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Os currículos dos primeiros cursos de química da universidade de coimbra e de universidades brasileiras The curriculums of the first chemistry courses at university of coimbra and brazilian universities |
Vanessa F. FonsecaI; Sérgio P. J. RodriguesII ; Maurícius S. PazinatoI,*
I. Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 91501-970 Porto Alegre - RS, Brasil Recebido em 07/04/2022 *e-mail: mauricius.pazinato@ufrgs.br The study of History of Education is very important to teacher education because it allows reflections and greater criticality about their own teaching practice and professional condition. The purpose of this research was to identify similarities between the curriculum of Chemistry courses of University of Coimbra (UC), National School of Chemistry (ENQ) and School of Engineering of Porto Alegre (EEPA) at the beginning of the 20th century seeking to identify possible influences of UC in the structuring and curriculum of the first Brazilian higher education Chemistry courses. The results showed more similarities regarding the structure between UC and ENQ, while there were greater correspondences in the curricular activities between UC and EEPA. Finally, it was not possible to identify confluences in the curriculums of the courses over the decades since there was a divergence between the models of organization of the higher education in the countries under study. INTRODUÇÃO Frequentemente, tendemos a enxergar a ciência e a educação de forma desconectada do seu contexto social, como se independessem de processos históricos e personagens que influenciaram o seu desenvolvimento. Nesse contexto, a História da Educação assume importância e se destaca no processo de formação docente por permitir que o futuro professor tenha maior compreensão da sua realidade educacional, enxergando-a como fruto da construção humana. Além disso, possibilita a análise e a problematização dos objetivos educacionais de cada período histórico, permitindo que o professor desenvolva senso crítico sobre a sua prática docente e do seu papel e condição profissionais.1 Como resultado de uma colonização predatória e do posterior processo de globalização, o Brasil possui forte influência europeia em sua estruturação, especialmente a portuguesa, o que acabou por impactar diferentes aspectos da sociedade, como a alimentação, algumas festividades e, claro, também a educação, o que se reflete, por exemplo, no desenvolvimento tardio das universidades.2 O processo de colonização portuguesa no Brasil tem início em 1500 com a chegada das primeiras caravelas na atual região de Porto Seguro, Bahia, e avançou ao longo dos séculos, sendo a educação uma ferramenta significativa utilizada pela coroa portuguesa para manter atrelada a si a importante colônia que era o Brasil. Em Portugal, o início do ensino superior ocorreu em 1290 com a fundação da Universidade de Coimbra (UC), instituição que teve monopólio sobre o ensino superior lusitano e brasileiro ao longo de todo período colonial, em que foram formados diversos personagens relevantes na história dos dois países. A partir do século XVI, a educação em Portugal e suas colônias ficou a cargo dos jesuítas, o que prosseguiu até 1759, quando este grupo religioso teve seus bens confiscados e foi expulso do reino como resultado de um movimento que o acusava de ter tornado o ensino português arcaico, fazendo com que seus conhecimentos caíssem em descrédito. Entretanto, a expulsão dos jesuítas apenas tornou o ensino ainda mais decadente, fazendo com que em 1772 fosse proposta uma reforma no ensino superior, que ficou conhecida como Reforma Pombalina.3 Essa reestruturação trouxe ideias inovadoras à UC e impactou especialmente as Ciências Naturais, devido à criação das Faculdades de Ciências e de Matemática, em que buscou atualizar os métodos e materiais de ensino de forma autoritária, através de Estatutos rígidos que davam forte ênfase à experimentação, o que pode ter acabado por impedir as inovações as quais a reforma inicialmente se propôs.4 Enquanto isso, no Brasil, a ausência dos jesuítas causou uma grande crise educacional, o que aumentou o fluxo da elite colonial para realizar seus estudos em Coimbra, já que era a única universidade tanto no Brasil como em Portugal nesse período. Este movimento era de interesse a ambos os lados, pois para a elite brasileira representava a oportunidade de dar uma formação aos seus filhos, mas também de alcançar privilégio e possíveis benefícios devido à aproximação com a coroa. Já Portugal, facilitava a ida desses jovens buscando prepará-los para assumirem posições importantes no governo e em serviços reconhecidos, em uma tentativa de manter a parte mais importante do seu império e impedir o surgimento de ideias de independência.5 Assim, entre os anos de 1772 e 1789, os estudantes brasileiros representaram cerca de 15,2% do total de alunos matriculados na UC, sendo que três anos após a Reforma Pombalina, em 1775, esse número chegou ao seu ápice com 30,2% de representatividade, sendo que estes estudantes tinham como principal origem os estados do Rio de Janeiro e da Bahia.6 Assim, no Brasil, o ensino superior surgiu tardiamente devido aos vetos da coroa portuguesa à criação de cursos, sendo que esse cenário se alterou apenas com a chegada da família real portuguesa em 1808, quando se percebeu que não havia infraestrutura para atender as necessidades da realeza e da elite que a acompanhava, devido à falta de mão de obra qualificada gerada pela ausência de ensino superior no Brasil.7 A partir disso, foram criados os primeiros cursos no país, que possuíam uma forte vertente utilitarista, já que não buscavam promover o amplo acesso ao ensino, mas sim formar profissionais que pudessem atender as necessidades de uma parte restrita da população.8 De maneira semelhante ocorreu com o ensino da Química que se estabeleceu apenas em 1810 com a criação da Academia Real Militar do Rio de Janeiro. Essa instituição adotou uma estrutura muito próxima à utilizada na UC, sendo que no decreto de sua criação há a primeira referência oficial ao ensino da Química em uma instituição brasileira, mesmo que apenas como uma disciplina que acompanhava outros cursos,9 já que o grande incentivo para a criação de cursos superiores de Química no país ocorreu apenas em 1918 com a publicação do artigo Façamos Químicos.10 Escrito por José de Freitas Machado, o autor foi o primeiro diretor da Escola Nacional de Química e o primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Química, sendo seu artigo considerado "a certidão de nascimento" dos cursos brasileiros de Química de nível superior,11 já que foi a partir dele que em 1920 o Congresso Nacional aprovou a Lei Orçamentária de Despesas que incluía a abertura de cursos em diversas cidades brasileiras.12 Entre elas, estavam Porto Alegre e Rio de Janeiro, em que foram fundados os cursos de Química Industrial na Escola de Engenharia de Porto Alegre e o curso de Química Industrial e Agrícola junto à Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária.13 Esse último, através do Decreto nº 23.016, de 28 de julho de 1933 dá origem a Escola Nacional de Química (ENQ) no Rio de Janeiro, a primeira instituição completamente voltada ao ensino da Química no Brasil.14 Portanto, partindo da forte influência portuguesa no desenvolvimento da educação brasileira e da presença marcante da UC na formação de nível superior em ambos os países, este artigo se utilizou da análise documental com o objetivo de buscar possíveis influências da UC na estruturação e no desenvolvimento dos currículos dos primeiros cursos de bacharelado em Química de nível superior brasileiros, analisando ainda os atuais currículos dos respectivos cursos de bacharelado em Química Industrial e o curso de licenciatura em Química da UC. Com isso, pretende-se caracterizar os currículos em estudo e estabelecer possíveis semelhanças entre eles, através de análises descritivas e analíticas. Este artigo busca desenvolver um registro bibliográfico do histórico do surgimento dos primeiros cursos de Química no Brasil e em Portugal, podendo contribuir como ponto de partida e fundação teórica para o desenvolvimento de outros estudos ligados ao currículo, além da compreensão deste processo e de possíveis fatores que influenciaram nestas construções até chegarmos aos modelos atuais.
