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Educação


Análise dos trabalhos apresentados nas sessões coordenadas da área de ensino nas reuniões anuais da sociedade brasileira de química
Analysis of the abstracts presented at the coordinated sessions of the teaching area at the annual meetings of the brazilian chemical society

Camila SilveiraI,*; Andressa de Souza FernandesI; Aline KundlatschII

I. Departamento de Química, Setor de Ciências Exatas, Universidade Federal do Paraná, 81530-900 Curitiba - PR, Brasil
II. Setor de Ciências Exatas, Universidade Federal do Paraná, 81530-900 Curitiba - PR, Brasil

Recebido em 05/12/2019
Aceito em 04/05/2020
Publicado na web em 24/06/2020

Endereço para correspondência

*e-mail: camilasilveira@ufpr.br

RESUMO

This article analyzes the abstracts accepted and presented at the Coordinated Sessions of the teaching area at the Annual Meetings of the Brazilian Chemical Society. The research is characterized as qualitative of bibliographic type, having as the source of information the abstracts book of the last 10 editions (2010-2019) of the event. Through the texts, were analyzed: the amount of abstracts; year of presentation; Brazilian geographic region; number of productions by Higher Education Institutions; academic background of the first authors; thematic focus of the abstracts; level of education discussed in the abstract; and chemical knowledge present in the productions. In all, 121 abstracts were analyzed. The results indicated non-continuous production from a temporal point of view in relation to the total of abstracts, the predominance of abstracts from the Southeast region, a parity between USP and UFG institutions about the total amount of texts, and a great diversity of thematic focus, showing new research trends and the decentralization of studies focused on Chemistry Teaching. We conclude that the area of Chemistry Teaching has much to be explored, since there are still issues that are little discussed by chemical educators.

Palavras-chave: academic productions; chemistry teaching; SBQ.

INTRODUÇÃO

As produções acadêmicas voltadas para o Ensino da Química se avolumaram nos últimos anos. São inúmeros os eventos nesta área nos quais uma grande quantidade de informações é apresentada e discutida por meio de relatos de pesquisas e de experiências desenvolvidas pela comunidade de docentes e pesquisadores. Podemos afirmar que esse crescimento está relacionado ao desenvolvimento da área, que tem como raízes as reformas curriculares nos Estados Unidos e Inglaterra, na década de 60.1

No Brasil, tal desenvolvimento está ligado a seis grandes marcos. Schnetzler2 afirma que o mais importante foi a constituição da Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de Química (DE/SBQ), institucionalizada em julho de 1988, durante a 11ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ), sendo a divisão científica mais antiga da SBQ.3 Vale citar que a SBQ foi fundada em julho de 1977 e é a principal sociedade de Química do Brasil, cujo objetivo é o desenvolvimento e consolidação da comunidade brasileira de Química e a divulgação científica. Contudo, Schnetzler2 ainda destaca que:

[...] tal constituição foi resultante de uma divisão de ensino informal, oficiosa, mas significativamente atuante na organização de Encontros Nacionais e Regionais de Ensino de Química desde 1980. Seu embrião provém da primeira Reunião Anual da SBQ (1978) em São Paulo, na qual ocorreu, também, a primeira sessão coordenada de trabalhos de pesquisa em ensino de química.

Schnetzler2 destaca que uma das ambições, ainda naquela época, era "constituir a área de pesquisa em ensino de química no Brasil". Dessa forma, vários professores, e que se tornaram a primeira geração de pesquisadores da área, organizaram e realizaram inúmeros encontros regionais, o primeiro datado de 1980 na região sul (Encontro de Debates sobre o Ensino de Química - EDEQ), e nacional, com a primeira edição em 1982 (Encontro Nacional de Ensino de Química - ENEQ). A realização desses eventos também é registrada como um dos marcos da área.

O outro marco, que se relaciona com essa pesquisa, foi o expressivo crescimento de trabalhos publicados na sessão de Ensino de Química nas RASBQ, as quais têm como foco a discussão qualificada junto aos pares da SBQ. Entre 1978 e 2001, o montante de trabalhos passou de cinco para 108, sempre com um avolumamento constante. Nesse intervalo de tempo, a quantidade total de resumos foi de 956. Schnetzler,2 ao investigar esses trabalhos, aponta que 51% eram relatos de experiências ou descrições de propostas de ensino e práticas de laboratório. No que tange os relatos de pesquisas (49%), a autora ressalta que as temáticas mais investigadas estavam relacionadas à aprendizagem, dificuldades e concepções de alunos (57%) e docentes (20%). Vale mencionar que a criação da seção de Educação na revista Química Nova é fixada juntamente com esse marco.2

Além destes, outros marcos podem ser destacados, como: o desdobramento de projetos voltados ao Ensino de Química por coordenadores da DE/SBQ e a constituição da revista Química Nova na Escola, em 1995; a formação de mestres e doutores em Educação Química; e o desenvolvimento de projetos por pesquisadores do Ensino de Química e a publicação de livros voltados à Educação Química.2,4

Complementando as ideias apresentadas por Schnetzler,2 Schnetzler e Souza,4 Soares, Mesquita e Rezende5 destacam novos marcos, perspectivas e contribuições da DE/SBQ, em um texto comemorativo dos 40 anos da SBQ. Os autores ressaltam a importância e a expansão dos eventos nacionais e regionais de Ensino de Química, destacando o crescimento de participantes no ENEQ, que em 2016 chegou a 2.300 inscritos com 1.594 trabalhos apresentados, em duas modalidades: resumos e trabalhos completos. Em relação às RASBQs, destaca-se o ano de 2013, que ao alcançar a marca de 150 trabalhos, a DE/SBQ teve duas Sessões Coordenadas. A quantidade de revistas relacionadas ao Ensino de Química também aumentou, passando de duas para seis. Outro marco foi a evolução dos números de cursos de Licenciatura em Química, atualmente, cerca de 380 cursos presenciais em atividade,6 e Pesquisadores de Educação em Química, por volta de 200 doutores.5

Ligado ao crescimento, constituição e legitimação da área de Ensino de Química no Brasil, pesquisas com temáticas diversas foram sendo desenvolvidas. Nesse sentido, Bejarano e Carvalho7 analisaram teses e dissertações brasileiras ligadas ao Ensino de Ciências com foco na Educação Química, no período de 1972-1995. Numa primeira análise, das 572 produções, somente 12,2% correspondiam à Educação Química, sendo majoritariamente as pesquisas no Ensino de Física (43,7%), e com o Ensino de Biologia ocupando a segunda posição, com 15,1% dos estudos. As temáticas predominantes sobre Educação Química estavam voltadas a conteúdo-método (43); currículos e programas (32); característica do aluno (17); recursos didáticos (15); e característica do professor (11).

