|
Efeito dos defeitos de superfície e do pH na adsorção e na catálise da eletro-oxidação de CO em superfícies modelos de platina Surface defects and pH effects on adsorption and catalysis of CO electro-oxidation on model platinum surfaces |
Manuel J. S. FariasI,*; Germano Tremiliosi-FilhoI; Giuseppe A. CamaraII
I. Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil Recebido em 09/10/2022 *e-mail: manueljsfarias@gmail.com Platinum is one of the well-known catalytic materials for which the electro-oxidation of carbon monoxide better behaves as a sensitive reaction to the catalyst surface structure. For the electro-catalytic reactions that behave like this, the rate (faradaic current density) is the result of the sum of the activity of the different active sites working with very different efficiencies or abilities. In this scenario, different atomic arrangements on the catalyst surface are expected to play different roles in surface-catalyzed reactions. In this article, the functionalities that surface defects (steps) can play in the adsorption and electrocatalytic oxidation of CO on model platinum surfaces are reviewed. Surface defects are indirectly related to the up catalysis as well as to the inhibition of reaction pathways of CO electro-oxidation under very particular conditions; these surface entities are also indirectly related to restrictions for the mobility of adsorbed CO on the (111) terraced surfaces. We analyze the selective activation and deactivation of surface sites by the pH effect, and typical catalytic properties of extended surfaces and shaped-controlled nanoparticles have been discussed thoroughly. We present a model of most active sites involved in the pathways of CO2 formation from the electro-oxidation of adsorbed CO. INTRODUÇÃO Heterogeneidade é uma característica da essência das superfícies dos sólidos. De uma perspectiva química, fundamentos para essa percepção foram apresentados nos anos 20 do século passado,1,2 bem antes da concretude da capacidade de "observar" átomos e moléculas, e intimamente observar superfícies de sólidos em nível atômico, o que só foi conseguido com o desenvolvimento da STM (scanning tunneling microscopy) no início da década de 1980.3 Por razões de natureza entrópica,4,5 defeitos de superfície sempre estão presentes nos sólidos reais. Isso significa que mesmo as superfícies sólidas bem-preparadas e, por conseguinte, "bem-ordenadas" - tipicamente superfícies monocristalinas - apresentam concentrações finitas de defeitos,6 a temperatura acima do zero absoluto. Defeitos de superfície em geral podem fisicamente ser identificados por consistirem em átomos com baixo número de coordenação. Estruturalmente, tais defeitos podem aparecer como rupturas (locais) - por exemplo, devido à falta de átomos - dos arranjos periódicos de uma estrutura cristalina estática; também podem aparecer como decorrentes de aparente deslizamento de um plano atômico sobre outro, etc. Em escala nanoscópica, a heterogeneidade de superfície dos sólidos se manifesta fisicamente como uma miríade de configurações cristalográficas6 cujos arranjos atômicos consistem em terraços, degraus, quinas, etc., simplificadamente ilustrados na Figura 1. Nas superfícies sólidas modelos, como as superfícies escalonadas em particular, há relativo controle dos parâmetros ligados à estrutura de superfície, parâmetros tais como orientação cristalográfica dos planos atômicos expostos, concentração e padrão de distribuição de defeitos. Em particular para estudos visando interesses químicos, o controle daqueles parâmetros é de grande relevância prática porque heterogeneidades topográficas (Figura 1) fazem surgir variações locais de propriedades físicas e químicas na superfície de um sólido. Dentre as propriedades físicas com variações locais devido às imperfeições de superfície estão a função trabalho4,7 e o potencial de carga (total) zero.8 No que se refere a propriedades químicas, de forma geral, defeitos de superfície exercem decisivas influências em uma variedade de processos em sólidos, tais como crescimento9 e dissolução de cristais,10,11 velocidade de reações químicas,6 etc. Nesse sentido, a partir de uma perspectiva da catálise em superfícies de sólidos - foco principal deste artigo -, a heterogeneidade acima referida pode se manifestar tanto em termos de diferentes tipos de sítios (ou locais) de adsorção quanto de sítios para ativação de rotas de reações químicas e/ou eletroquímicas.12,13 De fato, nos campos da catálise heterogênea e da eletrocatálise heterogênea - esta última sendo um tipo especial de catálise que ocorre em interfaces eletrificadas -, na escala molecular, os defeitos de superfície podem vigorosamente impactar na reatividade, atividade catalítica, seletividade14 e durabilidade de um catalisador. Em muitas reações catalisadas em superfícies sólidas, em particular naquelas reações em que rupturas de ligações químicas estão envolvidas,15-18 defeitos de superfície, tipicamente degraus ou linha de defeitos (steps), quinas, ad-átomos, etc., são qualificados como sítios ativos em si.
Figura 1. Representação esquemática da heterogeneidade da superfície de um sólido onde prevalece uma miríade de configurações: terraço, linha de defeito (step), nano-ilha, ad-átomo, quina, etc.
Com base na teoria do centro da banda d,19 a origem do efeito dos defeitos de superfície na catálise, em particular nos metais de transição, é geralmente associada à alta energia de ligação que certos adsorbatos têm com átomos pouco coordenados em comparação aos átomos de terraços, que consistem em estruturas mais compactas. Em catálise, o termo sítio ativo é empregado para designar o local onde a adsorção para uma reação química catalisada particular efetivamente ocorre; já o termo centro ativo é empregado para designar o conjunto de sítios envolvidos em uma rota de reação catalisada também particular.20 Empiricamente, uma configuração local de átomos na superfície de um sólido é qualificada como sítio ativo (ou centro ativo) geralmente com base no fato que a sua presença exerce algum impacto na catálise de uma reação química.15,21 Porém, para algumas reações catalisadas em sólidos, desvendar detalhes acerca de funcionalidades que determinadas configurações locais de átomos, no caso específico, defeitos de superfície (steps), exercem nas suas rotas reacionais não é trivial,22,23 mesmo tratando-se de estudos que usam superfícies com alto grau de controle de estrutura, como as superfícies monocristalinas. A referida dificuldade reside no fato que se a superfície de um catalisador for enriquecida com um tipo de defeito e se isso torna o catalisador mais ativo para uma rota de reação, esse favorecimento não implica necessariamente em uma relação direta entre o tipo de defeito de superfície inserido e a "identidade" dos sítios criados/ativados para a rota de reação afetada, o que é algo aparentemente contraintuitivo para certas reações. Com base no exposto no parágrafo anterior, é primordial saber se e quando os defeitos de superfície constituem sítios ativos em si, se eles figuram como componentes que impactam a catálise de outra forma e como propriedades do ambiente reacional (exemplo: pH, natureza dos íons, etc.) impactam na atividade dos diferentes sítios (centros) ativos em um catalisador sítio-heterogêneo. Para esse tipo de investigação, o uso de superfícies bem ordenadas - como os monocristais - é essencial porque a complexidade da correlação envolvendo estrutura e atividade catalítica torna-se bastante simplificada e, metodologicamente, permite que se possa exercer controle de fatores ligados a fenômenos de superfície específicos. Também é necessário que se eleja uma reação química de superfície, e se realizem experimentos pontuais que possibilitem novas e melhores abordagens para o problema sob investigação. Uma interessante reação para o propósito de interrogar a correlação estrutura-atividade em eletrocatálise heterogênea é a oxidação eletroquímica de monóxido de carbono (CO) em eletrodos de platina,24 pois esta reação, que envolve uma etapa de adsorção, é notoriamente sensível à estrutura superficial da platina, e todas as rotas da reação culminam na formação de dióxido de carbono (CO2) como produto. A reação de adsorção/eletro-oxidação de CO tem um apelo prático de particular importância para o desenvolvimento tecnológico de ânodos de células a combustível de álcool e de hidrogênio (impuro). Apesar da aparente simplicidade, a reação de eletro-oxidação de CO não figura dentre as mais simples no campo da eletrocatálise heterogênea. Como se pretende demonstrar neste artigo, essa reação é complexa, extraordinariamente complicada e surpreendentemente interessante. O cerne do problema investigado neste artigo está relacionado aos sítios e centros ativos em eletrocatálise heterogênea. A abordagem experimental do problema é feita a partir de uma perspectiva acerca das funcionalidades que defeitos de superfície (steps) exercem na adsorção e na catálise da eletro-oxidação de CO em superfícies bem-ordenadas de platina, i.e., monocristais e nanopartículas facetadas daquele metal. Visando compreensão, contextualização e abrangência dos temas tratados, este artigo descreve no próximo tópico os atuais interesses científicos pelos sistemas Pt/CO-eletrólito, e na sequência apresenta um panorama sobre a oxidação eletroquímica de CO; depois se analisa a correlação entre a estrutura superficial da platina e as reações de adsorção e dessorção de hidrogênio, e segue-se com uma análise acerca da adsorção e eletro-oxidação de CO em sítios específicos, onde também se trata dos efeitos do pH do eletrólito; o último tópico é dedicado a uma análise a respeito do comportamento móvel e aparentemente imóvel do CO adsorvido. Este artigo combina uma apresentação de dados inéditos com dados já publicados.
INTERESSES ELETROQUÍMICOS PELO SISTEMA Pt/CO-ELETRÓLITO A adsorção e a oxidação de monóxido de carbono em superfícies sólidas são tópicos de pesquisa ativos há mais 100 anos.25-29 O sistema substrato/CO tradicionalmente serve de modelo para processos em catálise heterogênea29 e em ciência de superfície.28,30 Na indústria química, a adsorção do CO é uma etapa na reação de síntese de uma variedade de compostos orgânicos pelos processos Fischer-Tropsch31 e na reação de deslocamento gás-água (water-gas shift reaction).32 O sistema substrato/CO desperta interesse também em eletroquímica, onde a platina é geralmente utilizada como catalisador primário. Os primeiros estudos sistemáticos abordando o comportamento eletroquímico da Pt/CO-eletrólito datam da década de 1960,33-36 e foram motivados por entendimento acerca de reações anódicas de compostos carbonáceos (metanol, ácido fórmico) de uso potencial em células a combustível.33,36 Células a combustível são dispositivos eletroquímicos que convertem energia química em energia elétrica, e isso envolve problemas de eletrocatálise. Interesses por interfaces tipo Pt/CO-eletrólito também têm relação com o fato que certas propriedades do CO permitem que ele seja usado como sonda molecular de superfícies sólidas,37,38 o que origina desdobramentos importantes para a eletroquímica de superfície e para a eletrocatálise heterogênea. As reações anódicas de consequências para o desenvolvimento de tecnologia das células a combustível de baixas temperaturas (PEMFCs, i.e., polymer exchange membrane fuel cells, e DAFCs i.e., direct alcohol fuel cells), de alguma forma, envolvem o monóxido de carbono adsorvido (COads). Do ponto de vista da aplicação, as pesquisas atuais envolvendo a adsorção/eletro-oxidação de CO se justificam pelas seguintes motivações: (i) necessidade de superar o efeito inibitório que o COads causa na catálise da reação de eletro-oxidação de H2 impuro (contaminando com traços de CO gasoso) nos ânodos das PEMFCs;39 (ii) necessidade de aliviar perdas que o COads causa na eficiência faradaica da eletro-oxidação de álcoois nos ânodos das DAFCs.40,41 Para que H2 impuro seja eficientemente eletro-oxidado, o catalisador precisa ser ativo o suficiente para promover a eletro-oxidação de CO a baixos sobrepotenciais, ou ser inerte ao CO; no caso dos álcoois, o catalisador precisa ser seletivo às rotas de reação que formam CO2. A este respeito, as reações de eletro-oxidação de álcoois (e espécies derivadas) podem dar origem a múltiplos produtos, e um deles é o CO2. As rotas de reação que originam CO2 ocorrem com liberação máxima de elétrons, o que significa que elas transcorrem com eficiência faradaica máxima. Em função disso, as rotas de reação que formam CO2 são as de maiores interesses tecnológicos para as DAFCs. Assumindo o COads como espécie balizadora no mecanismo de reação da eletro-oxidação de álcoois (metanol, etanol), a formação de CO2 pode ocorrer por duas vias reacionais.42,43 Por uma das vias, denominada de via direta, a formação de CO2 ocorre sem passar por COads, ao passo que pela via indireta COads aparece no mecanismo da reação. Na platina, a principal rota de formação de CO2 pela eletro-oxidação de álcoois (metanol, etanol) segue a via indireta, mas os sobrepotenciais requeridos para a eletro-oxidação do COads são altos, e a seletividade a CO2 é baixa. A platina (pura) não é um bom catalisador nem para a via direta nem para a indireta da eletro-oxidação de álcoois. Mas, em virtude de sua estabilidade, e nela a reação de eletro-oxidação de CO ser sensível à estrutura de superfície, a platina é um excelente material para estudos de reações eletroquímicas nas quais o COads aparece. A eletro-oxidação de CO é uma semi-reação anódica (reação 1) estudada "isoladamente" em experimentos de stripping de monocamada de CO (quando este é pré-adsorvido), ou estudada como parte de intricados mecanismos da eletro-oxidação de álcoois (e espécies derivadas) a CO2 pela via indireta. Quanto a esse último aspecto, de fato, resultados experimentais de stripping de CO podem, em parte, ser úteis para compreender aspectos basilares da catálise da eletro-oxidação de álcoois. Especificamente, o papel que o CO adsorvido, oriundo da eletro-dissociação de álcoois, exerce mais como intermediário de reação ou mais como veneno catalítico depende do potencial aplicado e dos tipos de sítios de adsorção do COads,44 similar ao que se conclui dos experimentos de stripping de monocamada de CO. Do ponto de vista da pesquisa básica, a referida semi-reação é empregada como reação arquetípica para a compreensão de aspectos basilares da eletrocatálise heterogênea, em particular concernente à caracterização de sítios (centros) ativos para as rotas de reações que envolvem o COads. Em eletroquímica de superfície, a reação de adsorção de CO pode ser usada para "monitorar" o excesso de carga elétrica superficial (total) em eletrodos, carga essa usada para caracterização da interface eletroquímica.45 Ainda, a carga elétrica da eletro-oxidação de uma monocamada de CO pode ser usada para estimar as áreas eletroativas de eletrodos em cujas superfícies CO se adsorve quimicamente.46,47 Do que foi exposto neste tópico, resulta evidente que os sistemas Pt/CO-eletrólito figuram dentre os modelos de interfaces de maior relevância tanto para a eletrocatálise heterogênea quanto para a eletroquímica de superfície.
