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Assuntos Gerais


AOPs são o futuro da ecotoxicologia?
Are AOPs the future of ecotoxicology?

Paula Suares Rocha*; Gisela de Aragão Umbuzeiro

Faculdade de Tecnologia, Universidade Estadual de Campinas, 13484-332 - Limeira - SP, Brasil

Recebido em: 28/04/2021
Aceito em: 27/07/2021
Publicado em: 25/08/2021

Endereço para correspondência

*e-mail: psr.ecotox@gmail.com

RESUMO

AOPs (Adverse Outcome Pathways) were introduced in the field of ecotoxicology due to the need of replacement of the classic system for assessing adverse results (considering only the mortality of organisms exposed to certain substances or mixtures) to a predictive system based on the measurement of biological events occurring primarily at a molecular level and having clear biological relationships with potential adverse effects on more complex biological systems. AOPs are useful for organizing and integrating information related to the toxic potential of chemical substances alone or in mixtures, in exposed organisms, supporting the prediction and understanding of the effects induced by stressors and the development of action plans in order to reduce the exposure of organisms to acceptable levels. This tool is already gaining strength and being used worldwide by scientists, and in the future it may be the basis for the regulation of chemical substances and their mixtures. This article presents the basic principles related to the development and use of an AOP, in a simple and objective way, in addition to presenting a practical example of this tool, which can be considered the future of ecotoxicology.

Palavras-chave: environmental chemistry; biological tests; adverse outcome pathways.

INTRODUÇÃO

A avaliação dos efeitos de contaminantes no ecossistema deve ser baseada não somente considerando a exposição à químicos, mas também identificando os alvos de risco, determinando as concentrações de exposição relacionadas à biodisponibilidade de poluentes e investigando as respostas biológicas.1 A investigação das respostas biológicas pode ser realizada por uma ferramenta importantíssima chamada de ecotoxicologia.

A ecotoxicologia foi definida pelo toxicologista francês René Truhaut como "o ramo da toxicologia que estuda os efeitos tóxicos dos poluentes naturais ou sintéticos aos constituintes do ecossistema, animal, vegetal e microbial, em um contexto integrado".2

Pesquisas ecotoxicológicas têm como objetivo entender os fenômenos toxicológicos em diferentes biotas, populações e ecossistemas, e diversos aspectos como mecanismos de ação tóxica e processos ecológicos em sistemas contaminados,3 e são importantes para a avaliação de efeitos e mecanismos de ação de agentes tóxicos em diferentes ambientes.

Até pouco tempo, os testes utilizados para a avaliação de efeitos toxicológicos e ecotoxicológicos eram centrados em exposição de organismos inteiros (testes in vivo) à determinados produtos químicos preocupantes, o que sempre envolveu alto custo e tempo,4 além de apresentarem resultados relacionados apenas à toxicidade aguda (mortalidade). Porém, os efeitos tóxicos induzidos por determinadas substâncias ou misturas podem ocorrer em todos os níveis de organização biológica, desde o molecular até o ecossistema. Em relação ao meio ambiente, não apenas certos organismos podem ser afetados, mas o ecossistema como um todo (terrestre e aquático), nas suas estruturas e funções.5

Com a necessidade de criação de novos modelos e ferramentas científicas de avaliação do potencial tóxico de substâncias e amostras ambientais, novas técnicas que permitem prever o potencial tóxico de substâncias químicas e misturas complexas foram e vem sendo desenvolvidas. Testes in vitro e in vivo avaliando efeitos específicos (e não apenas mortalidade) em sistemas testes alternativos (como células cultivadas em laboratório, embriões de diferentes animais, entre outros) começaram a ser utilizados, aliando a necessidade de novas ferramentas de investigações (eco)toxicológicas com a crescente preocupação da sociedade com o uso ético de animais.6-10 Modelos de predição em programas computacionais (toxicologia in silico, Structure-activity relationships - QSAR models) utilizando informações relacionadas às estruturas moleculares, características físico-químicas e dados toxicológicos reportados em literatura foram também desenvolvidos nos últimos anos, com o intuito de caracterizar e prever o potencial tóxico de substâncias químicas em humanos e no meio ambiente.11-14 Além disso, tecnologias de triagem de alto rendimento (High-throughput screening assays) baseadas em mecanismos relevantes para avaliar o potencial tóxico de agentes estressores vem sendo desenvolvidas e cada vez mais utilizadas.10,15-18