Nesta mesma perspectiva, Milaré8 investigou, no período de 2006-2009, teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP), no sentido de caracterizar as pesquisas sobre Ensino de Química. Ao todo, foram analisadas 55 produções correspondentes a três programas de pós-graduação da instituição. As temáticas mais presentes foram: linguagem e cognição (11); recursos didáticos (10); conteúdo-método (09); características do professor (07); e formação de professores (06).

Da mesma forma, Lorenzetti, Silva e Bueno9 analisaram as pesquisas sobre o Ensino de Química no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), no período de 1997 a 2013. Dos 3.741 estudos, 14,4% das produções tinham como foco somente o Ensino de Química, com notoriedade para as temáticas: recursos didáticos (99); conteúdo-método (84); formação de professores (83); formação de conceitos (65); e características dos alunos (46).

Exclusivamente sobre a RASBQ, destacamos o estudo de Francisco10 e Francisco e Queiroz,11 em que foram analisados 1.008 trabalhos da sessão de Ensino de Química do referido evento no período de 1999 a 2006. Assim como nas pesquisas anteriores, também foram analisados os focos temáticos com predominância dos estudos voltados aos recursos didáticos (239); conteúdo-método (218); características dos alunos (67); currículos e programas (59); e formação de conceitos (58).

A partir do exposto, consideramos que uma das formas de se falar do Ensino de Química no Brasil, em que há muita diversidade e pluralidade no ensino, é por meio de publicações em eventos de grande importância, uma vez que estes trazem a experiência de pesquisadores e educadores químicos, as realidades vivenciadas e os esforços, os quais estão refletidos em seus trabalhos. Dessa forma, esta pesquisa objetiva analisar os trabalhos apresentados nas Sessões Coordenadas de Ensino de Química das RASBQs com o intuito de mapear e caracterizar a produção científica do referido evento.

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa é de caráter qualitativo do tipo bibliográfico.12 Inicialmente foi levantado o número de trabalhos aceitos e apresentados relativos ao Ensino de Química nas últimas 10 edições da RASBQ (2010-2019), e em seguida, foi feita uma seleção dos trabalhos apresentados nas Sessões Coordenadas. Destacamos que o recorte temporal se justifica pela dificuldade no acesso aos resumos e programas anteriores, uma vez que no site da SBQ constam apenas os trabalhos posteriores a 2006 e, ainda, na edição de 2008 não é possível ter acesso às produções por conta de problemas técnicos. Dessa forma, para dispormos de uma pesquisa linear optamos por analisar os últimos 10 anos de evento.

Vale mencionar que os trabalhos publicados nas RASBQs são exclusivos, submetidos em forma de resumo simples. De modo a compreendermos como são selecionados os trabalhos para as Sessões Coordenadas, realizamos uma entrevista do tipo focalizada,12 via e-mail, com o atual Diretor da Divisão de Ensino de Química da SBQ, a qual ocorreu de forma livre enfocando um tema específico, nesse caso, as diretrizes para a composição das Sessões Coordenadas. De maneira geral, as produções são analisadas por dois avaliadores e o coordenador de avaliação da Sessão, neste caso, Ensino de Química, e se aprovado o resumo pode ser recomendado para a Sessão Coordenada, que são apresentações orais e que tem como principal objetivo relatar pesquisas ou experiências desenvolvidas por grupos ou pesquisadores.

Posteriormente, os trabalhos foram classificados em: a) quantidade de trabalhos apresentados nas Sessões Coordenadas; b) ano de apresentação; c) região geográfica brasileira dos resumos conforme as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul; d) número de produções por Instituições de Ensino Superior (IES); e) formação acadêmica dos primeiros autores; f) foco temático dos trabalhos; g) nível de escolaridade abordado nos resumos; e h) conhecimento químico presente nas produções.

Para a análise do foco temático, utilizamos os pressupostos da Análise de Conteúdo.13 Dessa forma, definimos como categorias os focos temáticos propostos por Megid Neto,14 sendo eles: 1) Currículos e programas; 2) Conteúdo-método; 3) Recursos didáticos; 4) Características do professor; 5) Característica do aluno; 6) Formação de conceitos; 7) Formação de professores; 8) Políticas Públicas; 9) Organização da escola; 10) Programa de Ensino Não-Escolar; 11) Filosofia da Ciência; 12) História da Ciência; 13) História do Ensino de Ciências; e 14) Outros.

Em relação aos focos Conteúdo-Método e Recursos Didáticos, utilizamos a adaptação feita por Francisco e Queiroz,11 uma vez que as autoras se propuseram a deixar de maneira clara esses dois focos.

Assim, trabalhos que apresentam apenas a descrição de um recurso didático ou de um procedimento experimental foram classificados no foco Recursos Didáticos. Em contrapartida, trabalhos que apresentam, além da descrição do recurso didático ou do procedimento experimental, uma avaliação a respeito do papel por eles desempenhado no processo de ensino-aprendizagem foram classificados no foco Conteúdo- Método10.

Nesse sentido, foi realizada a leitura de todos os textos apresentados nas Sessões Coordenadas das últimas 10 edições das RASBQs, no período de 2010 a 2019, de tal forma que foi analisado o conteúdo dos trabalhos, bem como a temática predominante, visto que se adotou como unidade de significado o tema. Em relação a isso, Bardin13 afirma que "fazer uma análise temática consiste em descobrir os "núcleos de sentido" que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido".

