JBCS



21:23, qua dez 4

Acesso Aberto/TP




Educação


Química verde e a tabela periódica de Anastas e Zimmerman: tradução e alinhamentos com o desenvolvimento sustentável
Green chemistry and the periodic table by Anastas and Zimmerman: translation and alignment with a sustainable development

Carlos Alberto da Silva JúniorI,II; Dosil Pereira de JesusI,#; Gildo Girotto JúniorI,*

I. Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, 13083-970 Campinas - SP, Brasil
II. Departamento de Química, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, 58814-000 Sousa - PB, Brasil

Recebido em: 07/02/2022
Aceito em: 08/03/2022
Publicado em: 08/04/2022

Endereço para correspondência

*e-mail: ggirotto@unicamp.br #e-mail alternativo: dosil@unicamp.br

RESUMO

Green and Sustainable Chemistry (GSC) provides scientific and ethical innovations to achieve a sustainable future. In this context, international efforts and strategies have been made to incorporate this green philosophy into education. Brazil has immense potential to lead in this scenario, providing new approaches to introduce GSC into secondary education, especially with 2022 being the International Year of Basic Sciences for Sustainable Development. However, most published works on GSC are in English, which can be a language barrier for implementing GSC into Portuguese-speaking communities, such as Brazil. From this perspective, this paper aims to present a translation of the "Periodic Table of the Elements of Green and Sustainable Chemistry" by Paul T. Anastas and Julie B. Zimmerman into the Portuguese language. Our systematic translation of the names of the elements into Portuguese followed rigorous semantic and contextual details required for this process. We also identified and recommended some teaching opportunities of this interdisciplinary encyclopedia in alignment with a sustainable future. This green periodic table is a multidisciplinary tool that provides directions for "Systems Thinking in Chemistry Education". Therefore, we contributed to the standardization and greater discussion of this alternative periodic table for future Portuguese-language publications.

Palavras-chave: green chemistry; science teaching; sustainability; systems thinking; terminology.

INTRODUÇÃO

Em 2022 está sendo celebrado o Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável (do inglês: International Year of Basic Sciences for Sustainable Development).1 Assim como os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS (do inglês: Sustainable Development Goals - SDGs)2 das Nações Unidas, via de regra, essa proclamação global objetiva promover ações para o progresso autossustentável e inclusivo no planeta.1 Em conformidade com essa pauta, a Química Verde é considerada uma área multidisciplinar que cria, desenvolve e aplica produtos e processos químicos que visam a redução ou eliminação do uso e da geração de substâncias nocivas ao meio ambiente e ao homem.3-7 Na Figura 1, estão elencados os 12 princípios da Química Verde, propostos em 1998 no livro "Green Chemistry: Theory and Practice" (tradução: Química Verde: Teoria e Prática), pelos pesquisadores John C. Warner e Paul T. Anastas.3

 


Figura 1. Os 12 princípios da Química Verde propostos por John C. Warner e Paul T. Anastas3,4

 

Reconhecendo as possibilidades da produção por meio da Química Verde e considerando que sua maior compreensão pode trazer contribuições significativas em direção a uma perspectiva mais sustentável,8 torna-se fundamental pensar em perspectivas para sua maior divulgação. É nesse contexto que o Ensino de Química Verde (EQV), em todos os níveis e modalidades da educação, surge e se desenvolve como campo científico interdisciplinar,9 que objetiva colocar em prática abordagens didáticas que auxiliem no desenvolvimento sustentável. No campo pedagógico, Chen et al.10 concluíram que o EQV fomenta a consciência ambiental, de forma interdisciplinar, em direção ao desenvolvimento de habilidades que promovem uma filosofia de ensino para a sustentabilidade. Como estratégia político-social, tem-se reportado que o EQV contribui na promoção à consolidação de planos teóricos e práticos para projetos sobre consumo e produção responsáveis, além de inovação tecnológica na busca por reduzir o impacto ambiental.11 Gersbach et al.12 sugerem que "a ciência é a principal força motriz do crescimento e desenvolvimento econômico" (p. 575) de um país. Não obstante, as implicações do EQV perpassam as fronteiras da escola ao possibilitarem um trabalho que visa a transformação social. Em recente publicação, Lopes et al.13 destacaram a relação crucial entre o investimento em ciência básica e a riqueza e a saúde de uma população. Os autores sugerem que os grandes avanços científicos na pesquisa aplicada não seriam possíveis sem o desenvolvimento da ciência básica. Lopes et al.13 concluíram que "se um país deseja ser uma vanguarda em inovação e desenvolvimento no futuro, não há alternativa a não ser investir sabiamente em pesquisa básica, livre das exigências de retorno de curto prazo sobre as expectativas de investimento" (p. 1186).13

Apesar da existência de diferentes canais de comunicação e divulgação da ciência, uma grande parte das publicações ocorre em língua inglesa e com linguagem deveras técnica. No que se refere à barreira linguística, a proficiência em idioma estrangeiro ainda reside como um dos principais problemas enfrentados pelos professores da Educação Básica no Brasil. A aprendizagem da língua inglesa, na qual os trabalhos científicos são maioritariamente publicados, torna-se um pré-requisito para contínuo aperfeiçoamento profissional. No entanto, em recente levantamento do Ministério da Educação (MEC),14 apenas 15% dos professores de inglês da rede pública tinham domínio desse idioma, quanto menor deve ser o percentual para os docentes das demais disciplinas, como Química e Biologia. Ademais, estima-se que menos da metade das universidades federais desenvolvam formação específica para língua inglesa,15 o que revela ainda mais a problemática do inglês no país. De forma compreensível, os que almejam contornar suas deficiências e difundir o EQV decidem traduzir literalmente os termos técnicos utilizados em inglês. Entretanto, traduções inadequadas ocorrem comumente devido a erros de interpretação ou a ausência de normas linguísticas específicas.

Para agravar ainda mais esse quadro, verifica-se atualmente que a presença da disciplina Química Verde, obrigatória ou optativa, nos cursos de formação de professores ainda é escassa. No ano de 2019, o número de cursos de Licenciatura em Química, nas instituições públicas brasileiras de ensino superior, que ministravam disciplinas relacionadas à Química Verde não passou de 7% no Brasil,16 isso é, apenas 8 das 117 instituições pesquisadas. Por região, o melhor resultado foi encontrado no Sudeste com 29%, ou seja, aproximadamente 3 em cada 10 universidades paulistas. Excepcionalmente, Norte e Centro-Oeste não mencionavam sequer a Química Verde em suas grades curriculares.16 Numa perspectiva sistêmica, o EQV pode potencializar a educação ambiental. Assim, a verificação da baixa frequência desse ensino em currículos torna-se preocupante, porque enfraquece-se a tríade pesquisa, ensino e extensão para um desenvolvimento sustentável. Sem professores capazes de abordar adequadamente a Química Verde em sala de aula, de forma geral, a formação ambiental é enfraquecida.