METODOLOGIA Este trabalho utilizou como método a pesquisa documental a partir de uma abordagem qualitativa, sendo que a avaliação dos documentos históricos coletados se deu através da Análise de Conteúdo.15 A partir disso, o desenvolvimento da pesquisa teve início com a leitura de bibliografias que abordam a história do ensino superior no Brasil e em Portugal, especialmente ligadas à área da Química e das Ciências Naturais, a fim da construção do referencial teórico e do corpus de análise. Assim, foi definida como alvo de pesquisa a UC pela sua importância histórica para o Brasil e em Portugal, já que foi a única instituição desse gênero em ambos os países ao longo de todo o período colonial, sendo uma referência em terras lusas. No Brasil, essa universidade exerceu grande influência durante o surgimento do ensino superior, além de ter formado diversos jovens que posteriormente assumiram cargos de poder e influenciaram no processo de estruturação de um país independente. Também será foco de estudo a ENQ por ter sido pioneira na formação de químicos em nível superior no Brasil. Além disso, pensa-se que este pode ter sido um dos cursos que sofreram maior influência lusitana no país, já que se localizava no Rio de Janeiro, cidade que foi capital do império e moradia da realeza portuguesa, além de ser o estado com o maior número de representantes entre os brasileiros que graduaram-se na UC ao longo dos séculos XVIII e XIX. Além desses, delimitou-se o curso criado na Escola de Engenharia de Porto Alegre (EEPA) como alvo de estudo por ter sido um dos pioneiros no país, em 1920, devido à aprovação da Lei Orçamentária de Despesas, vindo compor a atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo, portanto, uma instituição com forte tradição na formação de químicos, tendo mais de 100 anos de história.16 Tendo sido determinadas as instituições que fariam parte do corpus de pesquisa, definiu-se os currículos de cada uma delas que seriam alvo de análise. Assim, delimitou-se o currículo de 1933 do curso de Química Industrial da ENQ por ter sido aquele do ano de inauguração desta instituição. Além deste, definiu-se o currículo de Química Industrial de 1921 da EEPA, visto que foi o primeiro definitivo da instituição para esse curso e o primeiro a ter sido frequentado e formado químicos no Rio Grande do Sul. Por fim, buscou-se um currículo de período equivalente na UC, sendo definido o do curso de Ciências Físico-Químicas oriundo da Reforma de 1911, já que esteve vigente durante a criação do curso da EEPA e por constituir uma referência histórica dentro do ensino das universidades portuguesas,17 tendo causado maior impacto na Faculdade de Ciências. Além dos currículos citados anteriormente, também se optou por analisar aquele vigente a partir da reforma de 1964 realizada na UC, em que teve origem o primeiro curso exclusivamente de Química desta instituição, bem como os currículos atuais existentes nos cursos de instituições correspondentes, em uma tentativa de se verificar possíveis resquícios de influências portuguesas, além de poder identificar aproximações ou afastamentos desses cursos nas últimas décadas. Tendo sido definido o corpus de análise, a coleta do material para pesquisa ocorreu principalmente através de buscas on-line em sites oficiais, bases digitais e através de consulta às legislações de criação e à organização dos cursos em estudo. Além disso, a coleta de documentações que abordassem o currículo da EEPA incluíram visitas a acervos e arquivos da UFRGS e consulta aos relatórios disponíveis na biblioteca da Escola de Engenharia da instituição em que foi possível analisar relatórios dos anos de 1919-1927, com exceção de 1922, por não ter sido localizado no acervo. Para a avaliação dos documentos coletados foram estabelecidas as seguintes categorias de análise: o currículo vigente a partir da reforma de 1911 na UC; o currículo de inauguração da ENQ em 1933; o currículo do curso de Química Industrial em 1921 na EEPA; o currículo de 1964 como o primeiro curso de Química da UC; os currículos atuais e semelhanças entre os currículos estudados. Os aspectos a serem analisados se originaram de informações comuns contidas nos documentos em estudo e que se mostraram fatores estruturantes nos cursos em estudo, sendo consideradas características importantes na organização desses currículos. A partir disso, foram selecionados para análise: a idade mínima e a forma de ingresso no curso; a duração e carga-horária; a obrigatoriedade de frequência às aulas; a existência de dependência entre as disciplinas; o modelo avaliativo utilizado; a duração das disciplinas e a existência de estágios e de pré-requisitos para realização dos exames.
