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2:15, dom nov 24

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Revisão


Análise de fragmentos balísticos por meio de exames micro balísticos, determinação da composição química e análise isotópica do chumbo: uma revisão
Ballistic fragments analysis by micro ballistic examinations, chemical composition and lead isotope ratios: a review

Emanuella T. V. BezerraI,*; José M. de O. GodoyI

I. Departamento de Química, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 22451-900 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em: 09/02/2023
Aceito em: 15/05/2023
Publicado em: 10/08/2023

Endereço para correspondência

*e-mail: etvb.89@gmail.com

RESUMO

Firearms and ammunition identification produces important information for the elucidation of the crime and also in cases of confirmation of the offender. In a crime scene, when a suspect weapon and its ammunition are found, it is possible to clarify and conclude an investigation using qualitative analysis and standards. However, in some cases only the fragments of ammunition are found, which makes difficult to identify the weapon using traditional techniques. Therefore, alternative methods are needed such as the determination of elemental composition of the lead alloy and the verification of the lead isotopic ratios. The present work includes a review of the basic concepts of ballistics and conventional techniques of ballistic confrontation, the existing studies related to the chemical analysis of ballistic fragments and its application in criminalistics and, finally, the articles involving the lead isotopic analysis as a tool for ballistic identification.

Palavras-chave: forensic ballistic; projectile chemical composition; lead isotope ratios.

INTRODUÇÃO

Segundo um estudo realizado sobre o ranking mundial de mortes por armas de fogo, em 2016, o Brasil liderou a lista de 195 países, apresentando um número de 43.200 mortes entre 251.000 no total mundial. A disseminação da violência e o crescente uso de armas de fogo no Brasil têm sido uma grande preocupação para a sociedade.1,2 A natureza das mortes causadas por armas de fogo pode ser: homicídios, suicídios e lesões acidentais. Uma comparação, também, surpreendente, sobre dados brasileiros é o número de homicídios por armas de fogo em relação ao número total de homicídios no país, correspondendo a 72,4% do total de casos, em 2017, de acordo com os dados mais atuais que constam no Atlas da Violência 2019.3

A evolução das técnicas utilizadas na Balística Forense tornou-se de extrema importância na elucidação dos casos de homicídios. A Balística Forense é o ramo da criminalística que estuda as armas de fogo, sua munição e efeitos causados pelos tiros produzidos por elas. Identificar a arma de fogo utilizada em um crime revela um ponto importante na busca pelo autor do crime.2,4 Existem dois tipos de identificação de arma de fogo: a direta, quando é feito um exame na própria arma; e, a indireta quando é feita uma comparação das características gerais e deformações impressas pela arma no estojo da munição, ou seja, uma comparação das arranhaduras deixadas no estojo da munição, após o disparo, é realizada com as estrias presentes na parte interna do cano da arma.2

Mesmo considerando que a balística atual utiliza técnicas já consolidadas, novos métodos são necessários a fim de aumentar a eficiência na resolução dos casos, uma vez que, em alguns casos com armas de fogo, não é possível encontrar a arma utilizada, a munição ou partes dela (estojo ou projétil) de forma intacta e de fácil análise, muitas vezes são fragmentos ou munições danificadas por atingir objetos duros após o disparo. Isso dificulta a comparação visual devido à perda de informações físicas na superfície da munição. Nesses casos, o teste de comparação das arranhaduras não é viável, sendo necessária uma análise da composição química a fim de descobrir características que levem à arma utilizada no crime e ao seu proprietário, o possível autor do delito.5

Esta revisão visa agrupar os principais métodos conhecidos e utilizados para a identificação de projéteis, os quais contribuem para a resolução de casos envolvendo armas de fogo. Além disso, conceitos importantes e essenciais da Balística Forense serão apresentados, a fim de uma melhor compreensão sobre as possíveis análises forenses. É importante destacar que esta revisão tem como proposta servir de orientação, concentrando os principais conhecimentos necessários para a realização de uma perícia balística envolvendo projéteis e contribuir para a discussão da evolução de novas técnicas e limitações das existentes envolvendo, em particular, projéteis de armas de grosso calibre.

 

MUNIÇÃO DAS ARMAS DE FOGO

Uma arma de fogo pode ser definida como um instrumento capaz de disparar projéteis através de um cano empregando-se força expansiva de gases, sendo estes produzidos pela combustão da pólvora contida numa câmara dentro da munição.6,7

A definição de munição foi estabelecida no Decreto nº 9.846, de 25 de junho de 2019, em seu artigo 2º, inciso X:8

"X - munição - cartucho completo ou seus componentes, incluídos o estojo, a espoleta, a carga propulsora, o projétil e a bucha utilizados em armas de fogo".