Como forma de possibilitar uma inserção gradativa do EQV nos currículos escolares, modelos de abordagens estão sendo propostos. Sandri e Santin Filho17 sugerem três modelos, do mais simples (técnico/instrumental) para o mais abrangente (proposta crítica). Os autores concluíram que a abordagem segue, no mínimo, quatro dimensões: a postura do professor; o momento e frequência da aplicação; a abordagem didática e os objetivos educacionais. No campo epistemológico, o pensamento sistêmico, uma abordagem complementar à visão reducionista (ciência tradicional), vem ganhando destaque no desenvolvimento de habilidades e de interconexões que possibilitam uma visão holística da Química Verde.18 Acompanhando essa tendência, a revista norte-americana Journal of Chemical Education (JCE) lançou em 2019 um número especial nessa temática, no qual diversos trabalhos foram propostos como forma de sistematizar o EQV. Zuin et al.19 propuseram numa atividade experimental de biorrefinaria de citros a chamada "Rosa dos ventos para Educação em Química Verde e Sustentável" (do inglês: Green and Sustainable Chemistry Education Compass rose) como nova métrica para avaliar a verdura de uma reação e seu engajamento no EQV. Em recente publicação na presente revista, Marques et al.20 desenvolveram uma aprofundada revisão de artigos científicos sobre EQV publicados na JCE.

Dentre o crescente volume de publicações voltadas para o EQV, possivelmente a atual estratégia mais criativa e perspicaz tenha sido a publicada na revista britânica Green Chemistry, pelos autores Paul T. Anastas - considerado internacionalmente como um dos pais da Química Verde - e Julie B. Zimmerman.21 Os autores engenhosamente propuseram a "Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável" (do inglês: The Periodic Table of the Elements of Green and Sustainable Chemistry) em comemoração à passagem do 150º aniversário da Tabela Periódica dos Elementos Químicos em 2019. A sistematização dos múltiplos conceitos, aspectos e métricas em Química Verde torna-se uma ferramenta promissora para desenvolver novas estratégias didáticas na área, pois apresenta um prático e fácil entendimento dos seus fundamentais conteúdos por vezes dispersos na literatura. Métodos sistêmicos para caracterizar os 12 princípios da Química Verde, como por exemplo a The Green ChemisTREE (o artigo em inglês utiliza o termo Chemistree ao invés de Chemistry para fazer um trocadilho com a palavra tree, que pode ser traduzida como árvore),22 têm sido desenvolvidos e apresentam diferentes níveis de abordagem na Educação Química. Entretanto, a Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável (TPQVS), de Anastas e Zimmerman, é uma proposta mais audaciosa, pois não se limita apenas a esses 12 princípios, abordando também aspectos humanitários, sociopolíticos e educacionais.

No que se refere às normativas que dispõem sobre a educação no Brasil, os documentos oficiais norteiam para o desenvolvimento de temas transversais. Mais especificamente, tanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)23 do ensino médio quanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos em Química,24 no nível de graduação, apontam para propostas pedagógicas envolvendo questões sociocientíficas em Educação Ambiental, das quais seguramente o EQV pode ser citado como arquétipo. No entanto, apesar dessas perspectivas legais, para a maioria dos professores das ciências da natureza, especialmente na Educação Básica e na rede pública, a principal desvantagem dos novos recursos didáticos em EQV - que estão sendo preconizados na literatura internacional - é a questão deles serem majoritariamente escritos em língua inglesa. Sob esse viés, Meneghini e Packer ponderaram que as publicações bilíngues representariam um passo importante nessa comunicação científica, afinal, "o inglês tornou-se a língua franca moderna em um mundo que é economicamente, cientificamente e culturalmente amplamente dominado por países anglo-americanos" (p. 112).25 Há também reivindicações quanto à falta de um material único que possa sistematizar os principais pontos em Química Verde a serem trabalhados em sala de aula. A tradução técnica para a língua portuguesa da Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde pode minimizar esses problemas convencionais com o idioma, aumentar a abordagem sistêmica/holística nas redes de ensino e possibilitar um maior engajamento - crítico e reflexivo - da comunidade no desenvolvimento sustentável do planeta. Assim, a tradução da TPQVS proporciona novos horizontes para a contextualização e a divulgação científica do EQV nos países cuja língua oficial seja o português.

Nesta perspectiva, convém ressaltar que esse novo recurso didático não se limita à área da Química, porque é genuinamente de caráter multidisciplinar. Assim sendo, a sua divulgação nesta revista apresenta particular potencial pedagógico - sistêmico e inclusivo - para fomentar novas estratégias de ensino-aprendizagem e discussões sociocientíficas no Brasil. Desse modo, a presente pesquisa objetivou traduzir os elementos figurativos da tabela periódica "verde" proposta por Anastas e Zimmerman,21 bem como elucidar possibilidades didáticas para sua utilização no EQV.

 

PERCURSOS METODOLÓGICOS PARA TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO DA TABELA

Para este estudo, realizou-se a tradução e a adaptação, da língua inglesa para a língua portuguesa, dos 90 elementos da Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde (TPQVS). Trata-se de uma pesquisa realizada em estudos comparativos e contextuais das mais fidedignas fontes documentais, com o auxílio das traduções técnica e juramentada, do processo de retrotradução e considerando-se o aspecto pragmático do texto original.26 A princípio "traduzir não se resume em transferir um texto de uma língua à outra, mas em repassar conhecimentos de uma forma que seja possível à compreensão por parte de quem lê" (p. 355).27

Após a leitura do artigo fonte,21 deu-se início ao processo tradutório, o qual foi subdivido em 3 etapas gerais (Figura 2).

 


Figura 2. Esquema geral do percurso metodológico para tradução/adaptação da TPQVS

 

Na etapa 1, foram realizadas 2 traduções, a saber, uma técnica (autores) e outra juramentada (tradutor juramentado), ambas de forma independente. Por conseguinte, pôde-se garantir o confronto dos termos traduzidos na etapa 2. Nela destaca-se o processo de retrotradução, no qual os nomes dos elementos figurativos em língua portuguesa foram traduzidos para a língua inglesa. Essa atitude garante a verificação da fidedignidade das expressões em estudo. De acordo com Coulthard,28 "supõe-se que discrepâncias entre a retrotradução e o texto fonte indiquem problemas com a primeira tradução, problemas esses considerados falhas de equivalência" (p. 38).28 Por exemplo, inicialmente a expressão "Education in Toxicology and Systems Thinking", que caracteriza o elemento figurativo 89 (símbolo Et), foi traduzida para "Pensamento Sistêmico na Educação em Toxicologia". Todavia, observou-se que sua retrotradução seria "Systems Thinking in Toxicology Education", o que revela alteração de sentido original expresso no texto de partida. Como resultado, os autores optaram por utilizar "Educação em Toxicologia e Pensamento Sistêmico", destacando, contudo, que o pensamento sistêmico - do ponto de vista epistemológico e prático - não se limita à Educação em Toxicologia. Quanto a essas decisões tomadas, destaca-se que segundo Oliveira:27

o tradutor, assim como o leitor, constrói o sentido do texto, transformando em um processo tradutório a obra do autor, e dessa maneira sente-se obrigado a tomar decisões, buscando termos e palavras que venham dar sentido e coerência no momento da leitura do texto traduzido, levando sempre em consideração os aspectos culturais, sociais, ideológicos a que se insere (p. 353).