A combinação de diferentes métodos bioanalíticos permite investigar múltiplos parâmetros, além de auxiliar no melhor entendimento de modos de ação de agentes estressores e das vias de toxicidade, e consequentemente na interpretação dos resultados das investigações (para revisão veja19-22). Porém, é necessário entender como essas alterações precoces (em nível molecular e celular) podem estar relacionadas a efeitos apicais,23 ou seja, entender as possíveis vias de efeitos relacionadas à exposição de organismos a determinadas substâncias químicas ou misturas, que levarão a resultados adversos. Uma vez que esses agentes estressores podem exercer seus efeitos adversos por meio de mais de uma via, é preciso levar em consideração todas as possíveis vias associadas a ele e suas potenciais interações.24 O entendimento desses modos de ação pode servir então de base para a extrapolação de efeitos em organizações biológicas mais complexas.4

 

ADVERSE OUTCOME PATHWAYS (AOPS)

O termo Adverse Outcome Pathway (AOP), que pode ser traduzido como "via de efeito adverso" ou " via de resultado adverso", foi introduzido nos campos da toxicologia e ecotoxicologia preditivas em 2010, por Ankley e co-autores,25 a partir da necessidade da substituição de sistema clássico de avaliação de resultados adversos (considerando apenas a mortalidade dos organismos expostos a determinadas substâncias ou misturas), para um sistema preditivo baseado na medição de eventos biológicos ocorrendo primeiramente em nível molecular e que tenham relações biológicas claras com efeitos adversos potenciais em sistemas biológicos mais complexos.23 Essa ferramenta foi primeiramente criada para ser utilizada em processos regulatórios de substâncias químicas, melhorando as abordagens preditivas necessárias para seu avanço,25 porém, vem se estendendo também para o campo da investigação ambiental, onde são avaliados os potenciais tóxicos de misturas complexas.26

AOPs já vem ganhando força e sendo utilizados por cientistas em várias partes do mundo. Porém, no Brasil, pouco ainda se ouve falar sobre esse assunto.

Para padronizar e formalizar o seu uso, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organization for Economic Co-operation and Development - OECD), publicou, em 2013, um manual de orientação para o desenvolvimento e avaliação de AOPs, que foi revisado no ano de 2017.4 Um material suplementar a este manual foi desenvolvido pela mesma organização em 2016 e revisado em 2017 e 2018.27 Desde então, a OECD vem viabilizando também vários materiais relacionados ao desenvolvimento de AOPs de efeitos específicos (disponibilizados em www.oecd-library.org e http://aopwiki.org)28,29

De acordo com Ankley et al. (2010)25 um AOP pode ser definido como uma sequência de eventos capazes de induzir efeitos adversos em organismos ou populações expostas a determinados agentes estressores (por exemplo, substâncias químicas ou misturas ambientais). Essa sequência de eventos se inicia com um evento-chave em nível molecular (evento de iniciação molecular), progride para uma série de eventos-chave que vão desde nível celular até organismo, e que podem ser relacionados entre si (relação de eventos-chave), e resultam em um efeito adverso (resultado adverso), em níveis mais complexos de organização biológica. Assim, podemos considerar um AOP como um conjunto de eventos-chave, mensuráveis, causados por um agente estressor em nível molecular, conectados por relações entre esses eventos, que culminarão em um efeito adverso em um organismo ou uma população (Figura 1).

 


Figura 1. Estrutura de um AOP (Adverse outcome pathway). Números (1), (2) e (3) indicam diferentes eventos-chaves. Esquema modificado de Altenburger et al. (2015)26

 

Um evento de iniciação molecular é um evento especializado, que dará início ao AOP, onde o agente estressor (uma substância química isolada ou uma mistura de substâncias, por exemplo) induz uma perturbação biológica em uma molécula do organismo exposto. Pode ser caracterizado, por exemplo, por uma inibição enzimática ou um dano ao DNA, e normalmente é avaliado por testes in chemico, in silico ou in vitro.27,30,31

Os eventos-chave são mecanismos de toxicidade e podem ser alterações biológicas ou morfológicas, que se relacionam entre si por meio de uma cadeia causal.31,32 Essas relações são essenciais para o avanço da perturbação biológica (um evento-chave pode induzir ao outro), e acabam induzindo o efeito adverso. Um evento-chave pode ser caracterizado, por exemplo, como uma alteração nas vias metabólicas, uma modificação de funções celulares ou uma alteração na função de um determinado órgão.30 Eventos-chave precoces (em nível celular) são normalmente avaliados com testes in vitro ou in vivo, enquanto eventos-chave intermediários e tardios (tecidos e órgãos) podem ser avaliados com testes in vivo.31