UM PANORAMA SOBRE A OXIDAÇÃO ELETROQUÍMICA DO MONÓXIDO DE CARBONO Monóxido de carbono é a molécula mais simples dentre os combustíveis orgânicos; é um produto da oxidação incompleta de compostos contendo carbono. A reação de oxidação de CO é termodinamicamente favorável (ΔG0 < 0).48 Para a reação CO(g) + ½O2(g) ⇄ CO2(g), a energia livre de Gibbs padrão é ΔG0 ≃ -257,3 kJ mol-1 (e ΔS0 ≃ -86,2 J mol-1 K-1); a reação é exotérmica (ΔH0 ≃ -283,0 kJ mol-1) e praticamente irreversível a temperaturas de até ~ 2.980 K. Pelo prisma da eletroquímica em meio aquoso, a reação de termo-oxidação do CO pelo O2 pode ser concebida como resultado de duas semi-reações em eletrodos acopladas: CO(g) + H2O(l) ⇄ CO2(g) + 2H+(aq) + 2e- (ânodo) e ½O2(g) + 2H+(aq) + 2e- ⇄ H2O(l) (cátodo); esta última semi-reação é a eletro-redução de O2 a água, via mecanismo de 4e-. As reações aquosas de oxidação com O2 têm fundamentos eletroquímicos implícitos.49 As duas semi-reações anteriores podem separadamente ocorrer na superfície de um mesmo eletrodo, e de acordo com a teoria do potencial misto (mixed potential theory),49-51 sem que ocorra fluxo externo de corrente elétrica (ianódica + icatódica = itotal = 0), o que resulta na reação de termo-oxidação de CO a CO2. Em dois eletrodos (ânodo e cátodo), a reação CO(g) + ½O2(g) ⇄ CO2(g) implica num cátodo alimentado com oxigênio.52 Se essa reação for processada eletroquimicamente, a termodinâmica permite calcular o potencial padrão (E0) para a seguinte semi-reação (a pH = 0): para a qual E0 ≃ -0,105 VRHE. Em meio ácido (Equação 1), os produtos da reação são: CO2, prótons, elétrons. Além de ocorrer nas PEMFCs39 e nas DAFCs,41 a reação de eletro-oxidação de CO também ocorre nos sensores eletroquímicos de CO.53 Essa reação é fonte primária de energia e carbono (crescimento) para as denominadas bactérias carboxidotróficas.54,55 Apesar de ser termodinamicamente bastante favorável na reação de eletro-oxidação de CO, a transferência dos 2 pares de próton-elétron é extremamente difícil de ocorrer mesmo com o uso de catalisadores de platina, de modo que altos sobrepotenciais (η) são requeridos para tanto (η = Eap - E0 > 0,5 V, em que Eap é o potencial aplicado, e E0 é o potencial de equilíbrio). Por exibir uma forte dependência com o pH,56-58 a reação de eletro-oxidação de CO ocorre por meio da transferência provavelmente sequencial de próton-elétron, e possivelmente envolve vários intermediários de reação. Um intermediário de reação recentemente59 detectado sobre Pt(111) e Pt(100) é a espécie COOHads, que se decompõe a CO2. O CO2 é termodinamicamente estável e é quimicamente bastante inerte. Todavia, em soluções alcalinas, CO2 se converte a íons carbonato (CO32-), isto é, CO2 + 2OH- ⇄ CO32- + H2O (ΔG0 < 0),48 e naquelas soluções, a reação geral da eletro-oxidação de CO passa ser a seguinte: e os produtos da reação são (Equação 2): íons carbonato, moléculas de água, elétrons. Na verdade, CO2 pode ser convertido a íons CO32- e HCO3- (bicarbonato), e as proporções desses íons e moléculas de água dependem do pH da solução, carbonato sendo favorecido em meio alcalino. A potenciais superiores a ~ 0,4 VRHE, íons carbonato adsorvem na platina60 e figuraram como um produto de reação que envenena o próprio catalisador; em meio neutro e a potenciais baixos,61 íons carbonato na solução, possivelmente por meio de um equilíbrio químico ácido/base, atuam indiretamente como doadores de espécies OH- para a reação de eletro-oxidação de CO. Curiosamente, é em meio alcalino que a reação de eletro-oxidação de CO é mais favorável. Como regra, à medida que a reação de eletro-oxidação de CO avança, o ambiente nas proximidades da superfície do eletrodo é acidificado e, a depender da corrente elétrica gerada, um gradiente de pH pode surgir, alterando o sobrepotencial da reação. Nesses casos, empregam-se soluções-tampão (buffers) capazes de minimizar a variação local de pH. O uso de soluções-tampão é particularmente importante quando se usam eletrólitos a pH neutro. A origem dessa variação local de pH está intimamente ligada à reação que forma a espécie fonte de oxigênio externo necessária para a formação da molécula de CO2. Reações do tipo H2O(l) + 1*sítio ⇄ OHads + H+(aq) + 1e- (meio ácido) e OH-(aq) + 1*sítio ⇄ OHads + 1e- (meio alcalino) são admitidas na formação da dita espécie oxigenada; *sítio ativo designa sítio de adsorção. Outro aspecto (considerado) geral na reação de eletro-oxidação de CO na platina é que, não importam o pH da solução e os tipos de sítios catalíticos, a formação de CO2 parece sempre ocorrer por algum mecanismo de competição por sítios de adsorção, envolvendo, na etapa determinante, a recombinação de 1 par de espécies adsorvidas adjacentes: COads + ‘espécie fonte de oxigênio externo adsorvida'. O caso geral de reações bimoleculares em superfície envolvendo 1 par de reagentes adsorvidos, e que se aplica à eletro-oxidação de CO em platina (e também em ródio, irídio, paládio), pode ser representado assim: Aads + Bads → produtos + sítios livres, denominado de mecanismo Langmuir-Hinshelwood (L-H), ilustrado na Figura 2 (interface sólido|gás). Esse mecanismo é um caso extremo em cinética química de reações em superfície. Rigorosamente, o par de reagentes adjacentes adsorvidos e a superfície do catalisador devem estar termicamente equilibrados antes que o produto da reação se forme e seja ejetado de lá. Na interface sólido|gás, Ertl62 estimou que o tempo de atraso para que esse pré-equilíbrio térmico se estabeleça deve ser superior a 10 pico-segundos. No caso da termo-oxidação de CO com o O2 em platina, a molécula de CO2 formada é ejetada para a fase gás satisfazendo as condições do mecanismo L-H,62 i.e., reagentes adsorvidos adjacentes e termicamente equilibrados com a superfície catalítica. Ainda sobre mecanismo de reação, outro caso extremo em cinética química de reações em superfície envolvendo 1 par de reagentes - reações bimoleculares - é o mecanismo Eley-Rideal (E-R), que pode ser representado assim: Aads + B(gás) → produtos + sítios livres, ilustrado na Figura 2 (interface sólido|gás). Neste caso, apenas um dos reagentes é adsorvido (Aads), e a formação de produto ocorre com o reagente da fase gás (B(gás)) incidindo no "sítio" do reagente adsorvido, sem que ocorra equilíbrio térmico (ou num extremo, sem interação) com a superfície do catalisador. A temperatura da superfície, nesse caso, não é definidora da reação.63,64 Pelo mecanismo de competição por sítios de adsorção (mecanismo L-H), a velocidade da reação é baixa quando a presença de um dos reagentes adsorvidos é dominante; o alcance de velocidade máxima de reação está condicionado ao número máximo de contatos entre os pares de reagentes adsorvidos. Diferente do mecanismo Langmuir-Hinshelwood, pelo mecanismo Eley-Rideal a velocidade da reação não passa por nenhum máximo.65
Figura 2. Ilustração dos mecanismos Langmuir-Hinshelwood e Eley-Rideal para reações gerais na interface sólido|gás envolvendo os reagentes A e B, dando P como produto. Superfície modelo de um catalisador sólido (bolas na cor cinza)66
Distinguir os mecanismos Langmuir-Hinshelwood e Eley-Rideal é importante pois eles têm implícitos parâmetros cinéticos muito distintos. No entanto, não é trivial diferenciar os dois tipos de mecanismos quando se trata de reações na interface eletroquímica, como se conclui do estudo nesta referência.67 No que diz respeito à eletro-oxidação de CO, diferentes evidências sugerem a ocorrência de mecanismos do tipo L-H. Gilman, em 1964,34 foi o primeiro a propor esse tipo de mecanismo para aquela reação em meio ácido, e o argumento foi baseado no fato que, nos experimentos potenciostáticos com um eletrodo de platina recoberto com "CO", a velocidade da eletro-oxidação de COads aumentava (até certa extensão) com a redução da cobertura superficial desse adsorbato, e isso, segundo o autor,34 era compatível com uma reação ocorrendo com pares de reagentes adsorvidos adjacentes. Em meio alcalino, por outros fatos e argumentos, alguns autores68-71 têm sugerido a ocorrência de mecanismos do tipo E-R. Nos estudos que alegam a ocorrência de um ou de outro mecanismo, o gargalo maior tem sido explicar como uma reação de eletro-oxidação de CO se inicia em um experimento de stripping de monocamada. Tanto nos experimentos voltamétricos quanto nos cronoamperométricos, o mecanismo L-H se aplica muito bem aos estágios posteriores ao início da reação. A inibição da atividade catalítica em decorrência da forte adsorção (especifica) de ânions,72 e a ocorrência de oscilações espontâneas de potencial em experimentos galvanostáticos com CO na solução73 são fatos compatíveis com a ocorrência de mecanismo do tipo L-H na catálise da eletro-oxidação de CO. No entanto, com o emprego de nano-balança de cristal de quartzo, por conseguinte, da análise dos perfis de Δm (ng) vsE, Jerkiewicz et al.74 perceberam que os estágios iniciais da reação de eletro-oxidação de uma monocamada de CO em nanopartículas de platina não envolvem incorporação de massas na zona de pré-oxidação de CO, e sugeriram que esse fato seria compatível com uma reação que se inicia via mecanismo Eley-Rideal. Todavia, na presença de íons cloreto (íons que se adsorvem fortemente na platina), a zona da pré-oxidação de CO na platina policristalina é deslocada para potenciais mais positivos e a catálise da reação é inibida,72 o que indica haver competição por sítios de adsorção, compatível com um mecanismo do tipo L-H. Como a operação do mecanismo Langmuir-Hinshelwood requer um par de reagentes adsorvidos adjacentes, distinguem-se duas situações extremas para a cinética de reação: (1) reagentes adsorvidos idealmente misturados e suficientemente móveis para satisfazer a cinética de aproximação do campo médio;75 (2) reagentes "imóveis", coexistindo em fases segregadas; presume-se que a reação entre eles ocorra nas bordas dos "buracos" existentes na monocamada de CO, satisfazendo a cinética de nucleação e crescimento (progressivo).75 A mobilidade ou imobilidade do COads durante a sua eletro-oxidação é o ponto chave da questão (tema do último tópico deste artigo). Após ser formada, a molécula de CO2 - que, nos potenciais em que CO é eletro-oxidado, interage fracamente com a superfície do eletrodo - é ejetada do sítio ativo onde foi formada. Sobre esse assunto, na interface sólido|gás, um estudo teórico76 apontou que em uma superfície Pt(332) ≡ 5(111) × (110) - constituída de terraços (111) de largura 5-átomos e defeitos monoatômicos tipo (110) - o tempo que a molécula de CO2 permanece "presa" no lugar onde foi formada depende do tipo de sítio ativo. Especificamente, o tempo de residência de CO2 foi maior nos defeitos de superfície monoatômicos (110) do que nos terraços (111). Para ambos os sítios, o mecanismo notado foi o L-H.76 Em termos de sítios ativos, a reação de eletro-oxidação de CO apresenta mais de 1 canal de reação nas superfícies escalonadas de platina, o que torna o sistema catalítico enormemente complicado. Independentemente do pH da solução, em experimentos de stripping de monocamada de CO, a reação de formação de CO2 parece ser controlada pela ativação dos sítios superficiais, e não pelo suprimento de COads via difusão aos sítios mais ativos.77 No ambiente eletroquímico, uma vez que as moléculas de CO2 formadas são dessorvidas, os sítios liberados podem ser imediatamente ocupados por ânions do eletrólito ou por espécies oriundas das moléculas de água, e isso contribui para o caráter irreversível da reação de eletro-oxidação de CO. Com base no mecanismo de competição por sítios de adsorção, a reação geral de eletro-oxidação de COads em meio ácido pode ser simplificadamente representada assim: em que COads e (H2O)ads representam o par de reagentes adsorvidos; *sítio ativo designa sítio liberado. A reação química na Equação 3 tem pelo menos três outras etapas implícitas, isto é: (H2O)ads ⇄ OHads + H+(aq) + 1e-; COads + OHads → COOHads + 1e- + 1*sítio ativo e COOHads → CO2(g) + H+(aq) + 1e- + 1*sítio ativo. A decomposição (eletroquímica) da espécie COOHads envolve a transferência (concertada) de 1 par de próton-elétron (1H+ & 1e-), e pode ser uma etapa rápida em meio ácido. Cada molécula de CO2 formada e dessorvida "gera" cerca de 2 sítios de adsorção (reação 3), e essa "criação" de sítios - até certo grau de recobrimento de COads - confere um caráter auto-catalítico para as reações que seguem os mecanismos tipo L-H. Nos experimentos voltamétricos de stripping de monocamada de CO, se além de CO adsorvido houver também CO na solução (sob convecção forçada), poderá ocorrer suprimento contínuo de moléculas de CO aos sítios liberados durante a reação, e o caráter auto-catalítico poderá dar origem a uma região de biestabilidade - região na qual são observados dois valores de corrente elétrica de estado estacionário para um mesmo valor de potencial aplicado - acarretando possíveis consequências cinéticas extraordinárias para a reação de eletro-oxidação do CO.73
CORRELAÇÃO ENTRE ESTRUTURA DE SUPERFÍCIE E PERFIL VOLTAMÉTRICO DE PLATINA A voltametria cíclica é uma técnica altamente sensível, capaz de proporcionar um diagnóstico digno de consideração acerca da estrutura cristalográfica das superfícies de eletrodos de platina78 e do impacto que a estrutura de superfície tem em propriedades da interface eletrodo|eletrólito. No entanto, no que concerne à estrutura de superfície do eletrodo de platina, só certas regiões específicas do voltamograma são úteis para tal diagnóstico. O trecho correspondente à região de hidrogênio é o que melhor serve para tal, e é comum a referência a essa região como fornecedora de uma "impressão digital" das superfícies dos eletrodos de platina.79,80 Nesse contexto, a metodologia atualmente padrão empregada para preparação de eletrodos monocristalinos de platina segue os protocolos implementados por Clavilier,81 e ficou firmemente evidenciado que as propriedades catalíticas da platina dependem da estrutura de superfície desse metal. A Figura 3 mostra os perfis voltamétricos da Pt(111) e de duas superfícies escalonadas, Pt(554) e Pt(544), em uma solução aquosa de HClO4. Estruturalmente, as superfícies escalonadas combinam repetições periódicas de terraços interrompidos por linhas de defeitos. No caso específico, as superfícies escalonadas Pt(554) e Pt(544) se constituem de terraços (111), com 9 átomos de largura, periodicamente interrompidos por linhas de defeitos monoatômicos (110) e (100), respectivamente. Seguindo o modelo Lang-Joyner-Somorjai,82 as superfícies consistindo em terraços (111) e steps monoatômicos (110) pertencem à série Pt(s)-[(n - 1)(111) × (110)] e possuem índices de Miller (n, n, n - 2); as constituídas de terraços (111) e de steps monoatômicos (100) pertencem à série Pt(s)-[(n)(111) × (100)] e possuem índices de Miller (n + 1, n - 1, n - 1). Individualmente, as superfícies escalonadas Pt(554) e Pt(544) podem então ser, respectivamente, representadas assim: Pt(s)-[9(111) × (110)] e Pt(s)-[9(111) × (100)]. Em termos práticos, por consistirem de terraços não muito longos nem muito curtos, as respostas eletroquímicas das superfícies escalonadas Pt(554) e Pt(544) são bastante representativas do comportamento eletroquímico das superfícies congêneres de suas respectivas séries. De relevância química, o tipo [(110) ou (100)] e a densidade de defeitos nas superfícies escalonadas podem ser "regulados" com base no ângulo de corte do cristal em relação a um plano basal, por exemplo, o plano (111). O trabalho de Korzeniewski et al.83 traz uma revisão abrangente sobre técnica de crescimento e de corte de superfícies monocristalinas. Além do importante caráter qualitativo do efeito da estrutura de superfície que permite distinguir os perfis voltamétricos da platina, as densidades nominais de átomos nas superfícies dos monocristais podem ser quantitativamente comparadas com as densidades de cargas experimentais da região de hidrogênio dos respectivos monocristais, embora isso não seja tão simples de ser feito para as superfícies de terraços muito curtos.
Figura 3. Voltamogramas cíclicos da Pt(111), Pt(554) e Pt(544) em uma solução de HClO4 0,1 mol L-1. Dados registrados a 0,05 V s-1; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório). Os dados incluem um modelo de esferas rígidas de cada superfície (dados reproduzidos e adaptados de Farias e Feliu)85
Para um eletrodo de Pt(111) numa solução aquosa 0,1 mol L-1 de HClO4, o potencial de carga total zero (EPZTC) localiza-se em ~ 0,34 VRHE (determinado no próximo tópico). O potencial de carga total zero é uma quantidade experimentalmente acessível, e é definido como o potencial em que a carga do lado do metal (incluindo carga transferida devido à adsorção, processos covalentes) e do lado da solução se anulam.84 O conceito de carga total, no qual está baseado o conceito de EPZTC, inclui processos capacitivos e processos faradaicos. Para um eletrodo de Pt(111), é razoável supor que a potenciais inferiores ao EPZTC, os processos interfaciais responsáveis pelo perfil corrente versus potencial são dominados pelas reações de adsorção/dessorção de hidrogênio, tipicamente a transferência concertada de 1 par próton-elétron para um sítio superficial (na platina) para formar hidrogênio atômico adsorvido (processo historicamente conhecido como etapa Volmer), ou o processo reverso, isto é, a dessorção eletroquímica de hidrogênio atômico adsorvido para originar próton em solução. Simplificadamente, os eventos podem ser assim representados: em que Hads e *sítio ativo denotam, respectivamente, hidrogênio atômico adsorvido e "sítio ativo" disponível. Do voltamograma da Pt(111) na Figura 3, a densidade de carga experimental de dessorção da monocamada de Hads foi σH ≃ 168 µC cm-2. Em uma situação ideal, cada átomo no plano (111) da platina é responsável pela transferência de um elétron na formação de uma espécie Hads, em cada átomo superficial de platina, de modo que a densidade máxima de carga para a formação de uma monocamada ideal de Hads no plano (111) é σH, máx = ρ(111) × e0 ≃ 241 µC cm-2 (máxima compactação), em que ρ(111) (= 1,504 × 1015 átomos cm-2) é a densidade de átomos no plano (111) da platina; e0 (= 1,602 × 10-19 C) é a carga elementar. Esse é o aspecto quantitativo referido no final do primeiro parágrafo neste tópico. Em acordo com experimentos, as reações na Equação 4 são reversíveis e confinadas à superfície do eletrodo (veja a simetria dos voltamogramas ao longo dos eixos dos potenciais (Figura 3)). Outra importante característica daquelas reações é que elas são extremamente sensíveis à estrutura de superfície da platina,79,80 e a técnica voltamétrica capta sensivelmente bem essa característica, como mencionado no início deste tópico. As três características seguintes são essenciais para que as reações na Equação 4 possam ser empregadas na identificação de sítios ativos: (1) reversíveis (excepcionalmente rápidas); (2) confinadas à superfície do eletrodo (restrita a monocamada); (3) sensíveis à estrutura de superfície (os fenômenos eletroquímicos são sensíveis às disposições dos átomos na superfície do eletrodo). Atualmente há fortes indícios que, especialmente em meio alcalino,86 a região de "hidrogênio" também abriga espécies OHads (e cátions adsorvidos). A potenciais mais positivos, além da região de hidrogênio, isto é, a E > ~ 0,7 VRHE, possíveis processos interfaciais envolvidos na região de hidróxido/óxido são discutidos na referência.87 Os processos interfaciais que dão origem aos picos em ~ 0,8 VRHE (mostrado para a Pt(111) na Figura 3) são sensíveis à presença de defeitos de superfície; os picos tendem a desaparecer à medida que os terraços (111) tornam-se curtos, é quando processos irreversíveis de superfície surgem, afetando a simetria do voltamograma, particularmente na região de hidróxido/óxido. Quando defeitos de superfície estão presentes no plano (111), a região de hidrogênio dos voltamogramas da platina passa a apresentar picos característicos dos tipos de defeitos de superfície presentes.79,80 Por exemplo, em soluções aquosas ácidas, tipicamente de HClO4 ou de H2SO4 a pH ~ 1, quando defeitos tipo (110) estão presentes no plano (111), surge um par de picos em ~ 0,130 VRHE, e esses picos se devem às reações de adsorção/dessorção de hidrogênio, equação 4, que ocorrem (possivelmente) nos topos dos defeitos tipo (110), como indicado no voltamograma da Pt(554) na Figura 3. Já quando o plano (111) contém defeitos tipo (100), desta vez 1 par de picos de adsorção/dessorção de hidrogênio aparece em ~ 0,286 VRHE, como indicado no voltamograma da Pt(544). A densidade de carga na região abaixo do pico em ~ 0,130 VRHE ou do pico em ~ 0,286 VRHE (Figura 3) corresponde à carga de adsorção/dessorção de hidrogênio nos sítios terraços (111) das respectivas superfícies escalonadas.79,80 Evidente, esse raciocínio não se aplica à platina policristalina cujos voltamogramas não podem ser decompostos trivialmente às contribuições dos respectivos planos basais. Para a Pt(554) em uma solução 0,1 mol L-1 de HClO4, o potencial de carga total zero localiza-se em ~ 0,26 VRHE;88 para o eletrodo Pt(544), EPZTC ≃ 0,28 VRHE.88 Em particular para a Pt(554), como se pode notar da Figura 3, a região de adsorção/dessorção de hidrogênio nos terraços (111) daquela superfície escalonada possivelmente se estende até ~ 0,30 VRHE, que é cerca de ~ 40 mV superior ao valor do EPZTC para aquele eletrodo com relação à Pt(111). A redução do EPZTC para as superfícies escalonadas ocorre porque a presença de defeitos de superfície possivelmente faz surgir potenciais de carga zero locais com valores inferiores ao valor do EPZTC para o plano basal Pt(111).8 Tal consequência para o potencial de carga total zero sinaliza que os defeitos de superfície podem sensivelmente influir em propriedades físicas e eletroquímicas da superfície de um eletrodo. Na Figura 3, o perfil voltamétrico da Pt(111) indica que a superfície do cristal "não continha" defeitos de nenhum tipo, pelo menos em níveis detectáveis por aquela técnica eletroquímica. Na platina, as reações Hads ⇄ H+(aq) + 1e- + *sítio ativo são tão sensíveis à estrutura superficial que defeitos com razões de recobrimento da ordem de ~ 1/50 (e inferiores) podem ser detectados por voltametria, particularmente em eletrólitos à base de H2SO4. Então, podemos nos referir às superfícies Pt(111) empregadas neste estudo como superfícies bem-ordenadas ou quase-perfeitas. Certamente, para a Pt(111) bem-ordenada, defeitos de superfície seriam detectados se essa superfície fosse examinada por técnicas de superfície mais poderosas, como a STM. Na Figura 3, o voltamograma da Pt(554) não apresenta sinais de defeitos tipo (100), e o da Pt(544) não apresenta sinais de defeitos tipo (110), de modo que essas superfícies escalonadas empregadas eram bem-ordenadas. Esse argumento é qualitativo, podendo despertar ceticismo. Um indicativo mais robusto que as superfícies escalonadas eram bem-ordenadas é o fato que a densidade de carga experimental da dessorção de hidrogênio nos defeitos - desprezando-se a contribuição da carga da dupla camada elétrica nestes sítios - não diferiu além de ~ 8% do valor nominal, o que é bastante aceitável, dentro da margem de erro experimental. Se porventura algum processo químico/eletroquímico de adsorção sítio-seletivo ocorresse nas superfícies escalonadas, notar-se-iam mudanças significativas em seus respectivos perfis voltamétricos, de modo que os defeitos ou os terraços teriam as respectivas reações de adsorção/dessorção de hidrogênio neles afetadas ou mesmo inibidas, tema explorado nos próximos tópicos deste artigo.