Quanto aos símbolos dos elementos, todos foram preservados, não sofrendo assim qualquer modificação após a tradução dos seus respectivos nomes. Por exemplo, o símbolo Cw representa o elemento figurativo "Química para o bem-estar", de número 3, cujo texto de partida no inglês é "Chemistry for Wellness". Essa escolha garantiu conservar o aspecto histórico de sua origem neste idioma estrangeiro.

Na etapa 3, após a correção e a revisão de todos os nomes, a tabela oficial em português foi cunhada. Nessa fase, realizou-se minuciosa pesquisa bibliográfica para maior nível de precisão da tradução oficial e para a escrita desse artigo. Estima-se que mais de 100 trabalhos científicos foram estudados com o intuito de oferecer à comunidade este elucidário material pedagógico. Convém ressaltar que a TPQVS ainda necessita de constante validação e atualização pela sociedade científica, visto que a ciência não é estática. Além disso, do ponto de vista linguístico, "o trabalho de tradução requer um estudo constante, porque assim como os textos em nosso idioma, os escritos em outras línguas também estão a todo o momento passando por modificações" (p. 355).27 Com efeito, sugestões de melhorias sempre serão bem-vindas.

 

TABELA PERIÓDICA DOS ELEMENTOS FIGURATIVOS DA QUÍMICA VERDE E SUSTENTÁVEL

A TPQVS apresenta 90 elementos figurativos, organizados em 7 linhas horizontais e 18 colunas verticais ou grupos, que por sua vez, se dividem em 4 conjuntos específicos denominados de blocos, conforme ilustrado na Figura 3.

 


Figura 3. Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável. Adaptada da referência 21

 

Em conformidade com os rigorosos detalhes semânticos e contextuais necessários para essa tradução/adaptação, os símbolos, os nomes/expressões originais dos elementos figurativos em língua inglesa e a sua tradução/adaptação para a língua portuguesa estão elencados na Tabela 1S, disponível no material suplementar.

Nas próximas seções, os 4 blocos da tabela serão mais bem discutidos. Contudo, ressalve-se que não faz parte do escopo desse trabalho detalhar, minuciosa e tecnicamente, cada um dos 90 elementos figurativos, tendo em vista o tema ser bastante amplo para ser abordado em um único artigo.

Elementos humanitários

Conforme ilustra a Figura 4, o bloco denominado de elementos humanitários apresenta 13 elementos figurativos em duas linhas verticais, as quais representam, excepcionalmente, um único grupo homônimo ao bloco. Em outras palavras, as duas colunas à esquerda correspondem ao grupo dos elementos humanitários.

 


Figura 4. Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável com destaque para o bloco dos elementos humanitários. Adaptada da referência 21

 

Não existe um significado físico para o número de colunas em cada bloco na TPQVS, como é observado na Tabela Periódica dos Elementos Químicos (TPEQ). Por exemplo, nos blocos s e p da TPEQ, o número de colunas em cada bloco corresponde ao número máximo de elétrons que pode ocupar cada tipo de subcamada.29 Entretanto, na TPQVS essa divisão precisa ser vista metaforicamente, sem qualquer relação acurada com a distribuição eletrônica ou propriedades químicas.

Na primeira coluna, elencou-se os elementos figurativos: tecnologias adequadas ao mundo em desenvolvimento (A), coadunadas com a economia 4.0 e sustentável que aponta ao benefício equitativo, considerando o contexto da implementação tecnológica;21,30 química para o bem-estar (Cw), com maior proatividade na preservação do bem-estar; acesso à água segura e confiável (Sw), correlacionado diretamente ao sexto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) - água potável e saneamento - que prevê a disponibilidade e o manejo da água e saneamento para todos;31 química para a produção de alimentos benignos e nutritivos (Bf), sem menosprezar a incorporação de processos produtivos mais verdes e economicamente viáveis; garantir justiça ambiental, segurança e oportunidades equitativas (J), os quais intrinsecamente estabelecem um tripé sociopolítico e econômico visando alternativas mais sustentáveis para todos; química para preservar o carbono natural e outros ciclos biogeoquímicos (Pc), para que haja preservação da diversidade do planeta e, por último, sem produtos químicos em prol de guerra ou opressão (Wo), no qual defende-se, por exemplo, o não uso de produtos químicos em condenações criminais.21

Na segunda coluna, listou-se os elementos figurativos: design para evitar dependência (Dd), que remete à projeção e à produção de substâncias, como medicamentos, que não causem vício ao homem ou dependência em outros seres vivos; garantir o acesso a recursos materiais para as gerações futuras (Fg), que é o fundamento conceitual de sustentabilidade;32 transparência na comunicação química (Tc), que prevê a comunicação escrita, verbal ou imagética dos benefícios ambientais, da mesma maneira que combate às fakenews e ao chamado marketing verde enganoso, como a conhecida maquiagem verde (do inglês: greenwashing);33 química para edifícios e edificações sustentáveis (Cs), que abarca o ciclo de vida e o desempenho ambiental nos projetos arquitetônicos,34 relacionando-se diretamente ao décimo primeiro ODS com cidades e comunidades sustentáveis; o código molecular de um indivíduo pertence a esse indivíduo (Ic) e os códigos moleculares da natureza pertencem ao mundo (Nc), nos quais, respectivamente, é defendida a soberania da individualidade e da identidade do código molecular de cada pessoa e dos códigos genéticos na natureza.21 Nessa linha de pensamento, Anastas e Zimmerman conjecturaram que: "nenhum humano escreveu nenhum dos códigos genéticos da natureza e nenhum humano ou grupo de humanos pode possuí-lo" (p. 6548).21 Cada representação metafórica nos elementos humanitários se relaciona com uma ciência compromissada com a paz mundial, o bem-estar coletivo e a fidedigna sustentabilidade.

Elementos da Química Verde e da Engenharia Verde

O bloco dos elementos da química verde e da engenharia verde é o maior da TPQVS com exatamente 40 elementos figurativos, que foram divididos em 10 grupos, a saber: prevenção de resíduo, economia atômica, síntese menos perigosa, design molecular, solventes/produtos químicos auxiliares, energia, matérias-primas renováveis, catálise, degradação, e medição e conscientização, conforme ilustra a Figura 5.