Por fim, após a identificação dos núcleos de sentido a partir das definições dos focos temáticos propostos Megid Neto,14 agrupamos os trabalhos nas categorias e elaboramos gráficos para apresentar a prevalência destas, de forma a auxiliar no processo analítico de interpretação e inferência.13

Para a identificação do nível de escolaridade abordado nos trabalhos, utilizamos a classificação estabelecida por Megid Neto,14 dividida em: a) educação infantil; b) ensino fundamental; c) ensino médio; d) ensino superior; e) geral; e f) outros. Para essa categorização, levamos em consideração o que propõe o autor, como:

o ambiente escolar investigado, os sujeitos participantes da pesquisa (professores, alunos, etc.), o público-alvo de programas de formação continuada, a formação inicial de professores e o respectivo nível escolar de atuação, os materiais didáticos avaliados, os programas de ensino propostos, a discussão e avaliação do currículo escolar, a legislação educacional referenciada, as experiências educacionais retratadas na pesquisa, enfim, um ou mais desses elementos presentes nas investigações permitem-nos caracterizar qual ou mais níveis escolares estão relacionados ao trabalho.14

Em relação à classificação denominada geral, admitimos os trabalhos que não deixam de maneira explícita o nível escolar ou tratam de vários níveis no mesmo texto e, em outros, abarcamos os resumos que não estão vinculados a nenhum nível de escolaridade.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao todo, foram publicados 1.509 trabalhos na Sessão de Ensino de Química das últimas 10 edições da RASBQ (2010-2019). Nesse período, foram apresentados 122 trabalhos nas Sessões Coordenadas de Ensino de Química. Em relação a isso, expomos na Figura 1, no formato de gráfico, a quantidade total de trabalhos de Ensino de Química versus aqueles apresentados nas Sessões Coordenadas por ano.

 


Figura 1. Quantidade total de trabalhos de Ensino de Química versus trabalhos apresentados nas Sessões Coordenadas por ano

 

Observamos na Figura 1, que o ano de 2011 (34ª RASBQ) foi o que teve mais produções, representando 29% do total no período analisado. Vale ressaltar que em 2011 comemorou-se, durante o evento, o Ano Internacional da Química. Segundo Mól3 "a 34ª RASBQ foi a maior reunião da comunidade química brasileira já realizada até então" sendo que a "Divisão de Ensino da SBQ teve participação de destaque", pois organizou atividades de articulação com a educação básica; um Workshop sobre o passado, presente e o futuro do Ensino de Química; uma conferência sobre o Ensino da Química proferida por um pesquisador internacional; e representou em quantidade de trabalhos 11,4% do total de painéis apresentados.

Além disso, evidenciamos oscilações em relação à quantidade total de trabalhos por ano, com o crescimento constante de produções apenas no período de 2012 a 2014. Esses resultados diferem-se de anos anteriores, em que o aumento de trabalhos apresentados na sessão de Ensino de Química era praticamente ininterrupto, como apontam Francisco10 e Francisco e Queiroz11 para o período de 1999 a 2004 e Schnetzler2 para o período de 1977 a 2001.

Conforme indicam as programações das RASBQs, a partir de 2013, as reuniões anuais passaram a contar com duas Sessões Coordenadas por área, e ao analisarmos esse e os anos subsequentes observamos que as que tiveram duas Sessões Coordenadas no evento eram aquelas que possuíam a maior quantidade de trabalhos aceitos, como destacado na Tabela 1.

 

 

Devemos levar em consideração que no ano de 2017 a 40ª RASBQ aconteceu juntamente com o 46º Congresso Mundial de Química (46th World Chemistry Congress) da União Internacional de Química Pura e Aplicada (International Union of Pure and Applied Chermistry - IUPAC), tendo sua programação em apenas um dia. Assim, em 2017 observamos que somente uma Sessão Coordenada por área foi realizada. Vale destacar que não abarcamos na Tabela 1 a quantidade de trabalhos do ano de 2017, uma vez que o nome das áreas do 46º Congresso Mundial de Química diferem-se das que se fazem presentes nas RASBQs.

Dessa forma, com base na Tabela 1, podemos dizer que a pouca quantidade de trabalhos no Ensino de Química, em comparação com as outras áreas, resultou em somente uma Sessão Coordenada em 2018 e 2019.

Notamos ainda, com base na Figura 1 e na Tabela 1, que houve uma queda considerável na quantidade de resumos do Ensino de Química nas RASBQs a partir de 2015. É possível perceber que também houve uma diminuição do número total de trabalhos aceitos apresentados nas RASBQs a partir do mesmo período. Ao nos direcionarmos para as outras áreas também observamos quedas em praticamente todas elas, com exceção da Química Inorgânica que teve um decréscimo a partir de 2016. Contudo, algumas delas, a partir de 2018, tiveram um aumento na quantidade de trabalhos ininterruptamente, sendo a Química Ambiental; Química Analítica; Química de Alimentos e Bebidas; Catálise; Química de Materiais; e Química Inorgânica. O Ensino de Química, assim como a Química Teórica e Química Verde tiveram uma elevação na quantidade de trabalhos somente em 2019.

Vale ainda mencionar que dos 2.057 trabalhos apresentados no 46º Congresso Mundial de Química, a área Chemical Education foi a que teve a menor quantidade de trabalhos apresentados no evento (110 trabalhos), juntamente com Physical, Biophysical and Computational Chemistry (85 trabalhos) e Chemistry for Industry Innovation (46 trabalhos).

Considerando que de todos os resumos submetidos para as Sessões de Painéis selecionam-se alguns para as Sessões Coordenadas, nos quais os pesquisadores podem apresentar oralmente essas produções ou sobre um determinado tema de forma mais livre sem abordar o trabalho submetido, não localizamos um resumo, do ano de 2010, mesmo o apresentador sendo autor de outros dois trabalhos, que eram de temáticas distintas. À vista disso, foram analisados 121 resumos.

Em relação à distribuição de trabalhos das Sessões Coordenadas por região geográfica elaboramos a Tabela 2, em que consideramos a localização das IES dos primeiros autores.

 

 

Ao observarmos a Tabela 2, constatamos a predominância de trabalhos da região Sudeste (43,8%) em relação às demais regiões, e ainda, a publicação assídua no período analisado. Uma das hipóteses para estes números é de que a maioria das edições da RASBQ nesses 10 anos ocorreu na região Sudeste (5 vezes), seguido do Sul (3 vezes), Nordeste e Centro-Oeste (1 vez). Na região Norte nunca ocorreu uma RASBQ, o que pode justificar também a baixa produtividade. Esse fato também foi constatado por Francisco e Queiroz,11 afirmando que "provavelmente, o isolamento típico do local e o seu distanciamento do Sudeste podem explicar, em parte, o pequeno número de resumos apresentados".