ADSORÇÃO DE MONÓXIDO DE CARBONO SOB CONDIÇÕES ELETROQUÍMICAS EM PLATINA Protocolos experimentais para adsorção de CO Para a adsorção de CO e, por conseguinte, obtenção de uma monocamada desse adsorbato na superfície de um monocristal, a primeira etapa do processo consiste na preparação da superfície do monocristal. Em se tratando de metais como Pt, Rh, etc., a preparação das superfícies de seus monocristais para estudos em eletroquímica segue a metodologia (padrão) desenvolvida por Clavilier.81 A referida metodologia consiste essencialmente em três etapas: (1) recozimento da bola do cristal numa chama comum (exemplo: butano/ar); (2) resfriamento do cristal em uma atmosfera química redutora (exemplo: Ar/H2); (3) proteção da face do cristal com uma gota de água ultrapura (Figura 4A) e transferência do mesmo para a célula eletroquímica. Confere-se o perfil voltamétrico do eletrodo, visando a qualidade do cristal e a qualidade do eletrólito.
Figura 4. Etapas finais da preparação de um monocristal de Pt, após ele ter sido recozido e resfriado. (A): face orientada de um cristal protegida com uma gota de água pendente, água de onde o cristal foi resfriado. (B): configuração do menisco formado com o eletrólito e a face orientada do cristal, este já na célula eletroquímica. Escala (em milímetro) aproximada indicada em cada figura. Destaques: 1 - cabo do cristal, fio policristalino de platina; 2 - bolota do cristal; 3 - contato do eletrólito com a face orientada do cristal; 4 - massa suspensa do líquido em contato com a face orientada Do cristal; 5 - eletrólito aquoso; 6 - atmosfera "gasosa" da célula eletroquímica. Fotografias capturadas de vídeo (documentário)89
Os protocolos experimentais para a (eletro)adsorção de CO são simples e facilmente aplicáveis, e de importância. Isso porque as condições experimentais de adsorção do CO, surpreendentemente, influem na atividade catalítica da platina frente à eletro-oxidação de CO adsorvido (e também de CO da solução). Assim, nos estudos da adsorção/eletro-oxidação de CO, é sempre necessário especificar os protocolos experimentais adotados para a adsorção. Evidente, os protocolos adotados dependerão da finalidade do(s) experimento(s) pretendido(s). Para experimentos que visem o estudo da catálise da eletro-oxidação de CO em monocamada, em geral, dois protocolos são adotados para a adsorção de CO sob potencial aplicado: (i) o gás CO (de alta pureza) é passado direto sobre a superfície do eletrodo, o qual deve estar imerso ou na configuração de menisco na solução (Figura 4B) e, em geral, polarizado a um potencial constante onde a reação de eletro-oxidação de CO não ocorre, tipicamente potenciais na região de hidrogênio; o CO não-adsorvido pode ser eliminado da célula eletroquímica, seja borbulhado um gás "inerte" de arraste (N2, Ar) diretamente na solução, seja substituindo a solução por uma outra de similar natureza e composição e que não contenha CO dissolvido; (ii) CO é adsorvido enquanto o eletrodo é condicionado similar à condição anterior, exceto que o CO não-adsorvido não é eliminado ou só parcialmente eliminado da solução. Se o CO for adsorvido sob potencial constante, este deve ser devidamente especificado pois o potencial de adsorção é um parâmetro que notadamente influi na atividade catalítica da platina frente à eletro-oxidação de CO. Acrescenta-se que uma monocamada de CO pode ser formada - administrando o gás CO sobre ou na solução - enquanto o eletrodo é submetido a varreduras de potencial, a limites onde o CO não é eletro-oxidado. Também, os protocolos (i) e (ii) podem ser empregados parcialmente para a adsorção de CO sob potencial de circuito aberto. Por fim, graus de recobrimentos superficiais variáveis de CO podem ser obtidos por eletro-oxidação parcial de uma monocamada de CO previamente formada; altenativamente, pode-se "dosar" o gás CO na superfície do eletrodo diretamente. Os protocolos (i) e (ii) foram os mais empregados neste trabalho. A voltametria (cíclica) e a cronoamperometria são as técnicas primárias mais empregadas em estudos da eletro-oxidação de CO. Assim, uma monocamada de CO pode ser eletro-oxidada aplicando-se varreduras ou saltos de potencial, sem necessidade de prévia despolarização do eletrodo. Adsorção de CO como reação de deslocamento A quimissorção, isto é, a adsorção química ou simplesmente adsorção, é um fenômeno em superfície em que espécies como átomos, moléculas, íons, de uma fase líquida ou gasosa experimentam forte atração na interface de uma fase sólida adjacente e são confinadas e presas envolvendo a formação de ligação química com sítios superficiais da fase sólida adsorvente; a dessorção é o processo reverso da adsorção quando do escape do potencial atrativo que "prende" as espécies adsorvidas. À medida que os sítios de adsorção são ocupados, as espécies confinadas na superfície do sólido adsorvente formam uma monocamada e podem alcançar toda a superfície disponível do sólido, é quando os dois processos, adsorção e dessorção, tendem a se equilibrar. Quimicamente, para uma espécie genérica A gasosa (A(g)) e um sítio livre de adsorção (*sítio) na superfície de um sólido adsorvente, a adsorção (não-dissociativa) da espécie A e sua dessorção podem ser representadas pelas reações direta e inversa na equação de equilíbrio, assim: A(g) + *sítio ⇄ Aads. Adsorção e dessorção são duas reações químicas de superfície das mais simples e importantes, e o CO é uma típica sonda molecular usada para interrogar superfícies sólidas, tanto na interface sólido|gás90 (ambiente de ultra alto vácuo, do inglês, UHV) quanto na interface eletrificada sólido|líquido.91 No entanto, diferente do ambiente de UHV - caracterizado por pressões inferiores a 10-9 torr e, do ponto de vista da amostra, superfícies contendo essencialmente somente átomos do próprio material sob investigação - a interface eletrificada eletrodo|eletrólito, geralmente aquosa, existe sob um intenso campo elétrico da ordem de 107 V cm-1,92 e o eletrodo nunca está "limpo" ou descoberto, pois os componentes do eletrólito, íons, moléculas de água, permanentemente interagem com sua superfície. Esse último aspecto tem implícito que, num ambiente eletroquímico, a adsorção de uma espécie química nunca é um evento desacompanhado na superfície de um eletrodo. Dada a complexidade da interface eletroquímica, mesmo os mais simples processos de adsorção (como poder-se-ia pensar da adsorção de moléculas como a de CO) não são compreendidos com a riqueza de detalhes que caracteriza a dinâmica da adsorção de pequenas moléculas (H2, CO, O2) na interface sólido|gás.93-95 Na interface eletroquímica, alguns processos de adsorção são estudados com a superfície do eletrodo inevitavelmente já ocupada por outras espécies. Intuitivamente, podemos assumir que a adsorção nesse tipo de interface ocorre com as espécies forasteiras "quicando" sobre sítios superficiais já ocupados por espécies oriundas de componentes do próprio eletrólito (íons, moléculas de água, espécies oriundas das moléculas de água), deslocando-as, ou melhor, expulsando-as dos sítios onde se encontram adsorvidas. A proposição de sítios previamente ocupados tem base experimental, e exemplo é que a adsorção molecular potenciostática de algumas espécies neutras pode ocorrer originando fluxo de carga elétrica interfacial.96 Assim, sob certas condições eletroquímicas, a adsorção pode ocorrer como uma reação química e/ou eletroquímica de deslocamento (expulsão); a carga elétrica que flui desse processo resulta da dessorção eletroquímica de espécies que já estavam adsorvidas na superfície do eletrodo, bem como resulta do reequilíbrio de processos interfaciais. Uma molécula sonda de superfície bastante apropriada para o exame de características da interface eletroquímica é o monóxido de carbono. Em eletrodos de platina,97 a adsorção de CO se processa com as seguintes características: (1) ocorre na forma molecular e a adsorção em si ocorre sem transferência interfacial líquida de carga; (2) ocorre como uma reações de deslocamento. Uma reação de deslocamento é assegurada por um balanço de forças (ΔG < 0), sendo esperado que ela ocorra na medida em que a força de adsorção da espécie forasteira supere as forças que mantêm componentes do eletrólito adsorvidos. A partir de uma perspectiva molecular, a força de adsorção do CO (interação metal-carbono) pode ser qualitativamente explicada com base no mecanismo de doação/retro-doação de carga envolvendo os orbitais de fronteira do substrato/adsorbato (mecanismo de Blyholder).98 Por esse modelo, o orbital 5σ preenchido (LUMO) do CO tem elétrons transferidos para a banda d desocupada ou parcialmente ocupada do metal (substrato), ao passo que carga é transferida do substrato metálico aos orbitais 2π* (antiligantes) do CO (HOMO). Em comparação ao CO na fase gás, a retro-doação de carga para os orbitais 2π* do CO adsorvido, como consequência, enfraquece a força da ligação intramolecular C-O e, paralelamente, fortalece a força da ligação metal-CO. A força dessa ligação depende da superfície do metal e do potencial do eletrodo.99 Nos eletrodos de platina, o COads se liga tão fortemente que a sua adsorção, ou melhor, a reação de deslocamento por CO, é usada como procedimento para a remoção de impurezas da superfície do metal (o COads podendo depois ser eliminado via eletro-oxidação). O recobrimento superficial de CO sensivelmente influi no calor de sua adsorção. Na platina, em ambiente eletroquímico e na interface sólido|gás, tem-se considerado que essa influência segue comportamentos similares.100 Na interface sólido|gás,101 o calor de adsorção de CO na Pt(111) aumenta de ~ 85 kJ mol-1 para ~ 146 kJ mol-1 com a diminuição do recobrimento superficial desse adsorbato de ~ 0,65 para ~ 0,02, é quando as interações laterais tornam-se desprezíveis. Na platina (interfaces sólido|gás e eletroquímica), as espécies COads em uma monocamada geralmente apresentam diferentes formas de coordenação e, por consequência, apresentam diferentes geometrias de ligação (linear, ponte, etc.). Em ambiente eletroquímico, a população das diferentes espécies de COads é afetada por fatores tais como potencial do eletrodo, grau de recobrimento superficial, natureza e estrutura de superfície do eletrodo.102,103 Por fim, tratando-se de uma monocamada de CO completa em um eletrodo de platina, a capacitância da interface Pt/CO-eletrólito é bastante baixa (~ 15 µF cm-2),104 e isso pode estar relacionado com o caráter hidrofóbico desse tipo de interface.105 Vamos considerar o processo de adsorção de CO num eletrodo de platina em contato com um eletrólito aquoso ácido. Nesse metal,106,107 a adsorção do CO é mais forte do que as forças de adsorção do hidrogênio atômico (Hads), dos ânions perclorato, sulfato ou fosfato e da molécula de água. De fato, todas essas espécies químicas podem ser dessorvidas pela adsorção competitiva de CO.97 Uma vez que o potencial do eletrodo controla a força de adsorção das espécies presentes na superfície do eletrodo - e em certa medida controla o tipo e suas populações - então, dependendo do potencial, é possível que a adsorção potenciostática de CO ocorra com concomitante fluxo interfacial de carga elétrica decorrente da dessorção eletroquímica de espécies já existentes na superfície do eletrodo. De forma a ilustrar como isso acontece, consideremos que no potencial de adsorção de CO, Hads seja a espécie predominante adsorvida na superfície do eletrodo. Nesse caso, a reação geral de deslocamento envolvendo ambas as espécies é: γHads + CO(dis) → COads + γH+(aq) + γe-. Assim, durante um experimento potenciostático com o potencial situando dentro da região de hidrogênio, a dessorção de Hads pelo CO gera um perfil eletroquímico de densidade de corrente versus tempo caracterizado por um fluxo interfacial de carga positiva, Qdes > 0, característico de processos de oxidação. Como já dito, em certa medida o potencial do eletrodo controla a força de adsorção, os tipos e a população das espécies adsorvidas. Então, se no potencial de adsorção de CO as espécies predominantes adsorvidas forem ânions (Aλ-), a reação de deslocamento por CO ocorre com predomínio de processos eletroquímicos característicos de redução (corrente elétrica negativa), e a reação geral característica do processo é: xAads + CO(dis) + xλe- → COads + xAλ-(aq) cujo perfil eletroquímico de densidade de corrente versus tempo representa um fluxo interfacial de carga negativa, Qdes < 0. Um caso especial acontece quando num determinado potencial a adsorção ocorre sem transferência interfacial de carga, isto é, Qdes = 0, e isso ocorre quando o potencial de adsorção corresponde ao potencial de carga total zero.8 A técnica de deslocamento de carga por adsorção de CO serve para determinar o excesso de carga elétrica superficial em um eletrodo de platina num potencial fixo. Em princípio, é possível distinguir a reação de dessorção (predominante) de oxidação da dessorção (predominante) de redução. As três situações anteriores descritas são gerais. Vamos a casos específicos. A Figura 5 mostra vários perfis de densidade de corrente versus tempo relativos à carga "deslocada" durante a formação potenciostática de uma monocamada de CO na Pt(111) sob diferentes potenciais de adsorção de CO (ECOads), com o eletrodo em contato com uma solução aquosa 0,1 mol L-1 de HClO4. Antes de cada experimento, a superfície do eletrodo era devidamente preparada e, na configuração de menisco (como ilustrado na Figura 4B), o estado de sua superfície era checado por voltametria cíclica. Em seguida, com o potencial aplicado mantido constante em um valor especificado, um fluxo de gás CO (da ordem de ~ 10 mL min-1) era introduzido na atmosfera da célula eletroquímica, isto é, sobre a solução, enquanto o respectivo perfil corrente versus tempo era registrado sob aquelas condições. A Figura 5 contém as respectivas cargas deslocadas (Qdes) a diferentes ECOads; um quadro mais amplo de Qdes e ECOads, contendo dados não mostrados na Figura, é apresentado no painel à direita da Figura 5.
