaçao química, quando utilizamos a esponja de aço e a queimamos para evidenciar o consumo de oxigênio do ar atmosférico e o consequente aumento de massa da esponja que queimava (Equaçao 3) - fazem referência, de forma pejorativa, ao cabelo crespo de uma colega e os professores nao se atentam à situaçao. Como mostra o Extrato 2 há uma ausência de turnos de fala dos professores em relaçao a essa situaçao.

Situaçoes semelhantes a essas sao comuns na trajetória escolar de jovens negros e negras na escola onde ocorrem

(...) as primeiras experiências públicas de rejeiçao do corpo vividas na infância e adolescência. A escola representa uma abertura para a vida social mais ampla, em que o contato é muito diferente daquele estabelecido na família, na vizinhança e no círculo de amigos mais íntimos. Uma coisa é nascer criança negra, ter cabelo crespo e viver dentro da comunidade negra; outra coisa é ser criança negra, ter cabelo crespo e estar entre brancos (p.45).27

A pseudociência raciológica e o modo de produçao mercantilista/capitalista emergentes nos tempos de colonizaçao europeia no Novo Mundo inferiorizaram e escravizaram o corpo negro, sempre considerando seus sinais diacríticos (cor da pele, cabelo crespo, o nariz), criando-se assim, um padrao de beleza baseado no fenótipo do europeu caucasiano. Esse padrao está presente em nossos dias perseguindo a comunidade negra quando essa ocupa espaços mais amplos da vida social como a escola, por exemplo.27

Ainda sobre esse episódio no Extrato 2, o silêncio dos professores pode ter dois motivos. O primeiro é que eles nao observaram a situaçao por estarem atentos ao experimento que nao estava dando certo. Os pratos da balança deveriam desequilibrar-se ao passo que a reaçao acontecesse evidenciando a oxidaçao do ferro presente na esponja de aço. O prato em que a reaçao foi executada deveria aumentar a massa e isso nao foi observado. Os professores poderiam estar pensando numa estratégia de contornar esse problema.

O segundo motivo é a própria inexperiência de PF1 e PF2 em discutir as relaçoes étnico-raciais na aula de química. Sobre isso concordamos que:

O entendimento conceptual sobre o que é racismo, discriminaçao racial e preconceito, poderia ajudar os (as) educadores (as) a compreenderem a especificidade do racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma prática racista e quando esta acontece no interior da escola. Essa é uma discussao que deveria fazer parte do processo de formaçao dos professores (p. 148). 27

O racismo contra a populaçao negra é um fenômeno estrutural de opressao e hierarquizaçao fundamentado pela construçao social da categoria raça que atinge este segmento em todos os níveis da vida social, a saber, o nível pessoal, o interpessoal e o institucional. Portanto, o racismo anti-negro nem sempre se apresentará de forma explícita, mas também em situaçoes sutis que demandarao formaçao profissional e pedagógica dos professores e professoras de Química para que se somem aos esforços na luta antirracista.28 É preciso que os cursos de formaçao inicial e de formaçao continuada contemplem, obrigatoriamente, a educaçao para as relaçoes étnico raciais. Contudo, acreditamos que esse preparo deve ser concomitante a açoes objetivas e reais no ambiente escolar que prestigiem a história e cultura negra construindo uma visao positiva da comunidade negra, porque aprender esses conceitos com a prática é que possibilita uma reconfiguraçao de valores, primeiramente, em nós professores.27

Mais do que o conhecer a lei 10.639/2003 e as diretrizes para ERER, os valores aprendidos devem estar aplicados a nossa atuaçao como profissionais na sala de aula. É comum que nessas fases iniciais de uma formaçao haja confusao e mistério, porém, "em questao de poucos anos ou mesmo meses, alguns estudantes começam a produzir em quantidade significativa daquilo que eles e seus instrutores consideram como sendo um design competente... (p. 127)". 29

O Extrato 2 apresenta ainda a execuçao de um experimento com uma balança de pratos (Figura 4) que envolve aspectos introdutórios ao ensino do conceito de reaçao química, "na qual uma ou mais substâncias (os reagentes) sao transformadas em uma ou mais substâncias diferentes (os produtos) (p.15, grifos nossos)". 30 Ou seja, uma reaçao química é um processo no qual os átomos dos elementos constituintes dos reagentes sao rearranjados espacialmente formando desse modo uma nova configuraçao de átomos formando o que chamamos de produtos. A reaçao que foi executada no experimento desenvolvido no Extrato 2 é representada pela Equaçao 3 abaixo na qual o ferro zero presente na esponja de aço consome oxigênio atmosférico produzindo óxido de ferro III:

