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Zeólita NaA sintetizada sobre fibra de vidro como estratégia para otimização do abrandamento de águas duras NaA zeolite synthesized over fiberglass as a strategy for optimizing hard water softening |
Edipo S OliveiraI,II; Conceição R. F AlvesI; Antonia M. M FrançaII; Ronaldo F NascimentoII; José M SasakiIII; Adonay R LoiolaI,*
I. Departamento de Química Orgânica e Inorgânica, Universidade Federal do Ceará, 60440-900 Fortaleza - CE, Brasil Recebido em: 07/04/2021 *e-mail: adonay@ufc.br Zeolite NaA has been successfully synthesized over glass fiber surface previously activated by alkaline treatment. By varying the time of the treatment and the amount of silica and alumina precursors used in the reaction mixture, a sample with higher zeolite concentration could be obtained. This material was evaluated for water softening process as an alternative substitute for the use of the zeolite in its powder form, in which several drawbacks related to recovery and reuse limit its application. Water softening experiments, carried out in a continuous flow system, with a column containing the glass fiber-zeolite NaA, showed high performance in decreasing the Ca2+ ions, with complete removal achieved for 20 mL of simulated hard water (Ca2+ 100.0 mg L-1) by using 200 mg of the sample in form of column (10 mm diameter × 300 mm high). The sample maintained this performance in a wide range of pH (3.0-9.0), and also presented a feasible regenerability, with no decrease in its performance during the first four cycles of use, reaching 87.3% of efficiency over the tenth cycle. INTRODUÇÃO Embora mais de dois terços da superfície terrestre sejam recobertos por água, pouco mais de 2,5% dessa é água doce, sendo que 70% encontra-se em geleiras, 29% em reservas subterrâneas, e somente 1% em rios, lagos e zonas pantanosas.1 Apesar de ser um recurso natural renovável, o seu fornecimento abrange complexos sistemas de captura, tratamento e distribuição. Fatores como crescimento populacional, elevados índices de poluição, devastação de florestas e períodos prolongados de estiagem em diversas regiões do planeta, têm impactado fortemente a disponibilidade de água potável.2-4 Além disso, os elevados custos dos métodos convencionais de desinfecção, descontaminação e dessalinização, fazem com que cada vez mais esforços sejam empreendidos em busca do desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e acessíveis.5 A dureza da água, propriedade relacionada à presença de altas concentrações de íons Ca2+ e Mg2+, é uma das características que a tornam imprópria para consumo, tanto doméstico como industrial. Águas subterrâneas oriundas de regiões onde há prevalência de rochas calcárias e dolomíticas, rochas sedimentares ou minerais ricos em cálcio e magnésio tendem a apresentar elevados teores desses cátions divalentes.6 O tratamento da água dura, denominado de abrandamento, consiste na remoção ou substituição desses íons. Métodos de abrandamento incluem a precipitação, métodos termoquímicos, osmose inversa e processos de troca iônica.7 A troca iônica se mostra um método especialmente atrativo e oferece muitas vantagens tais como baixo custo, elevada seletividade, alta eficiência, baixos teores de resíduos gerados e, principalmente, a possibilidade de regeneração do agente ativo.8 A escolha do material a ser utilizado no processo de abrandamento via troca iônica aparece como elemento central. Nesse sentido, diversos materiais vêm sendo estudados, dentre os quais destacam-se materiais poliméricos, argilominerais e zeólitas.9,10 Zeólitas são aluminossilicatos cristalinos hidratados de estrutura aberta, constituídos por tetraedros de [SiO4]4- e [AlO4]5-, ligados entre si por átomos de oxigênio e que apresentam um intricado sistema de canais e cavidades na forma de microporos (abertura < 2 nm).11 Aliado a esses sistemas de poros, uma combinação única de propriedades como altas áreas superficiais e capacidade de adsorção, acidez com intensidade controlável, elevada capacidade de troca iônica e alta estabilidade térmica12 faz com que as zeólitas, particularmente as zeólitas sintéticas, encontrem emprego em inúmeras aplicações industriais importantes, compondo um mercado que atualmente gira em torno de US$ 5,2 bilhões anuais, e que se encontra em plena expansão.13 O desempenho em aplicações como abrandamento depende fundamentalmente da capacidade de troca catiônica que, por sua vez, é maior para zeólitas com uma razão Si/Al baixa.14 A zeólita NaA (tipo LTA) apresenta uma razão Si/Al próxima a 1 e, portanto, se mostra como uma opção atrativa. Essa zeólita é, por sinal, a mais amplamente utilizada, em volume, e é empregada principalmente como aditivo em detergentes para a captura dos íons Ca2+ e Mg2+, os quais afetam fortemente a propriedade de