 


Figura 5. Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável com destaque para o bloco dos elementos da Química Verde e da Engenharia Verde. Adaptada da referência 21

 

A priori, o nome escolhido para o presente bloco pode soar inapropriado, porque pressupõe-se que todos os 90 elementos dessa tabela pertencem à Química Verde e à Engenharia Verde, não se fazendo necessária essa nomenclatura discriminativa para o bloco. Contudo, Anastas e Zimmerman consideraram os 40 elementos figurativos aqui agrupados como a coleção de intercalação científica e tecnológica dos 12 princípios da Química Verde e dos 12 princípios da Engenharia Verde.3,35 Em outras palavras, o bloco é uma introdução aos pressupostos facilitadores das estratégias verdes e explicitamente destaca princípios da Química Verde.

Por exemplo, no grupo prevenção de resíduo, conexo exatamente com o primeiro princípio da Química Verde, foram cunhados os seguintes elementos figurativos: aproveitamento e valorização de resíduos (Wu), síntese em um único vaso reacional (Op), intensificação de processo (Pi) e autosseparação (Ss) que, de forma geral, envolvem táticas sistêmicas para redução de desperdício, seja em nível laboratorial ou industrial. Nota-se que na visão epistemológica de Anastas e Zimmerman, o conceito de resíduo é estritamente humano, visto que na natureza não há desperdício.21 Sob esse viés, cada resíduo - tudo o que foi produzido além do produto desejado4 - precisa ser minimizado ou eliminado, principalmente quando tóxico e perigoso.

No grupo economia atômica, a relação explícita está com o segundo princípio da Química Verde, no qual, sempre que possível, maximiza-se a incorporação do material de partida nos produtos.3,36 Por conseguinte, foram especificados os elementos figurativos: automontagem molecular (Sa), que trata da projeção e criação de estruturas moleculares por auto-organização;37 processos integrados (Ip), que maximizam o uso eficiente de material e energia; síntese aditiva (As), que trata das reações de adição, cuja máxima incorporação dos átomos de reagentes no produto desejado é verificada; e derivados não-covalentes/transformação de forças fracas (W), que maximizam a conscientização do uso de interações não-covalentes ou fracas na projeção sintética verde.21 Todos esses elementos combinam projeções verdes visando maior eficiência numa abordagem mais holística.

O terceiro princípio da Química Verde é exposto no grupo cognominado de síntese menos perigosa, que através dos elementos figurativos: reduzir o uso de materiais nocivos (Ru), geração e consumo in situ de materiais nocivos (Gc), funcionalização da ligação C-H (Ch) e segurança e proteção inerentes (Is) prevê, sempre que possível, a utilização e a geração de substâncias inócuas ou com risco moderado para a saúde humana e o meio ambiente.

No grupo design molecular, a relação direta é com o quarto princípio da Química Verde, isto é, o desenvolvimento de produtos seguros.3 A ideia central é a projeção de produtos químicos que além de funcionalmente relevantes sejam prontamente seguros. Assim, listou-se neste grupo os elementos figurativos: diretrizes de design (Dg), que tratam do design intencional em prol de produtos funcionais e benignos; modelos computacionais (Cm), que utilizam a modelagem computacional na prevenção e avaliação de perigo em nível molecular;21 biodisponibilidade/ ADME - absorção, distribuição, metabolismo, excreção (Ba), que expressa estudos de disposição/performance e de impactos toxicológicos de fármacos num organismo,38 como por exemplo, na farmacocinética, que inclui análise das etapas de absorção, distribuição, metabolismo e excreção de fármacos; e triagem de alto rendimento - empírico/in vivo/in vitro (Ts), que prevê ensaios biológicos ou bioensaios de alto rendimento para avaliação da toxicidade de produtos químicos.21,39

No grupo solventes/produtos químicos auxiliares, os elementos figurativos solventes aquosos e de base biológica (Aq), líquidos iônicos/solventes não voláteis (Il), fluidos sub e supercríticos (Sc) e solventes inteligentes/ajustáveis (S) se relacionam claramente com o quinto princípio da Química Verde. Em virtude da maioria dos solventes apresentarem riscos à segurança humana e ambiental, a proposta desse grupo são solventes alternativos, verdes ou neotéricos (novos), os quais, de forma ideal, devem possuir "alto ponto de ebulição, uma baixa pressão de vapor, dissolver uma grande gama de compostos orgânicos, ser atóxico, de baixo custo e reciclável" (p. 26).36

O grupo designado de energia relaciona-se com o sexto princípio da Química Verde, no qual almeja-se a eficiência de energia.3,4 Por isso, foram listados os elementos figurativos síntese e processamento eficientes de energia e material (Ee), com métodos preferencialmente à pressão e temperatura ambientes;36 entradas de energia renovável/sem carbono (R), buscando-se a difusão de energias renováveis, como a solar e a eólica; materiais de armazenamento e transmissão de energia (Es), que exploram a máxima capacidade de armazenamento e transmissão de energia, sem desperdícios; e aproveitamento e valorização de energia residual (V), que atenta-se ao esperdiçamento de energia residual - como elétrica, química ou mecânica - buscando minimizá-lo.

No grupo matérias-primas renováveis, relacionado diretamente com o sétimo princípio da Química Verde, foram listados os elementos figurativos: biorrefinaria integrada (Ib), dióxido de carbono e outras matérias-primas C1 (C), biologia sintética (Sb) e transformação habilitada biologicamente (Bt). Há a necessidade de alternativas ao uso de combustível fóssil. Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar que o Brasil - líder na utilização de matérias-primas renováveis para fins energéticos - apresenta grande potencial estratégico para liderar novas pesquisas na área.40

Em catálise, que é o nono princípio da Química Verde e o oitavo grupo desse bloco, os elementos figurativos versam sobre a utilização de catalisadores baseados em metais abundantes na terra (Ac), enzimas (E), catálise heterogênea (Ht) e catálise homogênea (Hm). O foco é a preferência por reações catalíticas, cujos catalisadores apresentam baixos riscos para a saúde humana e o ambiente.41

No nono grupo, chamado de degradação, os elementos figurativos são: metabólitos benignos (Bm), estímulos de degradação molecular (Md), polímeros degradáveis e outros materiais (Dp) e ferramentas de previsão e design (Pd), os quais se alinham ao décimo princípio da Química Verde, isto é, o desenvolvimento de compostos degradáveis.3,9 Tendo em vista que muitos produtos químicos são persistentes, podendo permanecer nos ambientes por longo tempo, as propostas elencadas nesse grupo se concentram na necessidade de se projetar compostos que após cumprirem a sua função sejam degradados. Além disso, é importante que os produtos de degradação subsequentes sejam inócuos.21

Em medição e conscientização, décimo grupo do bloco em tela, é possível observar a relação com os dois últimos princípios da Química Verde - análise em tempo real para a prevenção da poluição e química segura para a prevenção de acidentes.3,36 Por conseguinte, os elementos figurativos são: sensores (Sn), que são dispositivos para detecção; controle e otimização em processo (Co), que envolvem análises periódicas do sistema para verificação de eficiência e desempenho, assim como de potenciais acidentes; expossoma (Ex), que se refere a medida cumulativa de todas exposições que um indivíduo está sujeito ao longo de sua vida;42 e química analítica verde (Ga), que, em resposta à química analítica tradicional, envolve o emprego de técnicas e métodos analíticos sem desperdício de tempo, material e energia.