Figura 5. Perfis densidade de corrente versus tempo para a carga deslocada durante a adsorção potenciostática do CO na Pt(111) em uma solução de HClO4 0,1 mol L-1. Temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório). Um quadro mais amplo com os potenciais de adsorção do CO e as respectivas densidades de cargas elétricas deslocadas estão indicadas no painel à direita
Os perfis das curvas nas cores laranja, preta e verde-oliva são relativos ao deslocamento de cargas predominantemente associadas a processos de oxidação (Qdes > 0). Considerando que as espécies Hads são as predominantes a ECOads < 0,34 VRHE, a reação geral que explica as densidades de correntes positivas é: γHads + CO(dis) → COads + γH+(aq) + γe-, em que há dessorção de hidrogênio atômico para próton (hidratado) e liberação de elétron. O balanceamento estequiométrico dessa reação de deslocamento aparentemente simples não é trivial, e não será tratado aqui. Contudo, é importante salientar que para um mesmo potencial aplicado, formalmente, os coeficientes estequiométricos da reação eletroquímica em questão não são fixos com o grau de recobrimento de COads. Como se pode notar da Figura 5, partindo-se de ECOads = 0,10 VRHE, para o qual Qdes ≃ +147 µC cm-2, a densidade de carga elétrica deslocada diminuiu com o aumento do potencial de adsorção e há inversão do sinal da carga elétrica deslocada para ECOads ≥ 0,36 VRHE, para o qual Qdes ≃ -4,7 µC cm-2. A tendência observada sugere que o EPZTC deve estar situado entre 0,34 e 0,36 VRHE, pois esta é a faixa na qual Qdes → 0. No potencial em que Qdes → 0, na verdade há uma carga elétrica de aproximadamente -10 µC cm-2 que reside no lado do metal recoberto com CO, e essa carga elétrica introduz um erro de ~ 25 mV na determinação do EPZTC.91 (Procedimentos menos laboriosos para a determinação de EPZTC são apresentados por Climent et al.).8 Valores negativos para Qdes a ECOads ≥ 0,36 VRHE têm implícito que as espécies predominantes dessorvidas pelo CO podem ser identificadas como sendo ânions. Attard et al.108 demonstraram que há adsorção específica de ânions perclorato (ClO4-) nos terraços (111) da platina. Com base nessa informação, uma possível reação eletroquímica que explicaria as cargas elétricas negativas para ECOads ≥ 0,36 VRHE seria: γ(ClO4)ads + CO(dis) + γe- → COads + γClO4-(aq). É importante salientar que não nos importa o número de ânions dessorvidos por molécula de CO adsorvida; o que importa aqui é o aspecto qualitativo da carga elétrica deslocada e as identidades químicas das possíveis espécies envolvidas na reação de deslocamento. Diferente do que pode ocorrer no ambiente de UHV - onde as superfícies sob estudo estão, para efeito prático, limpas e as partículas da fase fluida quase não interagem umas com as outras -, a reação de adsorção de moléculas de CO na superfície de um eletrodo nunca é uma etapa elementar, é sim uma reação em que moléculas de CO expulsam dos sítios outras espécies adsorvidas. Com base nos perfis das curvas potenciostáticas da Figura 5, é possível identificar quando a reação de adsorção de CO tem início, evidenciado por um súbito aumento da corrente elétrica, logo depois do tempo zero. Após passarem por um máximo, as correntes elétricas diminuem e tendem a valores constantes bem baixos, o que indica o fim da etapa de dessorção eletroquímica, mas isso não indica o fim da reação de adsorção de CO. A razão para isso é que a recobrimentos de COads superiores a ~ 0,4, a superfície da platina ainda é capaz de acomodar moléculas de CO sem que isto envolva a dessorção de espécies Hads, e consequentemente, moléculas de CO podem se incorporar na camada compacta sem que haja fluxo interfacial de carga elétrica, como demonstrado na referência.109 Assim, não há relação estequiométrica entre a supressão da região de hidrogênio e o grau de recobrimento de COads alcançado. Ficou demonstrado que o processo de adsorção potenciostática de CO, embora não revele a identidade química, revela a natureza catiônica ou aniônica das espécies deslocadas de seus sítios de adsorção; a técnica de deslocamento por CO permite acessar uma outra importante informação da interface eletroquímica: o potencial de carga total zero. A técnica nada informa a respeito da "identidade" dos sítios envolvidos na adsorção, mas isso pode ser explorado quando se aborda a reação de adsorção eletroquímica de CO de um outro modo, tema do próximo tópico. Adsorção de CO como reação de deslocamento e sítio-seletiva Para um dado potencial aplicado, a adsorção potenciostática de CO gera perfis de corrente elétrica versus tempo similares para eletrodos de estruturas de superfícies diferentes. Dados como os da Figura 5 não proporcionam meios para diagnosticar o que ocorre nos diferentes tipos de sítios (terraços, steps) em uma superfície sítio-heterogênea, enquanto nela cresce uma monocamada de CO. Essa dificuldade pode ser razoavelmente superada pela análise eletroquímica da evolução dos perfis de corrente elétrica versus potencial na região de hidrogênio, enquanto uma monocamada de CO cresce em tais tipos de superfícies. Nos potenciais da região de hidrogênio, a reação de adsorção de CO ocorre em desfavor essencialmente do hidrogênio atômico adsorvido (Hads). Ambas as reações podem ser representadas assim: em que *sítio ativo e ‘*'sítio ativo denotam "sítios" ativos relativos à adsorção/dessorção de hidrogênio e à adsorção de CO, respectivamente; COdis denota CO dissolvido no eletrólito. Precisamente por serem reversíveis, sensíveis à estrutura de superfície e serem confinadas à superfície do eletrodo de platina, as reações de superfície expressas na Equação 5 podem voltametricamente ser usadas para seguir a reação de superfície expressa na Equação 6, que, por sua vez, também é sensível à estrutura de superfície da platina, também é confinada à superfície do eletrodo, mas é lenta. As duas últimas características permitem que a ocupação sequencial de sítios superficiais possa ser monitorada por outra reação confinada à superfície e rápida, como os qualificativos das reações de adsorção/dessorção de hidrogênio. Meramente como aproximação, das reações nas Equações 5 e 6 obtém-se a "reação global" tipo: γHads + CO(dis) → COads + γH+(aq) + γe-, já apresentada aqui. Possíveis características comuns dos sítios ativos (*sítio ativo & ‘*'sítio ativo) para as reações nas Equações 5 e 6 serão abordadas ao longo desta seção. A Figura 6 apresenta a evolução dos perfis voltamétricos da região de hidrogênio durante o crescimento de uma monocamada de CO na Pt(111) em uma solução aquosa de ácido perclórico. Para realizar esses experimentos, procedeu-se da forma seguinte. Após a checagem voltamétrica do estado da superfície do eletrodo na configuração de menisco, a programação de potencial foi modificada para aplicação de varreduras de potencial sucessivas a 0,1 V s-1 entre 0,06 e 0,40 VRHE. Logo depois de iniciado o segundo ciclo voltamétrico da sequência, introduziu-se um fluxo (~ 10 mL min-1) ininterrupto do gás CO sobre a solução, de modo que os demais ciclos voltamétricos fossem registrados durante o processo de crescimento da sub-monocamada de CO na Pt(111). Na Figura 6, as linhas de diferentes cores são usadas para apresentar os distintos ciclos voltamétricos deste experimento. Na Figura 6A estão os dados originais com as correntes elétricas devidamente normalizadas (pela área orientada do eletrodo) e referidas à velocidade de varredura de potencial de 0,1 V s-1. Nessa Figura, a curva em linha preta (cheia) é o primeiro ciclo voltamétrico da série, coletado quando ainda não havia CO na célula. Esse primeiro ciclo é usado como perfil voltamétrico de referência. A partir da evolução dos perfis voltamétricos, nota-se que a adsorção de CO provocou supressão gradual da região de hidrogênio, maior quanto maior o grau de recobrimento de COads (θCO) alcançado. A linha em vermelho (cheia) corresponde ao perfil voltamétrico quando cerca de 83% da região de hidrogênio estava suprimida por causa do COads. Na Figura 6B, as densidades de corrente da Figura 6A foram expandidas, multiplicando-as, para cada ciclo, por um valor apropriado, de modo que os valores de correntes de todos ciclos fossem iguais à densidade de corrente do ciclo de referência em 0,1 VRHE. Nos "novos" voltamogramas, este artifício permite perceber que a reação de adsorção de CO impacta de modo diferente nas reações de adsorção/dessorção de hidrogênio a depender das faixas de potenciais, o que causa mudanças nos perfis voltamétricos e pode, assim, apontar para características sobre os sítios ativos envolvidos nessas reações.
Figura 6. Evolução dos perfis voltamétricos da região de hidrogênio registrados durante o crescimento de uma camada de CO na Pt(111) em uma solução de HClO4 0,1 mol L-1. (A): dados originais registrados a 0,1 V s-1. (B): dados de (A), mas as densidades de correntes foram "expandidas". Temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório)
Sobre platina, os processos relativos à região de hidrogênio são reversíveis e confinados à superfície do eletrodo, o que implica que multiplicar a densidade de corrente elétrica por um valor corresponde à alteração da velocidade de varredura do potencial aplicado, e esta mudança não afeta (qualitativamente) os perfis voltamétricos naquela região, até certo limite de velocidades de varredura. No entanto, não é isso que se observa na Figura 6B; nota-se que a adsorção progressiva de CO causa notáveis mudanças nos perfis voltamétricos da região de hidrogênio da Pt(111), e a zona menos suprimida está localizada a baixos potenciais, próximos a ~ 0,06 VRHE (região pontilhada). Tal comportamento nos permite aventar a hipótese que as taxas de ocupação por COads são maiores em certos sítios do que em outros, o que é particularmente intrigante quando se considera que a superfície de Pt(111) é uniforme em termos da distribuição de seus átomos (exceção feita a eventuais defeitos superficiais). Ora, se só um tipo de sítio está presente na Pt(111), como explicar que o CO se adsorve preferencialmente em certas regiões? A aparente contradição relatada acima pode ser considerada do ponto de vista das forças "relativas" de adsorção de Hads, tendo em vista que o potencial do eletrodo controla tais forças.110,111 Como a região de hidrogênio refere-se a processos totalmente reversíveis, isso significa que o potencial do eletrodo, na escala RHE, está diretamente relacionado à energia de Gibbs da reação de adsorção de Hads. Por um lado, sítios com espécies Hads mais fortemente ligadas (denotadas por Hads, S) têm tais espécies dessorvidas a potenciais mais positivos, e é nessa região de potenciais que as densidades de corrente são proporcionalmente mais suprimidas pela adsorção de CO. Similarmente, sítios com espécies Hads mais fracamente ligadas (denotadas por Hads, W), têm tais espécies dessorvidas a potenciais mais baixos, e esta região de baixos potenciais é a proporcionalmente menos suprimida por COads (linha pontilhada, Figura 6B). Portanto, uma possibilidade é que, na Pt(111) em meio ácido, sítios ativos que "servem" para forte adsorção de Hads "servem" também para a adsorção preferencial de COads, e essas seriam características em comum entre sítios para Hads e sítios para adsorção de CO no plano basal (111). Outra hipótese é que o COads altera o balanço de forças envolvendo Hads nos terraços (111), o que se reflete em mudanças nos perfis voltamétricos na região de hidrogênio; as interações envolvendo COads e Hads seriam repulsivas, e isso justificaria a região de potenciais cujas correntes elétricas são proporcionalmente menos afetadas pela adsorção de CO. Essas hipóteses são razoáveis para a Pt(111), mas falham para explicar o que ocorre nas superfícies com defeitos (Figura 7), tema considerado no último parágrafo deste tópico.
Figura 7. Adsorção sítio-seletiva de CO na Pt(554) em uma solução de HClO4 0,1 mol L-1. Linha laranja: ocupação preferencial de CO nos steps da Pt(554). Linha preta: voltamograma branco da Pt(554). Dados registrados a 0,1 V s-1; CO adsorvido com potencial fixado em 0,1 VRHE; CO não-adsorvido eliminado por 50 min; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório). Modelo de superfície com CO nos sítios steps (reproduzido de Farias et al.)103
A Figura 7 mostra um experimento que atesta a ocorrência de adsorção sítio-seletiva durante o crescimento de uma monocamada de CO em uma superfície de Pt(554) ≡ 9(111) × (110). Embora experimentos e conclusões similares constem da literatura,18,112 a análise que apresentamos sobre esse experimento específico permitiu que chegássemos a conclusões novas. Antes, explicam-se os protocolos adotados para a realização desses experimentos. Assim, após checagem voltamétrica da superfície da Pt(554) - curva em preto (perfil voltamétrico de referência) - o potencial foi fixado em 0,1 VRHE e um fluxo fraco de CO foi introduzido na atmosfera da célula eletroquímica por poucos segundos (não queríamos que o COads ocupasse a superfície do eletrodo completamente); posteriormente, o CO não-adsorvido foi eliminado da célula, borbulhando-se argônio (Ar) na solução por 50 minutos. Em seguida, foi registrado um ciclo voltamétrico da região de "hidrogênio" (curva na cor laranja). Nesse experimento, o que comprova a adsorção seletiva de CO nos steps é supressão somente do par de picos em ~ 0,130 VRHE; na sua totalidade, os sítios terraços (111) permaneceram disponíveis para as reações de adsorção/dessorção de hidrogênio. Por FTIR in situ, o monitoramento de COads decorados nos steps (110) mostrou que nesses sítios só se forma CO linearmente adsorvido,44,77 e, por exibirem frequências bem distintas, é possível distinguir COads nos steps de COads nos terraços (111).113,114 Na escala de tempo de execução do experimento da Figura 7 - que só para a eliminação do CO não-adsorvido levou 50 minutos -, o fato de não haver sinais de ocupação dos sítios terraços (111) é um forte indício que o COads se comporta como espécie móvel durante o crescimento de sua monocamada; tentaremos racionalizar isso. Durante o processo de adsorção, as moléculas de CO da camada de difusão atingem tanto os sítios nos terraços quanto nos steps. Mas, nota-se da experiência na Figura 7 (curva na cor laranja) que somente os sítios steps resultaram ocupados por COads. A ocupação preferencial dos steps (topo dos defeitos) é uma consequência da maior taxa de adesão (sticking coefficient) de CO nesses sítios, e também da alta mobilidade (difusão) de COads nos terraços (111). Em platina, a adsorção de CO nos topos dos defeitos superficiais é tão mais forte do que nos terraços115 que pode-se supor que COads nos topos dos defeitos não se converte em COads nos terraços (111), pelo menos nas temperaturas típicas dos experimentos eletroquímicos em meio aquoso. Assim, na difusão em superfície, espécies COads nos terraços (111) difundem para os sítios steps, de onde expulsam espécies Hads (Equação 7). Para que CO inicialmente se adsorva nos terraços (111), espécies Hads devem ser eletroquimicamente dessorvidas (expulsas) desses sítios. Similarmente, a conversão de COads dos terraços (111) para COads em steps deixa sítios vacantes nos terraços, e na ausência de CO na solução, esses sítios nos terraços tornam-se disponíveis para as reações de adsorção/dessorção de hidrogênio (Equação 8), restaurando assim a região de hidrogênio somente relativa aos terraços (111), como se percebe do voltamograma cíclico (curva na cor laranja) na Figura 7. A baixos recobrimentos superficiais, a adsorção do CO é uma reação extremamente irreversível. Então, na ausência de CO na solução, o resultado líquido dos eventos descritos acima envolvendo a difusão do COads é a ocupação sítio-seletiva dos topos dos defeitos de superfície (steps) por COads e somente sítios terraços (111) disponíveis para as reações de adsorção/dessorção de hidrogênio. As possíveis reações químicas e eletroquímicas relativas à adsorção sítio-seletiva de COads são as seguintes: em que COads, terr e COads, step denotam CO (linearmente) adsorvido nos terraços e nos steps, respectivamente; Hads, terr e Hads,step denotam hidrogênio atômico adsorvido nos terraços e nos steps, respectivamente; *terr denota sítio disponíveis nos terraços. Na reação 7 está implícita a mobilidade de COads, terr durante o crescimento de uma monocamada desse adsorbato, e também está explícita a adsorção preferencial de CO nos steps. No entanto, o que não se nota do experimento da Figura 7 (linha na cor laranja) - nem seria razoável se supor da reação na Equação 7 - é que nas superfícies escalonadas com terraços (111), a difusão de COads constitui-se de eventos intrinsicamente anisotrópicos (tema do último tópico deste artigo). Estudos sobre a mobilidade de COads em superfícies de platina ricas em terraços (100) são escassos. Nas facetas (100), a difusão do COads envolve, em geral, maior barreira de energia. Com relação às características dos sítios de adsorção de hidrogênio (Hads) e de CO, merece tecer comparações da Pt(111) com a Pt(554), Figuras 6B e 7. Para a Pt(554) num eletrólito 0,1 mol L-1 de HClO4, o EPZTC localiza-se em ~ 0,26 VRHE e o pico de dessorção de Hads dos steps (110) está localizado em ~ 0,130 VRHE, mas a região de "hidrogênio" se estende até ~ 0,30 VRHE, o que significa que há Hads bem mais fortemente ligado nos terraços (111) do que nos steps. Com base nisso, não é possível generalizar que sítios para Hads, S são os que preferencialmente adsorvem CO, limitando-nos a afirmar que este é o comportamento observado para o plano (111). Quanto à questão da interação repulsiva entre COads e Hads, pode-se notar da Figura 7 que os picos de dessorção e adsorção de hidrogênio nos steps (110) permanecem localizados em ~ 0,130 VRHE, experimentos com e sem COads nesses sítios. Esse resultado implica que a coexistência de COads e Hads, nesse caso, não afeta significativamente as energias de adsorção de Hads nos sítios steps (110); diferente da coexistência possivelmente repulsiva de COads e Hads nos terraços (111), como notado da Figura 6B. Tais discrepâncias se relacionam com o modo como se deposita COads nos sítios steps, como se pode notar da referência.116 Determinação do grau de recobrimento total de CO adsorvido Em metais como Pd, Pt, Ir, Rh, a adsorção de CO tende a formar monocamada compacta, e a fração da superfície recoberta, isto é, o grau de recobrimento de CO (θCO), é normalmente elevado. A determinação do recobrimento superficial por um adsorbato consiste em saber a relação entre o número de espécies do adsorbato e o número de átomos na superfície do sólido adsorvente, sob condições determinadas (temperatura, pressão, concentração, potencial aplicado, etc.). Raras são as técnicas experimentais que permitem operar esse conceito; a STM é uma das poucas, mas só avalia o grau de recobrimento em uma ínfima região da superfície. O recobrimento superficial também pode ser determinado com base na razão entre a quantidade de uma espécie adsorvida na superfície de um sólido e um grau de recobrimento máximo "fictício" de referência, na homóloga dessa superfície. Esse segundo conceito de grau de recobrimento é mais operacional do que o primeiro e, por fornecer uma forma bastante precisa para "medir" a área eletroativa de eletrodo em cuja superfície o CO adsorve fortemente, esse conceito é muito usual em estudos de eletrocatálise. Em eletroquímica, a determinação do recobrimento superficial de CO é frequentemente baseada na carga elétrica de stripping de uma (sub)monocamada desse adsorbato. Isso não é trivial, pois dessa carga elétrica de stripping é necessário corrigir a contribuição da carga da dupla camada elétrica,117 que experimenta alterações durante a adsorção de CO e durante a desocupação dos sítios no curso da eletro-oxidação do COads, quando ela é regenerada; a adsorção e a eletro-oxidação do COads acontecem em potenciais bem distintos. Então, a carga elétrica requerida para o cálculo de θCO é a carga devido à eletro-oxidação exclusivamente das moléculas de CO da (sub)monocamada. A correção coulométrica de que se trata aqui tem como base a estimativa das cargas elétricas de duas contribuições:117,118 (1) carga elétrica () que flui na interface durante a adsorção potenciostática de CO no potencial ECOads; (2) carga elétrica () que flui na interface quando se muda o potencial de ECOads para o potencial Efinal de forma a causar a eletro-oxidação do COads. O potencial Efinal escolhido deve ser suficientemente positivo para que todas as moléculas de CO da monocamada sejam eletro-oxidadas na primeira varredura do ciclo voltamétrico. A carga elétrica é de fácil determinação, e pode ser a carga elétrica de deslocamento de CO (Figura 5); o termo pode ser obtido da integração da porção anódica do voltamograma registrado na sequência do stripping da monocamada de CO, aplicando-se os limites correspondentes a ECOads e Efinal. A carga elétrica de correção117,118 que se procura é ΔQcorr = - cujos termos estão conceituados acima. A carga elétrica total não-corrigida do stripping da monocamada de CO é (= carga elétrica "líquida" + ΔQcorr), obtida da integração da curva voltamétrica de stripping entre os limites ECOads e Efinal. Após as devidas correções coulométricas para a carga , pode-se determinar a densidade de carga elétrica "líquida" de stripping de uma monocamada de CO, isto é, a densidade de carga faradaica (σfar), da seguinte forma:117,118 Não havendo CO dissolvido no eletrólito, o termo σfar é devido exclusivamente à eletro-oxidação das moléculas de CO confinadas na superfície do eletrodo. A esse respeito, foi demonstrado118 que o termo ΔQcorr está baseado em um ciclo termodinâmico, e assim ΔQcorr fornece a exata correção da carga da dupla camada de que se precisa para o cálculo de σfar. A Figura 8 mostra um experimento para a determinação do recobrimento superficial de CO em um eletrodo de Pt(111). O experimento consistiu no registro de dois ciclos voltamétricos sequenciais: CO stripping & perfil do branco (voltamograma de referência). O eixo das ordenadas do gráfico principal resulta da densidade da carga elétrica integrada ao longo desses dois voltamogramas cíclicos sequenciais; os dados originais estão mostrados como inserção. A porção da curva na cor preta corresponde à varredura direta para a eletro-oxidação da monocamada de CO; o restante da curva (em laranja & azul) corresponde à recuperação do perfil voltamétrico do branco. Bem, no potencial de adsorção de CO, a densidade de carga deslocada foi ≃ 147 µC cm-2 (Figura 5). Da Figura 8 (gráfico principal), a densidade de carga elétrica integrada de 0,1 até 0,9 VRHE ao longo da linha preta vale ≃ 506 µC cm-2; da Figura 8, ≃ (1161 - 836) µC cm-2 = 325 µC cm-2. Dos termos e , podemos determinar a magnitude do termo de correção, isto é, ΔQcorr ≃ 178 µC cm-2. Agora, com base nos valores de e ΔQcorr, a densidade de carga faradaica é σfar ≃ 328 µC cm-2. Bem, empregando a segunda definição de grau de recobrimento (apresentada no primeiro parágrafo do presente tópico), temos que θCO = σfar/σmáx, em que σmáx é a densidade de carga elétrica da eletro-oxidação de uma monocamada de CO máxima fictícia, monocamada na qual assume-se existir somente CO linearmente adsorvido e que cada molécula de COads ocupa somente um átomo na superfície do substrato. Para o cálculo da densidade de carga elétrica fictícia σmáx só é preciso saber a densidade de átomos na superfície do substrato e quantos elétrons são transferidos por molécula de CO eletro-oxidada a CO2. Para o plano basal (111) da platina, essa densidade de carga elétrica é = 2 × ρ(111) × e0, em que r(111) (= 1,504 × 1015 átomos cm-2) é a densidade de átomos no plano (111); e0 (= 1,602 × 10-19 C) é a carga elementar; 2 é o número de elétrons transferidos por molécula de CO eletro-oxidada a CO2 (Equação 3). Desses dados, resulta que ≃ 482 µC cm-2. Para a Pt(111), a expressão para a determinação do recobrimento superficial de CO fica:
Figura 8. Stripping de CO na Pt(111) em HClO4 0,1 mol L-1. O gráfico mostra o perfil de densidade de carga integrada ao longo de dois ciclos voltamétricos sequenciais: stripping de CO & voltamograma branco; voltamogramas originais registrados a 0,02 V s-1 (mostrados como inserte); adsorção de CO realizada em 0,1 VRHE, injetando-se gás CO na atmosfera da célula eletroquímica, e depois purgando a solução com Ar por 18 minutos para remover o CO não adsorvido; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório)
Usando os valores de σfar e , já calculados, resulta que θCO = σfar/ ≃ 0,68, valor similar ao obtido por STM in situ sob condições experimentais similares119 (sem CO na solução). Sob pressão total de ~ 1 atm, o recobrimento experimental máximo de CO na Pt(111) é θCO, máx = 0,75, alcançado só quando há CO em solução e quando os valores de ECOads são baixos (da ordem de ~ 0,1 VRHE).118 Assim, para um mesmo potencial de adsorção, a remoção do CO não-adsorvido leva a uma redução de θCO de 0,75 para 0,68 (redução de ~ 10%). Essa redução pequena em θCO indica o quanto a adsorção de CO é irreversível na platina. Para eletrodos de platina em um mesmo tipo de eletrólito, está bem documentado que o valor de θCO marcadamente depende:88,118 (1) do potencial de adsorção de CO; (2) da estrutura de superfície da platina; (3) da pressão parcial de CO dissolvido. Para um plano cristalográfico (hkl), a expressão para a determinação do grau de recobrimento superficial de CO fica assim: θCO = σfar/2 × ρ(hkl) × e0, em que ρ(hkl) é a densidade de átomos num plano cristalográfico (hkl) particular. A magnitude do termo 2 × ρ(hkl) × e0 = depende da estrutura da superfície do sólido adsorvente (implícito no termo ρ(hkl)), e isso deve ser quantitativamente considerado no cálculo de e, por conseguinte, no cálculo de θi para os diferentes tipos de superfícies. O cálculo de θCO quando baseado no valor de σfar se refere ao valor de recobrimento de CO total na superfície. No entanto, o monóxido de carbono adsorvido tende a formar pequenos domínios compactos (nano-ilhas),120,121 de modo que o valor do recobrimento total difere dos valores referidos a certos locais na superfície. Em superfícies monocristalinas, o recobrimento de COads pode ser avaliado com base nas superestruturas que o CO adsorvido forma em certos domínios na superfície, tema abordado no próximo tópico. Superestruturas de CO adsorvido Em superfícies monocristalinas, como a da Pt(111) - uma superfície com alto grau de ordem de longo alcance - a organização das moléculas de CO adsorvidas espacialmente se caracteriza pela formação de estruturas bi-dimensionais ordenadas, compactas e estáveis,119,122 as superestruturas. Para um mesmo tipo de superfície (exemplo: Pt(111)) em diferentes ambientes químicos, condições, o COads forma superestruturas diferentes. Com relação ao eletrodo Pt(111) em meio ácido, parâmetros como o potencial aplicado e a presença de CO na solução influem nas superestruturas de COads. O registro de imagens de STM in situ e a caracterização por FTIR in situ do sistema Pt(hkl)/CO-eletrólito fornece valiosas informações sobre o ambiente químico local nesse tipo de interface. São conhecidas duas superestruturas estáveis de COads na Pt(111) em meio ácido e a temperatura de ~ 25 ºC. Quando a solução está saturada de CO e o eletrodo polarizado a potenciais inferiores a ~ 0,3 VRHE, por STM in situ119 foi revelado que a superestrutura de COads tem célula unitária (2 × 2)-3CO, que consiste em 1 molécula de CO linearmente adsorvida (COlinear) e 2 triplamente ligadas, como ilustrado na Figura 9A (espécies COads dentro da área do polígono em linha azul). O recobrimento de CO na célula unitária (2 × 2)-3CO é θCO = 3/4 = 0,75, quer dizer, são 3 moléculas de CO ocupando 4 átomos do plano (111) da platina; esse valor de θCO é extrapolado para toda a superfície do cristal (aí está a única hipótese embutida no conceito de θCO, total, nesse caso). O recobrimento superficial de COlinear na superestrutura (2 × 2)-3CO é θCO, linear = 1/4. A interface Pt(111)/CO-eletrólito foi caracterizada por FTIR in situ naquelas condições (solução saturada de CO e potenciais inferiores a ~ 0,3 VRHE);119 os espectros exibiram um par de bandas: uma intensa e centrada em ~ 2.065 cm-1, atribuída a COlinear; outra menor e centrada em ~ 1.773 cm-1, atribuída às molécula de CO triplamente ligadas. Com boa aproximação, a magnitude dessas bandas aparece na proporção de 2:1 para CO linear e CO triplamente ligado, o oposto da proporção de ocupação revelada por STM in situ, Figura 9A. Sob outros parâmetros experimentais, isto é, com o eletrodo polarizado a potenciais acima de ~ 0,3 VRHE e com a solução contendo traços de CO dissolvido, a superestrutura de COads detectada tem célula unitária ()R23,4º-13CO, que por sua vez consiste em 1 molécula de COlinear, 6 moléculas de CO linear-inclinadas e 6 moléculas de CO ponte-inclinadas,119 como ilustrado na Figura 9B (espécies COads dentro da área do polígono em linha azul); as espécies COads inclinadas pendem para a proximidade de um átomo vizinho no plano (111) da platina. A sofisticada superestrutura ()R23,4º-13CO é menos compacta do que a anterior, e com base nessa célula unitária (Figura 9B), o recobrimento superficial de CO é θCO = 13/19 ≃ 0,68, quer dizer, são 13 moléculas de CO ocupando 19 átomos do plano (111) da platina. Esse valor de θCO é extrapolado para toda a superfície do cristal. Na superestrutura ()R23,4º-13CO, cada molécula de CO linear ortogonal ao plano (111) - espécies COads destacadas nos hexágonos na Figura 9B - tem como vizinhos mais próximos moléculas de CO linear-inclinadas. Nessa superestrutura, θCO, linear = 7/19 e θCO, ponte = 6/19. Em condições experimentais similares às que se detecta a superestrutura (), os espectros de FTIR in situ119 exibiram uma banda intensa e centrada em ~ 2.073 cm-1, atribuída a COlinear, e outra banda menos intensa, centrada em ~ 1.850 cm-1, atribuída às outras formas de coordenação de COads. As discrepâncias entre as populações das diferentes configurações de COads inferidas por STM e as magnitudes das bandas dos espectros de FTIR foram interpretadas com base na existência de forte acoplamento dipolo-dipolo entre espécies COads na camada compacta; há transferência de energia da banda em menor número de onda para a banda em maior número de onda, de modo que, geralmente, a banda de COlinear é a dominante.119 Esse fenômeno de transferência de intensidade faz com que a magnitude de banda de COads por si só, nesses casos, não reflita a população do adsorbato em termo quantitativo.
Figura 9. Representação esquemática da vista de cima de duas superestruturas de CO na Pt(111), com base na referência.119 (A): (2 × 2)-3CO, com θCO = 3/4; (B): (×)R23,4º-13CO, com θCO = 13/19. Bolas amarelas representam as espécies de COads; bolas cinzas, os átomos de platina
As superestruturas de COads são estáveis sob condições restritas. Por exemplo, quando o CO da solução é removido e/ou quando o potencial é aumentado o suficiente para iniciar a eletro-oxidação de COads, a transição de fase (2 × 2) ⇄ () ocorre.119 De um estudo com emprego de superfícies vicinais à Pt(111) e a técnica de FTIR in situ, Rodes et al.123 concluíram que a referida transição de fase, ademais, é catalisada por defeitos de superfície na platina. A transição de fase de COads (nem a adsorção do CO), aparentemente, não induz reestruturação de superfície da Pt(111). Em termos de mecanismo, a transição (2 × 2) ⇄ () envolve estruturas intermediárias,124 dentre as quais a (2 × 2)-3CO-α, (2 × 2)-3CO-β, (1 × 1)-CO e ()R46,1º-9CO, a qual se converte a ()R23,4º-13CO. As estruturas (2 × 2)-3CO-α e (2 × 2)-3CO-β se diferenciam pelas distâncias entre as espécies COads vizinhas. Em um estudo recente,125 foi observado que a superestrutura (2 × 2)-3CO é dinâmica e coexiste com defeitos (vacâncias), os quais foram tentativamente relacionados à mobilidade de COads durante a sua eletro-oxidação. É possível, no entanto, que esses defeitos tenham relação com a dinâmica inerente à troca de COads por moléculas de CO da solução. De fato, a transição (2 × 2)-3CO ⇄ ()R23,4º-13CO + δCOdis está conectada ao CO dissolvido (COdis) pela perda de espécies COads da camada compacta [(θCO = 0,75) ⇄ (θCO ≃ 0,68 + δ'COdis)].118,126 A troca entre COads e COdis foi observada quando uma camada de 13COads num eletrodo de platina foi posta em contato com 12CO da solução.127 Em comparação à Pt(111), há poucos estudos sobre as estruturas ordenadas que o COads forma na Pt(100) e Pt(110).128-130
ELETRO-OXIDAÇÃO DE MONÓXIDO DE CARBONO COMO REAÇÃO SENSÍVEL À ESTRUTURA DE SUPERFÍCIE Atividade catalítica dos planos basais da platina A platina é um dos materiais catalíticos conhecidos frente aos quais a eletro-oxidação de monóxido de carbono melhor se comporta como reação sensível à estrutura de superfície. Uma reação química catalisada é vista como sensível à estrutura de superfície quando tem alguma propriedade catalítica dependente dos arranjos dos átomos na superfície de catalisadores de um mesmo material. Com relação à eletrocatálise heterogênea, a corrente elétrica faradaica oriunda das reações eletroquímicas sensíveis à estrutura de superfície resulta da contribuição catalítica de distintos sítios ativos trabalhando com eficiências diferentes. Simples experimentos de voltametria, como os da Figura 10, fornecem informações sobre os potenciais de início da reação e demonstram o quanto os sítios ativos, na superfície de um mesmo catalisador, trabalham de forma mais homogênea ou heterogênea em termo de atividade catalítica. Como se constata da Figura 10, todos os planos basais da platina, i.e., (111), (110) e (100), são cataliticamente ativos frente à eletro-oxidação de CO. Mas, diferenças são notadas quanto aos potenciais de início e/ou os potenciais de pico de reação. A correlação estrutura-atividade catalítica para essa reação na platina já foi reportada antes,131 e o plano basal Pt(111) é o que, quase sempre, apresenta a menor atividade catalítica.
Figura 10. Comparação da atividade catalítica da Pt(111), Pt(110) e Pt(100) frente à catálise da eletro-oxidação de monocamada de CO em uma solução de HClO4 0,1 mol L-1. Potencial de adsorção do CO: 0,1 VRHE; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório); dados registrados a 0,05 V s-1. Os dados incluem modelos de esferas rígidas de cada superfície66
O perfil voltamétrico de stripping de uma monocamada de CO na Pt(111) apresenta apenas um pico, Figura 10. Entretanto, é importante ressaltar que essa característica é dependente das condições empregadas para a preparação da monocamada de CO. Nos experimentos da Figura 10, em cada caso, o eletrodo foi polarizado em 0,1 VRHE e CO foi borbulhado na solução por 5 minutos; depois, CO não-adsorvido foi eliminado da solução borbulhando-a com Ar por cerca de 20 minutos. Os perfis de stripping de CO nos planos basais (110) e (100) apresentaram múltiplos picos. O pico maior (em potenciais mais altos) é designado de pico principal e a pequena onda voltamétrica que o antecede é a pré-oxidação de CO. Assim, com base no pico principal, a seguinte ordem de atividade catalítica prevalece: Pt(110) > Pt(100) > Pt(111). Quando considerada a pré-oxidação do CO, os planos basais Pt(110) e Pt(100) apresentam potenciais de início de reação similares. Dos dados da Figura 10, conclui-se que as superfícies mais "abertas" são as mais ativas frente à eletro-oxidação de CO. Funcionalidades dos defeitos de superfície: ativação de sítios e os sítios menos ativos Os experimentos mostrados na Figura 10 inequivocamente demonstram que a eletro-oxidação de CO é, de fato, uma reação sensível à estrutura de superfície. Ou seja, eles fornecem evidência que, para essa reação, os arranjos dos átomos na superfície da platina são um parâmetro definidor da atividade catalítica. Nesse âmbito, tem sido firmemente constatado que os defeitos de superfície (cristalinos, randômicos),24,122,132,133 geralmente fazem acelerar a reação de eletro-oxidação de CO, mas esse comportamento depende do modo como a monocamada de CO foi preparada. Para a eletro-oxidação de monocamada de CO formada sob controle de potencial, habitualmente constante em ~ 0,1 VRHE, as superfícies escalonadas, em geral, são cataliticamente mais ativas do que o plano basal Pt(111). Precisamente, as superfícies escalonadas de terraços (111) e defeitos monoatômicos (110), portanto, superfícies congêneres da série Pt(s)-[(n - 1)(111) × (110)], em geral, têm a catálise da eletro-oxidação de CO favorecida à medida que defeitos são inseridos no plano (111).24,85 Defeitos de superfície do tipo (100) também fazem acelerar a reação, mas o efeito é menos expressivo do que o conferido pelos defeitos do tipo (110).134,135 A superfície menos ativa frente à reação de eletro-oxidação de CO, tanto em meio ácido quanto em meio alcalino, é, em geral, o plano basal Pt(111), plano esse situado num dos extremos (polo) da referida série; no outro polo está o plano basal Pt(110), que é a superfície mais cataliticamente ativa da série e, estruturalmente, é a face com a mais alta densidade de steps. A superfície do plano basal Pt(110) consiste essencialmente em terraços (111) de largura 1-átomo intercalados por uma linha de defeitos monoatômicos (Figura 10, modelo de esferas rígidas). Em termos de atividade catalítica frente à eletro-oxidação de CO, constata-se a perda progressiva de atividade catalítica quando "gradativamente" se passa do plano basal (110) para o plano (111). A transição gradual (111) → (110) ocorre mediante a inserção gradativa de linhas de defeitos no plano (111), até um ponto em que a superfície é formada essencialmente por linhas de defeitos. No processo de fabricação das superfícies escalonadas, essa inserção gradual de linhas de defeitos é controlada pelo ângulo de corte do cristal, com relação ao plano (111).83 A perda de atividade catalítica nesse cenário é interessante para a formulação de modelos em eletrocatálise heterogênea. Por exemplo, empregando superfícies escalonadas com diferentes larguras de terraços (111), quer dizer, diferentes densidades de defeitos (110), foi proposto, por extrapolação, que a taxa da reação de eletro-oxidação de CO seria desprezível numa superfície Pt(111) perfeita pois, segundo os autores,24 os sítios ativos para a referida reação seriam os defeitos de superfície, entidades das quais as superfícies Pt(111) perfeitas são virtualmente desprovidas; explicação que corroboraria o fato de Pt(110) ser a superfície mais ativa ou estar entre as mais ativas para a eletro-oxidação de CO. Essa estratégia experimental para acessar informações sobre o papel que defeitos de superfície exercem na catálise consistiu, portanto, em "controladamente" variar a densidade e tipo de defeitos de superfície da platina e testar a atividade do catalisador frente à reação de eletro-oxidação de CO. Outra demonstração da influência marcante dos defeitos de superfície na catálise daquela reação consistiu em seletiva e irreversivelmente depositar um elemento cataliticamente inerte - a exemplo do Bi - nos defeitos de superfície da platina, e analisar o efeito disso na atividade catalítica.136 Ambas as estratégias experimentais descritas acima - comum em catálise heterogênea - seguem uma forte intuição química, porém falham quando o que se pretende é revelar o papel ou funcionalidade dos defeitos de superfície na catálise da eletro-oxidação de CO e, por conseguinte, revelar a identidade dos sítios (centros) mais ativos envolvidos nas rotas da referida reação. Apesar disso, a tese segundo a qual os defeitos de superfície atuam como sítios mais ativos em si segue sendo a mais popular na literatura recente.125,137-139 Um estudo da eletro-oxidação de monocamada de CO monitorada por FTIR in situ140 mostrou que, nas superfícies vicinais à Pt(111), as espécies COads nos steps eram aparentemente eletro-oxidadas por último. Esse fato foi depois interpretado como sendo o resultado do contínuo suprimento de COads dos terraços (111) para os sítios steps, considerados como os sítios ativos para a reação.141 A catálise da reação de eletro-oxidação de CO também já foi estudada em superfícies estendidas consistindo em terraços (100) e steps (110), isto é, superfícies pertencentes à série Pt(s)-[(n - 1)(100) × (110)]. A característica marcante nos voltamogramas de stripping de CO nesse tipo de superfície é a presença de múltiplos picos. Usando superfícies de platina daquele tipo, Vidal-Iglesias et al.142 identificaram duas tendências na atividade catalítica: uma tendência para terraços (100) largos (n ≥ 7) e outra para terraços (100) curtos. Curiosamente, somente para terraços curtos os defeitos de superfície causaram melhorias na catálise, melhorias relativas para apenas um dos picos principais.142 A notável pré-oxidação de CO naquele tipo de superfície não foi considerada no referido estudo. A partir do exposto no parágrafo anterior, examinaremos a origem da atividade catalítica que as superfícies de terraços (111) e steps (presumivelmente) monoatômicos (110) apresentam frente à reação de eletro-oxidação de CO, bem como as características dos sítios (centros) ativos envolvidos na reação. Para começar, analisaremos a atividade catalítica intrínseca dos steps (110) de uma superfície escalonada, condição na qual COads está presente exclusivamente nos topos dos defeitos. Para isso, deve-se então "decorar" os sítios steps com COads. Isso pode ser conseguido de duas formas. Uma estratégia consiste na dosagem direta do gás CO em quantidade tal que ele ocupe somente os defeitos de superfície,113,114 similar ao experimento da Figura 7 (linha na cor laranja). Esse tipo de experimento tem um inconveniente: a necessidade de borbulhar gás Ar/N2 na solução por tempo prolongado em uma situação em que os sítios terraços (111) estão desprotegidos pelo COads, o que eleva o risco de concentrar contaminantes nesses sítios. Para o presente propósito, a estratégia mais apropriada para a decoração dos steps com COads consistiu em oxidar uma monocamada de CO por etapas voltamétricas mediante o controle dos limites superiores dos potenciais aplicados. Nesse tipo de experimento,77,116 os sítios liberados primeiro são sempre os terraços tipo (111), de modo que é possível no final manter COads somente nos steps (110) da superfície escalonada. A Figura 11 mostra diferentes etapas de um experimento desse tipo empregando uma superfície Pt(332) ≡ 5(111) × (110). O último estágio do experimento é a eletro-oxidação de CO quando havia COads somente nos steps (110), linha azul. A reação de eletro-oxidação de COads no topo dos steps (110) das superfícies escalonadas de terraços (111), em meio ácido (sulfúrico, perclórico), inicia-se em ~ 0,59 VRHE, gerando um máximo em ~ 0,72 VRHE (potencial varrido a 0,05 V s-1). A curva em vermelho foi obtida durante o primeiro estágio do experimento (da eletro-oxidação parcial da monocamada de CO), e essa curva destaca a pré-oxidação de CO. As curvas voltamétricas estão dispostas de modo a permitir que se possa comparar os potenciais de início da reação de eletro-oxidação de CO em duas condições de recobrimento desse adsorbato: quando havia COads só nos steps e quando a monocamada de CO estava completa. No caso da camada completa, a reação se iniciou em ~ 0,38 VRHE, o que significa que o potencial sob o qual a reação iniciou na pré-oxidação é ~ 210 mV (≡ 0,59 VRHE - 0,38 VRHE) inferior ao potencial sob o qual a reação se iniciou nos topos dos steps (curva na cor azul). Os resultados experimentos na Figura 11 são típicos do que ocorre nas superfícies de terraços (111) e steps (110) e demonstram que, em termos de potenciais de início da reação, a atividade catalítica intrínseca dos steps (110) é inferior à atividade catalítica atribuída aos sítios (centros) mais ativos, estes residentes nos domínios dos terraços (111) das superfícies escalonadas. Tal comportamento suscita a questão sobre qual é o papel da difusão de COads durante a sua eletro-oxidação, e os detalhes sobre isso serão discutidos no último tópico deste artigo.