Em relação ao predomínio da região Sudeste, o mesmo foi encontrado na pesquisa de Francisco10 e Francisco e Queiroz11 em relação à própria RASBQ, e também no estudo de Lorenzetti, Silva e Bueno,9 que mesmo analisando a produção do Ensino de Química em outro evento, chegou ao mesmo resultado. Nesse sentido, os autores justificaram esses percentuais devido à região Sudeste abrigar um número elevado de IES de grande tradição em pesquisa no Brasil. Além disso, mesmo com o crescimento do número de programas de pós-graduação da área de Ensino nos últimos anos, a descentralização ainda é recente, bem como os egressos doutores dos programas, que aumentou consideravelmente a partir de 2013.15

Destacamos que mesmo a região Sul tendo sediado três vezes o evento, a sua contribuição em trabalhos (17,4%) foi inferior à região Centro-Oeste (19,0%), na qual o evento aconteceu somente uma vez nesse período. Esse resultado pode ser reflexo da participação significativa de pesquisadores da região Centro-Oeste, ligados a UFG e UnB, uma vez que esses assumiram diferentes cargos da diretoria da Divisão de Ensino da SBQ (diretoria, vice-diretora e tesouraria) no período de 2010 a 2019. Percebemos também, que os primeiros trabalhos das Sessões Coordenadas, provenientes das regiões Norte e Nordeste foram apresentados em 2013, da região Sul em 2011, e das regiões Sudeste e Centro-Oeste em 2010. Vale destacar ainda que, coincidentemente, o ano de 2014 em que se teve a maior contribuição em trabalhos da região Nordeste (5) foi quando essa região sediou o evento.

Dessa forma, considerando as pesquisas anteriores2,9,10,11 é possível perceber que ainda existe um predomínio de algumas regiões do país no evento, porém, é preciso destacar que essa amostra não é representativa da totalidade de trabalhos aceitos e apresentados nas RASBQ e que alguns fatores influenciam a escolha dos trabalhos das Sessões Coordenadas. Por exemplo, em contato com o atual diretor da Divisão de Ensino de Química, esse nos informou que essa escolha leva em conta as diretrizes da SBQ no que tange as categorias dos apresentadores, e que também nessa gestão tem se priorizado por apresentações de trabalhos de Pesquisa no Ensino de Química. Dessa forma, a organização das Sessões Coordenadas, atualmente, ocorre em três fases: 1) os resumos são lidos por dois avaliadores, os quais podem aprovar o trabalho; aprovar e indicar para a Sessão Coordenada; e reprovar o trabalho. Em relação ao segundo caso, o coordenador de avaliação recomenda aos avaliadores que indiquem Pesquisas em Ensino de Química; 2) nessa fase são escolhidos pelo coordenador de avaliação, com auxílio de outros pesquisadores, os resumos que serão apresentados oralmente nas Sessões Coordenadas, atendendo aos critérios dispostos pela SBQ: Categoria 1: três trabalhos que possam ser apresentados por pesquisadores, com apresentações de 25 minutos; Categoria 2: cinco trabalhos que possam ser apresentados por pós-graduandos, com apresentações de 15 minutos; e Categoria 3 - um trabalho que possa ser apresentado por um Iniciação Científica, com apresentação de 15 minutos; e 3) por fim, após a seleção dos trabalhos, os mesmos são conferidos, de modo que sejam resumos de Pesquisa em Ensino de Química. Além disso, são realizados esforços para contemplar cada região do país, salvo quando os trabalhos de determinadas regiões não são indicados para a Sessões Coordenadas. No entanto, ainda é preciso enquadrar os trabalhos nas categorias, e considerando que são poucas as Pesquisas no Ensino de Química, algumas regiões ou Estados não são contemplados. Ainda, se tem um último impeditivo considerando as categorias, pois é preciso conferir se o autor convidado está inscrito na RASBQ.

Ademais, também analisamos a distribuição de trabalhos por Estados brasileiros com base no primeiro autor, e constatamos que 16 Estados e o Distrito Federal se mostraram representados, como revela a Figura 2.

 


Figura 2. Distribuição de trabalhos por Estados brasileiros

 

Conforme a Figura 2, São Paulo (32) apresenta a maior quantidade de trabalhos, seguido por Goiás (17) e Minas Gerais (11). Os Estados com menor contribuição, dois resumos cada, foram Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, da região Nordeste. Notamos que nenhum Estado teve somente uma produção.

Francisco e Queiroz11 analisaram as parcerias entre as regiões do Brasil e observaram 25 trabalhos, entre as regiões Sudeste e Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste, e Sudeste e Sul. Em nossa análise somente seis colaborações se destacaram, com cinco resumos oriundos das regiões Sul e Sudeste e um do Nordeste e Sul. Também analisamos as cooperações entre os Estados brasileiros, e o resultado foi de 11 produções, sendo entre: SC-MG (1), SC-GO (1), SE-PR (1), RJ‑SP (2), SP-MG (2); PR-SP (3). Vale destacar duas parcerias entre estados brasileiros e outros países: DF-SC-GO-Portugal e RN-França.

No caso das colaborações entre as diferentes IES, identificamos 24 trabalhos, sendo dois deles entre pesquisadores de IES brasileiras e de outros países (UFRN-Université d'Artois (França) e UnB-UFSC-UFG-Universidade de Aveiro (Portugal)). Ressaltamos que a parceria entre IES do Brasil e outros países também foi identificada por Francisco e Queiroz11 em sua pesquisa, com a parceria entre a UnB e a Pädagogische Hochschule Ludwigsburg (Alemanha) e o CEFET-RJ e Universidad Central de Las Villas (Cuba). Além disso, desses 24 trabalhos, a maioria (20) possui parceria entre duas IES. O restante é resultado da colaboração entre três (3) e quatro (1) IES.

Evidenciamos ainda, sete resumos com cooperações entre IES e escolas de educação básica, e dois trabalhos de uma IES (IFSP) com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).

Além disso, no que tange a quantidade de produções por IES - vinculadas aos primeiros autores - evidenciamos que a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade de São Paulo (USP) apresentaram o maior número de trabalhos, representando 12,5% do total cada, como mostra a Figura 3, que destaca as 11 IES com maior produção.