De acordo com a OECD,4,27 um AOP pode apresentar vários eventos-chaves, porém apenas um evento de iniciação molecular e um resultado adverso; todavia, quando se trata da investigação de misturas ambientais, é possível definir eventos-chaves a partir da integração de vários eventos de iniciação molecular, o que pode resultar na observação simultânea de eventos e na detecção de efeitos combinados inesperados.26

A relação de eventos-chave funciona como uma conexão entre eventos anteriores e posteriores e pode auxiliar na predição e extrapolação de um evento-chave posterior, a partir da medição ou predição de efeito de um evento-chave anterior.4,33

O resultado adverso (ou efeito adverso) é a consequência de um ou mais eventos-chaves, em um nível biológico organizacional mais complexo (organismo ou população). Essa consequência pode comprometer a capacidade de funcionamento ou de reparação de um organismo. Tipos de câncer, problemas na reprodução de uma espécie, ou mortalidade nos estágios iniciais de vida, por exemplo, podem ser considerados resultados adversos.30,31,34,35 Como citado anteriormente, para a avaliação de resultados adversos em organismos, pode-se utilizar testes in vivo. Porém, uma vez que a avaliação em nível populacional é mais ampla e complexa, informações epidemiológicas,36 ou de biologia populacional são necessárias.19

O resultado adverso é o efeito final resultante da exposição ao agente estressor e cada evento-chave é examinado quanto à sua relevância em relação a indução desse efeito. Um AOP pode ser composto por apenas um resultado adverso, que pode ter significância regulatória (um determinado endpoint utilizado em diretrizes de proteção) ou por possíveis efeitos combinados (quando se trata de misturas complexas). Assim, os AOPs buscam utilizar conhecimentos existentes sobre os eventos-chaves, em uma avaliação integrada, para entender os efeitos adversos resultantes desses eventos.30

AOPs podem ser utilizados para classificar substâncias de acordo com suas vias toxicológicas; organizar, relacionar e facilitar a interpretação de dados científicos já existentes; identificar lacunas relacionadas à determinados conhecimentos ou possíveis falhas nas baterias de testes utilizados em processos regulatórios ou na investigação da saúde ambiental; auxiliar no direcionamento de pesquisas e fornecer bases para interpretação de avaliações de perigo potencial relacionadas à substâncias químicas ou misturas, e desenvolver estratégias de avaliações e modelos preditivos para essas investigações.23,26,31,37

 

COMO DESENVOLVER OU UTILIZAR UM AOP

Para desenvolver um AOP, alguns princípios fundamentais devem ser considerados:4,37,38

1º. AOPs não são específicos para substâncias químicas, pois não descrevem seus modos de ação e sim sequências de eventos biológicos e transições entre eventos que induzirão à resultados adversos. Assim, as descrições das vias devem ser independentes do agente estressor;

2º. AOPs são modulares, ou seja, divididos em partes (eventos de iniciação molecular, eventos-chave e relações de eventos-chave) para facilitar o entendimento e descrição dos processos toxicológicos que culminarão nos resultados adversos. Além disso, eventos-chaves e suas relações podem fazer parte de mais de um AOP;

3º. AOPs são unidades objetivas de desenvolvimento e predição de efeitos;

4º. AOPs são documentos vivos, ou seja, estão em constante processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento.

Em 2014, com o intuito de facilitar o desenvolvimento e entendimento de AOPs, a OECD lançou uma base de conhecimento no assunto (AOP Knowledgebase, AOP-KB),39 em parceria com o Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Européia (Joint Centre of the European Commission - JRC),40 a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US Environmental Protection Agency - US EPA),41 e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Engenheiros do Exército dos EUA (US Army Engineer Research and Development Centre).42 Dentre os módulos inclusos nesta base de conhecimento se destaca a AOP Wiki,29 um sistema de livre acesso, que funciona como um repositório central para AOPs, organizando e revisando informações e documentos relacionados aos seus diferentes elementos, e oferecendo cursos e orientações online aos usuários.4,27,31

A construção de um AOP leva em consideração uma hipótese e várias maneiras de testá-la, por meio da organização de informações já existentes (revisão de literatura, por exemplo) ou da disponibilização de novas informações (pelo desenvolvimento de testes com protocolos já bem estabelecidos ou por novos métodos de investigação). Assim, para contribuir com a rede de AOPs, o pesquisador pode: 1. iniciar um AOP relacionado à determinado efeito adverso; 2. trabalhar com partes de um AOP (levando em consideração alguns eventos-chave e suas possíveis relações) ou 3. avaliar um único evento-chave.