Figura 11. Atividades catalíticas dos diferentes sítios na Pt(332) frente à eletro-oxidação de CO em uma solução 0,1 mol L-1 de HClO4. Adsorção de CO realizada a 0,1 VRHE; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório), e varredura do potencial a 0,05 V s-1. Dados incluem um modelo de esferas rígidas para representar uma superfície escalonada66
O experimento que inequivocamente demonstrou que os sítios steps (110) das superfícies escalonadas não figuram como sítios mais ativos para rotas da eletro-oxidação de COads consistiu em quimicamente marcá-los com monóxido de carbono isotopicamente marcado (13COads), mantendo os sítios terraços (111) livres de 13COads, e depois monitorar a atividade catalítica da superfície escalonada frente à reação de eletro-oxidação de álcoois (metanol e etanol).44 Conceitualmente, o princípio norteador do experimento se assentou no fato que os defeitos de superfície eram quimicamente marcados com uma espécie química que tipicamente é o próprio intermediário de reação, pois é bem conhecido que a eletro-dissociação do metanol e do etanol (e de outras moléculas contendo carbono) gera COads, e que este intermediário de reação pode ser eletro-oxidado a CO2. A partir desse experimento, foi constatado que nas superfícies de terraços (111) e steps (110), a formação de CO2 nos terraços se inicia em torno de ~ 0,4 VRHE, enquanto que a eletro-oxidação de 13COads a 13CO2 só se inicia nos steps em ~ 0,62 VRHE. Ou seja, nas superfícies escalonadas, sítios nos terraços (111) tornam-se ativos a potenciais ~ 0,2 V inferiores aos requeridos para ativação de rotas da reação de eletro-oxidação de COads nos steps (110). Nas superfícies vicinais à Pt(111), as rotas de reação de formação de CO2 foram ativadas em sítios nos terraços (111) numa condição em que os sítios steps estavam completamente envenenados por 13COads.44 Nos sítios steps (110) só se forma CO linearmente adsorvido e a proporção de moléculas de COads e de átomos de platina ocupados é de 1:1.116 Ou seja, nas condições em que os sítios steps foram decorados com 13COads não havia sítios steps disponíveis para atuar como centro de nucleação de espécies fonte de oxigênio externo necessárias à formação de CO2. Assim, nas superfícies escalonadas, todo o protagonismo químico e eletroquímico para as rotas de formação de CO2 a baixos potenciais acontece nos terraços (111) cujas propriedades catalíticas em questão contrastam com as propriedades dos terraços (111) infinitos. Hierarquias nas propriedades catalíticas dos terraços (111) e dos steps (110) das superfícies escalonadas foram notadas quando da análise da sequência de ocupação e de vagatura preferenciais de sítios durante, respectivamente, o crescimento e a eletro-oxidação de uma monocamada de CO.116 (Por conveniência, os experimentos que demonstram isso serão apresentados no último tópico deste artigo). Nessas hierarquias, pôde-se notar que, por um lado, os sítios situados nos topos dos defeitos são os últimos a serem desocupados durante a eletro-oxidação de uma monocamada de CO. Por outro lado, os sítios que são ocupados por último durante a formação de uma monocamada de CO são os preferencialmente desocupados durante a eletro-oxidação de COads. Conceitualmente, esses são os "sítios" mais ativos porque requerem os mais baixos sobrepotenciais sob os quais se detecta a formação de CO2. Esses sítios foram identificados como sendo o lado de baixo dos defeitos (a parte convexa);116 os sítios em que CO se adsorve preferencialmente são estruturalmente côncavos, topos dos defeitos (Figura 11). Com base nas sequências de ocupação/desocupação de sítios, foi proposto existir um gradiente em termos de energia de ligação (adsorção) ao longo dos terraços (111) das superfícies escalonadas e isso provavelmente está relacionado à hierarquia na reatividade e na atividade catalítica.116 Essa hierarquia é provavelmente consequência de modificações que os defeitos de superfície causam nas suas vizinhanças, quer dizer, consequência do efeito da separação de carga na superfície entre o topo e a base dos steps, efeito Smoluchowski,143 em que há acúmulo de carga (-) na parte de baixo e déficit (+) na contraparte, topo dos defeitos. A Figura 11 ilustra esse efeito, indicando a redistribuição de carga nos defeitos de superfície, representados como dipolos eletrostáticos. As partes baixas dos terraços (111) adjacentes aos steps, isto é, as fileiras atômicas nas proximidades dos steps pelo lado de baixo, abrigam os sítios que manifestam as mais altas atividades catalíticas para as rotas de eletro-oxidação de CO, tanto em meio ácido quando em meio alcalino. Portanto, os lados baixos e os topos dos defeitos de superfície conferem propriedades catalíticas e eletrônicas diferentes. A potenciais baixos, como os da pré-oxidação de CO, os steps não atuam como sítios mais ativos em si. A baixos potenciais, as funcionalidades dos defeitos de superfície estão ligadas à "criação" ou ativação de sítios (centros) ativos em suas vizinhanças, o que significa que os defeitos de superfície atuam de forma indireta na catálise. Essa inferência é baseada no fato que, nas superfícies escalonadas, as rotas de formação de CO2 são ativadas nos terraços (111) mesmo quando os defeitos estão completamente ocupados com COads.44 Com base nisso e nas hierarquias acima referidas, a potenciais baixos podemos inferir que, do ponto de vista 2D da superfície catalítica, estruturalmente os centros mais ativos provavelmente incluem uma parte local ativa nos terraços (111), onde as rotas reacionais se desenvolvem, e uma parte vizinha quimicamente inativa, o topo dos defeitos, onde aparentemente etapas de reações químicas e eletroquímicas não ocorrem. Assim, os defeitos de superfície constituem ingredientes necessários para a "criação" ou ativação de locais (centros) ativos nos terraços (111), e estes terraços passam a se comportar com alta atividade catalítica para rotas de reações de formação de CO2, rotas essas não ativas nos terraços (111) "infinitos" dos planos basais. Tudo indica que a ativação de sítios nas partes baixas dos terraços ocorre com concomitante desativação do topo dos defeitos, parte quimicamente inativa, como sítios. Esse efeito de ativação/desativação é bem mais notável nos estudos empregando eletrólitos alcalinos, como se demonstrará no tópico que trata do efeito do pH do eletrólito. É importante ressaltar que a potenciais superiores a ~ 0,6 VRHE, os steps tornam-se ativos para rotas de eletro-oxidação de COads, e isso nas superfícies sítios-heterogêneas torna a catálise um fenômeno ainda mais desafiador, pois as atividades catalíticas nos terraços estão conectadas às funcionalidades exercidas pelos defeitos de superfície (steps). No entanto, do ponto de vista da catálise, as rotas de reação a baixos potenciais são as de maiores interesses. Origens da pré-oxidação de CO Os perfis voltamétricos de stripping de monocamada de CO frequentemente apresentam mais de 1 pico. Quando isso ocorre, a pré-oxidação de CO pode aparecer como uma pequena onda de ignição visualmente distinta dos demais picos, como ilustrado na Figura 12. A pré-oxidação de CO é característica de processos de cinética lenta; os picos principais, geralmente intensos, são característicos de processos mais rápidos. Em geral, ela não avança mais do que ~ 20% da eletro-oxidação de uma monocamada de CO, sendo que a densidade de carga elétrica relativa à eletro-oxidação de uma monocamada completa de CO na Pt(111) é de ~ 330 µC cm-2, na ausência de CO em solução. No entanto, como processo de ignição, a pré-oxidação envolve a ativação das rotas reacionais requerendo os mais baixos sobrepotenciais para que a eletro-oxidação de CO se inicia e, em termos de catálise, isso faz da pré-oxidação o aspecto mais importante a ser considerado no estudo da eletro-oxidação de CO.
Figura 12. Efeito do CO da solução na magnitude da pré-oxidação de CO na Pt(776) em uma solução de HClO4 0,1 mol L-1. Condições: adsorção de CO em 0,1 VRHE; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório); dados registrados a 0,02 V s-1 (dados reproduzidos e adaptados de Farias et al.)77
Nos últimos quase 40 anos, vários estudos abordaram a origem da pré-oxidação de CO,100,124,125,144-149 e deles surgiram várias propostas (modelos), listadas nestas referências.148,149 As duas propostas que tiveram mais êxitos relativos são consideradas a seguir. Com base no fato que o calor de adsorção de CO varia substancialmente com o grau de recobrimento,101 Marković et al.100 relacionaram a pré-oxidação à eletro-oxidação de espécies COads fracamente adsorvidas (COads, w) presentes em altos recobrimentos. No modelo de Marković et al.,100 qualquer espécie COads, w em quaisquer tipos de sítios de adsorção poderia ser eletro-oxidada no estágio da pré-oxidação, independentemente dos sítios de adsorção serem terraços, defeitos, etc.. A essência desse modelo foi apresentada antes por Leiva et al.145 Até então, se tinha um conhecimento precário a respeito da influência que defeitos de superfície exerciam na catálise da eletro-oxidação de CO. Em particular para a pré-oxidação, essa influência foi considerada anos depois por outros pesquisadores;147 na ocasião, os defeitos de superfície foram considerados os sítios nos quais a pré-oxidação de CO ocorria.147 As duas propostas apresentas acima - eletro-oxidação de COads, w100 e eletro-oxidação de COads em defeitos de superfície147 - não se completam e não são inteiramente corretas. À primeira vista, as divergências entre as diversas propostas dizem respeito basicamente aos possíveis mecanismos subjacentes ao fenômeno da pré-oxidação de CO. No entanto, uma inspeção minuciosa nos dados da literatura aponta que em alguns experimentos sob condições experimentais "similares" - tipo e condicionamento do eletrodo, potencial de adsorção, tipo de eletrólito - a pré-oxidação de CO aparece;132,150,151 noutros, ela não aparece.112,147 Em alguns estudos,88,112 mesmo com o emprego de superfícies escalonadas de platina, a pré-oxidação de CO não ocorre, o que frontalmente conflita com a proposta segundo a qual os defeitos de superfície são os sítios ativos na pré-oxidação de CO. Essas divergências sinalizam que o controle experimental das condições necessárias para que a pré-oxidação de CO seja um fenômeno reprodutível precisa ser melhor compreendido. Na Figura 12, a pré-oxidação está assinalada para a eletro-oxidação de monocamada de CO num eletrodo Pt(776) ≡ Pt(s)-[13(111) × (110)] em uma solução quiescente ácida. Vale ressaltar que, quando a solução está saturada de CO e sob convecção forçada (eletrodo de disco rotatório), a pré-oxidação é retardada, não sendo possível diferenciá-la do processo principal. Esse retardamento possivelmente é uma consequência da operação do mecanismo Langmuir-Hinshelwood, em que há competição por sítios de adsorção, assunto que será retomado mais à frente. Bem, a manifestação da pré-oxidação de CO está ligada a uma série de condições. O potencial de adsorção foi a primeira condição experimental reconhecida a estar ligada à reprodutibilidade da pré-oxidação de CO, em 1988.152 Na década seguinte, López-Cudero et al.147 encontraram que, além de potenciais de adsorção baixos (potenciais na região de HUPD), para que a pré-oxidação de CO surgisse, eram requeridos altos recobrimentos de CO (em nível de saturação) e superfícies dos catalisadores ricas em defeitos. Esse estudo de López-Cudero et al.147 indicou que a pré-oxidação de CO é um processo sensível à estrutura de superfície da platina, sensível no sentido que defeitos de superfície eram necessários para que a pré-oxidação de CO surgisse. Curiosamente, se as três condições acima forem atendidas, a saber: baixo potencial de adsorção de CO, alto recobrimento superficial de CO e superfície do catalisador rica em defeitos, a pré-oxidação de CO só ocorre (na platina em meio ácido) quando há traços de CO na solução.77 Com base nisso e no exposto neste parágrafo, é essencial que se especifiquem as condições empregadas para a aquisição dos resultados experimentais da Figura 12, onde foram adotadas condições estritamente controladas para que a pré-oxidação de CO ocorresse e também para que ela não ocorresse. Assim, com o eletrodo polarizado em 0,1 VRHE, CO foi borbulhado na solução por 5 minutos (um mesmo fluxo usado para todos os experimentos). Em seguida, o fluxo de CO foi interrompido e, a um fluxo de ~ 150 mL min-1, borbulhou-se Ar na solução para a eliminação de CO não-adsorvido, porém aplicando-se diferentes tempos de purga. Todos os experimentos foram realizados com volumes similares de solução numa mesma célula eletroquímica, de modo que tempos diferentes de purga (Figura 12) correspondem a diferentes concentrações (não especificadas) de CO retido na solução. Embora este protocolo não permita determinar a concentração de CO retido na solução, é possível estimar uma razão entre duas concentrações que resultem da aplicação de tempos distintos de purga, partindo-se de uma solução saturada de CO. Por exemplo, para 5 min de purga, a concentração de CO retido foi ~ 3,5 vezes maior do que quando a solução foi purgada por 10 min.153 Essa estimativa153 foi possível com base nos declives de ip versus da equação de Randles-Ševčík para processos irreversíveis controlados por difusão na solução:92 ip = 2,69 × 105 × n3/2 × A × D01/2 × c0 v1/2, em que ip é a intensidade da corrente de pico da reação de eletro-oxidação de CO; n é o número de elétrons transferidos por molécula de CO eletro-oxidada; A é área orientada do cristal de platina em contato com o eletrólito; D0 é o coeficiente de difusão do CO cuja concentração na solução é c0; v é a velocidade de varredura do potencial aplicado. Como o termo n3/2 × A × D01/2 é constante para o conjunto de experimentos a diferentes tempos de purga, a mudança na inclinação ip versus para tais conjuntos de experimentos reflete a variação na concentração de CO na solução (c0), que é importante na análise da magnitude da pré-oxidação de CO. Com o emprego de superfícies escalonadas de diferentes larguras de terraços,77 terraços (111) e defeitos (110), pôde-se ter substancial controle experimental do sistema, mediante: (1) densidades (e tipos) de defeitos de superfície no eletrodo; (2) potencial de formação da monocamada de CO; (3) recobrimento superficial de CO, mantido no nível de saturação; (4) "quantidade" de CO na solução. Isso permitiu controlar as condições ligadas à pré-oxidação de CO como um fenômeno experimentalmente reprodutível, de modo que em eletrodos macroscópicos de platina em meio ácido (perclórico, sulfúrico, fosfórico), a pré-oxidação ocorre quando as seguintes condições são simultaneamente satisfeitas:77 (i) superfície do eletrodo rica em defeitos; (ii) adsorção de CO realizada em potenciais compreendidos dentro da região de hidrogênio (HUPD), mas inferiores a ~ 0,2 VRHE; (iii) saturação da monocamada de CO; (iv) CO dissolvido na solução, pelo menos em nível de traço. Se pelo menos uma dessas condições não for satisfeita, a pré-oxidação de CO não ocorre. Assim, o controle do sistema com base no conjunto de condições (i)-(iv) permitiu que se lançassem hipóteses bastantes razoáveis a respeito dos possíveis mecanismos subjacentes à origem da pré-oxidação de CO. Assim, com base nas características dos centros mais ativos já discutidas no tópico anterior, os sítios (centros) ativos ligados à pré-oxidação de CO residem nas fileiras atômicas das partes baixas nos terraços (111) vizinhas aos defeitos de superfície; equivalentemente isso corresponde ao lado de baixo dos defeitos (Figura 11). A diminuição do potencial de adsorção provavelmente favorece a estabilização de COads nesses sítios, e sua ocupação ocorre sob saturação da monocamada de CO, havendo CO na solução. Quando há traços de CO na solução, os centros mais ativos trabalham provavelmente de forma quase-contínua nos ciclos da eletro-oxidação de moléculas de CO oriundas da solução, daí o conteúdo de CO da solução vigorosamente determinar a magnitude e a forma da onda da pré-oxidação153 (Figura 12). É o conteúdo de CO na solução que faz com que a magnitude da pré-oxidação dependa de forma