 


Figura 4. Experimento com a balança. A balança está mais inclinada à direita devido à oxidaçao da esponja de aço queimada

 

Os alunos reconheceriam a reaçao acima pelas evidências que caracterizam uma transformaçao química. As evidências observadas foram a mudança de cor apontadas no turno 299 por A7, turno 300 por A2 e turno 301 por PF1; a liberaçao de luz e calor mediante a queima da esponja de aço indicada na observaçao dos alunos no turno 268. O objetivo do experimento era mostrar que além da mudança de cor a oxidaçao do ferro provocada pela queima da palha de aço seria notado um aumento de massa como evidência da reaçao representada pela equaçao química (Equaçao 3) e Figura 4.

Dessa forma, PF1 e PF2 discutiram que a diferença de massa que deveria ser observada entre os dois pratos da balança era provocada pelo acréscimo de oxigênio em parte da esponja que foi oxidada na reaçao. No entanto, durante a execuçao deste experimento com a esponja de aço fomos surpreendidos por nao haver efeito visível da mudança de massa que deveria provocar um desequilíbrio entre os pratos da balança. A PF2 sugere que continuem colocando fogo (turno 304) e PF1 sugere que equilibrem a balança.

Visto que o que se queria observar nao foi possível, naquele momento, nossa estratégia foi a de trocar as porçoes de esponjas por duas bolas de papel que eram mais uniformes e, em apenas uma delas, colocou-se fogo havendo outra transformaçao como segue a discussao no Extrato 3/C9 chamado "Conservaçao de Massas e o Conceito de Reaçao Química":

Extrato 3/C9: Conservaçao de Massas e o Conceito de Reaçao Química
364. PF1: ... E com o papel o que vocês acham que vai acontecer?
365. A?: Eu acho que vai ficar pesado.
366. A7: Eu acho que vai ficar leve.
367. A4: Nao acredito! (Alunos observando o fenômeno da queima do papel na balança).
368. A?: Que legal
369. A6: Uai professor, o papel virou essa fumaça.
370. PF2: Tá, vocês que estao aí do lado nao devem ter visto muito bem, mas quando esse daqui queimou, o que a balança que estava equilibrada fez? Ela fez isso aqui, bem pouquinho, mas fez isso aqui, quê que significa? (Mostrando o desequilíbrio entre os pratos).
372. PF2: O que isso significa? Qual lado é mais pesado? Esse daqui ele está mais para baixo né, nao deixe os queimados ... certo. O que aconteceu? Isso aqui era meu estado inicial e esse aqui é meu estado final.
373. Alunos: Final. 90
374. PF2: Final, muito bem, alguma coisa daqui para cá mudou?
375. Alunos: Sim
376. PF2: Tem a transformaçao, aqui ocorreu uma transformaçao aí, o quê que mais que mudou? Isso aqui continua sendo o papel?
377. Alunos: Nao.
378. PF2: Nao! Mudou a identidade do papel, o que eu tenho aqui, cinzas, exatamente, nao é bem a identidade do material que eu tenho aqui, daqui para cá, além de ocorrer uma transformaçao ocorreu também uma?! Alguém falou, eu escutei, ocorreu uma?! eu escutei, ocorreu uma?!
379. A4: Uma diferença de massa.
380. A6: Reaçao.
381. PF2: Reaçao.
385. PF2: .... Vocês entenderam o que aconteceu aqui? Vocês entenderam?
386. A6: Entendi
388. A6: Sim, professora.
389. PF2: ... olha só, o quê que aconteceu do estado inicial para o estado final?
390. A6: Transformaçao.
391. PF2: Transformaçao, isso, mudou a identidade do meu material e entao também aconteceu uma transformaçao química, muito bem, mas porque que a massa mudou? Porque eu pus essa balancinha aqui justamente para a gente comparar as massas, as massas estavam iguais, a massa desse lado com esse lado estava igual, nao estava? Depois que botou fogo no papel o que aconteceu com essas massas?
392. A7: O que tinha colocado fogo.
393. PF2: O que tinha pegado fogo. Mas espere aí, por que se é tudo papel? O quê que aconteceu?
394. A1: Porque ocorreu oxidaçao.
395. PF2: Ha? Pode falar.
396. A7: Por causa da reaçao química.
399. A13: Carbono mais oxigênio.
400. PF2: Isso, no papel a gente tem o quê? Carbono, aqui eu só representei o carbono, no papel a gente tem carbono, quando esse papel pega fogo ele reage com o?!
401. Alunos: Oxigênio.
408. PF2: Isso, entao a gente tem fogo enquanto tem oxigênio, porque? Porque está acontecendo uma reaçao com esse oxigênio, acabou papel, acabou o fogo. Tá bom, mas porque a massa de um ficou menor do que a massa do outro? Se no início eram todos com a massa igual?
409. A7: Porque um vai oxidar.
410. PF2: O que aconteceu aqui, o carbono quando reage com o oxigênio ele forma quem?
411. Alunos: CO2
412. PF2: O gás carbônico, como o nome CO2, que é um gás, nao é?! E o que acontece com o gás quando ele é formado?
413. A? Evapora.
414. PF2: Nao, ele é liberado.
415. A6: Aquela fumaça era o...
416. PF1: O CO2. 91
417. PF2: O CO2 sendo liberado, sendo formado?
418. Alunos: O gás.
419. PF2: O gás, muito bom. Isso daqui é a representaçao da reaçao química (ei). Isso daqui é representaçao da reaçao química que aconteceu, porque que a massa de um, é, diminuiu? Porque ela sofreu combustao, essa reaçao com o oxigênio aqui a gente chama de combustao.