detergência.13,15 Apesar das zeólitas apresentarem estruturas cristalinas com sistemas de poros bem definidos, a inexistência de poros maiores impõe limitações difusionais importantes, principalmente se levarmos em consideração que as zeólitas são materiais policristalinos, isso é, apresentam-se na forma de pó.16 Para algumas aplicações práticas, portanto, uma compactação das zeólitas, geralmente na forma de pellets, se faz necessária. Porém, isso acaba restringindo o acesso das espécies de interesse aos sítios ativos dos cristais zeolíticos presentes na superfície dos pellets. Uma estratégia que vem ganhando destaque para superar tais limitações envolve o conceito de hierarquização de estruturas zeolíticas.17 Ela combina os benefícios da baixa aglomeração de partículas, promovendo otimização da difusão de adsorbatos, com a redução de perdas observadas nas etapas de recuperação (filtração, centrifugação etc.)18,19 A hierarquização é uma propriedade recorrente na natureza e são muitos os exemplos de organismos e estruturas que apresentam redes de poros interconectados para um transporte de massa eficiente em termos energéticos.20 São conhecidas diversas metodologias para o preparo de zeólitas hierárquicas, podendo-se destacar rotas hidrotérmicas que se valem da cristalização de finas camadas de zeólita em suportes inertes ou reativos como alumina, aço, carbono, sílica, vidro, polímeros e diatomita.20,21 Nesse sentido, uma alternativa promissora e de baixo custo envolve o uso de fibras cerâmicas que além de atuarem como suporte para a cristalização da zeólita, possam também servir como fonte de Si e Al.22,23 No presente trabalho, apresentamos o desenvolvimento de um material poroso hierarquicamente estruturado, preparado a partir do crescimento de cristais da zeólita NaA sobre a superfície de fibras de vidro, e o estudo da avaliação do seu potencial no processo de abrandamento de água. Levando-se em conta que a preparação de zeólitas hierárquicas é um processo oneroso que, em geral, demanda diversas etapas e envolve o uso de reagentes químicos nocivos, a metodologia de síntese proposta neste trabalho se destaca por aliar o uso de matéria prima de baixo custo com procedimentos experimentais simples, dando origem a um material zeolítico com estrutura hierarquizada adequado para o emprego no abrandamento de água dura em sistemas de fluxo. Procedimentos experimentais Síntese da zeólita NaA suportanda em fibra de vidro Fibra de vidro (FV) (Synth, 99,5% de SiO2) foi utilizada como suporte para síntese da zeólita NaA. A fibra foi incialmente submetida a tratamento alcalino objetivando a geração de rugosidade para, assim, direcionar a nucleação de zeólita e seu subsequente crescimento sobre a superfície da primeira. O procedimento consistiu na imersão de 10,0 g da amostra FV em 100,0 mL de solução de NaOH 4,0 mol L-1, utilizando frasco de polipropileno, e agitação orbital moderada (200 rpm) durante períodos de 24,0 h ou 72,0 h. Após o tratamento alcalino, os materiais ativados foram lavados primeiro com solução de HCl 1,0 mol L-1 (2×), depois com água destilada (2×) e, em seguida, seco em estufa a 80,0 °C por 24h. Os materiais obtidos, isso é, as fibras de vidro ativadas, foram identificados como FVA-24 e FVA 72, de acordo com os tempos utilizadas no tratamento de 24,0 h e 72,0 h, respectivamente. As amostras de fibras ativadas foram submetidas a tratamento hidrotérmico na presença de diferentes quantidades de uma solução precursora. Para a preparação da solução precursora, 7,16 g de Na2SiO3 (Sigma-Aldrich, 50-53% de SiO2) foram dissolvidos em 35,0 mL de NaOH 0,21 mol L-1, usando um béquer de polipropileno, e em outro béquer 5,00 g de NaAlO2 (Sigma-Aldrich, 50-56% de Al2O3) foram dissolvidos em 35,0 mL de NaOH 0,21 mol L-1. A mistura dessas duas soluções resultou na solução precursora. Em seguida, 8,0 g das amostras das fibras ativadas (FVA-24 e FVA-72) foram acondicionadas em um reator de Teflon, com capacidade de 72,0 mL, juntamente com a solução precursora com o volume do reator completo (sistema A) ou pela metade (sistema B). Em ambos os casos, as fibras de vidro ficaram totalmente submersas na solução. O reator foi confinado em autoclave de aço inox, mantido em repouso a 25,0 °C por 18,0 h e, em seguida, aquecido a 100 °C por 4 h, em estufa. Após resfriamento, o material obtido foi removido do reator, lavado com água destilada e centrifugado a 4000 rpm (processo repetido 7 vezes, com intuito de reduzir a alcalinidade do meio). Cristais de zeólita que foram gerados sem estarem incorporados às fibras foram removidos usando-se jatos de água sobre as amostras, dispostas em uma peneira que foi usada com anteparo. As amostras obtidas foram denominadas de ZH-24-A, ZH-24-B, ZH-72-A e ZH-72-B e uma representação esquemática do processo de síntese é apresentado na Figura 1.