 


Figura 3. Quantidade de produções por IES

 

Ao analisarmos as IES mais atuantes em cada região, destaca-se a USP (15) e os IFSP (6) no Sudeste; UFG (15) e UnB (6) no Centro-Oeste; UFPR (5) e UFSC (4) no Sul; UFMA (3), UFPB (2), UFRN (2), UFRPE (2), UFS (2) e UFAL (2) no Nordeste; e UFPA (2) e UEPA (2) no Norte. Ao compararmos os dados com os de Francisco e Queiroz,11 pode-se dizer que somente os resultados da região Centro-Oeste corroboram completamente. Em relação à região Sudeste, destaca-se a contribuição do IFSP, que de certa forma está ligado à criação dos Institutos Federais em 200816 e suas respectivas expansões. No trabalho de Francisco e Queiroz11 os trabalhos oriundos da região Sul eram, em sua maioria, provenientes da UEL, diferindo‑se do que encontramos nessa pesquisa. No que se refere à região Nordeste, somente coincide as contribuições da UFRPE e UFS, e não se menciona as IES da região Norte. Vale ressaltar que 16,5% das instituições identificadas apresentaram apenas um trabalho nas Sessões Coordenadas durante o período analisado. Cabe mencionar a contribuição de uma escola de educação básica enquanto instituição do primeiro autor.

Em relação à formação acadêmica dos primeiros autores, a grande maioria (42%) são pesquisadores (PQ) como mostra a Figura 4.

 


Figura 4. Formação acadêmica dos primeiros autores

 

Ainda sobre a Figura 4, podemos observar que 27% dos trabalhos tem como primeiros autores estudantes da graduação (IC) e 26% da pós-graduação (PG). Em relação às outras categorias, professores de ensino fundamental/médio (FM) e técnicos de nível médio (TM), percebemos uma baixa contribuição, 3% e 2%, respectivamente. Embora a maior parte dos trabalhos tenham estudantes de IC e PG como primeiros autores, a organização das Sessões Coordenadas leva em conta as diretrizes da SBQ apresentadas anteriormente, e por isso, muitas vezes, os primeiros autores não são os apresentadores nessas Sessões.

Quanto ao foco temático destes trabalhos, categorizados a partir da classificação proposta por Megid Neto14 observamos na Figura 5 que todos os temas apareceram na análise.

 


Figura 5. Foco temático dos trabalhos

 

Em ordem decrescente de produções, o foco temático com maior quantidade de trabalhos produzidos é Conteúdo-Método (20,6%), seguindo por Outros focos (14,9%) e Recursos Didáticos (13,2%). Conteúdo-Método e Recursos Didáticos também foram os mais encontrados nos estudos de Bejarano e Carvalho,7 Milaré,8 Lorenzetti, Silva e Bueno,9 Francisco,10 Francisco e Queiroz.11 Formação de Professores (11,6%) apenas se destacou fortemente nas pesquisas de Milaré,8 Lorenzetti, Silva e Bueno9 e Característica do Professor (9,9%) somente se acentuou nos estudos de Bejarano e Carvalho7 e Milaré.8

No que se refere a Característica do aluno (9,1%), Formação de conceitos (6,6%), Currículo e Programas (4,1%) e História da Ciência (3,3%) os dois primeiros também se mostraram em posições intermediárias na pesquisa de Milaré.8 Ainda, a autora sinalizou poucos trabalhos sobre Currículo e Programas, e História da Ciência. Nas investigações de Francisco,10 Francisco e Queiroz11 e Lorenzetti, Silva e Bueno9 esses quatro focos temáticos também se destacaram como intermediários. Somente na pesquisa de Bejarano e Carvalho7 que a categoria Currículo e Programas teve destaque, sendo a segunda categoria mais identificada.

Sobre os focos temáticos com menor representatividade, destacamos Organização da Escola (0,8%), Programa de Ensino Não Escolar (0,8%), Políticas Públicas (1,7%) História do Ensino de Ciências (1,7%) e Filosofia da Ciência (1,7%). Estes também são pouco sinalizados ou inexistentes nas pesquisas de Milaré,8 Lorenzetti, Silva e Bueno,9 Francisco,10 Francisco e Queiroz.11 Na pesquisa de Francisco,10 Francisco e Queiroz11 não se identificou nenhum trabalho voltado apenas para a Filosofia da Ciência, e o mesmo ocorreu na investigação de Milaré,8 em que a autora também não identificou estudos sobre Políticas Públicas, Organização da Escola e Programa de Ensino Não-Escolar.

Em relação aos trabalhos enquadrados em Conteúdo-Método esses propuseram e analisaram metodologias de ensino articuladas a recursos didáticos, sequências didáticas, softwares, atividades lúdicas, desenhos, oficinas e procedimentos experimentais, principalmente de caráter investigativo, atividades de modelagem, atividades com abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), todas voltadas para os processos de ensino e aprendizagem, considerando a indissociabilidade entre conteúdo e forma.14 Francisco10 afirma que nesse foco houve a predominância de trabalhos que empregaram estratégias e técnicas diversas pelos professores, sobretudo aquelas sobre experimentação, atividades lúdicas e tecnologias educacionais, as quais também se mostraram presentes nessa pesquisa.

Em Outros focos os trabalhos envolveram estudos sobre linguagem, questões e Matriz de Referência do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), revisões de literatura, questões de gênero, análise de softwares, vídeos e pesquisadores brasileiros do Ensino de Química. Esses resultados se assemelham ao de Francisco,10 pois a autora evidenciou trabalhos sobre linguagem, análise de questões vestibulares e revisões bibliográficas.

No foco temático Recursos Didáticos foram avaliados e descritos diferentes recursos, como textos de divulgação científica, livros didáticos, experimentos de laboratório, materiais manipuláveis para deficientes visuais, jogos, mapas conceituais, fotografias, Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e estruturas tridimensionais. Em comparação à pesquisa de Francisco,10 os resultados se mostraram similares, em que os principais temas que constituem esse foco foram a descrição do desenvolvimento de atividades experimentais, majoritariamente, estudos dos livros didáticos e análise e desenvolvimento de materiais como jogos, softwares, filmes e internet.

Formação de Professores enquadrou os resumos sobre formação inicial e continuada, envolvendo uma rede de colaboração para a discussão de temáticas inclusivas, as práticas pedagógicas dos formadores, os impactos de oficinais elaboradas no contexto do Programa Institucional de Bolsa à Iniciação Docência (PIBID e oficinas na formação continuada, inclusive com foco nos professores indígenas, análise de planos de ensino e de atividades envolvendo a legislação e a formação docente, e as contribuições no PIBID na formação inicial de professores. Comparando com o trabalho de Francisco10 percebemos algumas semelhanças entre as propostas, principalmente aquelas envolvendo cursos e oficinas para o aperfeiçoamento de professores, relatos de ações realizadas em grupo e desenvolvimento de planos de ensino com diferentes estratégias metodológicas. Vale destacar como um diferencial do período temporal dessa pesquisa os três trabalhos envolvendo o PIBID.