RESULTADOS E DISCUSSÃO O currículo vigente a partir da reforma de 1911 na UC A reforma na UC teve início com a publicação do decreto de 19 de abril de 1911 no Diário do Governo Português. Sendo conhecida como as Bases da Nova Constituição Universitária, esta legislação marcou o fim do monopólio conimbricense no ensino superior lusitano, já que determinou a criação das universidades de Lisboa e do Porto. Além disso, ela se assemelhava em alguns aspectos à Reforma Pombalina ocorrida na mesma instituição em 1772, já que defendia um ensino menos teórico e verbalista, reforçando a necessidade da experimentação, em que os professores deveriam realizar investigações científicas e iniciar seus alunos nessas práticas.17 Na mesma legislação, determinou-se a criação de Faculdades de Ciências nas três universidades portuguesas, que tiveram sua organização definida a partir do decreto de 11 de maio de 1911. Assim, estabeleceu-se a idade mínima de 16 anos para ingresso, além da obrigatoriedade da comprovação da conclusão do curso de ciências dos liceus. Exigiu-se ainda a existência de cursos de Ciências Físico-Químicas nestas faculdades, que deveriam ter a duração mínima de quatro anos, sendo o currículo da UC composto pelas disciplinas apresentadas no Quadro 1. Entretanto, esse era apenas um plano aconselhado, já que não havia uma dependência legal ou uma relação de obrigatoriedade entre as disciplinas.
As aulas no curso de Ciências Físico-Químicas da UC ocorriam de segunda-feira a sábado, totalizando entre oito e 13 horas e meia semanais. A carga-horária das disciplinas era composta de uma parte teórica de presença livre e uma parte prática de presença obrigatória, sendo que todos os estudantes deveriam trabalhar nos laboratórios pelo menos uma vez na semana, com a frequência sendo registrada através de um livro ponto. Maiores informações sobre o que era ensinado nas atividades experimentais podem ser encontradas no Material Suplementar. Além disso, a avaliação se dava através de exames em duas épocas do ano, que eram compostos por provas práticas e teóricas, sendo pré-requisito para a realização da prova teórica a aprovação na prova prática. Os resultados das avaliações se davam através de uma escala em valores que variavam entre 0 a 20, sendo necessário no mínimo 10 valores para aprovação, tendo ainda uma escala qualitativa equivalente a: notas entre 10 e 13 eram valores suficientes, entre 14 e 17 correspondiam a valores bons e de 18 a 20 valores muito bons. O currículo de inauguração da ENQ em 1933 A Escola Nacional de Química (ENQ) foi fundada em 1933 por intermédio do decreto n.º 23.016 de 28 de julho, sendo vinculada à Diretoria Geral de Produção Mineral e consequentemente ao Ministério da Agricultura. Essa instituição tinha o objetivo de melhorar o preparo dos químicos industriais, garantir a formação de profissionais especializados e proporcionar o conhecimento indispensável necessário ao exercício dessa profissão. Sua organização foi regulamentada através do decreto n.º 23.172 de 29 de setembro de 1933, em que foi determinada a idade mínima de 17 anos para o ingresso ao curso, além da obrigatoriedade de ter concluído o ensino secundário com adaptações didáticas no curso de engenharia e a aprovação no vestibular que incluía provas orais, escritas, práticas e gráficas. Quanto aos professores, seriam admitidos apenas brasileiros natos ou naturalizados que possuíssem distinção no meio científico, com a seleção ocorrendo através de concursos públicos. O curso de Química Industrial tinha a duração recomendada de quatro anos, com as disciplinas que o compunham estando apresentadas no Quadro 2, sendo que havia uma relação de dependência entre os anos do curso, já que para realizar matrícula no ano seguinte era necessária a aprovação em todas as disciplinas do ano anterior ou poderia ser realizada apenas uma matrícula condicional.
Quanto ao ensino nas disciplinas, eram adotadas aulas teóricas, atividades práticas e excursões nas cadeiras de aplicação. Cada aula teórica tinha duração de 50 minutos e eram de presença livre, entretanto, semanalmente, essa carga-horária não poderia ultrapassar a metade do tempo destinado a uma disciplina, enquanto as aulas restantes eram de presença obrigatória. As excursões deveriam acontecer com a maior frequência possível, tanto durante o ano letivo como nas férias, podendo ainda ser exigida a realização de um estágio obrigatório na indústria ao fim do terceiro ou quarto ano do curso, que deveria ocorrer durante as férias. A entrega de relatórios era obrigatória tanto em trabalhos práticos e excursões, bem como no estágio. O sistema avaliativo das disciplinas baseava-se no desempenho dos estudantes em trabalhos escolares, provas parciais e orais. As provas parciais eram obrigatórias e dividiam-se por três ocasiões ao longo do ano letivo, tinham caráter teórico dissertativo e para sua realização era necessário que o estudante tivesse o mínimo de três quartos de presença nas aulas obrigatórias das disciplinas. Com a conclusão das aulas, ocorriam ainda as provas finais, que dividiam-se em primeira e segunda época, possuindo uma organização semelhante, já que eram compostas por provas orais. Para a avaliação, era adotada uma escala numérica de 0 a 10, sendo que para a aprovação nas disciplinas era necessário que o aluno obtivesse uma média final entre todas as avaliações igual ou superior a cinco. O currículo do curso de Química Industrial em 1921 na EEPA A partir da Lei Orçamentário n.º 3.991, de 5 de janeiro de 1920, foi fundado o curso de Química Industrial junto a já existente EEPA, com verbas originadas do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Nela, ficou prevista a exigência de que fossem contratados pelo menos dois professores na Europa ou nos Estados Unidos da América (EUA) para a concessão de verbas, além da duração dos cursos que deveria ser de três anos. Entretanto, em 1º de junho de 1920 foram publicadas novas orientações no Diário Oficial da União para a estruturação destes cursos. Assim, ficou definida a idade mínima de 16 anos para o ingressante, além da obrigatoriedade da conclusão de uma formação ginasial e a aprovação em um exame de admissão que envolvia Química Mineral, Orgânica, Descritiva e Física. A fundação do curso ocorreu em 17 de junho de 1920, sendo contratados na Alemanha três professores especialistas para a sua estruturação, além de um antigo estudante da escola que fez especializações nos EUA. O curso funcionou pela primeira vez em 1921, ainda com um programa provisório, sendo neste mesmo ano aprovado o seu currículo definitivo, que se organizava conforme apresentado no Quadro 3.