Figura 1. Representação simplificada dos procedimentos para a preparação das zeólitas hierárquicas
Caracterização dos materiais Difração de raios X As medidas de difração de raios X foram conduzidas em difratômetro para amostras policristalinas modelo X-Pert PRO MPD-Panalytical, com radiação de Co-Kα proveniente de tubo de cobalto operado com foco linear a 40,0 kV e 40,0 mA. Os difratogramas foram obtidos no intervalo de 2q = 5,0-50,0° e tempo de contagem de 67,0 s. A identificação de fases cristalinas foi realizada por meio do software X-Pert HighScore Plus (Panalytical). Microscopia eletrônica de varredura Análises de microscopia eletrônica de varredura foram realizadas em microscópio Quanta FEG, modelo 450-FEI, utilizando feixe de elétrons com aceleração de 20,0 kV e detectores de elétrons secundários e de energia dispersiva de raios X. As amostras foram preparadas em suportes de alumínio utilizando fita de carbono dupla-face e metalizadas com uma fina camada de ouro (aproximadamente 20 nm) em equipamento Quorum Q150T ES. Espectroscopia na região do infravermelho Análises de espectroscopia vibracional na região do infravermelho foram realizadas com todas as amostras sintetizadas, bem como com os suportes de vidro sem tratamento alcalino ou zeólita incorporada. As análises foram realizadas com as amostras dispersas em KBr, na forma de pastilhas, em equipamento Shimadzu, modelo IRTracer-100, na faixa de 400 a 4000 cm-1. Fluorescência de raios X Para a determinação da composição química das amostras deste estudo, foram realizadas medidas de fluorescência de raios X, utilizando espectrômetro de raios X de dispersão de comprimento de onda (WDX) sequencial da Rigaku, modelo ZSX mini II, operando a 40 kV e 1,2 mA, com tubo de Pd, capaz de produzir análises semiquantitativas dos elementos de número atômico maior ou igual ao do elemento flúor, até o elemento urânio. Ensaios de abrandamento Um sistema em coluna, utilizando a amostra contendo zeólita cuja síntese se mostrou mais satisfatória, foi montado para a realização dos ensaios de abrandamento. As amostras de fibra recobertas com a zeólita NaA foram acondicionadas em coluna de vidro de borossilicato através da qual se passou solução de Ca2+ 100,0 mg L-1. Para o estudo da influência da massa de zeólita hierárquica, foram utilizadas colunas (10 mm de diâmetro × 300 mm de altura) contendo 25,0; 50,0; 75,0; 100,0; 200,0; 300,0; 400,0 e 500,0 mg do material. A cada coluna passou-se alíquotas de 20,0 mL da solução de Ca2+ 100,0 mg L-1, sob fluxo de 1,0 mL min-1 em triplicata. O efeito do pH na adsorção de íons cálcio foi avaliado ajustando-se o pH para 3,0; 5,0; 7,0 ou 9,0. Nesses experimentos, foram eluídas alíquotas de 100 mL da solução de Ca2+ 100 mg L-1, gota a gota, fazendo-se coletas de 5,0 mL após a eluição. Para o estudo da capacidade de regeneração do suporte, foi feita a eluição de alíquotas de 20,0 mL da solução de Ca2+ 100,0 mg L-1 em 500,0 mg do material zeolítico. Ao término de cada eluição, foi realizada regeneração por meio da passagem de 100,0 mL de uma solução de NaCl 1000,0 mg L-1 e de e 50,0 mL de água bidestilada. Ao todo, foram feitas 9 regenerações, totalizando 10 ciclos de abrandamento. Embora o Ca2+ seja o íon mais representativo quando se trata de dureza de água, outros íons como, por exemplo, Mg2+ e Fe2+ também podem estar presentes. Com o intuito de avaliar o desempenho dos materiais sintetizados em um cenário mais próximo ao de amostras reais, foram preparadas três soluções de Ca2+ e de Mg2+ nas concentrações de Ca2+ 103,8 mg L-1, Mg2+ 37,2 mg L-1 (3:1); Ca2+ 32,5 mg L-1, Mg2+ 105,8 mg L-1 (1:3) e Ca2+ 104,5 mg L-1, Mg2+ 103,6 mg L-1 (1:1). Alíquotas de 20,0 mL dessas soluções foram eluídas