Não há uma ordem correta para o início de um AOP - o pesquisador pode iniciar sua investigação por eventos-chave, eventos de iniciação molecular ou mesmo efeitos adversos - tudo depende de sua área de expertise e de qual hipótese será testada. Além disso, as cooperações estabelecidas no processo de construção de um AOP (ou de parte dele) podem auxiliar na organização de conhecimento e dados já existentes relacionados às vias de efeito que culminarão no determinado efeito adverso avaliado, além de facilitar a identificação de lacunas no conhecimento dessas vias. Isso pode evitar a duplicação de dados e permite aos pesquisadores envolvidos a geração de dados mais confiáveis e de maior impacto.

É de suma importância que todo o conhecimento relevante já existente seja compilado no início do desenvolvimento do trabalho e que seja feita uma avaliação das possíveis relações entre os eventos-chave já disponíveis.

Os dados gerados no desenvolvimento de um AOP (ou parte dele) podem ser compartilhados com a AOP-KB, por exemplo, pela AOP-Wiki.29 Atualmente, a AOP-KB,39 já conta com mais de 350 AOPs disponibilizados (aprovados ou em desenvolvimento), abordando diversos eventos de iniciação molecular e efeitos adversos. Dentre os efeitos adversos avaliados destacam-se mortalidade, problemas relacionados à fertilidade, disfunção ou falha reprodutiva, problemas neurológicos e hepáticos e má-formação congênita. Com a necessidade de um aprofundamento no entendimento das possíveis vias de efeitos adversos relacionados à mutação hereditária, AOPs relacionados à genotoxicidade e mutagenicidade (em células somáticas e germinativas) vem aos poucos ganhando espaço na AOP-wiki,29 (exemplos: Yauk et al., 2016, Moore et al., 2018).43,44 A possibilidade de vinculação de eventos moleculares à possíveis mutações pode auxiliar muito na tomada de decisões regulatórias e na manutenção da qualidade ambiental, especialmente quando se trata de mutações hereditárias (incluindo efeitos resultantes na prole e no pool genético, que podem comprometer toda uma população), e AOPs direcionados ao assunto podem auxiliar na identificação de lacunas de pesquisas, além de fornecer contexto para o desenvolvimento de novas estratégias.36,43

 

UM EXEMPLO DE AOP - INIBIÇÃO DA AROMATASE INDUZINDO DISFUNÇÃO REPRODUTIVA EM PEIXES

Villeneuve (2016)45 desenvolveu um AOP de grande relevância ecológica - AOP 25 da AOP Wiki (https://aopwiki.org/aops/25)46 Este AOP foi desenvolvido para avaliar como a inibição da aromatase poderia ser capaz de induzir disfunção reprodutiva em peixes, o que pode acarretar no declínio de populações de peixes expostos à substâncias com essas características.

A enzima aromatase faz parte do sistema enzimático do Citocromo P450, é responsável pela transformação de andrógenos em estrógenos e é expressa em vários tecidos de vertebrados, como nas gônadas, cérebro, tecido adiposo e ossos.47 Assim, o estrógeno está envolvido no bom funcionamento dos sistemas reprodutor, neuroendócrino e esquelético.48 Porém, alterações em seus níveis podem acarretar em enfermidades, como infertilidade, osteoporose ou diferentes tipos de câncer.47,48

Para tratar doenças relacionadas à desregulação hormonal de estrógeno são utilizados inibidores de aromatase, que são compostos que interferem na capacidade do organismo em produzir estrogênio a partir de andrógenos.49 Esses inibidores são muito utilizados, por exemplo, no tratamento de câncer de mama.49-52 Todavia, já se sabe que essas substâncias podem atingir os corpos d'água por diversos meios (efluentes de tratamento de esgotos domésticos, industriais e hospitalares; processos de lixiviação de descartes terrestres, etc.),53,54 e podem representar uma ameaça à diversos organismos aquáticos, incluindo peixes.