Elementos de habilitação das condições do sistema

O bloco habilitação das condições do sistema apresenta 35 elementos figurativos, divididos em 5 grupos: estruturas conceituais, economia e forças de mercado, métricas, políticas e regulamentos, e ferramentas, conforme elucida a Figura 6.

 


Figura 6. Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável com destaque para o bloco dos elementos de habilitação das condições de sistema. Adaptada da referência 21

 

Ao implementar novas invenções, precisa-se alinhar essa inovação com as condições do sistema. Para fazer isso na prática, no grupo estruturas conceituais os seguintes elementos figurativos foram agrupados: biomimética (B), que é o procedimento laboratorial interdisciplinar projetado para imitar um processo químico natural;43 economia circular (Ce), que ao contrário da economia linear promove o fechamento do ciclo material; benigno por design (Bd), que incorpora a benignidade inerente à performance do sistema;35 ecologia industrial (Ie), que integra meio ambiente e indústria visando a produção sustentável com a prevenção do ecossistema;44 design transgeracional (Tg), que desenvolve produtos cujos efeitos deletérios, a curto ou longo prazo, sejam minimizados desde a sua projeção;45 e economia de base biológica sustentável (Be), que refere-se a utilização da biomassa na produção de produtos de base biológica.21 Esses elementos figurativos fornecem a base para compreensão da relevância e da relação do sistema em consonância com a sustentabilidade.21

No grupo métricas foi evocado a metrificação da verdura química, nos quais os elementos economia atômica (Ae), fator ambiental (Ef) e fator função (Ff) representam métricas ou grandezas utilizadas em Química laboratorial e industrial.41 Entretanto, como cada sistema complexo requer métricas diversas, os elementos nomeados de métricas qualitativas (Ql) e de métricas quantitativas (Qn) trazem a adequada discricionariedade desse grupo ao permitir que outras grandezas de aferição da verdura química possam ser incluídas, sejam elas de caráter quanti ou qualitativo. Por fim, o elemento carga química corporal (Bb) abrange à metrificação de produtos químicos no corpo humano.46

No grupo políticas e regulamentos foram elencadas ações ou regulamentações que promovam uma química mais consciente e politicamente sustentável. Por exemplo, no elemento transparência química (Ct) sugere-se que sejam divulgados, de forma clara e acessível, todas as substâncias utilizadas na concepção de um produto. Corolariamente, os elementos chamados de responsabilidade estendida do produtor (Pr), regulamentação baseada em propriedade (Pb), leasing químico ou gestão sustentável de produtos químicos (Cl), regulamentos autoaplicáveis (Se) e ecossistema de inovação - tradução do laboratório para o comércio (I) impelem uma maior responsabilidade das atividades químicas.

Em ferramentas, foram listados os elementos figurativos: análise epidemiológica e saúde do ecossistema (Ea), avaliação de alternativas (Aa), análise do ciclo de vida (Lc), seleção de solvente (So), pegada química (Cf) e educação em toxicologia e pensamento sistêmico (Et). Essas ferramentas são multidisciplinares e ajudam na tomada de decisão. Por exemplo, ao incorporar a educação em toxicologia e o pensamento sistêmico nas ciências básicas promove-se a conscientização sobre os efeitos nocivos de agentes tóxicos no organismo numa perspectiva sistêmica. De acordo com a Organização Internacional para Ciências Químicas em Desenvolvimento (do inglês: International Organization for Chemical Sciences in Development - IOCD):

o pensamento sistêmico é essencial no ensino, na aprendizagem e na prática da química. Assim, reconhece-se que a saúde humana e animal e os ambientes biológicos e físicos do planeta são todos sistemas intimamente conectados e que as soluções que a química desenvolve para os desafios contemporâneos devem ser informadas por uma consciência das interações entre esses sistemas.47

Nessa perspectiva, o pensamento sistêmico no ensino de química (do inglês: systems thinking in chemistry education) é uma abordagem complementar à reducionista,48,49 uma nova visão de mundo.50 Segundo Vasconcellos (2019): "tendo passado a pensar sistemicamente, qualquer profissional estará em condições de repensar as práticas em sua área de atuação" (p. 24).50 Assim, o pensamento sistêmico é uma cosmovisão mais holística para lidar com problemas complexos enfrentados pelo desenvolvimento sustentável.

Elementos nobres

Na designação do grupo objetivos nobres, Anastas e Zimmerman fizeram criativamente trocadilho com gases nobres, afinal o bloco em questão, chamado, por sua vez, de elementos nobres, é composto por sete elementos figurativos agrupados num único grupo, o qual assim como o grupo 18 - composto pelos sete gases nobres na TPEQ - está à direita do diagrama metafórico, conforme ilustra a Figura 7.

 


Figura 7. Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável com destaque para o bloco dos elementos nobres. Adaptada da referência 21

 

Ademais, etimologicamente o termo nobre, do latim nobilis, significa ilustre ou renomado, que, neste caso, pode remeter à profunda e à constante reflexão dos impactos humanos na natureza. Por isso, elementos figurativos como: juramento hipocrático para química (Ho), design para o futuro (P), produtos e processos compatíveis com a vida (Lp), desperdício zero (Z), química equitativa e totalmente inclusiva (Fi), benefícios distribuídos equitativamente (De) e conhecimento químico extraordinário advém com extraordinária responsabilidade (K) trazem à memória aspectos mais subjetivos, que por vezes, não são fáceis de comensurar. Em outras palavras, os elementos nobres implicam na máxima incorporação da filosofia verde nas dimensões epistemológica e prática do homem. Por exemplo, o desperdício zero implica em dizer que nada é perdido, isso é, todo resíduo é projetado para se tornar recurso novamente em recirculação.51 Essa forma sustentável de pensar envolve atitudes cotidianas, laboratoriais e industriais.