em colunas contendo 500 mg de amostras de fibra recobertas com a zeólita NaA. Além disso, foi também realizado o tratamento com amostras de água de dois poços artesianos, localizados nas cidades de Tauá (Sítio Bomtempo, 5°54'16.3"S 40°26'16.5"W, com 164 m de profundidade, sendo 130 m no aluvião e 34 m no cristalino) e Crateús (Sítio Calcanha, 5°26'06.0"S 40°54'06.3"W, com 80 m de profundidade, sendo 4 m no aluvião e 76 m no cristalino), ambas no estado do Ceará. A determinação de íons Ca2+ e Mg2+ nas soluções foi feita por meio de titulação volumétrica de complexação. As soluções foram alcalinizadas (pH 10,0) e tituladas com solução padrão de ácido etilenodiaminatetracético (EDTA). O ponto de equivalência foi determinado com o auxílio dos indicadores complexantes Eriocromo T, para determinação de dureza total (Ca2+ e Mg2+), e Murexida para determinação de íons Ca2+.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização A seguir são apresentados e discutidos os resultados de caracterização dos materiais zeolíticos juntamente com a avaliação da aplicabilidade desses materiais no abrandamento de água por meio de processo em fluxo. As composições das amostras objeto desse estudo são mostradas na Tabela 1. Os resultados são apresentados na forma equivalente de óxidos.
A fibra de vidro (FV) apresenta como componente majoritário o óxido de silício. Convém ressaltar que a conversão para a forma de óxido é uma prática comum em medidas de fluorescência de raios X, não significando que seja essa a forma presente na amostra. Contudo, este formato permite avaliar mudanças composicionais relacionadas à formação (ou não) das fases de interesse. As amostras de materiais zeolíticos apresentam teores elevados de óxido de alumínio na sua composição, o que é um forte indicativo da formação de zeólita. Quando se compara a quantidade de alumínio e silício entre a amostra de zeólita pura e a amostra ZH-72-A, por exemplo, e admitindo-se que quase a totalidade do alumínio faz parte da estrutura da zeólita, é possível estimar que a quantidade de zeólita na amostra final, portanto, incorporada à superfície da fibra de vidro, aproxima-se de 50%, em massa. Além disso, observa-se a inexistência de compostos que possam estar associados à formação de impurezas, exceto alguns elementos já presentes na fibra de vidro. Fibra de vidro O tratamento alcalino da fibra de vidro teve por objetivo modificar sua superfície gerando rugosidade que pudesse favorecer a nucleação e subsequente crescimento da zeólita NaA, incorporando-a na superfície do suporte, composto essencialmente por sílica. Os difratogramas de raios X dessas amostras (Figura 2a) demonstram que o tratamento alcalino não promoveu alterações estruturais nas características já amorfas dos materiais, não havendo, portanto, nesse processo a formação de fases cristalinas. As micrografias da fibra de vidro são mostradas na Figura 2b. Por meio dessas imagens é possível verificar que a fibra de vidro sem tratamento (amostra FV) apresenta uma superfície predominantemente lisa e com textura uniforme, enquanto a exposição ao meio básico dá origem a deformações superficiais, isto é, uma rugosidade discreta que é percebida na forma de pequenas crateras na amostra FVA-24 e que se torna mais evidente na amostra FVA-72, cujo tempo de contato com a solução de NaOH foi maior. Nas análises de espectroscopia de absorção na região do infravermelho das amostras FVA-24 e FVA-72, cujos espectros são mostrados na Figura 2c, destacam-se as bandas centradas em 1053, 775 e 473 cm-1, para a amostra FVA 24, e as bandas 1045, 770 e 492 cm-1, para a amostra FVA-72, as quais correspondem à ligação Si-O-Si dos silicatos que compõem a estrutura das fibras de vidro.