Ao substituirmos a esponja de aço pelo papel, açao materializada no Extrato 3 de C9 acima, para contornarmos o inesperado problema que tivemos com a balança no uso da esponja de aço observamos a reflexao-na-açao de PF1 e PF2. Reflexao-na-açao que é:

...um presente-da-açao, um período de tempo variável com o contexto, durante o qual ainda se pode interferir na situaçao em desenvolvimento, nosso pensar serve para dar nova forma ao que estamos fazendo, enquanto ainda o fazemos. Eu diria, em casos como este, que refletimos-na-açao (p. 32). 29

Assim, no diálogo acima - turnos 364 a 419 -PF2 discute uma das leis importante para a compreensao do conceito de reaçao química: a Lei de Conservaçao de Massas: as transformaçoes químicas refletem um rearranjo de átomos, logo, em um sistema fechado a massa antes e depois da reaçao química permanece constante.31

PF2 discutiu sobre a reaçao química de combustao da celulose a partir do fenômeno observado no experimento com a balança de pratos. Nos turnos 370 e 372 PF2 descreve o experimento: o lado em que o papel foi queimado perdeu massa como apontado na contrapalvra de A6 no turno 369: "o papel virou fumaça". Segundo o discurso de PF2 no turno 372, o desequilíbrio observado entre os pratos da balança reflete o estado inicial e o estado final da reaçao química.

A reaçao descrita por estes turnos foi a reaçao de combustao. A combustao é uma transformaçao química na qual um combustível é oxidado por um comburente. Dessa forma, podemos considerar combustíveis os materiais ou substâncias cuja energia liberada na oxidaçao possa ser aproveitada.32 A oxidaçao do carbono da celulose acontece por intermédio da combinaçao do mesmo com o oxigênio presente na atmosfera. No turno 400, PF2 questiona aos alunos com qual substância o carbono da celulose reagiu e, no turno 401, os alunos identificam a participaçao do O2, quando em coro exclamam: "Oxigênio! ".

No turno 408 e 410, PF2 questiona a causa do desequilíbrio entre os pratos da balança. A combustao incompleta da celulose produziu o carbono grafite (cinzas), dióxido de carbono e água gasosa (fumaça). O desprendimento dos gases produzidos e da água gasosa levam ao desequilíbrio dos pratos. Os alunos dao um retorno positivo às questoes levantadas por PF2 quando nos turnos 409 e 411 se referem a causa do desequilíbrio como a oxidaçao e formaçao de CO2.

O conceito de reaçao química é de difícil aprendizagem, pois discorre sobre fenômenos muito distintos, por exemplo: a combustao da celulose, a oxidaçao da esponja de aço, a saponificaçao, a neutralizaçao de um ácido por uma base, a fotossíntese etc.31 Além disso, al-guns alunos enfrentam obstáculos ao entendimento da diferença entre transformaçao química e mudança de estado físico, fato confirmado no turno 413 quando A? (Aluno nao identificado) se refere a formaçao de dióxido de carbono como evaporaçao (mudança de estado).