O curso tinha a duração de três anos, sendo o último voltado a uma especialização que ficava sob o critério de escolha do aluno entre as três opções disponíveis. Sua carga-horária era bastante alta, com aulas de segunda a sábado que rondavam entre 28 a 36 horas semanais, conforme o ano cursado, tendo prevalência de aulas laboratoriais que chegavam a totalizar 30 horas por semana, indicando uma forte valorização das atividades experimentais. Quanto aos métodos avaliativos utilizados, poucas informações foram encontradas, a partir de alguns registros presentes nos relatórios consultados, concluiu-se que a avaliação das disciplinas ocorria através de exames de primeira e segunda época, em que os resultados dos desempenhos eram expressos em uma escala numérica de 0 a 10, sendo necessário no mínimo cinco pontos para aprovação.18 O currículo de 1964 como o primeiro curso de Química da UC O Decreto n.º 45.840/1964, de 31 de julho, promoveu a maior mudança na Faculdade de Ciências da UC desde a reforma de 1911, já que houve a criação de novos cursos a partir da divisão de áreas da ciência que eram anteriormente unificadas. Assim, a graduação em Ciências Físico-Químicas dividiu-se nas licenciaturas em Física e em Química, dando origem aos primeiros cursos exclusivamente destas áreas nesta instituição. É importante destacar que o termo licenciatura possui significados diferentes no Brasil e em Portugal. Enquanto os cursos de licenciatura brasileiros bucam formar docentes e possuem parte de seu currículo voltado às práticas didáticas, a licenciatura portuguesa é equivalente aos bacharelados brasileiros, já que se direcionam apenas à formação científica. Não existe, em Portugal, cursos de graduação voltados à formação de professores em disciplinas específicas, sendo necessário para isso que se curse a licenciatura do componente curricular de interesse e posteriormente se ingresse no mestrado em ensino da área desejada. A partir da divisão dos cursos ocorreu um aumento significativo nas disciplinas de Química ofertadas pela faculdade e na duração das licenciaturas, já que o curso, agora exclusivamente de Química, passou a ter cinco anos de duração. Isso ocorreu principalmente devido ao grande avanço da ciência nesse período, sendo necessário que os estudantes tivessem contato com um montante maior de conhecimentos quando comparados àqueles de 1911. O curso continuava a organizar suas disciplinas de forma anual e dividia-se em uma primeira parte composta por um tronco comum, que compunha os três primeiros anos de curso, caracterizado por uma abordagem geral das ciências, e uma segunda parte composta pelos anos restantes, quando havia uma maior especialização quanto à Química. Além disso, definiu-se certa dependência entre os anos do curso, já que passaram a existir pré-requisitos em algumas disciplinas para que pudessem ser cursadas as seguintes, além de que para realizar sua matrícula em um determinado ano do curso, o estudante não poderia ter sido reprovado em mais de uma disciplina do ano anterior. A maior parte das disciplinas contava com uma carga-horária dividida entre um caráter prático e teórico, que variavam entre 22 e 26 horas semanais, sendo que com o avanço do curso havia uma tendência ao aumento das atividades práticas. Nesse currículo, o ensino excessivo das ciências puras passa a ser criticado, já que ocorre também a valorização do ensino de aplicações visando à formação de técnicos, sendo por isso criadas disciplinas como Análises Industriais e Física Aplicada. Entretanto, as atividades experimentais visando investigações científicas continuavam sendo muito valorizadas, havendo seminários que objetivavam o desenvolvimento de pesquisas. O critério de avaliação para o desempenho dos estudantes dependia do caráter da disciplina, se ela fosse exclusivamente prática, a avaliação se dava de forma progressiva ao longo de todo o ano, apenas sendo concedida a reprovação ou aprovação do estudante. Enquanto isso, disciplinas com caráter prático e teórico utilizavam exames finais, que poderiam ser compostos por provas orais, práticas ou escritas. Os resultados das avaliações ainda eram expressos com a mesma escala numérica de 1911, entre 0 e 20, tendo ainda uma escala qualitativa correspondente. O curso também era regulado pelo Decreto n.º 18.717, conhecido como Estatuto da Instrução Universitária, que foi publicado em 2 de agosto de 1930 e determinou os pré-requisitos necessários aos estudantes para ingresso nos cursos da UC. Assim, um aluno estaria habilitado para matricula apenas se tivesse concluído a 7ª classe de Letras ou Ciências de cursos complementares dos liceus ou ainda que fosse aprovado em um exame de admissão. Quanto à matrícula, havia a possibilidade de se ingressar no curso como um aluno ordinário (tinha matrículas regulares) ou extraordinário (cursava assuntos específicos com a finalidade de investigação ou aperfeiçoamento). Apesar disso, a obrigatoriedade das provas práticas era válida a todos, sendo que para realizá-las o estudante deveria ter frequentado dois terços das aulas ou obtido o mínimo de 10 valores nos cursos práticos. Os currículos atuais Universidade de Coimbra A antiga Faculdade de Ciências da UC, atualmente chama-se Faculdade de Ciências e Tecnologia, onde está contido o Departamento de Química. O ingresso à universidade ocorre principalmente através do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, porém existem ainda outros concursos possíveis, como os locais e os especiais para estrangeiros. As disciplinas podem ser compostas por aulas práticas, teóricas, teórico-práticas, práticas laboratoriais e trabalhos de campo, sendo a frequência às aulas um direito e um dever do estudante, que tem a assiduidade controlada.19 O atual plano de estudos da licenciatura em Química da UC foi definido a partir do Despacho n.