 

POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE QUÍMICA VERDE

Ao se desenvolver projetos sistêmicos - na tríade ensino, pesquisa e extensão - com a TPQVS, é muito importante distingui-la da Tabela Periódica dos Elementos Químicos (TPEQ) quanto à sua historicidade, aplicabilidade e relevância científica. Nas próximas seções, as principais semelhanças e diferenças entre elas foram apresentadas, visando garantir um material de apoio.

Valência

A Figura 8 compara a representação dos elementos químicos (Figura 8a), recomendada pela IUPAC,52 com a dos elementos figurativos (Figura 8b), publicados no periódico Green Chemistry.21 As semelhanças imagéticas estão nos espaços destinados aos: i) símbolo, ii) número e iii) nome dos elementos. Contudo, apenas os elementos químicos apresentam massa atômica, por questões claras discutidas ao longo desse trabalho.

 


Figura 8. Comparação entre a representação dos elementos (a) químicos e (b) figurativos. Adaptado das referências 21 e 52

 

Ainda analisando a Figura 8, indagou-se qual seria o significado do termo "número" (Figura 8b) presente na representação nos elementos figurativos, visto que, obviamente, não apresentariam número atômico. Em resposta a essa indagação, Anastas e Zimmerman afirmaram que, de modo óbvio, esses números não representavam o número atômico, como dos elementos químicos da TPEQ, contudo, eles servem como inspiração metafórica para prever a combinação de diferentes elementos figurativos. Em suas palavras:

Todo químico sabe sobre "valência". A valência - estruturas eletrônicas que possibilitam a formação de ligações - é fundamental para a fabricação de moléculas. Mas a valência tem outra definição: a capacidade de uma pessoa ou coisa de reagir ou afetar outra de alguma maneira especial como atração ou facilitação de uma função ou atividade. Ao refletirmos sobre os elementos da Tabela Periódica da Química Verde e Sustentável, como podemos fazer com que os elementos reajam? Comunidades profissionais e estruturas sociais são frequentemente orientadas em torno de elementos individuais, desde químicos catalíticos até formuladores de políticas. De que maneira vamos facilitar a reação com outros elementos? De que maneira vamos formar esses novos laços? Em Química, a covalência e a ligação covalente são a essência do compartilhamento; uma partilha de cada um para formar um todo melhor e mais forte. Quais são essas novas moléculas que serão formadas? Quais são as novas moléculas que estão sendo formadas por essas ligações? (p. 122)45

Como observado, Anastas e Zimmerman não atribuíram qualquer significado físico ou químico real ao número dos elementos figurativos. Eles apenas, metaforicamente, inferiram que assim como os átomos dos elementos químicos, geralmente, não são encontrados na sua forma elementar, mas formando compostos, os elementos figurativos se "combinariam" a outros em prol do desenvolvimento sustentável.

Como resultado, a apresentação e a utilização da TPQVS como recurso didático, a exemplo de jogos educativos, precisa seguir um planejamento pedagógico bem estruturado, evitando-se, principalmente na educação básica, a criação de erros conceituais. Os docentes podem trabalhar com demonstrações investigativas, situação-problema ou estudos de caso, cuja solução seja elucidada pela associação de múltiplos elementos figurativos. Essa é uma forma de introduzir os estudantes na cultura científica, permitindo que eles discutam e vejam como as pressuposições do desenvolvimento sustentável influenciam o seu cotidiano e impactam o meio ambiente que os cerca.

Na educação básica, a ludicidade tem permitido a abordagem da TPEQ de forma educativa e recreativa. Destarte, há relatos da utilização de jogos de cartas, jogos de tabuleiro, jogos de bingo, videogames e até mapas mentais.53-57 De tal modo, ressalvadas as devidas especificidades, a TPQVS pode ser abordada com recursos lúdicos que facilitem o processo de ensino e aprendizagem da Química Verde.

No ensino superior, essa perspectiva da combinação dos elementos figurativos da TPQVS pode levar ao desenvolvimento de conhecimentos atitudinais, de tomada de decisão com bases nos fundamentos das ciências. Sobretudo nos cursos de licenciatura, é recomendável que os futuros professores tenham contato com a TPQVS de forma crítica e encontrem elementos figurativos que possam influenciar seus planos de trabalho e suas aulas.

Simbologia

Ressalta-se mais uma vez que na TPQVS os símbolos representam ideias, ações, ferramentas, processos ou métricas para um desenvolvimento sustentável, enquanto na TPEQ os símbolos químicos/atômicos representam os elementos químicos. Por isso, com o intuito de prevenir equívocos conceituais, na Tabela 2S, disponível no material suplementar, foram elencados os elementos cujos símbolos são idênticos em ambas as tabelas, todavia eles obviamente têm significados distintos. Para promover a aprendizagem desse nível simbólico na Educação Química, é importante que os docentes sejam reflexivos, pensando em intervenções inovadoras e sociointeracionistas.

De acordo com Mahaffy, existem quatro níveis ou universos representacionais do aprendizado da Química: simbólico, macroscópico, microscópico e humano, os quais formam um tetraedro, com cada nível em um dos quatro vértices dessa figura geométrica.58 Nessa perspectiva metafórica de Mahaffy, o nível representacional simbólico se alinha aos demais vértices do tetraedro.58 Portanto, a representação de um símbolo dentro da Química envolve valores culturais e contextuais dos próprios conteúdos estudados, além da própria experiência discente nesse processo de ensino e aprendizagem. No modelo de Mahaffy, o papel da linguagem na representação dessa ciência, de sua interpretação e o uso de conceitos envolvidos precisam ser discutidos com os discentes em conexão com as atividades humanas e visando uma aprendizagem efetiva da linguagem científica.

Ainda nesse aspecto representacional simbólico, é importante destacar a inclusão. Exemplificando, as diferentes formas de comunicação precisam ser consideradas para a promoção do estudo desses símbolos de forma significativa e acessível. Nos últimos anos, traduções e adaptações da TPEQ foram realizadas para etnias minoritárias ou pessoas com deficiências. Na América do Sul, a primeira TPEQ adaptada para a língua indígena Kichwa - falada principalmente no Peru, Equador e Colômbia - foi publicada em 2022.59

Nacionalmente, existem adaptações da TPEQ para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e para o Braile.60 Em 2020, o Brasil foi considerado pioneiro no mundo ao apresentar, na tradicional Escola Internacional de Verão em Química Verde (do inglês: Green Chemistry Summer School), promovida pelo Consórcio Universitário Química para o Ambiente (INCA) na Itália, uma adaptação do ensino da Química Verde para estudantes surdos.61 Todas essas pesquisas revelam o fértil campo de atuação no qual a TPQVS pode ser introduzida e adaptada visando auxiliar numa Educação Ambiental inclusiva.