não trivial da densidade de defeitos de superfície, embora a densidade de sítios (mais) ativos dependa desse parâmetro (densidade de defeitos de superfície). Assim, em nível de traço, soluções mais concentradas de CO têm associadas a elas cargas de pré-oxidação de CO mais elevadas. Quando há CO em nível de traços na solução, o máximo da pré-oxidação de CO resulta da limitação do suprimento (transporte) de moléculas de CO da solução (camada de difusão) para os sítios mais ativos liberados sob os potenciais da região de pré-oxidação.153 Para justificar essa afirmação, comparemos as atividades catalíticas de um eletrodo de Pt(776), a um mesmo potencial aplicado (vs RHE), quando diferentes teores de CO estão presentes em solução (Figura 12). Para tanto, escolheu-se 0,55 VRHE, que é o potencial de máximo da pré-oxidação de CO, Figura 12. Quando CO dissolvido foi eliminado por 10 min (curva em vermelho), a máxima densidade de corrente de pré-oxidação foi de ~ 6 µA cm-2; com a solução saturada de CO (curva na cor rosa), a densidade de corrente em ~ 0,55 VRHE foi de ~ 23 µA cm-2. Como a densidade de corrente é proporcional à velocidade da reação, podemos supor que a velocidade de eletro-oxidação de CO era ~ 3,8 vezes mais rápida quando a solução estava saturada de CO do que na presença de traços de CO. Com base nessa comparação, é razoável afirmar que na presença de traços de CO em solução, "todas" as moléculas de CO que eventualmente atingiam os sítios mais ativos liberados durante a pré-oxidação eram prontamente eletro-oxidadas a CO2, com a eletro-oxidação de CO prosseguindo como um processo quase-contínuo. Como já dito, a pré-oxidação de CO é inibida sob convecção forçada. Em tais condições, o suprimento de moléculas é tão rápido que, a baixos potenciais, as etapas de fornecimento de oxigênio externo provavelmente são inibidas. Por fim, sobre eletrodos de platina em meio ácido, a carga elétrica da pré-oxidação de CO resulta:153 (1) da eletro-oxidação de espécies COads já adsorvidas nos sítios (mais) ativos especificados nos terraços; (2) da eletro-oxidação de moléculas de CO que difundem da solução para os sítios (mais) ativos liberados durante a pré-oxidação. Nessa última contribuição, o transporte é limitado pela difusão de CO na solução. Isso explica o máximo na onda de pré-oxidação de CO em eletrodos macroscópicos de platina em meio ácido. Quanto ao pico principal, este resulta da eletro-oxidação de CO controlada por processos tipicamente confinados na superfície do eletrodo.153 A pré-oxidação de CO sempre aparece em eletrodos de Pt(100) em meio ácido,154,155 e em eletrodos de platina em geral em meio alcalino, com ou sem CO na solução;56,116,134 aparece na eletro-oxidação de CO em nanopartículas de platina (com ou sem CO na solução),156-159 e também nos eletrodos à base de PtRu, PtSn.160,161 Em todas essas condições, pouco se sabe sobre as origens da pré-oxidação do CO e quais as variáveis que determinam suas características. "Inibição" da pré-oxidação de CO em superfícies de platina ricas em defeitos Em condições muito particulares, existe pelo menos uma em que os defeitos de superfície suprimem a pré-oxidação de COads. Isso ocorre quando a monocamada de CO é preparada na Pt(111), enquanto o monocristal recozido (e ainda rubro) é resfriado numa atmosfera de CO (livre de gás oxigênio). Na Pt(111) quase-perfeita, o stripping voltamétrico da monocamada de CO assim formada apresenta uma não-usual e proeminente pré-oxidação, que alcança até ~ 25% da carga da eletro-oxidação de uma monocamada de CO completa.162,163 Essa pré-oxidação é suprimida por defeitos de superfície, enquanto que a eletro-oxidação de COads a potenciais mais altos (pico principal) é catalisada por tais efeitos de superfície.162,163 Assim, a potenciais baixos, os defeitos de superfície exercem funcionalidades que podem estar associadas à promoção ou à inibição de canais de eletro-oxidação de COads.163 Esse efeito pode estar mais ligado à superestrutura que o COads forma do que ser a expressão de um efeito verdadeiramente catalítico. No entanto, não existe uma condição geral em que os defeitos de superfície sempre favoreçam a eletrocatálise da oxidação de CO e, surpreendentemente, a baixos potenciais há pelo menos um caso em que Pt(111) é cataliticamente mais ativa do que as suas respectivas superfícies escalonadas.162,163 Nas condições em que defeitos de superfície melhoram a catálise e nas em que eles a deteriora, os sítios mais ativos residem nos terraços (111).
ATIVAÇÃO E DESATIVAÇÃO SELETIVAS DE SÍTIOS POR EFEITO DO pH Eletro-oxidação de CO em superfícies escalonadas de platina Muitas reações eletroquímicas envolvem elétrons e prótons como produtos ou como reagentes. São exemplos a oxidação de CO, a redução/evolução de oxigênio, a oxidação/evolução de hidrogênio, a oxidação de álcoois, etc. Mecanisticamente, a transferência do par próton-elétron (1H+/1e-) pode ocorrer em etapa elementar única (concertada) ou pode ocorrer sequencialmente.164 O mecanismo e a cinética das reações eletroquímicas mencionadas acima (e inumeráveis outras) são influenciadas pelo pH do eletrólito.165-167 Essa influência ocorre quando a transferência do par 1H+/1e- acontece de forma sequencial168 ou, se de formada concertada, quando a energia livre de um intermediário adsorvido exibe dependência com o potencial na escala SHE.169 A influência que o pH exerce na atividade catalítica (e na seletividade) pode se manifestar de diferentes formas. Por exemplo, na reação de evolução de hidrogênio, a natureza da espécie doadora de próton passa de íon H+ para molécula de água em eletrólitos com pH > 3166 ou sob déficit local de íons H+ quando da produção de densidade de corrente elétrica elevada. Mudanças no pH também podem influir na atividade catalítica via interação campo-dipolo de adsorbato,169,170 pois adsorbatos com momento de dipolo e/ou polarizabilidade grande podem interagir fortemente com o campo elétrico interfacial,169 que é proporcional ao potencial absoluto e muda com o pH (local) do eletrólito. Não é fácil distinguir um mecanismo do outro. Específico da eletro-oxidação de CO, a catálise da reação é favorecida com o aumento do pH do eletrólito, parece que independentemente do material do eletrodo.56-58 O aumento do pH do eletrólito causa redução do potencial (vs RHE) de início da reação; nos experimentos de stripping de CO na platina policristalina, a região voltamétrica que indica a ocorrência da reação é, como um todo, deslocada para potenciais menos positivos. Nas superfícies escalonadas de platina, entretanto, a influência do pH na eletro-oxidação de CO traz comportamentos catalíticos não tão comuns atestados por voltametria, mas deles se podem acessar importantes informações sobre características dos sítios ativos da reação. A Figura 13 mostra os resultados voltamétricos de stripping de monocamada de CO em um eletrodo de Pt(554) em soluções de tampão-fosfato (pH ≃ 7,65) e de NaOH 0,1 mol L-1 (pH ≃ 11,40). Pode-se notar que na solução tampão-fosfato, o potencial de início da eletro-oxidação de CO é ~ 0,44 VRHE, enquanto que na solução de NaOH a reação se inicia em ~ 0,3 VRHE. Na Pt(554) em ácido perclórico (pH < 2), a eletro-oxidação de CO se iniciou em ~ 0,46 VRHE.77 Experimentos de stripping voltamétrico de CO com o emprego de superfícies escalonadas de terraços (111) de diferentes larguras e steps tipo (110) ou (100) mostraram que o pH da solução afeta significativamente o potencial de início da eletro-oxidação de CO.171 Quando o pH da solução varia da faixa de acidez para alcalinidade, uma das características mais notáveis dos voltamogramas de stripping de CO é a presença de múltiplos picos; o pH afeta a posição desses picos de diferentes maneiras, Figura 13. Com base nos dados da Figura 13, constata-se que ao se passar de uma solução neutra (ou mesmo ácida, não mostrado) para uma solução alcalina, o pico principal desloca-se de ~ 0,68 VRHE para ~ 0,60 VRHE, ao passo que o segundo pico, a potenciais mais altos, desloca-se de ~ 0,72 VRHE para ~ 0,79 VRHE (há deterioração da perfórmance catalítica nesse pico). É possível identificar os sítios responsáveis pelos processos com pico em ~ 0,79 VRHE. Em meio alcalino (NaOH 0,1 mol L-1), quando se realiza experimentos em que há COads somente nos steps de uma superfície tipo Pt(554), a eletro-oxidação voltamétrica do COads gera um pico bem definido em ~ 0,79 VRHE (potencial aplicado varrido a 0,05 V s-1). Quando além de COads nos steps há COads nos terraços (111), a carga elétrica relativa ao pico em ~ 0,79 VRHE torna-se um pouco maior do que quando há COads só nos steps, indicando que uma pequena fração de COads nos terraços contribui para esse pico.116 O experimento que relevou a identidade dos sítios envolvidos nos processos relativos ao pico em ~ 0,6 VRHE (Figura 13) consistiu no monitoramento da evolução desse pico quando empregados diferentes graus de recobrimentos de COads.116 Assim, nesse tipo de experimento, a densidade da carga relativa ao pico em ~ 0,79 VRHE se mantém constante logo que a totalidade dos steps (110) é ocupada por COads, mas o pico em ~ 0,60 VRHE só cresce com o aumento de θCO nos terraços (111), de modo que esse pico é devido à eletro-oxidação de COads ao longo dos terraços (111).116 A posição do pico em ~ 0,60 VRHE é muito sensível à largura dos terraços (111) e, portanto, sensível à preparação do eletrodo. Em meio alcalino, com ou sem CO na solução, a pré-oxidação de CO sempre aparece, algo ainda pouco compreendido.
Figura 13. Eletro-oxidação de CO na Pt(554) em diferentes eletrólitos: ativação e desativação seletivas de sítios ativos por efeito do pH do eletrólito. Condições: pH do eletrólito indicado na figura; adsorção de CO em 0,1 VRHE; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório); dados registrados a 0,05 V s-1 (dados reproduzidos e adaptados de Farias et al.)171
Relativo à influência do pH na eletro-oxidação de CO na Pt(554), Figura 13, constata-se que: (i) há redução do potencial de início da reação; (ii) há, por um lado, melhoria na atividade catalítica dos terraços (111) e, por outro lado, há severa deterioração na performance catalítica dos topos dos steps. Esse comportamento catalítico é típico do que ocorre nas superfícies escalonadas consistindo em terraços (111) e steps (110) ou (100).171 Dessa figura, percebe-se ainda que os potenciais de início da eletro-oxidação de COads envolvendo os "sítios" mais ativos e os topos dos defeitos tornam-se mais separados com o aumento do pH. Por exemplo, numa solução de HClO4 0,1 mol L-1 (pH ≃ 1,20), a referida separação de potencial foi de ~ 0,22 V (≡ 0,62 VRHE - 0,40 VRHE),44 sendo que ~ 0,62 VRHE e ~ 0,40 VRHE são, respectivamente, os potenciais aproximados em que a reação iniciou nos steps (110) e nos sítios mais ativos; na solução tampão-fosfato (pH ≃ 7,65)171 (Figura 13), a separação foi de ~ 0,22 V (≡ 0,62 VRHE - 0,40 VRHE; valor impreciso); em meio fortemente alcalino (pH ≃ 11,40)116 (Figura 13), a referida separação de potencial foi de ~ 0,4 V (≡ 0,70 VRHE - 0,30 VRHE). Objetivamente, em superfícies escalonadas, o aumento do pH da solução não causa melhorias nas atividades catalíticas de todos os tipos de sítios. Essas diferentes dependências com o pH provavelmente refletem marcadas diferenças nos mecanismos da mesma reação nos terraços e nos steps. Mudanças no pH do eletrólito resultam em mudanças nas propriedades eletrostáticas da interface eletrodo|eletrólito, e pode comparar-se os potenciais nas escalas padrão (SHE - standard hydrogen electrode) e do eletrodo reversível de hidrogênio (RHE - reversible hydrogen electrode). Na escala SHE, o potencial muda a uma taxa de -0,059 V por unidade de pH, isto é, ESHE (Volt) = ERHE + RT/F × ln[H+] = ERHE - 0,059 × pH. Por exemplo, o potencial de adsorção de CO em 0,1 VRHE corresponde a +0,03 VSHE numa solução 0,1 mol L-1 de HClO4 (pH ≃ 1,20), e corresponde a -0,57 VSHE numa solução 0,1 mol L-1 de NaOH (pH ≃ 11,40). Assim, numa solução alcalina, o campo elétrico na interface eletroquímica é mais negativo para um valor constante de potencial na escala RHE, e mudanças no pH podem influir nas energias dos intermediários adsorvidos, impactando na atividade catalítica.172 Assim, um fator subjacente à ativação de sítios nos terraços (111) e desativação de sítios nos topos dos defeitos por efeito do pH é a mudança no campo elétrico interfacial, que de diferentes formas influi nas rotas de eletro-oxidação de CO naqueles sítios. O contraste nas propriedades catalíticas das partes baixas e nos topos dos defeitos superficiais, Figura 13, permite acessar informações a respeito de possíveis características 2D dos sítios (centros) ativos envolvidos em diferentes rotas reacionais. A forma consequente como mudanças no campo elétrico interfacial, causadas por mudanças no pH do eletrólito, afetam as atividades catalíticas dos diferentes sítios ativos - impulsionando as atividades catalíticas dos sítios residentes nas partes baixas dos defeitos (partes côncavas) e inibindo as atividades catalíticas dos sítios residentes nos topos (partes convexas) dos mesmos defeitos - sugere que a ativação de uma região dos defeitos ocorreu "às custas" da concomitante inibição das contrapartes das mesmas estruturas (defeitos).171 Comportamento catalítico similar (de ativação/inativação) foi observado para a eletro-oxidação de CO em superfícies escalonadas de platina cujos steps foram "decorados" com Sn.161 A captação do referido efeito contrastante nos permite alcançar melhor caracterização dos sítios mais ativos na platina frente às rotas de eletro-oxidação de CO. Assim, do ponto de vista do substrato catalítico (2D), a baixos potenciais (como os da pré-oxidação de CO), os "sítios" mais ativos não devem ser estruturas localizadas, mas sim envolver locais onde as etapas (química e eletroquímica) das rotas da reação catalisada ocorrem, e devem envolver uma parte inativada como efeito complementar que resulta da "ativação" dos próprios "sítios" mais ativos. O que deixa isso mais evidente é o fato de o aumento do pH do eletrólito aumentar a separação dos potenciais em que a reação de eletro-oxidação de COads se inicia nos sítios terraços (111) e nos topos dos defeitos. Nas superfícies escalonadas de terraços (111), os sítios mais ativos são estruturalmente melhor compreendidos quando considerada a influência que os defeitos de superfície induzem nesses terraços, e parece não ser possível ativar simultaneamente os topos dos defeitos e as suas respectivas contrapartes, isto é, os terraços (111). A deterioração da perfórmance catalítica dos defeitos de superfície, por efeito do aumento do pH, é típica das superfícies escalonadas, já que a inibição é pouco expressiva nos eletrodos de platina poliorientada e policristalina. Curiosamente, quando se realiza um stripping voltamétrico de monocamada de CO em meio alcalino nestas superfícies, parece sempre haver um resquício de COads que só é eletro-oxidado a potenciais da ordem de 0,8 VRHE (ver a Figura 3B da referência),173 que coincide com o potencial de máximo de eletro-oxidação de COads nos steps nas superfícies escalonadas de platina em meio fortemente alcalino. Eletro-oxidação de monóxido de carbono em nanopartículas de platina preferencialmente orientadas O efeito de ativação e desativação seletivas de sítios induzidas por mudanças no pH da solução não se manifesta na eletro-oxidação de CO em nanopartículas de platina, Figura 14. Em comparação ao meio ácido, em meio alcalino a porção do voltamograma na região de potenciais em que CO passa por eletro-oxidação está toda deslocada para potenciais menos positivos (Figura 14), corroborando o resultado reportado na referência.174 O deslocamento voltamétrico dessa região como um todo comprova que pHs alcalinos promovem melhorias nas atividades catalíticas de todos os tipos de sítios superficiais (defeitos, terraços, etc.). A reação termina em ~ 0,81 VRHE em meio ácido; em meio alcalino, a reação termina em ~ 0,70 VRHE. É por esta razão que na região de hidróxido/óxido há sobreposição do perfil voltamétrico do stripping da monocamada de CO com o perfil do branco (vide inserção da Figura 14).