º 9017/2011, de 11 de julho, em que foi determinado o seu caráter diurno e sua duração de três anos, com unidades curriculares obrigatórias e opcionais, sendo as últimas um conjunto de disciplinas entre as quais o estudante pode optar por qual deseja cursar. A carga-horária do curso é mensurada por ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System), que em tradução livre significa Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos, que consiste em uma unidade adotada por algumas instituições do sistema educacional superior europeu para mensurar o volume de trabalho exigido por uma disciplina.20 O curso totaliza 180 ECTS, sendo a maior parte das disciplinas composta por seis ECTS, com a carga-horária na universidade variando entre 30 e 90 horas. As disciplinas possuem um caráter dinâmico, se dividindo em diferentes modalidades como aulas teóricas, práticas e teórico-práticas, porém há uma prevalência do caráter teórico e teórico-prático, já que geralmente há uma disciplina por semestre voltada a atividades laboratoriais. Os dois primeiros anos do curso são caracterizados por um tronco comum, enquanto o último se volta a uma especialização, existindo assim uma variante sua com ou sem menor. Um menor é uma espécie de especialização ao longo do último ano do curso, em que é abordada uma área da ciência diferente da principal estudada, sendo um conjunto de cinco disciplinas optativas que totalizam 30 ECTS, o que equivale a um semestre. No curso de Química pode se optar por cursar um menor nas áreas de Antropologia, Biofísica, Biologia, Bioquímica, Ciências do Espaço, Engenharia Geológica e Minas, Física, Geologia ou Matemática, sendo que para realizar a matrícula, o aluno precisa ter concluído ou estar inscrito em todas as disciplinas obrigatórias dos dois primeiros anos do curso.20 Se optar por um curso sem menor, a especialização realizada ocorre dentro da própria área principal de conhecimento do curso, no caso a Química. Portanto, a opção por um curso com ou sem menor impacta principalmente o último ano, já que na opção com menor, as disciplinas ligadas à Química são substituídas por outras áreas, tendo assim a carga-horária de Química e de cadeiras obrigatórias reduzidas, flexibilizando o curso. A avaliação é estruturada pelo Regulamento de Avaliação de Conhecimentos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC n.º 227/2018, de 16 de abril, podendo ocorrer de forma periódica ou através de uma avaliação por exame final. No primeiro caso, o processo avaliativo ocorre ao longo de toda disciplina, podendo ser utilizadas diferentes modalidades avaliativas, enquanto o exame final ocorre ao término do período letivo através de uma prova escrita e/ou oral. Já a classificação do desempenho dos estudantes se dá através da escala numérica entre 0 e 20 valores, em que 10 é o mínimo necessário para aprovação, a qual possui uma escala qualitativa equivalente. Universidade Federal do Rio de Janeiro A década de 1960 representou um período de grandes mudanças para o ensino superior do Rio de Janeiro. Em 1965, a Universidade do Brasil foi renomeada como Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando também agregou ao seu Centro de Tecnologia a Escola Nacional de Química, que passou a chamar-se Escola de Química da UFRJ. Nas décadas seguintes, o curso de Química Industrial ficou desativado por alguns anos, mas foi retomado definitivamente em 1996.21 A Escola de Química organiza-se através de um regimento próprio, a Resolução n.º 2, de 13 de fevereiro de 2020, em que são definidos diversos aspectos das suas atividades, como o ingresso através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e o oferecimento do curso de Química Industrial nas modalidades diurna e noturna. Quanto à avaliação, são estabelecidos como critérios para aprovação a assiduidade e o aproveitamento escolar. Assim, o controle da frequência nas aulas é obrigatório, com as avaliações podendo ocorrer através de diferentes modalidades, desde que sejam consideradas adequadas pelo professor responsável pela disciplina. O aproveitamento na disciplina é mensurado através de uma escala numérica que varia entre 0 e 10, sendo necessária para aprovação a nota mínima sete, além da frequência a pelo menos 75% do total de aulas ministradas. Estudantes com resultados inferiores ou iguais a três são automaticamente reprovados, entretanto, caso o aluno tenha tirado uma nota superior a essa, mas não tenha alcançado o valor mínimo para aprovação, é seu direito realizar um exame final para recuperação da nota. O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Química Industrial foi aprovado a partir do processo 0257290360, de 12 de novembro de 2003. O currículo foi organizado a partir de três tópicos: o bloco das disciplinas (composto pelo tronco comum, o bloco específico e as disciplinas eletivas), o bloco dos requisitos curriculares complementares de escolha restrita (em que o aluno opta por desenvolver um projeto final ou uma monografia em Química Industrial) e o estágio supervisionado. Em relação ao bloco das disciplinas, o tronco comum é composto pelos primeiros quatro períodos do curso e contém disciplinas existentes em todos os cursos da escola, já que busca fundamentar conhecimentos para a posterior especialização, que ocorre no bloco específico, em que se encontram as disciplinas dos últimos anos que se direcionam especificamente à Química Industrial. Já as disciplinas eletivas são aquelas nas quais o aluno realiza uma escolha condicionada do que irá cursar entre as disciplinas disponíveis, tendo que totalizar no mínimo 12 créditos (aproximadamente 180 horas), sendo proposta que essa seria uma oportunidade de especialização do estudante em determinada área que seja de seu desejo. Além das disciplinas eletivas, é obrigatória também a integralização de oito créditos (120 horas) em disciplinas de escolha livre, podendo optar por cursos de qualquer unidade da UFRJ. Os cursos das modalidades diurna e noturna são formados pelas mesmas disciplinas e diferenciam-se apenas pela sua organização e duração recomendada, já que o primeiro se estende ao longo de cinco anos, enquanto o segundo totaliza seis anos, tendo a mesma carga-horária total de 3.600 horas. Algumas disciplinas possuem dependência legal entre si, pois são estabelecidos critérios como um número mínimo de créditos cursados ou a aprovação em uma disciplina de um semestre anterior para a realização da matrícula. O método avaliativo utilizado é dependente do caráter da disciplina, mas há a prevalência de provas escritas. A avaliação normalmente ocorre em duas etapas: a avaliação parcial (geralmente composta por duas notas, caso se alcance a nota mínima sete obtém-se a aprovação) e a avaliação final (destinada àqueles que não obtiveram a nota mínima necessária). Já no estágio, a aprovação fica a critério de um professor supervisor a partir da análise do relatório final, enquanto no projeto final ou monografia, a nota é resultado da avaliação de uma banca examinadora, sendo necessário no mínimo cinco pontos para aprovação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul A EEPA foi incorporada à Universidade de Porto Alegre em 1934, através do Decreto Estadual nº 5.758, de 28 de novembro, deixando de ser uma instituição independente. Entretanto, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul assumiu o nome utilizado atualmente apenas em 1950, como resultado do seu processo de federalização. O curso de Química Industrial passou por alguns períodos de interrupção nas suas atividades, se fixando como curso e não apenas uma ênfase a partir de 2001. A UFRGS realiza o processo de seleção de seus estudantes através de um vestibular próprio, em que são direcionadas 70% do total de vagas oferecidas, sendo os 30% restantes dirigidos a classificação através do SiSU. O curso de Química Industrial é regulado pelo Estatuto da UFRGS instituído pela Decisão n.