Villeneuve (2016),45 detalha a relação entre a inibição da aromatase em gônadas de peixes fêmeas e a disfunção reprodutiva, por meio da redução da fecundidade cumulativa e desova, abrangendo cinco níveis de organização (molecular, celular/tecido, órgão/sistema orgânico, indivíduos e populações). Como exemplos de inibidores de aromatase são citadas as substâncias químicas fadrozole, letrozole e procloraz.

O AOP aponta como evento de iniciação molecular a inibição da aromatase, após exposição aos inibidores. A atividade da aromatase pode ser medida em culturas de células expostas ao inibidor in vitro ou em tecidos de vertebrados expostos in vivo.

Como eventos-chave, que podem ser medidos em células cultivadas em laboratório, em tecidos de organismos expostos e/ou nos indivíduos expostos, são considerados: 1) a redução da concentração plasmática de 17β-estradiol em peixes fêmeas; 2) a redução da síntese de vitelogenina no fígado de peixes fêmeas (em células ou tecidos); 3) o acúmulo de vitelogenina em oócitos relacionado ao crescimento/desenvolvimento desses; 4) a redução da síntese de 17β-estradiol por células do ovário; 5) a redução das concentrações plasmáticas de vitelogenina; 6) a redução da fecundidade cumulativa e desova. Esses eventos-chave são relacionados de alguma forma com o sistema reprodutor de peixes. O estradiol, por exemplo, é o principal estrógeno produzido pelos ovários. A vitalogenina é uma proteína precursora da gema de ovo, sintetizada no fígado e regulada principalmente pelos estrógenos, em vertebrados. Assim, um evento pode induzir ou estar direta ou indiretamente ligado a outro (o que demonstra as relações entre eventos-chave). A Figura 2 apresenta a esquematização do AOP exemplificado.

 


Figura 2. Esquematização do AOP relacionado à inibição da aromatase pela substância fadrozole, induzindo disfunção reprodutiva em peixes (esquema modificado de Villeneuve (2016)45

 

Os eventos-chave apresentados neste AOP podem ser medidos com técnicas in vitro (pela exposição de células cultivadas em laboratório, por exemplo) ou in vivo (pela medição de órgãos ou tecidos, derivados de organismos expostos), ou ainda por observações diárias a olho nu (no caso da redução da fecundidade e desova). Análises químicas, ensaios de Elisa, de PCR em tempo real, entre outros, podem ser utilizados para a medição dos eventos utilizando células ou tecidos.

Por fim, como efeito adverso é considerada a diminuição da trajetória da população. A manutenção de populações de vida selvagem (incluindo de peixes) leva em consideração as mudanças no tamanho da população ao logo do tempo e é uma meta regulatória. Essas mudanças podem ser avaliadas pela trajetória populacional, que pode ser estimada por meio de modelagem populacional ou mimetizadas em laboratório.

O AOP desenvolvido pode ser útil na predição de efeitos causados por fadrozole, letrozole e procloraz, utilizados no tratamento de câncer de mama, ou ainda por outros inibidores de aromatase, como alguns hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) de alta massa molecular (como o benzo(a)pireno), que são conhecidos contaminantes ambientais e podem agir como desreguladores do sistema endócrino,55 induzindo efeitos adversos em populações de peixes ou outros vertebrados ovíparos.

 

CONCLUSÕES

Como citado anteriormente, AOPs são úteis para organizar e integrar informações relacionadas aos efeitos provocados por substâncias químicas isoladas ou em misturas, em organismos expostos. Isso pode auxiliar no entendimento do potencial tóxico de agentes estressores em um contexto mais amplo. O conhecimento das vias relacionadas aos eventos-chave pode nos auxiliar a descobrir a causa e/ou predizer efeitos adversos, para que possamos traçar planos de ações que tenham como objetivo reduzir a exposição de organismos à níveis aceitáveis. Deste modo, AOPs podem ser considerados o futuro da ecotoxicologia pois com eles os dados sobre uma substância ou mistura ficam organizados de forma sistemática podendo ser complementados e aprimorados a cada estudo publicado. Certamente essa ferramenta será a base da regulação de substâncias químicas e suas misturas de forma consistente e harmônica ao redor do mundo, fortalecendo a integração da química ambiental e da biologia.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer às agencias de fomento CNPq (Bolsa de Produtividade 1C, 307677/2017-6) e FAPESP (projeto 20/04628-8), e ao Dr. Jason O'Brien pela sua valiosa contribuição.

 

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