Em Característica do Professor os trabalhos discutiram as práticas pedagógicas de docentes e as concepções dos professores sobre diferentes conceitos e estratégias, como por exemplo, interdisciplinaridade, atividades experimentais, educação inclusiva, avaliação e inclusão digital. De maneira geral, esses resultados corroboram aqueles encontrados por Francisco,10 o que os distingue são os conceitos científicos abordados nos trabalhos que almejaram destacar as concepções dos docentes, como por exemplo, fotossíntese, combustão, transformações químicas, solução e dissolução, Ciências Naturais e Química, conhecimento científico e Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).

Característica do aluno abarcou aqueles resumos que tratam das concepções sobre linguagem Química, conhecimentos prévios e engajamento de estudantes do Ensino Médio. Essa categoria também envolveu trabalhos que analisaram as concepções de licenciandos em Química sobre ser professor, homossexualidade e identidade de gênero, suas carreiras profissionais e objetos de aprendizagem. Também abordou trabalhos que discutiram a qualidade conceitual dos argumentos e as concepções prévias de estudantes de graduação em Química sobre conceitos estatísticos e forças intermoleculares. Ainda, contemplou um estudo que trazia o perfil socioeconômico e de gênero dos estudantes de química a partir do ENADE. Francisco10 em sua pesquisa observou que, majoritariamente, os trabalhos procuraram caracterizar os conhecimentos prévios dos alunos sobre assuntos diversos e conceitos científicos, como por exemplo, minerais, experimentação, bebidas alcoólicas. Assim como na nossa pesquisa, Francisco10 também observou estudos sobre as condições socioeconômicas dos estudantes.

Em formação de conceitos os trabalhos abordaram a apropriação, elaboração, evolução e mudança conceitual por parte dos alunos, envolvendo, por exemplo, os conceitos de matéria, modelo atômico, ligações covalentes, partículas submicroscópicas, densidade e propriedades físicas e químicas. Alguns resumos aprofundaram esses conceitos e trouxeram possíveis abordagens para uma ressignificação desses. Também incluímos nessa categoria um trabalho que envolveu a análise da construção do conhecimento científico de graduandos Química em atividades experimentais por meio da produção de diagramas V de Gowin. Trabalhos envolvendo a apropriação, evolução e mudança conceitual foram prevalescentes na investigação de Francisco,10 diferindo-se dos conceitos científicos abordados nos trabalhos analisados.

Sobre os trabalhos enquadrados em Currículos e Programas esses analisaram as concepções de licenciandos em Química do Estado de Goiás sobre a Prática como Componente Curricular (PPC) e os estágios supervisionados, o processo de elaboração da proposta curricular do Ensino Médio do Estado de Goiás, a presença de dimensões ambientais em um curso de Licenciatura em Química e o planejamento de uma disciplina de Química no Ensino Superior para atender a Lei 10.639, a qual prevê que conteúdos sobre História e Cultura Afro-Brasileira sejam incorporadas ao currículo escolar. Ainda sobre a Lei supracitada, um resumo descreveu a implementação dessa no planejamento de uma disciplina de Química do Ensino Médio. Percebemos o destaque para dois trabalhos envolvendo a Lei 10.639, um no Ensino Superior e um no Ensino Médio. Além disso, trabalhos sobre reestrutruações curriculares se fizeram presentes na pesquisa de Francisco,10 mas com focos diferentes das tratadas nessa categoria.

O foco temático História da Ciência compreendeu trabalhos sobre a contribuição da História e Filosofia da Ciência para o entendimento dos modelos atômicos e análise sobre o mesmo conceito nos livros didáticos do 9º ano do Ensino Fundamental pautada na abordagem Histórica. Abarcou-se ainda os resumos que versavam sobre a teoria do Flogisto e do Oxigênio em uma disciplina de Metodologia de Ensino de Química de um curso de Licenciatura e a História da Eletrólise. Vale destacar que alguns desses trabalhos abordaram a Filosofia da Ciência, porém, essa ficou em segundo plano. Os trabalhos dessa categoria apresentam semelhanças com aqueles analisados por Francisco,10 pois a autora também identificou um trabalho que investigou como a História da Ciência auxilia na compreensão da teoria atômica, a História da Química nos livros didáticos e as relações entre História da Ciência e formação de professores. Nenhum resumo na pesquisa da autora se referiu especificamente a História de algum conceito científico como o que foi observado no presente estudo.

No foco Políticas Públicas, um dos trabalhos investigou as concepções de formação docente em documentos oficiais referente ao PIBID, e o outro trouxe as avaliações do PIBID feitas por seus integrantes. Esses estudos se diferem do trabalho de Francisco,10 uma que vez que abarcam aspectos sobre um programa específico que foi instituído em 2007, um ano depois da finalização do trabalho da autora.

Em História do Ensino de Ciências, um trabalho dissertou sobre a Pesquisa em Ensino de Química na USP, e nessa mesma perspectiva, outro investigou a produção acadêmica de um mestrado profissional da área de Ensino de Ciências. O perfil desses resumos também se distingue daqueles analisados por Francisco,10 uma vez que na pesquisa da autora um trabalho abordou a recepção da Tabela Periódica nos livros didáticos brasileiros e também uma análise sobre um programa de Ciências do Imperial Colégio Pedro II; o outro analisou a trajetória do professor Reinaldo Carvalho Silva, considerado um dos pioneiros da área de Ensino de Química pelos autores.

Na Filosofia da Ciência um estudo envolveu discussões sobre Ontologia e representações químicas, e o outro teceu reflexões sobre a complexidade da Química e seu ensino. Ambos os estudos têm caráter teórico tendo como base a Filosofia da Ciência. Francisco10 ressalta que não encontrou nenhum trabalho específico sobre esse foco, somente com a Filosofia da Ciência sendo um tema secundário. Diante disso, indicou que dos três resumos, um analisou a evolução conceitual dos alunos sobre os modelos atômicos pautada em uma atividade permeada pela História e Filosofia da Ciência; um investigou as concepções de Ciência e de experimentação de discente de um Curso de Química; e um analisou como o conceito de cinética química apresentou-se nos livros didáticos do Ensino Médio a partir do tempo, considerando as ideias de Lakatos.