º 184/94, de 23 de setembro e o Regimento da Universidade estabelecido pela Decisão n.º 183/95 e Resolução n.º 42/95, de 22 de dezembro. Essas regulações determinam a estruturação dos currículos, que devem se organizar em disciplinas obrigatórias (aquelas necessárias para a colação de grau), disciplinas eletivas (de escolha livre entre um grupo ofertado pelo curso) e disciplinas facultativas (de escolha livre e não obrigatórias para colação de grau). A assiduidade dos alunos é um dos critérios de avaliação, sendo, portanto, obrigatória a frequência a pelo menos 75% das aulas para aprovação. O aproveitamento nas disciplinas é dado através de uma escala conceitual em que A é considerado ótimo, B bom, C desempenho regular e D insatisfatório, tendo ainda o conceito FF que indica a falta de frequência mínima para aprovação, sendo que os conceitos D e FF resultam na reprovação do estudante. O curso de Química Industrial é noturno e seu PPC foi aprovado em 2009, tem a duração recomendada de 10 etapas (ou cinco anos), sendo composto por 3.210 horas e 214 créditos. As disciplinas podem ser teóricas, práticas ou teórico-práticas, tendo geralmente pelo menos uma atividade a cada semestre com trabalhos experimentais. Além disso, algumas disciplinas ainda possuem pré-requisitos para serem cursadas, podendo ser eles outras disciplinas ou a exigência de que tenha sido cursado um número mínimo de créditos. No currículo ainda é prevista a elaboração de um projeto tecnológico no último semestre, em que é feita a entrega de uma monografia e uma apresentação oral a uma banca, e a realização de um estágio curricular em uma indústria com carga-horária de 300 horas. Quanto às avaliações de desempenho, elas ocorrem em sua maioria através de provas escritas em atividades teóricas ou relatórios em disciplinas experimentais. Os resultados geralmente são expressos através de uma escala de 0 a 10, que posteriormente é convertida a escala conceitual anteriormente citada, sendo necessário no mínimo seis pontos ou o conceito equivalente C para aprovação. Após as avaliações regulares ainda são previstas recuperações para aqueles que não alcançaram o conceito mínimo exigido para aprovação, com o seu formato ficando a critério de escolha do professor responsável pela disciplina. Semelhanças entre os currículos estudados Currículos do início do século XX A principal diferença que pode ser apontada quanto aos currículos em estudo é a filosofia adotada para a formação dos estudantes, já que no Brasil buscava-se formar mão de obra especializada para a indústria, enquanto em Portugal tinha-se o objetivo de dar uma formação científica ao aluno. Isso é perceptível pela vinculação dos cursos brasileiros ao Ministério da Agricultura, enquanto em Portugal o curso da UC era regulado pela Direção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial, um órgão nomeadamente voltado à educação. Ainda, evidenciam-se as especializações existentes no currículo da EEPA, que se direcionavam especificamente ao mercado de trabalho. Já quanto às semelhanças entre os currículos, é importante salientar que não existia uma homogeneidade sequer nos cursos brasileiros, o que fica evidenciado nas diferenças apresentadas pela ENQ e a EEPA. Diversos aspectos dos currículos em estudo foram avaliados, resultando em comparações que foram sistematizadas no Quadro 4.
Destaca-se que dentre os aspectos avaliados, não foram observadas simultaneamente semelhanças entre a organização das três instituições. Assim, ocorreram maiores convergências entre a ENQ e a UC, devido à duração dos seus cursos, a obrigatoriedade à frequência apenas às aulas práticas, a existência de estágios, ainda que com caracteres diferentes, e a organização anual das disciplinas. Além disso, as três instituições apresentaram certa proporcionalidade quanto à avaliação, já que em todas era necessário o mínimo de 50% de aproveitamento em uma disciplina para aprovação. É marcante ainda em todos os cursos a forte valorização das atividades experimentais. Na UC, as práticas dessa natureza vinham tentando ser evidenciadas e priorizadas desde a Reforma Pombalina, representando um marco em diversas reformas. Nesse currículo, essa característica fica destacada pela preocupação com a frequência dos estudantes aos laboratórios e na necessidade de aprovação primeiramente no exame prático para a realização da parte teórica. Já na ENQ, isso é percebido pela delimitação do tempo destinado a aulas teóricas e a obrigatoriedade da frequência apenas às aulas práticas. Por fim, no curso da EEPA destaca-se a alta carga-horária destinada a atividades experimentais, chegando a abranger 78% dos primeiros anos do curso. Entre as instituições avaliadas, o curso da EEPA foi o que mais se diferenciou dos demais devido a sua menor duração, à organização das disciplinas de forma semestral e à existência da especialização no seu último ano. Essa diferenciação pode ter ocorrido devido a seus primeiros professores trazidos da Alemanha, que foram os responsáveis pela organização do curso, o que o diferenciava inclusive da ENQ, que admitia apenas professores brasileiros ou naturalizados. Para que seja realizado um comparativo entre as disciplinas dos cursos, é necessário frisar que estão sendo contrapostos cursos de Química Industrial da EEPA e ENQ e um curso de Ciências Físico-Químicas, que é o da UC. Sendo assim, nessas comparações foram encontradas um maior número de disciplinas ligadas à Física e com maior especialização no curso português. Além disso, conforme esperado, foram encontradas em todos os currículos correspondências quanto às disciplinas ligadas às áreas pilares da Química, como a Química Orgânica e Inorgânica. Comparando especificamente os currículos de 1933 da ENQ e o de 1911 da UC, nota-se que os cursos possuíam a mesma duração e uma distribuição homogênea das disciplinas ao longo dos anos, sendo que o curso da UC se diferenciou por possuir uma disciplina a mais por ano. Ademais, esse curso também pode ser considerado com maior potencial multidisciplinar, já que possuía disciplinas relacionadas às outras áreas da Ciência, como a Biologia e a Mineralogia. Assim, as disciplinas se assemelhavam especialmente nos dois primeiros anos dos cursos, já que o avanço no currículo da ENQ levava a uma maior especialização na parte relacionada à indústria, enquanto o currículo da UC permaneceu com maior caráter científico e passou a abordar outras áreas da Ciência. Essas análises foram feitas a partir do Quadro 5, que apresenta as disciplinas por ano dos cursos em questão.