Figura 2. Caracterização dos materiais hierárquicos contendo zeólita A, sem tratamento alcalino prévio da fibra de vidro: (a) DRX, (b) MEV e (c) IV
Zeólita hierárquicas Os difratogramas de raios X das amostras ZH-24A e ZH-24B, obtidas a partir das fibras submetidas a tratamento alcalino de 24 h, são apresentados na Figura 3a. Em ambas as amostras são observados picos condizentes com a zeólita NaA, identificadas pela microficha do banco de dados ICSD 24901, porém, a amostra preparada com menor quantidade de reação precursora (ZH-24B) apresenta picos menos intensos que o observado para a amostra sintetizada com maior volume da solução precursora (ZH-24A), o que sugere menor quantidade de cristais de zeólita sobre a superfície da sílica amorfa (fibra de vidro). As micrografias para essas duas amostras são mostradas na Figura 3b, na qual é possível observar facilmente a formação de cristais com hábito cúbico sobre a superfície da fibra de vidro, com prevalência em regiões com rugosidade ou com falhas aparentes. Para essas amostras, não é possível identificar diferença apreciável quanto a influência do meio reacional (A ou B) em relação a eficiência da síntese dos cristais zeolíticos uma vez que a formação desses se mostra muito semelhante nas duas amostras.
Figura 3. Caracterização dos materiais contendo a zeólita A, após 24h de tratamento alcalino da fibra de vidro: (a) DRX, (b) MEV e (c) IV
As análises de espectroscopia de absorção na região do infravermelho fornecem informações que auxiliam na avaliação estrutural dos materiais obtidos, servindo como uma importante técnica complementar à difração de raios X. O espectro de infravermelho da amostra ZH-24-A (Figura 3c) apresenta um conjunto de sinais intensos característicos da zeólita NaA. As bandas em 3431 e 1655 cm-1 referem-se ao estiramento simétrico da ligação O-H de moléculas de água ou de grupos silanois.24 A banda intensa em 1005 cm-1 é atribuída ao estiramento assimétrico da ligação (Si,Al)-O, enquanto a banda discreta em 667 cm-1 diz respeito ao estiramento simétrico da ligação (Si,Al)-O.25-27 A banda em 555 cm-1 é relacionada ao anel duplo de quatro membros (4DR) que conecta as unidades sodalita, e a banda em 465 cm-1 refere-se às ligações Si-O-Al.28 Estes sinais mostram-se com uma forte evidência da formação da zeólita A. Embora algumas dessas bandas sejam visíveis no espectro da amostra ZH-24-B, elas apresentam intensidades consideravelmente menores e, além disso, outras bandas estão presentes, apontando uma formação limitada da zeólita NaA nesta amostra. Com o intuito de obter uma maior quantidade de zeólita, foi feita a síntese de mais material agora usando fibra de vidro tratada em meio alcalino por um período maior, de 72 h. Os resultados de caracterização para as amostras obtidas são apresentados na Figura 4. Os difratogramas de raios X das amostras ZH-72-A e ZH-72-B (Figura 4a) apresentam picos característicos da zeólita NaA e mais intensos que os observados para as amostras preparadas a partir das fibras submetidos ao tratamento alcalino de 24 h. Além disso, é importante mencionar que não foram observados picos de difração relacionadas a outras fases cristalinas, um forte indicativo de eficiência das sínteses.