Em Programa de Ensino Não-Escolar destacou-se as discussões sobre mediação entre monitor e público em um Centro de Ciências. Esse tema também se mostrou distinto em relação ao que foi encontrado por Francisco,10 em que os trabalhos versavam sobre atividades oferecidas ao público em Museus, Centros de Ciências, Zoológicos, e em comunidades no estado do Rio de Janeiro e Pernambuco, além de apresentações teatrais nas escolas e universidades e de uma formação científica para os funcionários de uma empresa privada.

Em Organização da Escola analisou-se como são realizadas as aulas de Química no sistema prisional. Esse resultado difere-se dos mencionados na pesquisa de Francisco,10 uma vez que os 20 trabalhos abarcados nessa categoria se centravam em analisar a evasão escolar, o gerenciamento de resíduos dos laboratórios e acompanhamento dos egressos dos cursos de Licenciatura em Química.

Em relação aos temas constituintes dos focos temáticos, percebemos algumas semelhanças com os trabalhos analisados por Francisco10 no período de 1999 a 2006, principalmente nos focos temáticos Conteúdo-Método, Recursos Didáticos, Formação de Professores, Formação de Conceito, Característica do aluno e Característica do Professor. Os resumos compreendidos em Outros focos também apresentaram similaridades com o da autora, e assim como defende Francisco e Queiroz,11 acreditamos que esses precisariam ser abarcados em categorias próprias, até mesmo para se destacarem, uma vez que a recorrência de trabalhos sobre esses temas ultrapassam a quantidade de trabalhos em alguns focos temáticos, além de significarem algo para a área de Ensino de Química. História da Ciência também apresentou produções parecidas com a de Francisco,10 porém, na análise feita pela autora nenhum trabalho tinha trazido somente a discussão Histórica de algum conceito químico. Nos focos temáticos Currículo e Programas, Políticas Públicas, História do Ensino de Ciências, Programa de Ensino Não-Escolar, Organização da Escola e Filosofia da Ciência os conteúdos dos trabalhos apresentaram diferenças em relação ao estudo de Francisco.10 Ainda, vale a pena destacar que diferentemente dos trabalhos analisados por Francisco,10 Filosofia da Ciência se mostrou como um foco em primeiro plano.

Mencionamos novamente que esse estudo focalizou somente as Sessões Coordenadas, e por isso, apresenta limitações no que se refere a certas generalizações, pois não é uma amostra representativa da totalidade de trabalhos.

No que se refere ao nível de escolaridade abordado nos resumos, elaboramos a Figura 6.

 


Figura 6. Nível de escolaridade abordado nos resumos

 

Observamos que a maioria dos trabalhos é dedicado ao Ensino Superior (51), seguida pelos trabalhos envolvendo o Ensino Médio (37), Outros (13) e Geral (13), e Ensino Fundamental (6). Conforme apontou Francisco e Queiroz11 "a baixa porcentagem de trabalhos voltados ao Ensino Fundamental pode estar associada ao fato da introdução de tópicos relacionados à Química ocorrer, de forma mais efetiva, apenas nas últimas etapas deste nível escolar". Ainda em relação ao Ensino Fundamental, dois trabalhos enfocam os anos iniciais, especificamente turmas do 1º e 3º anos, e quatro dos anos finais. Cumpre mencionar que, assim como no trabalho das autoras, nenhum resumo voltou-se à Educação Infantil.

Além disso, Francisco e Queiroz11 destacam que a maior parte dos resumos estão voltados ao Ensino Médio seguido pelo Ensino Superior, diferindo-se dos dados apontados nessa pesquisa.

No que se refere a classificação outros, em que estão os trabalhos não vinculados a nenhum nível escolar, abarcamos os trabalhos que tratam de revisões de literatura, vídeos, revistas de divulgação científica, procedimentos experimentais e ensaios sobre Filosofia da Ciência. Nos trabalhos classificados como geral, que tratam de vários níveis escolares, observamos análises de episódios de salas de aula que contemplavam tanto os estudantes quanto os professores, desenvolvimento de materiais didáticos, propostas de teatros científicos, relação entre monitores de um Centro de Ciências e visitantes, utilização de TIC e avaliação de minicursos.

Para análise dos conhecimentos químicos, levamos em consideração os trabalhos que sinalizaram de alguma forma os temas, conceitos, procedimentos, teorias e áreas da Química. Dessa forma, identificamos que 58 resumos (49%) abordaram algum conhecimento químico. Nesse sentido, observamos que a maioria dessas produções (46) se referiu a apenas um conhecimento específico da Química, oito trataram de dois conteúdos, três produções trouxeram três conceitos e um dos trabalhos discutiu 15 conhecimentos químicos.

Notamos que os conhecimentos químicos mais explorados nos trabalhos referem-se a Eletroquímica (4), Estequiometria (4), Ligações químicas (3), Modelos Atômicos (3), Soluções (3), Química Orgânica (3) e Equilíbrio Químico (3). Na tentativa de mostrar todos os conteúdos específicos da Química abarcados nos trabalhos, elaboramos uma nuvem de palavras, em que há destaque para os conhecimentos químicos mais recorrentes (Figura 7).

 


Figura 7. Nuvem de palavras com os conhecimentos químicos presentes nos trabalhos

 

Ao relacionarmos os conhecimentos químicos com os focos temáticos, observamos que dos 13 focos temáticos identificados nos trabalhos, oito trouxeram conteúdos da Química, sendo: Conteúdo-Método (19), Recursos didáticos (9), Formação de Conceitos (8), Formação de Professores (7), Outros Focos (5), História da Ciência (4), Característica do Professor (3) e Característica do Aluno (3). Em relação à Conteúdo-Método e Formação de Conceitos ressaltamos que esses focos temáticos contemplam a análise dos conceitos científicos nos diferentes âmbitos.13 Esse resultado é semelhante ao que apontou Milaré,8 uma vez que nas dissertações e teses classificadas nesses dois focos temáticos, a relação com a Química se fazia mais presente. Um dado que difere-se do encontrado pela autora, é de que nos deparamos com trabalhos que contemplam conhecimentos químicos nas categorias relacionadas aos professores, como Formação de Professores e Característica do Professor, em que, nesse último foco, um resumo sinalizou 15 conhecimentos químicos diferentes, pois o objetivo da pesquisa centrava-se em analisar quais conceitos químicos os professores consideravam prioritários, aqueles que os alunos tinham mais dificuldades e também os que eram mais receptivos.