Já quanto aos currículos de 1921 da EEPA e de 1911 da UC, percebe-se uma maior correspondência entre as disciplinas em relação àquelas encontradas na ENQ e na UC, além de ocorreram de forma mais homogênea ao longo dos cursos. Apesar da duração mais curta do curso de Química Industrial da EEPA, um ano a menos, ele possui um maior número de disciplinas devido a sua organização semestral, além da existência de cadeiras especiais, que ajudam a aumentar este montante e abordam outras áreas da Ciência, o que também pode ter garantido a maior correspondência com as disciplinas da UC. Além disso, no currículo da EEPA se destaca a ausência de disciplinas ligadas à Matemática, uma importante área para as ciências e presente em todos os outros currículos avaliados. Essas comparações realizadas entre as disciplinas dos cursos podem ser visualizadas com maior clareza no Quadro 6.
Destaca-se que não ocorreram semelhanças entre as disciplinas de ambas as instituições no terceiro ano da EEPA, voltado à especialização, justamente por possuir um caráter tecnicista. Além disso, apesar de ocorrerem semelhanças quanto às áreas abordadas em diversas disciplinas, elas acabam se diferenciando no que se refere à carga-horária de maior ou menor extensão ou ainda por algumas serem pertencentes às cadeiras especiais da EEPA, as quais não havia garantia de que seriam efetivamente cursadas, já que não possuíam caráter obrigatório. O currículo do curso de Química de 1964 da UC Quando comparado ao primeiro curso completamente voltado ao ensino da Química da UC àquele vigente a partir de 1911 na mesma instituição, percebem-se maiores alterações na estrutura curricular do que especificamente na organização acadêmica dos cursos, visto que houve poucas mudanças na forma de realização das aulas e nos métodos avaliativos empregados, com a organização das disciplinas ainda ocorrendo de forma anual. Além disso, houve continuidade com a utilização de exames finais como método avaliativo, tendo seus resultados divulgados pela mesma escala numérica e conceitual correspondentes. Em relação às mudanças implementadas nesse currículo, destaca-se a retirada da idade mínima para admissão (passando a haver a necessidade da comprovação da realização de estudos ou de um exame de admissão), a possibilidade de matrícula como aluno extraordinário e a existência da ideia de um tronco comum inicial com uma posterior especialização (ainda que de uma forma engessada), todas estas características que já eram previamente adotadas na EEPA em 1921. Apesar de continuar prevalecendo a valorização das atividades experimentais, as quais se direcionavam uma extensa carga-horária, passa também a vigorar a importância da aplicabilidade e utilidade do conhecimento, o que causou a inserção de disciplinas com este caráter e garantiu uma aproximação ao que era feito no Brasil em décadas anteriores. Ainda ocorreram modificações que o aproximaram do currículo da ENQ em 1933, como a alteração dos pré-requisitos para a realização de exames práticos, que passaram a considerar a frequência dos estudantes e notas mínimas para habilitar a sua realização, bem como a inserção de dependências entre as disciplinas, pois para poder se matricular em um ano seguinte o aluno precisava ter sido plenamente aprovado no anterior. Nesse currículo, houve o aumento da duração do curso, passando para cinco anos e, consequentemente, no número de disciplinas e nas áreas da Química abordadas, o que vai ao encontro com a época que estava inserido, já que a Ciência passou anos antes por um período de grande desenvolvimento, que resultou em um aumento significativo nos conhecimentos existentes. Assim, nesse currículo passaram a ser abordadas novas áreas como a Radioquímica, enquanto outras, mais tradicionais, como a Química Inorgânica, não tiveram alterações significativas em sua carga-horária. Quanto a outros ramos da Ciência, a Matemática e a Física tiveram suas cargas-horárias expandidas, já outras áreas que eram abordadas em 1911, como a Biologia e Mineralogia, deixaram de aparecer como disciplinas. Portanto, de maneira geral, observou-se uma aproximação da organização deste currículo com os cursos vigentes nas instituições brasileiras no período anterior de estudo, além de apresentar grandes semelhanças com a estrutura curricular atual da UFRJ, já que, entre outros fatores, os cursos apresentam a mesma duração e a presença de um tronco comum inicial. Os currículos atuais A partir da comparação entre os currículos vigentes nas três instituições em estudo, parece ter ocorrido um afastamento na organização destes cursos nas últimas décadas. Inicialmente analisando a duração, a qual é significativamente maior no Brasil, já que na UC o curso prolonga-se por apenas três anos, enquanto chega a se estender por seis anos na UFRJ. Isso acaba implicando no número de disciplinas que compõem esses cursos, gerando um montante consideravelmente maior nos brasileiros, especialmente na instituição fluminense. Entretanto, comparações mais específicas quanto às cargas-horárias tornam-se complexas pelos países adotarem escalas diferentes, já que em Portugal utiliza-se o ECTS, que não possui uma conversão direta aos créditos brasileiros, pois considera os trabalhos realizados pelos estudantes para uma disciplina em sua totalidade e não apenas o período em sala de aula. Ainda é possível identificar um aumento no caráter teórico dos cursos quando comparado àquele do início do século XX, especialmente quanto às avaliações, que ocorrem, na maioria das vezes, através de provas escritas, trabalhos e relatórios, deixando de lado as provas práticas, ainda que o processo avaliativo sofra variações em todas as instituições, já que cada uma delas adotou o método que considerou mais eficiente. As escalas avaliativas tiveram poucas mudanças ao longo do período estudado, já que a UC permanece utilizando a escala numérica com o mesmo valor mínimo para aprovação desde 1911, mudando apenas a nomenclatura da escala conceitual. Enquanto isso, a UFRJ, apesar de ainda utilizar a escala de 0 a 10, alterou a nota mínima para aprovação nas provas parciais, sendo a UFRGS aquela que apresentou as maiores mudanças nesse quesito, pois passou a adotar uma escala conceitual equivalente, além de ter alterado sua nota mínima para aprovação. As atividades experimentais continuam presentes em um número significativo em todas as instituições, já que tendem a aparecer ao menos uma vez por semestre nos cursos avaliados. Porém, essas disciplinas adotam organizações