Figura 14. Stripping de monocamada de CO em nanopartículas de platina preferencialmente orientadas (100): meio ácido (HClO4 0,1 mol L-1) e meio alcalino (NaOH 0,1 mol L-1). Adsorção de CO em 0,1 VRHE; dados registrados a 0,05 V s-1; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório). Inserção: destaque da região de hidróxido/óxido (dados reproduzidos de Farias et al. com permissão).173 Imagens de Microscopia Eletrônica de Transmissão das nanopartículas cúbicas de platina; tamanho médio ~ 8 nm (dados reproduzidos e adaptados de Farias et al.)175
As nanopartículas preferencialmente orientadas são recobertas majoritariamente por um tipo de faceta [(100) e/ou (111)], e possuem uma variedade de tipos de defeitos de superfície. Nas nanopartículas (Figura 14), a resposta em termos de catálise difere radicalmente do que ocorre com as superfícies escalonadas, para as quais somente os terraços (111) têm suas atividades melhoradas por efeito do pH. Isso mostra que nem tudo que ocorre nas superfícies escalonadas de platina pode ser transladado para racionalizar o que ocorre nas superfícies das nanopartículas, pelo menos em termos de eletrocatálise da oxidação de CO.
HIERARQUIAS NA OCUPAÇÃO E NA VAGATURA DE SÍTIOS E IMPLICAÇÕES PARA A MOBILIDADE DO MONÓXIDO DE CARBONO ADSORVIDO O monóxido de carbono adsorvido comporta-se como espécie móvel no processo de crescimento de uma monocamada desse adsorbato; uma consequência disso é a aceleração da ocupação preferencial dos sítios defeitos de superfície, algo que ocorre em detrimento da ocupação dos terraços (111), reações 7 e 8. Os experimentos da Figura 15 evidenciam tanto a ocupação quanto a vacância preferenciais de sítios durante o crescimento (inserção, Figura 15A) e durante a eletro-oxidação (inserção, Figura 15B) de monocamada de CO na Pt(554). Para registrar cada experimento da Figura 15A, o potencial aplicado era mantido constante em 0,1 VRHE. Em seguida, um mesmo fraco fluxo de gás CO era passado sobre a solução por diferentes tempos (indicados na figura) e, imediatamente, registrava-se 1 voltamograma cíclico da região de hidrogênio; a superfície do eletrodo era então novamente preparada para mais experimentos da série; os resultados estão mostrados na Figura 15A. Simplesmente vendo os perfis voltamétricos da Figura 15A se constata que os steps foram os sítios preferencialmente ocupados pelo COads; exemplo disso é o experimento registrado após ~78 s de exposição ao CO, em que restavam disponíveis para adsorção/dessorção de hidrogênio sítios somente nos terraços. Essa ocupação sítio-seletiva indica que o COads tem um comportamento móvel nas circunstâncias consideradas. No que se refere à Figura 15B, adotou-se um protocolo experimental para a eletro-oxidação da monocamada de CO de forma que a ordem das vacâncias dos sítios pudesse ser acompanhada. Assim, com o potencial fixado em 0,1 VRHE, gás CO foi borbulhado na solução, e depois o CO não-adsorvido foi eliminando por purga com Ar. A monocamada de CO foi então eletro-oxidada em etapas, controlando-se o potencial superior aplicado em cada etapa voltamétrica. Por exemplo, no 1º ciclo (C1), o potencial foi estendido até ~ 0,68 VRHE, suficiente para causar a eletro-oxidação de COads só até o pico principal a potenciais mais baixos. O perfil voltamétrico da região de hidrogênio no 2º ciclo (C2) fornece a indicação que os sítios nos terraços (111) foram os liberados na etapa anterior (C1); somente terraços (111) continuaram a ser liberados nos ciclos subsequentes; a vacância dos steps só ocorreu quando não restava mais COads nos terraços (111). Em C5 e C6 pode-se constatar a progressiva liberação dos sítios steps; em C7 já não havia COads em nenhum tipo de sítio.
Figura 15. Ocupação (A) e vagatura (B) de terraços e steps durante a formação (A) e eletro-oxidação (B) de monocamada de CO na Pt(554) numa solução de NaOH 0,1 mol L-1. A e B: adsorção de CO em 0,1 VRHE; dados registrados a 0,2 V s-1; temperatura ~ 25 ºC (ambiente do laboratório). Inserção: representação esquemática da ordem de ocupação e de vagatura dos diferentes sítios superficiais (dados reproduzidos de Farias et al.)116
Da Figura 15 se constata que a ordem de ocupação dos sítios nos terraços (111) e nos steps (110) é precisamente a ordem oposta da vacância desses mesmos sítios: os últimos na adsorção são os primeiros na eletro-oxidação. Esse fato, aliado ao fato que o COads tem um comportamento móvel durante a sua adsorção, reforça o argumento que fundamenta a existência de um gradiente de energias de ligação de COads ao longo dos terraços (111) das superfícies escalonadas.116 Esse tipo de distribuição de sítios na ocupação e na vagatura tem fortes implicações para a mobilidade do COads.116 Na platina, a adsorção de CO é mais forte nos steps do que nos terraços (111),115,176,177 e por isso o deslocamento (fuga) de COads dos steps para os terraços (111) se caracteriza como evento energeticamente desfavorável. Na interface sólido|gás, a conversão de COads nos steps para COads nos terraços (111) ocorre sob fortes perturbações (térmicas) locais,115 o que não é típico dos experimentos eletroquímicos. Nas superfícies escalonadas congêneres da série Pt(s)-[(n - 1)(111) × (110)], os sítios onde o COads se liga mais fracamente residem nas primeiras fileiras atômicas das partes baixas dos terraços (111) adjacentes aos steps, e no processo de formação de uma monocamada de CO, esses são os últimos sítios a serem ocupados; COads se liga mais forte nos topos dos steps, sendo esses os sítios preferencialmente ocupados durante a formação de uma monocamada de CO (ilustração na Figura 15A). Então, durante a formação de uma monocamada de CO, devido à diferença "gradual" em termos de energia de ligação do CO ao longo dos terraços (111), a mobilidade de COads provavelmente envolve o deslocamento preferencial de espécies COads dos sítios localizados nas partes baixas para os sítios das partes altas dos terraços, culminando nos topos dos steps, onde COads é mais estável; a conversão de COads das partes altas para as partes baixas dos terraços (111) não constitui evento preferencial (evento energeticamente desfavorável). Com base nisso, é razoável afirmar que nas superfícies escalonadas com terraços (111), uma monocamada de CO cresce preferencialmente das partes altas para as partes baixas de tais terraços. Portanto, os steps criam um gradiente de energia de ligação de COads ao longo dos terraços (111) das superfícies escalonadas, e isso gera um comportamento anisotrópico na mobilidade do COads nessas superfícies, Figura 16. Esse comportamento anisotrópico na mobilidade do COads não é presumido da ocupação sítio-seletiva apenas; está implícito nela, mas é notado quando se compara a ordem de ocupação com a ordem de desocupação dos mesmos tipos de sítios, em uma mesma superfície.
Figura 16. Representação esquemática do possível comportamento anisotrópico na difusão de COads ao longo de terraço (111) de uma superfície escalonada. Os eventos preferenciais envolvem a mobilidade de COads do terraço (111) em direção ao topo dos defeitos. A direção dos eventos não-preferenciais está indicada com uma cor vermelha. Superfície modelo de um catalisador sólido66
A mobilidade do COads considerada no parágrafo anterior refere-se a uma circunstância específica: durante a ocupação dos sítios de adsorção no processo de formação de uma monocamada de CO. A fundamentação para o comportamento móvel do COads nessa circunstância foi baseada na ocorrência de ocupação seletiva de sítios, facilmente constatada por voltametria (cíclica). Outra circunstância, também específica, para se considerar a mobilidade do COads é durante a desocupação de sítios ativos no processo de eletro-oxidação de uma monocamada de CO. A fundamentação para uma possível mobilidade do COads neste caso é também, de uma forma indireta, baseada em fato(s), e o exemplo notável é a ocorrência de pico único no stripping voltamétrico de uma monocamada de CO em eletrodos tipo Pt(111) em meio ácido.178 Neste caso, a hipótese acerca da mobilidade do COads fica implícita quando é assumido que há um só tipo de sítio ativo onde as espécies COads são eletro-oxidadas a CO2: os sítios defeitos de superfície. Assim, assumindo-se que em uma superfície sítio-heterogênea totalmente recoberta por CO, todos os tipos de sítios (terraços, steps, etc.) estão ocupados, então, durante a reação de eletro-oxidação, o suprimento de espécies COads de quaisquer sítios para os steps só pode ocorrer via difusão em superfície.178 Nesse contexto, a mobilidade do COads foi interpretada nos termos da cinética de aproximação do campo médio, isto é, reagentes adsorvidos idealmente misturados e taxa de difusão de COads mais elevada do que a sua velocidade de eletro-oxidação - a velocidade da reação é matematicamente expressa como proporcional ao produto dos recobrimentos médios do par de reagentes adsorvidos. Com essas hipóteses, há satisfatório ajuste entre os modelos e os resultados experimentais.178 O modelo funciona satisfatoriamente bem, mas isso por si só não prova que a teoria que serve de base ao modelo está correta. Não se dispondo de meios para acessar as variáveis relativas à difusão (do CO) em superfície diretamente, pode-se como opção planejar e executar experimentos pontuais que permitam examinar as hipóteses embutidas no modelo, também examinar as consequências experimentalmente verificáveis previstas pelo modelo. A hipótese a ser verificada é se os steps figuram como os únicos sítios mais ativos. Essa hipótese descortina uma consequência experimentalmente verificável: a reocupação de sítios, pois nos experimentos de stripping de monocamada de CO, os terraços (111) são presumivelmente o meio para o transporte de COads até os sítios steps. Então, vamos admitir que os steps atuem como os únicos sítios ativos. Se assim for, durante a reação de eletro-oxidação de uma monocamada de CO nas superfícies sítios-heterogêneas - a exemplo das superfícies vicinais à Pt(111) - se COads é eletro-oxidado exclusivamente nos steps, espera-se que, à medida que a reação transcorra, as espécies COads remanescentes nos terraços (ou em quaisquer outros sítios) difundam para os sítios steps que tornarem-se desocupados. Como a taxa de reposição de espécies COads, via difusão, para os steps é considerada mais elevada do que a velocidade de consumo de COads, na escala de tempo de realização dos experimentos - cerca de 5 minutos -, o esperado é que os terraços (111) sejam os sítios a aparecerem desocupados primeiro. É exatamente isso que se verifica dos resultados experimentais da Figura 15B, em que a evolução dos perfis voltamétricos da região de hidrogênio dos ciclos C1, C2, ... C4 indica que os terraços (111) foram seletivamente liberados primeiro, o que é compatível com: (i) as espécies COads comportando-se como móveis durante a sua eletro-oxidação; (ii) as espécies COads sendo eletro-oxidadas exclusivamente nos sítios steps. O modelo estaria corroborado. O problema é que a hipótese segundo a qual os steps constituem os sítios mais ativos únicos é notoriamente falsa,44 pelo menos a potenciais na faixa onde a pré-oxidação de CO ocorre; a consequência da hipótese falsa - a reocupação de sítios - também não se verifica, como explicado mais em frente. Entretanto, uma questão que surge é se a altos potenciais, com os potenciais acima dos quais se detecta CO2 que foi formado nos steps, os steps passam a figurar como sítios mais ativos. A resposta a essa questão não é trivial, mas tudo indica que em meio ácido,77 a E < ~ 0,7 VRHE, a resposta é não; em meio alcalino,116 a E < ~ 0,8 VRHE, a resposta é não, também. Se os steps não são os sítios mais ativos, nos cabe explicar as razões pelas quais os terraços (111) são os primeiros domínios desocupados, Figura 15B. A explicação tem implícita a questão da aparente imobilidade do COads durante a sua eletro-oxidação. Na faixa de potenciais da zona de pré-oxidação de COads, com uma solução ácida (de HClO4) quiescente saturada de CO, a mobilidade de COads durante a sua eletro-oxidação foi associada à dinâmica de vacâncias na superestrutura (2 × 2)-3CO na Pt(111) vista por vídeo-STM in situ.125 Esse é um achado interessante, e temos pouco a dizer sobre isso. No entanto, quando há CO na solução, as espécies COads são continuamente intercambiadas pelo CO da camada de difusão,127 e essa troca pode criar "buracos" temporários na célula unitária da superestrutura de COads. No estudo acima referido,125 os defeitos de superfície foram consideram os sítios mais ativos, hipótese que já se provou falsa. Em meio alcalino, por diferentes razões, a difusão do COads tem sido considerada "lenta" durante a sua eletro-oxidação. Uma explicação179 atribuiu essa lentidão à forte adsorção de carbonato, que bloquearia o transporte de COads nos terraços (111) para os steps. Isso estaria na origem dos múltiplos picos que os perfis voltamétricos de stripping de monocamada de CO apresentam nos eletrodos de platina em meio alcalino. Bem, nos potenciais em que o CO é eletro-oxidado a CO2, se íons carbonato se adsorvem na platina, eles podem ser dessorvidos se o potencial for temporariamente situado a um valor tão baixo quanto ~ 0,0 VRHE. Assim, uma monocamada de CO poderia ser eletro-oxidada por etapas, e em cada etapa do processo, o potencial aplicado poderia ser temporariamente situado em ~ 0,0 VRHE para "limpar" a superfície do eletrodo, do carbonato adsorvido. Baseado nesse tipo de experimento, a hipótese segundo a qual íons carbonato adsorvidos impedem a mobilidade do COads foi descartada,180 e no lugar foi proposto que a baixa mobilidade de COads poderia estar associada ao potencial do eletrodo que, em meio alcalino, é efetivamente mais negativo (na escala SHE) do que em meio ácido. As propostas de García et al.179 e Herrero et al.180 consideram que, nos eletrodos de platina em meio ácido, o COads comporta-se como espécies móveis durante a sua eletro-oxidação. A proposta para explicar a aparente imobilidade do COads durante a sua eletro-oxidação, defendida neste artigo e resumida a seguir, é diferente e é geral às superfícies estendidas de platina, aplicando-se a todas as faixas de pH do eletrólito, o que inclui meio ácido. O principal fator que contribui para a aparente imobilidade do COads durante a sua eletro-oxidação está ligado a propriedades da estrutura de superfície do eletrodo. A eletro-oxidação de COads ocorre preferencialmente nos sítios onde essas espécies se ligam mais fracamente (inserção na Figura 15B). Nas superfícies escalonadas, isso acontece nos terraços (111), ao longo dos quais prevalece um intrínseco gradiente em termos de energias de ligação de COads. A existência desse gradiente tem fortes implicações para a mobilidade do COads: nos experimentos de stripping, isso torna a reocupação de sítios (por COads da camada remanescente) evento energeticamente desfavorável. Isso explica o fato de sobrepotenciais cada vez mais altos serem requeridos para reiniciar a reação em cada ciclo da eletro-oxidação de uma monocamada de CO por etapas, como se percebe da Figura 15B. Portanto, nas superfícies escalonadas, a existência de um gradiente em termos de energias de ligação de COads ao longo dos terraços (111) está na origem de um comportamento móvel anisotrópico do COads durante a formação de sua monocamada, e um comportamento aparentemente imóvel durante a sua eletro-oxidação, em toda faixa de pHs. Esse é um comportamento intrínseco e geral às superfícies vicinais à Pt(111). Os eventos preferenciais implicados na mobilidade do COads em uma superfície escalonada estão indicados na Figura 16. Por fim, vale ressaltar que não desconsideramos as interações laterais como força motriz para a difusão de COads.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo se identificam os efeitos e se discutem possíveis funcionalidades que defeitos de superfície (steps) exercem na adsorção e na eletro-oxidação de CO em superfícies bem ordenadas de platina. A potenciais tão baixos quanto os da pré-oxidação de CO, a funcionalidade que os defeitos de superfície exercem na catálise geralmente está relacionada com a ativação de rotas dessa reação nos terraços (111), rotas essas inativas nos terraços (111) "infinitos". A ativação ou "criação" de sítios nos terraços (111) ocorre com concomitante desativação catalítica dos sítios topos dos defeitos (steps), e essa ativação/desativação seletiva de sítios é magnificada pelo aumento do pH do eletrólito. Por essa perspectiva, estruturalmente, os "sítios" mais ativos incluem uma parte ativa nos terraços (111) - onde etapas químicas e eletroquímicas da reação ocorrem - e uma parte inativa nos topos dos defeitos (os steps), de modo que, a baixos potenciais, os "sítios" mais ativos possivelmente não consistem de estruturas localizadas. Quando considerada a influência que os defeitos de superfície induzem ao longo dos terraços (111) das superfícies escalonadas, esse modelo de sítios mais ativos aqui proposto contempla o caráter anisotrópico implícito na mobilidade de COads ao longo dos terraços (111) das superfícies escalonadas de terraços (111). Isso está na origem do COads ter um comportamento aparentemente imóvel durante a sua eletro-oxidação e inquestionavelmente móvel durante o crescimento de uma monocamada desse adsorbato nas superfícies vicinais à Pt(111). Para a adsorção e eletro-oxidação de CO, a heterogeneidade das superfícies escalonadas com terraços (111) em termos de sítios se manifesta tanto nos topos e nas partes baixas dos defeitos quanto ao longo dos terraços.
AGRADECIMENTOS M. J. S. F. agradece à CAPES; G. A. C. agradece ao CNPq (309810/2019-1) e à FUNDECT (TO 357/2022, Processo nº 71/039.199/2022); G. T. F. agradece ao CNPq (313455/2021-0) e à FAPESP (Processo nº 2019/22183-6). O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES - Código de Financiamento 001. M. J. S. F. é sinceramente grato aos professores Henrique Herrero e Juan Feliu pelas frutíferas colaborações científicas desenvolvidas nos últimos 10 anos no Instituto de Electroquímica da Universidad de Alicante (em Alicante, Espanha), onde os experimentos deste estudo foram realizados.
REFERÊNCIAS
1. Pease, R. N.; Stewart, L.; J. Am. Chem. Soc. 1925, 47, 1235. [Crossref] |
On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
Qu�mica Nova
Publica��es da Sociedade Brasileira de Qu�mica
Caixa Postal: 26037
05513-970 S�o Paulo - SP
Tel/Fax: +55.11.3032.2299/+55.11.3814.3602
Free access