Sobre os dois conteúdos mais explorados, os trabalhos que discutem Equilíbrio Químico são todos voltados para o Ensino Superior, e seus focos temáticos são Recursos Didáticos, Formação de Conceito e Outro Foco. No que se refere à Estequiometria, duas produções estão voltadas a vários níveis escolares, uma dedicada ao Ensino Médio e uma não especificava, e os focos temáticos são Conteúdo-Método, com dois trabalhos, Formação de Conceitos e Característica do Professor.

Ainda, verificamos que o Ensino Superior e o Ensino Médio são os níveis mais citados quando se tem o olhar voltado aos conhecimentos químicos.

Embora os conhecimentos químicos sejam necessários em muitas das pesquisas voltadas ao Ensino de Química, principalmente em trabalhos que tem como enfoque a Formação de Conceitos ou são do tipo Conteúdo-Método, corroboramos o que afirma Milaré,8 de que "o tratamento do conhecimento químico não é um elemento crucial para a caracterização da Pesquisa em Ensino de Química", pois outros elementos podem ser contemplados, como por exemplo os que apareceram nessa pesquisa, formação inicial de professores de Química, produção de materiais didáticos, análise de propostas curriculares, análise de softwares, avaliação da escrita e argumentação dos estudantes, o processo de mediação em Museus de Ciências, entre outros.

Em síntese, a análise apontou uma queda no número de produções do Ensino de Química do ponto de vista temporal, diferindo-se das pesquisas que analisaram anos anteriores2,10 e indo ao desencontro de um dos marcos da DE/SBQ.5 Comparativamente, o mesmo ocorreu em relação à quantidade total de trabalhos nas RASBQs e também nas outras áreas da SBQ.

Em relação às regiões do Brasil, notamos que a região Sudeste teve maior quantidade de trabalhos nas Sessões Coordenadas e foi a única que apresentou resumos em todo o período analisado. Embora essa região tenha sido destaque nas produções, ao olharmos a contribuição por IES identificamos uma paridade entre a USP e a UFG, o que nos mostra uma tendência de descentralização da produção voltada ao Ensino de Química. Ainda, os dados nos permitiram identificar parcerias entre as regiões brasileiras (6 trabalhos) e os Estados (11 resumos), além de duas cooperações entre IES brasileiras e estrangeiras.

Observamos que a maior parte dos trabalhos foram elaborados majoritariamente por pesquisadores e estudantes de graduação e/ou pós-graduação. Além disso, percebemos que são poucos os professores do ensino fundamental/médio e técnicos de nível médio que apresentam seus resumos nas Sessões Coordenadas.

Verificamos uma grande diversidade de focos temáticos apresentados nas Sessões Coordenadas, com destaque para Conteúdo-Método, Outros Focos e Recursos Didáticos.

Ao olharmos para o nível de escolaridade abordados nos resumos, identificamos o predomínio do Ensino Superior seguido pelo Ensino Médio.

Por fim, ao investigarmos os conhecimentos químicos presentes nas produções, encontramos menções em 58 resumos (49%), praticamente metade do total analisado, ligados, principalmente, aos focos temáticos Conteúdo-Método, Recursos Didáticos e Formação de Conceitos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No sentido de caracterizar e mapear a produção científica das Sessões Coordenadas das RASBQs, os resultados indicaram, de maneira geral, novas tendências de pesquisa, a descentralização dos estudos voltados ao Ensino de Química e redes de colaborações entre instituições tanto nacionais quanto estrangeiras, bem como entre diferentes regiões e Estados brasileiros, caracterizando e contribuindo para o crescimento da área de Ensino de Química. Também foi possível obter um panorama sobre as principais temáticas do evento, as quais se concentraram, principalmente, em Conteúdo-Método, Outros Focos e Recursos didáticos.

Além do mais, observamos que os assuntos constituintes de alguns focos temáticos têm mudado com o passar dos anos, se comparado à análise de Francisco,10 os quais podem ser reflexos de discussões necessárias à área e à sociedade como um todo, e também de novas políticas públicas, como, por exemplo, os trabalhos que discutem o PIBID. Porém, também sinalizamos trabalhos com temas que ainda persistem na área2,11 envolvendo aprendizagem, concepções de docentes e alunos, abarcados principalmente nos focos temáticos Conteúdo-Método, Formação de Conceito, Característica do aluno e Característica do Professor.

Podemos afirmar que os decorrentes dessa pesquisa se somam aos estudos de Bejarano e Carvalho,7 Milaré,8 Lorenzetti, Silva e Bueno,9 Francisco10 e Francisco e Queiroz,11 mostrando que essa área ainda tem muito a ser explorada, pois ainda existem assuntos que são pouco debatidos pelos educadores químicos, bem como as discussões sobre o Ensino de Química na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e em espaços não escolares, possibilitando o fortalecimento de ideias e aprimorando as pesquisas que constituem o Ensino de Química.

 

REFERÊNCIAS

1. Schnetzler, R. P.; Aragão, R. Quim. Nova Esc. 1995, 1, 27.

2. Schnetzler, R. P.; Quim. Nova 2002, 25, 14.

3. Mól, G. S.; Ensino de química: visões e reflexões, Ed. Unijuí: Ijuí, 2012, cap. 1.

4. Schnetzler, R. P.; Souza, T. A.; Educação Química en Punto de Vista 2018, 2, 1.

5. Soares, M. B.; Mesquita, N. A. S.; Rezende, D. B.; Quim. Nova 2017, 46, 613.

6. E-mec, disponível em: http://emec.mec.gov.br/, acessada em junho de 2020.

7. Bejarano, N. R. R.; Carvalho, A. M. P.; Educ. Quim. 2000, 11, 160.

8. Milaré, T.; Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2013.

9. Lorenzetti, L.; Silva, T. F.;Bueno, T. N. N.; Resumos do XVIII Encontro Nacional de Ensino de Química, Florianopólis, Brasil, 2016.

10. Francisco, C. A.; Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2006.

11. Francisco, C. A.; Queiroz, L. S.; Quim. Nova 2008, 31, 2100.

12. Gil, A. C.; Métodos e técnicas de pesquisa social, Atlas: São Paulo, 2008, cap. 6, cap. 11.

13. Bardin, L.; Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011, cap. 3.

14. Megid Neto, J.; Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, 1999.

15. CAPES; Relatório de Avaliação do Ensino, 2017, disponível em: https://capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/relatorios-finais-quadrienal-2017/20122017-ENSINO-quadrienal.pdf, acessada em junho de 2020.

16. BRASIL; Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm, acessada em junho de 2020.

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