diferentes, já que nos cursos brasileiros elas são fragmentadas quanto a área da Química abordada, enquanto na UC as práticas laboratoriais envolvem conceitos relacionados às diferentes áreas da Química, de acordo com as disciplinas específicas que compõem cada semestre. A estratégia utilizada na UC é didaticamente relevante, entretanto, existiriam empecilhos para ser empregada no ensino brasileiro, pois, muitas vezes, os estudantes acabam não seguindo a seriação aconselhada pelo curso, o que poderia trazer prejuízos a sua formação e ao andamento das disciplinas. Isso também impacta no estabelecimento de pré-requisitos, que são bem definidos e existentes em ambos os cursos brasileiros, enquanto o mesmo não ocorre na UC em que há apenas uma proposta de seriação, havendo limitações somente quanto à matrícula nos menores. No que se refere aos aspectos avaliados na organização dos currículos do início do século XX, o mesmo foi realizado para os currículos atuais, e contraditoriamente à expansão das diferenças entre os cursos, passaram a ocorrer consensos entre as instituições, como no ingresso através de provas nacionais, a obrigatoriedade da frequência dos discentes às aulas, a organização semestral das disciplinas e a presença de estágios, ainda que com caracteres diferentes entre os cursos brasileiros e o da UC. Ainda é possível encontrar a ideia de um tronco comum e de posterior especialização tanto na UFRJ como no curso português, apesar de ser enrijecido na instituição brasileira, que ainda sugere as disciplinas eletivas como uma oportunidade de especialização, lembrando a ideia de um menor, tendo inclusive a mesma duração de um semestre. As diferenças entre os cursos de países considerados desenvolvidos e emergentes ainda fica marcada pelos turnos em que as aulas são oferecidas. No Brasil, são ofertadas turmas nas modalidades diurna e noturna, enquanto na UC a oferta é exclusivamente diurna. Isso pode retratar a diferença de acesso ao ensino superior nesses países, já que um curso completamente diurno exige dedicação exclusiva aos estudos, sem a necessidade de os estudantes buscarem fontes externas de renda. Para realizarmos as devidas análises quanto às disciplinas dos cursos em estudo, é necessário percebermos que estamos comparando o currículo da Licenciatura em Química da UC, semelhante a um bacharelado brasileiro, com os cursos de Química Industrial da UFRJ e da UFRGS, sendo por isso natural que ocorram diferenças, especialmente quanto à vertente adotada para as disciplinas. Assim, em todos eles são encontradas unidades curriculares ligadas à Física, à Matemática e às diferentes áreas da Química, entretanto, no curso português elas ocorrem em menor número, com maior genericidade e menor especialização, devido ao caráter tecnicista presente nos cursos brasileiros. Em todos os currículos é encontrada a obrigatoriedade de um estágio, ainda que em laboratórios na UC ou em indústrias nas instituições brasileiras, o que se mostra condizente com o perfil de profissional que se busca formar em cada curso. Ao longo dos anos, os cursos brasileiros pareceram ter sofrido uma aproximação na sua organização, isso pode ser percebido na sua duração, na presença de disciplinas eletivas e trabalhos de conclusão de curso. Quando comparadas as disciplinas que os compõem, pode-se ainda notar correspondências entre as áreas abordadas, apesar da UFRJ conter um maior número de disciplinas em seu currículo e incluir outras áreas do saber como as ciências sociais e econômicas. A aproximação desses cursos pode ser resultado de legislações que passaram a estar vigentes nesse período e regulam os cursos de Química no Brasil, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de Química, estabelecidas através da Resolução CNE/CES 8, de 11 de março de 2002. Assim, a partir de todas as informações levantadas, percebeu-se que o currículo vigente atualmente na UC possui maiores semelhanças com aquele utilizado na EEPA em 1921 por possuírem a mesma duração recomendada e a existência do tronco comum inicial com uma posterior especialização optativa, ainda que na EEPA as especializações fossem mais ligadas à Química do que um atual menor na UC. Além disso, nota-se também uma aproximação do currículo atual da Escola de Química da UFRJ com o curso de 1964 da UC, já que ambos também possuem a mesma duração e a ideia de um tronco inicial comum a outros cursos da instituição e a posterior especialização mais enrijecida na área específica de formação.
CONCLUSÕES Através do presente estudo concluiu-se que havia semelhanças entre as estruturas curriculares dos cursos do início do século XX analisados na UC, na ENQ e EEPA, destacando-se principalmente a importância dada às atividades experimentais. Entretanto, os cursos apresentaram diversas diferenças, especialmente quanto ao perfil de formação dos egressos, já que na UC se procurava uma formação generalista, enquanto os cursos brasileiros buscavam preparar químicos qualificados para atuarem na indústria. Como resultado da comparação entre as disciplinas, observou-se um maior número de correspondências entre os currículos da EEPA e da UC, apesar de a organização dos cursos se dar de forma mais próxima entre a ENQ e a UC. Assim, por meio deste estudo percebeu-se que ao longo do período analisado houve poucas modificações na estruturação dos cursos, principalmente na ENQ, atualmente UFRJ, e nos parâmetros utilizados para mensurar o desempenho dos alunos nos sistemas avaliativos de todas as instituições. Nota-se uma aproximação do curso atual da UFRGS com aquele vigente na ENQ em 1933 e, consequentemente, também com o curso atual, já que ela foi a instituição que teve menos alterações ao longo do período estudado. Além disso, percebeu-se que o currículo vigente na UC passou a adotar uma estrutura muito semelhante ao que era feito na EEPA em 1921. É perceptível a existência de vestígios da colonização portuguesa na sociedade brasileira atual, o que acaba por gerar impactos também na educação. Além disso, há ainda a possibilidade de influências mútuas entre os países. Assim, para que a questão inicial deste trabalho possa ser plenamente respondida são necessários mais estudos que possibilitem um aprofundamento ainda maior da temática.
MATERIAL SUPLEMENTAR Maiores informações sobre as disciplinas pertencentes aos currículos estudados podem ser encontradas no material suplementar em formato PDF disponível em http://quimicanova.sbq.org.br/, com acesso livre.
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