Figura 4. Caracterização dos materiais contendo zeólita A, após 72h de tratamento alcalino da fibra de vidro: (a) DRX, (b) MEV e (c) IV
As micrografias dessas amostras (Figura 4b) permitem observar os cristais cúbicos da zeólita NaA, como apontado nos resultados de DRX, formando uma camada relativamente coesa sobre a superfície da fibra de vidro. Uma propriedade importante observada, e que é desejável, diz respeito ao favorecimento da cristalização da zeólita nas rugosidades da fibra de vidro, fazendo com que os cristais zeolíticos se mantenham ligados ao suporte e, ao mesmo tempo, não se organizem de forma aglomerada. Essas características são especialmente relevantes para o processo de abrandamento da água, pois maximiza o contato entre os íons Ca2+ presentes na água dura a ser tratada e os cristais da zeólita. Os espectros do IV, em particular da amostra ZH-72-A, mostram sinais intensos e coerentes com a zeólita NaA, como já discutido para as outras amostras. Abrandamento Tendo em vista os resultados observados para a amostra ZH-72-A, com a zeólita A apresentando cristais com tamanhos regulares e recobrindo de forma razoavelmente satisfatória o suporte de vidro, esta amostra foi escolhida para os ensaios de abrandamento. Na Figura 5 são apresentados os resultados dos ensaios de abrandamento em função da massa do material hierárquico. O material mostrou-se eficiente no processo de abrandamento e, como esperado, apresentou aumento na eficiência de remoção de íons Ca2+ com o aumento da massa de material zeolítico utilizado, com abrandamento completo sendo atingido a partir de 200,0 mg.
Figura 5. Efeito da variação de massa da amostra ZH-72-A nos ensaios de abrandamento
Considerando-se os resultados apresentados na Figura 5, a capacidade de remoção para íons Ca2+ é estimada em 10 mg por g de material zeolítico. Como aproximadamente metade da massa do material zeolítico é de fato a zeólita A, conforme previsto nas análises de fluorescência de raios X, a capacidade de remoção para íons Ca2+ se aproxima de 20 mg por g de zeólita. Esse valor é um pouco abaixo dos valores observados em outros trabalhos que fizeram uso da zeólita A na forma de pó,27-30 o que de certo modo é esperado já que os cristais zeolíticos dos materiais aqui apresentados se encontram integrados à superfície da fibra de vidro e portanto têm parte da sua superfície inacessível. Contudo, a praticidade advinda da possibilidade de se usar um sistema em fluxo pode compensar essa diferença. Outra propriedade importante para um agente de abrandamento é sua capacidade de regeneração e reuso. Nesse sentido, foram realizados ensaios de regeneração percolando-se uma solução Na+ (1000,0 mg L-1) através da coluna contendo o material zeolítico. É sabido que soluções com alta concentração deste íon (cerca de 10× a concentração de Ca2+) apresenta potencial para substituir os íons Ca2+ então retidos na estrutura da zeólita, reativando-a para o processo de abrandamento.31 A Figura 6 mostra a eficiência de regeneração e reuso da coluna em alíquotas de 20,0 mL da solução de Ca2+ 100,0 mg L-1, usando 500,0 mg do material zeolítico, em sucessivos ciclos.
Figura 6. Desempenho da zeólita hierárquica ZH-72-A no processo de abrandamenteo em sucessivos ciclos de regeneração
Nos primeiros quatro ciclos, os processos de regeneração levaram ao abrandamento total da água utilizada, apresentando uma ligeira queda a partir do quinto ciclo, com abrandamento de 94,5% da água. Observou-se uma queda contínua na eficiência, porém pequena, nos ciclos seguintes até o décimo ciclo, no qual a eficiência foi de 87,3%. Esse decréscimo na eficiência está possivelmente associado à lixiviação de cristais de zeólita provocada pela solução em fluxo. Entretanto, tal decréscimo pode ser considerado aceitável considerando-se a quantidade ciclos avaliados. A Figura 7 mostra os resultados da concentração remanescente de Ca2+ após tratamento, sob fluxo contínuo, na coluna contendo a amostra ZH-72-A (500,0 mg), com a coleta de alíquotas de 5,0 mL. Observa-se que conforme a solução de Ca2+ passa através da coluna, o teor de Ca2+ remanescente aumenta, indicando a saturação crescente do material zeolítico. Com a passagem do volume total de 100,0 mL de solução de Ca2+ 100 mg L-1, verificou-se uma concentração remanescente de 46 mg L-1, o que corresponde, para esse volume, a uma capacidade de abrandamento de 54%.