Porém, PF2 corrige A? no turno subsequente (turno 414) aplicando a linguagem química de forma correta: "Nao, ele é liberado.". Rosa e Schnetzler enumeram também dificuldades correlatas à aprendizagem do conceito de reaçao química elencando possíveis concepçoes alternativas.32 Por exemplo, alguns alunos empregam no nível microscópico o que observam no nível macroscópico do fenômeno impedindo que construam explicaçoes para os fenômenos coerentes às formas científicas. Essas dificuldades relacionadas a compreensao de que as mudanças químicas sao consequências de rearranjos atômicos influenciam na correta apropriaçao da Lei de Conservaçao de Massas.33

Convém registrar também que no turno 400 PF2 refere-se à reaçao química realizada no experimento como sendo a reaçao do carbono (C) da celulose (C6H10O5) com o oxigênio (O2) simplificando, em termos de linguagem e representaçao químicas corretas, a transformaçao química que realmente ocorreu. As evidências observadas na realizaçao do experimento - formaçao de cinzas preta e liberaçao de gás (fumaça) - deveriam propiciar a discussao da combustao incompleta da celulose conforme Equaçoes 4, 5 e 6 a seguir:

Tendo por base o referencial histórico-social de ensino aprendizagem, podemos inferir que, nesse momento mediado pelo professor, o uso adequado da linguagem química propicia ao discente internalizar essa nova cultura, a qual está sendo apresentado, que é o conhecimento científico escolar químico de forma mais satisfatória. Pensamento e linguagem à medida que a ser humano se desenvolve tornam-se cada vez mais inter-relacionados de modo que a linguagem é meio pela qual o pensamento se processa e é também por ela externado.34 Por conseguinte, o professor deveria utilizar a linguagem química da forma adequada, pois, se assim nao fizer, o sujeito que é aprendiz na cultura química, sendo educado com o emprego inadequado da linguagem, poderá ter dificuldades para aprender os conteúdos sucessores do currículo da Química.

 

CONCLUSOES

A partir desse ciclo chegamos ao entendimento de que planejar e executar uma aula de Química pensando no deslocamento epistêmico demandou conhecimentos que foram suprimidos de nossa grade curricular na formaçao inicial o que demandou pesquisa e formaçao em serviço tanto de alunos e orientadora. O professor de Química lida com uma escola real que é reflexo da sociedade em que está inserida, logo, a formaçao desse profissional deveria prepará-lo para também compreender o fenômeno do racismo na escola e saber como agir quando ele se apresentar em seu ambiente de trabalho.

Lutas históricas do povo negro culminaram em leis e diretrizes atuais que legitimam o ensino de cultura e história africana e afro-brasileira, assim como, a educaçao para as relaçoes étnico-raciais. No entanto, a concretizaçao desses aparatos legais no currículo em açao no ensino superior, nas licenciaturas em química, está aquém do esperado. É preciso que, sendo as universidades públicas formadoras dos profissionais que implementam a lei 10.639/2003 e suas diretrizes na sala de aula da educaçao básica, a grade curricular, as ementas das disciplinas dos cursos universitários devem incluir a temática proposta. Assim professores e professoras em formaçao inicial estarao munidos dos pressupostos teórico-metodológicos que poderao orientar a açao docente em aula.

Nossos resultados mostraram ser possível discutir em uma aula de Química temas referentes às propostas das referidas leis, assim como abordar conceitos de química correlatos. Para isso, foram mobilizados conhecimentos que nao estavam presentes na grade curricular da licenciatura em Química e, por isso, demandou formaçao em serviço por intermédio do grupo de estudos instituído pelo Coletivo Ciata.

O Coletivo Ciata estruturou uma disciplina no curso de licenciatura que procura superar essa lacuna no curso de licenciatura em Química da UFG, porém, a disciplina ainda é do núcleo optativo. Todavia, consideramos imperativo que os cursos de licenciatura em Química reservem momentos obrigatórios nas grades curriculares, principalmente em disciplinas que lidam diretamente com o ensino de Química, para discussao das relaçoes étnico-raciais e as possibilidades de implementaçao da lei 10.639/2003 na especialidade. A escola, enquanto microcosmo social, reproduz em menor escala as ideologias e tensoes presentes na sociedade como um todo. Portanto, o professor deve ser formado com vistas a ter o conhecimento necessário para trabalhar nesta escola real e nao na escola ideal que só mantém as coisas como estao e nao transforma a realidade.35

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Colégio Estadual Andrelino Rodrigues de Morais pela profícua parceria.

 

REFERENCIAS

1. Alterada pela Lei 11.645/2008 que também altera a LDB de 1996 tornando obrigatório o ensino de cultura e história africana e afrobrasileira e cultura e história indígena.

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35. Este trabalho é uma versao revisada de parte da dissertaçao de mestra, do de Marysson Jonas Rodrigues Camargo orientada pela professora Dra. Anna Canavarro Benite pelo Programa de Pós-Graduaçao em Química do Instituto de Química na Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia, 2018.

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