Historicidade

É vasto o número de documentos na literatura retratando os aspectos históricos da atual TPEQ. Por exemplo, em 2019, no Ano Internacional da Tabela Periódica,62 devido à celebração de seu 150º aniversário, dois artigos comemorativos foram publicados na Química Nova,63,64 os quais trazem ampla revisão bibliográfica aos leitores. Consequentemente, não se objetivou na presente pesquisa revisar tais aspectos historiográficos da TPEQ.

Entretanto, o que se pode afirmar sobre a TPQVS criada por Anastas e Zimmerman em 2019? Certamente, ainda é muito recente a sua criação para inferências históricas tão aprofundadas e sistêmicas. Assim, é importante advertir que a TPQVS é uma enciclopédia multidisciplinar, em fase de divulgação, produzida com intuito de auxiliar o desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões. Os elementos figurativos da TPQVS devem nortear não apenas os cientistas, mas todas as pessoas quanto às pressuposições de um mundo mais sustentável, pacífico, salutífero, justo e inclusivo. Por último, espera-se que, não tardiamente, novos elementos figurativos sejam incluídos à TPQVS. É possível até que novos grupos sejam criados, fazendo com que uma nova estruturação seja implementada. De qualquer modo, utilizando os dados atuais até a data dessa publicação, a Tabela 3S, disponível no Material Suplementar, apresenta uma breve comparação entre a TPEQ e a TPQVS.

Na sala de aula, esse aspecto histórico da TPQV pode introduzir a discussão do papel da história, da evolução da ciência e da necessária constância no fazer científico considerando as demandas de nossa sociedade atual. Cabe ao docente promover essas interações discursivas. A Química Verde do século XXI precisa ser vista como uma ciência em constante desenvolvimento, uma vez que o conhecimento não é estático.

 

CONCLUSÕES

A tradução/adaptação da Tabela Periódica dos Elementos Figurativos da Química Verde e Sustentável (TPQVS) representa um importante passo para a divulgação em língua portuguesa dessa enciclopédia interdisciplinar, proposta pelos pesquisadores Paul T. Anastas e Julie B. Zimmerman.21 Além disso, as discussões aqui realizadas entre as semelhanças e as discrepâncias com a atual Tabela Periódica dos Elementos Químicos (TPEQ) fazem com que possíveis confusões conceituais ou misconceitos científicos sejam evitados.

Com o Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável, a TPQVS pode estimular a reflexão de novas abordagens dos princípios da Química Verde e da Engenharia Verde nas mais diversas modalidades de ensino ao permitir uma visão criativa e integradora de seus elementos figurativos. Especialmente o Brasil tem imenso potencial para liderar nesse cenário, proporcionando novas abordagens, na tríade ensino, pesquisa e extensão, para introduzir essa filosofia verde na educação formal e não formal.

Espera-se que a tradução/adaptação da TPQVS, realizada sob os rigorosos detalhes semânticos e contextuais necessários para esse processo, fomente o avanço nacional de pesquisas acadêmicas, tecnológicas e industriais na área. Mais precisamente, espera-se que os conhecimentos científicos da versão em língua portuguesa da TPQVS promovam interações discursivas entre as pessoas, as quais poderão utilizá-los de forma inovadora para a construção efetiva e sistêmica de um futuro mais sustentável.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

As tabelas deste trabalho estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, #001), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, #2013/22127 2), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, #305447/2019-0) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Bioanalítica (INCTBio, #2014/50867-3 FAPESP).

 

REFERÊNCIAS

1. https://www.iybssd2022.org, acessada em abril 2022.

2. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs, acessada em abril 2022.

3. Anastas, P. T.; Warner, J. C.; Green Chemistry: Theory and Practice, Oxford University Press: New York, 2000.

4. Lenardão, E. J.; Freitag, R. A.; Dabdoub, M. J.; Ferreira Batista, A. C.; Da Cruz Silveira, C.; Quim. Nova 2003, 26, 123. [Crossref]

5. Tang, S. L. Y.; Smith, R. L.; Poliakoff, M.; Green Chem. 2005, 7, 761. [Crossref]

6. Gałuszka, A.; Migaszewski, Z.; Namieśnik, J.; TrAC - Trends Anal. Chem. 2013, 50, 78. [Crossref]

7. Zimmerman, J. B.; Anastas, P. T.; Erythropel, H. C.; Leitner, W.; Science (80-. ) 2020, 367, 397. [Crossref]

8. Middlecamp, C. H.; Mury, M. T.; Anderson, K. L.; Bentley, A. K.; Conn, M. C.; Ellis, J. P.; Purvis-Roberts, K. L.; Química para um Futuro Sustentável, 8a ed., AMGH: Porto Alegre, 2016.

9. de Sousa, A. C.; Alves, L. A.; Bertini, L. M.; do Nascimento, T. L.; Química Verde para a Sustentabilidade: natureza, objetivos e aplicação prática; 1a ed.; Appris: Curitiba, 2020.

10. Chen, M.; Jeronen, E.; Wang, A.; Int. J. Environ. Res. Public Health 2020, 17, 1. [Crossref]

11. Clark, J. H.; Macquarrie, D.; Handbook of Green Chemistry and Technology, 1a ed., Wiley-Blackwell: Oxford, 2002.

12. Gersbach, H.; Schetter, U.; Schneider, M. T.; Economic Inquiry 2021, 59, 575. [Crossref]

13. Lopes, L. G. F.; Sadler, P. J.; Bernardes-Génisson, V.; Moura, J. J. G.; Chauvin, R.; Sousa, E. H. S.; Bernhardt, P. V.; Quim. Nova 2020, 43, 1176. [Crossref]

14. https://www.osul.com.br/o-mec-estima-que-cerca-de-85-dos-professores-que-dao-aulas-de-ingles-para-alunos-de-escolas-publicas-nao-dominam-o-idioma/, acessada em abril 2022.

15. Políticas públicas para o ensino de inglês: um panorama das experiências na rede pública brasileira, 1a ed., British Council Brasil: São Paulo, 2019.

16. de Almeida, Q. A. R.; Silva, B. B.; Silva, G. A. L.; Gomes, S. S.; Gomes, T. N. da C.; Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemáticas 2019, 15, 178. [Crossref]

17. Mendes Sandri, M. C.; Santin Filho, O.; Educ. Quim. 2019, 30, 34. [Crossref]

18. Hurst, G. A.; Curr. Opin. Green Sustainable Chem. 2020, 21, 93. [Crossref]

19. Zuin, V. G.; Segatto, M. L.; Zandonai, D. P.; Grosseli, G. M.; Stahl, A.; Zanotti, K.; Andrade, R. S.; J. Chem. Educ. 2019, 96, 2975. [Crossref]

20. Marques, C. A.; Marcelino, L. V.; Dias, É. D. S.; Rüntzel, P. L.; Souza, L. C. A. B.; Machado, A.; Quim. Nova 2020, 43, 1510. [Crossref]

21. Anastas, P. T.; Zimmerman, J. B.; Green Chem. 2019, 21, 6545. [Crossref]

22. Erythropel, H. C.; Zimmerman, J. B.; De Winter, T. M.; Petitjean, L.; Melnikov, F.; Lam, C. H.; Lounsbury, A. W.; Mellor, K. E.; Janković, N. Z.; Tu, Q.; Pincus, L. N.; Falinski, M. M.; Shi, W.; Coish, P.; Plata, D. L.; Anastas, P. T.; Green Chem. 2018, 20, 1929. [Crossref]

23. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao, acessada em abril 2022.

24. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1303.pdf, acessada em abril 2022.

25. Meneghini, R.; Packer, A. L.; EMBO Rep. 2007, 8, 112. [Crossref]

26. Cavaco-Cruz, L.; Manual Prático e Fundamental de Tradução Técnica, 1a ed., Arkonte: São Paulo, 2012.

27. Oliveira, C. L.; Rev. Communitas 2017, 1, 351.

28. Coulthard, R. J.; Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, 2013.

29. Brown, T. L.; LeWay Jr., E. H.; Bursten, B. E.; Murphy, C. J.; Woodward, P. M.; Stroltzfus, M. W.; Química: A Ciência Central Clientes, 13a ed., Pearson Education no Brasil: São Carlos, 2016.

30. Bastos, B. G.; Lopes, J. C. de J.; Gonçalves, A. C. N.; Neiva, K. N.; Rev. do Desenvolv. Reg. 2022, 19, 312. [Crossref]

31. Brasil; ODS 6 - Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos. O que mostra o retrato do Brasil?, 1a ed.; IPEA: Brasília, 2019.

32. World Commission on Environment and Development (WCED); Our Common Future, Oxford University Press: Oxford, 1987.

33. Gregorio, C. L.; Direito do consumidor e transparência no marketing verde: A promoção do consumo consciente pelo enfrentamento do greenwashing, 1a ed., Editora Dialética: Belo Horizonte, 2021.

34. Degani, C. M.; Cardoso, F. F. In NUTAU 2002 - Sustentabilidade, Arquitetura e Desenho Urbano; Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; São Paulo, 2002; p. 11.

35. Anastas, P. T.; Zimmerman, J. B.; Environ. Sci. Technol. 2003, 37, 94A. [Crossref]

36. Corrêa, A. G.; Zuin, V. G.; Química Verde: fundamentos e aplicações; 1a ed.; EdUFSCar: São Carlos, 2012.

37. Pochan, D.; Scherman, O.; Chem. Rev. 2021, 121, 13699. [Crossref]

38. Pereira, D. G.; Quim. Nova 2007, 30, 171. [Crossref]

39. Macarron, R.; Banks, M. N.; Bojanic, D.; Burns, D. J.; Cirovic, D. A.; Garyantes, T.; Green, D. V. S.; Hertzberg, R. P.; Janzen, W. P.; Paslay, J. W.; Schopfer, U.; Sittampalam, G. S.; Nat. Rev. Drug Discov. 2011, 10, 188. [Crossref]

40. Coutinho, P.; Bomtempo, J. V.; Quim. Nova 2011, 34, 910. [Crossref]

41. Machado, A.; Introdução às Métricas da Química Verde - Uma Visão Sistêmica, 1a ed., Editora da UFSC: Florianópolis, 2014.

42. Miller, G. W.; Jones, D. P.; Toxicol. Sci. 2014, 137, 1. [Crossref]

43. Vincent, J. F. V.; Bogatyreva, O. A.; Bogatyrev, N. R.; Bowyer, A.; Pahl, A. K.; J. R. Soc. Interface 2006, 3, 471. [Crossref]

44. Jelinski, L. W.; Graedel, T. E.; Laudise, R. A.; McCall, D. W.; Patel, C. K. N.; Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 1992, 89, 793. [Crossref]

45. Anastas, P. T.; Zimmerman, J. B.; The Periodic Table of the Elements of Green and Sustainable Chemistry, 1a ed., Press Zero: Madison, 2019.

46. Thornton, J. W.; McCally, M.; Houlihan, J.; Public Health Rep. 2002, 117, 315. [Crossref]

47. http://www.iocd.org/Systems/intro.shtml, acessada em abril 2022.

48. Meadows, D. H.; Thinking in Systems, 1a ed., Earthscan: Sterling, 2008.

49. Orgill, M. K.; York, S.; Mackellar, J.; J. Chem. Educ. 2019, 96, 2720. [Crossref]

50. Vasconcellos, M. J. E. de; Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência, 11a ed., Papirus: Campinas, 2019.

51. Collatto, D. C.; Manganeli, M. T. de M.; Ossani, A.; Rev. Lib. 2016, 17, 79.

52. https://iupac.org/what-we-do/periodic-table-of-elements, acessada em abril 2022.

53. Martí-Centelles, V.; Rubio-Magnieto, J.; J. Chem. Educ. 2014, 91, 868. [Crossref]

54. Fialho, N. N.; Vianna Filho, R. P.; Schmitt, M. R.; Quim. Nova Esc. 2018, 40, 267. [Crossref]

55. Sousa, L. C. M. de; Loja, L. F. B.; Pires, D. A. T.; Rev. Thema 2018, 15, 1277. [Crossref]

56. Bernardo, J. M. M.; González, A. F.; J. Chem. Educ. 2021, 98, 907. [Crossref]

57. Traver, V. J.; Leiva, L. A.; Martí-Centelles, V.; Rubio-Magnieto, J.; J. Chem. Educ. 2021, 98, 2298. [Crossref]

58. Mahaffy, P.; Chem. Educ. Res. Pract. 2004, 5, 229. [Crossref]

59. Andino-Enríquez, J. E.; Andino-Enríquez, M. A.; Hidalgo-Báez, F. E.; Chalán-Gualán, S. P.; Gualapuro-Gualapuro, S. D.; Belli, S.; Chicaiza-Lema, M. B.; J. Chem. Educ. 2022, 99, 211. [Crossref]

60. http://cfq.org.br/noticia/tabela-periodica-ganha-versao-em-libras/, acessada em abril 2022.

61. http://cfq.org.br/noticia/pesquisa-sobre-quimica-verde-inclusiva-e-premiada-em-evento-na-italia/, acessada em abril 2022.

62. Toma, H. E.; Quim. Nova 2019, 42, 468. [Crossref]

63. Lima, G.; Barbosa, L.; Filgueira, C.; Quim. Nova 2019, 42, 1125. [Crossref]

64. Leite, B.; Quim. Nova 2019, 42, 702. [Crossref]

On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
Qu�mica Nova
Publica��es da Sociedade Brasileira de Qu�mica
Caixa Postal: 26037 05513-970 S�o Paulo - SP
Tel/Fax: +55.11.3032.2299/+55.11.3814.3602
Free access

GN1