Figura 7. Concentração de Ca2+ após passagem de solução de Ca2+ 100,0 mg L-1 por coluna de zeólita hierárquica
A avaliação do efeito do pH sobre a eficiência da amostra de zeólita hierárquica mostra-se relevante considerando as diferentes condições encontradas para amostras reais, notadamente águas de poço que se apresentam em uma faixa ampla de pH.32 A influência do pH sobre a eficiência da amostra ZH-72-A como abrandador foi estudada em valores de pH de 3,0, 5,0, 7,0 e 9,0. As concentrações remanescentes de Ca2+ após a passagem das respectivas soluções pela coluna são apresentadas na Figura 8, para cada valor de pH.
Figura 8. Efeito do pH da solução no desempenho da amostra ZH-72-A no abrandamento
Observa-se uma completa remoção dos íons Ca2+ para o volume de solução tratado (20,0 mL) considerando-se os quatro valores de pH analisados, o que implica em não haver variação na eficiência do processo de abrandamento, com elevada eficiência do material zeolítico independemente do pH estudado. Os resultados de abrandamento utilizando soluções contendo Ca2+ e Mg2+, assim como das amostras de poço são apresentados na Figura 9.
Figura 9. Concentração de Ca2+ e de Mg2+ (a) em soluções com razões 1:3, 1:1 e 1:3, e (b) em amostras de poços artesianos antes e após passagem por coluna de zeólita hierárquica
Conforme pode ser observado na Figura 9a, o tratamento realizado para a solução na proporção 3:1 (Ca2+ e Mg2+) fez com que as concentrações de Ca2+ e Mg2+ decrescessem de 103,75 e 37,15 mg L-1 para 1,58 e 41,38 mg L-1, indicando que o material zeolítico mostra-se mais seletivo para o íon Ca2+. O tratamento da solução com proporção invertida, isso é, 1:3, em que a concentração do íon Mg2+ é maior, deixa ainda mais claro o efeito da seletividade para o íon Ca2+, e que é reforçado no tratamento da solução 1:1. Esses resultados estão de acordo com o reportado por Ghadamnan et al.,33 e se justificam pela maior afinidade entre os íons Ca2+ e a estrutura da zeólita A, cuja abertura de poros apresenta-se mais próxima ao raio iônico hidratado do Ca2+ (0,412 nm) que o do Mg2+ (0,428 nm).34,35 Ao comparar as concentrações dos íons Ca2+ e Mg2+ nas duas amostras de água de poço (Figura 9b), antes e após o tratamento com o material zeolítico, foi observado que na amostra 1 (poço Calcanha), os íons Ca2+ e Mg2+ foram totalmente removidos da amostra, o que era esperado considerando-se a baixa concentração desses íons em solução (15,84 mg L-1 para Ca2+ e 6,65 mg L-1 para Mg2+). Para a amostra 2 (poço Bomtempo), com concentrações de íons Ca2+ e Mg2+ de 83,6 e 111,2 mg L-1, respectivamente, os íons Ca2+ foram adsorvidos em sua totalidade e a concentração de íons Mg2+ em solução foi reduzida a 79,83 mg L-1, resultados que estão de acordo com ensaios realizados nas amostras preparadas em laboratório.
CONCLUSÕES A síntese da zeólita NaA sobre uma estrutura filamentosa de vidro de baixo custo se mostrou eficiente, com cristais zeolíticos crescidos presos à superfície do vidro. Essa característica demandou tratamento alcalino, com o tempo de 72 h, levando a um material com rugosidade apreciável, porém, sem comprometer sua estrutura. Esse tipo de material zeolítico propiciou o uso de colunas para processo de abrandamento de água dura, realizado sob fluxo, tomando-se como referência uma solução de Ca2+ com concentração condizente com água muito dura. O material apresentou elevada seletividade para Ca2+ na presença de íon Mg2+, assim como se mostrou adequado para o abrandamento de amostras de água de poços artesianos, apresentado resultados promissores e com potencial de regeneração.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Central Analítica da Universidade Federal do Ceará pelas análises de microscopia de varredura eletrônica (UFC/CT-INFRA/MCTI-SISNANO/Pró-equipamentos-CAPES). Este trabalho foi parcialmente financiado por meio de recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES (PROEX 23038.000509/2020-82).
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