Sendo assim, o cartucho é a unidade de munição das armas de fogo, que com seus componentes, é responsável por propelir o projétil até o alvo.6,7 Na arma de fogo, o cartucho é ordenado dentro do cano que, ao ser disparado, entra em contato com sua parede, que irá produzir marcas e micro estriamentos no projétil. Essas marcas podem ser consideradas como impressões digitais das armas, ou seja, cada cano por mais liso que seja produzirá imperfeições no projétil capaz de diferenciar as armas de fogo uma das outras.9

As armas de fogo podem ser classificadas de diversas formas. A classificação mais abrangente é apresentada pelo professor Eraldo Rabello e utilizada por diversos autores. Ela baseia-se em cinco critérios específicos: quanto à alma do cano; quanto ao sistema de carregamento; quanto ao sistema de inflamação; quanto ao funcionamento e quanto à mobilidade e ao uso.7

O cano das armas consiste num cilindro de aço perfurado longitudinalmente em seu centro, sendo essa parte oca interna chamada de alma, e vai desde a câmara de explosão até a boca do cano. Este é o critério mais importante e relevante para a munição. Nesse sentido, as armas podem ser classificadas como: alma lisa, quando o interior do cano é totalmente polido e alma raiada, quando o interior do cano apresenta sulcos paralelos e helicoidais. Como exemplo de armas de alma lisa pode-se citar as espingardas e de alma raiada as pistolas, revólveres, rifles e outros.6

Outra característica relevante da munição refere-se ao calibre, que pode apresentar-se, na área balística, com outros significados: diâmetro da boca de armas, comprimento do cano, tamanho de culatra, etc.9 Em geral, calibre é o diâmetro interno do cano de uma arma, porém em canos de alma raiada é importante fazer a distinção entre calibre real, calibre do projétil e calibre nominal. Calibre real consiste no diâmetro interno do cano, medido entre as partes cheias dos sulcos. O calibre do projétil refere-se ao diâmetro do projétil que corresponde ao diâmetro das partes fundas dos sulcos. E, por fim, o calibre nominal é utilizado para definir um tipo de munição ou arma produzida pelo fabricante, geralmente especificado de acordo com as dimensões da munição. É importante enfatizar que as munições podem apresentar o mesmo calibre real, mas apresentar outras características como o seu comprimento, peso, qualidade do propulsor, que as diferenciam pelo calibre nominal.10

Os cartuchos de munição podem ser divididos em dois grupos: cartuchos das armas de alma raiada, compostos basicamente por estojo, espoleta, pólvora e projétil (Figura 1); e cartuchos das armas de alma lisa, que diferencia, do anterior, por conter esferas de chumbo, bucha e discos de papelão. Cabe, também, ressaltar que, armas de alma lisa podem ser empregadas com projetis de borracha.6,9,10

 


Figura 1. Ilustração de um cartucho de munição de arma de fogo e seus componentes (copyright cedido pelo autor Eduardo Sato)9

 

O funcionamento básico da munição inicia-se ao acionar o gatilho da arma que comprime a mistura iniciadora dentro da espoleta gerando faíscas que darão início à combustão da pólvora. A combustão produzirá um grande volume de gases e com alta pressão capaz de empurrar o projétil através do cano da arma. Parte desse material gasoso se solidifica em forma de material particulado originando o resíduo de tiro (GSR), que pode, também, ser encontrado depositado no atirador contribuindo, assim, na identificação do suspeito.4,6,11

Elementos essenciais

Estojo

O estojo (Figura 1) é um dos elementos mais importantes de um cartucho apesar de não participar, diretamente, do disparo, sendo o componente externo que permite que todos os outros elementos permaneçam unidos em uma única peça, o cartucho, facilitando o carregamento da arma. Além disso, no momento do disparo, dilata-se para evitar que os gases escapem.6,7 Em geral, os estojos são feitos de latão, uma liga de cobre e zinco, num processo de repuxamento a frio a partir de um disco e, muitas vezes, recebem um banho de níquel. Seu formato é bastante variado e depende do tipo de arma que será utilizado, podendo ser cilíndrico ou cônico. É na base do estojo que fica localizado a identificação do calibre e fabricante da munição.

Espoleta

A espoleta é uma pequena cápsula de latão, localizada no centro do culote do estojo, e contém uma carga de inflamação denominada mistura iniciadora. Todos os cartuchos que possuem espoleta são chamados de cartuchos de fogo central e os que não contém, de cartuchos de fogo circular.6,7

Ao executar o disparo, a ponta do percutor comprime a espoleta que detona a mistura iniciadora provocando a combustão da pólvora, a qual produz um enorme volume de gases. A expansão desses gases é responsável por impulsionar o projétil através do cano da arma.6,7 A ilustração do processo de funcionamento da espoleta a partir de um disparo de arma de fogo é mostrada na Figura 2.

 


Figura 2. Processo de detonação da mistura iniciadora (copyright cedido pela Editora Millenium)7

 

Mistura iniciadora (carga de inflamação)

A mistura iniciadora consiste num forte explosivo, bastante sensível ao choque. A composição das primeiras misturas era formada por fulminato de mercúrio e clorato de potássio, porém esses compostos produziam resíduos altamente corrosivos.6,7,11 Em razão disso, atualmente, são utilizados outros compostos em sua composição que variam de acordo com a munição e o fabricante.

Geralmente, as misturas iniciadoras, sucessoras daquelas contendo mercúrio, eram constituídas por: estifinato de chumbo, nitrato de bário, trissulfeto de antimônio, tetrazeno e alumínio atomizado. Com o início do disparo, a mistura era comprimida quebrando os cristais de estifinato de chumbo e de tetrazeno, ocasionando uma chama que tinha como combustível o nitrato de bário e, como oxidante, o trissulfeto de antimônio. A detonação dessa mistura ocorria rapidamente e a queima da pólvora gerava gases de alta temperatura e pressão. Os produtos gerados consistiam em óxidos de carbono, água e óxidos metálicos.6,7 Com o passar do tempo, espoletas cuja mistura iniciadora não possuem compostos de chumbo, bário e antimônio começaram a ser fabricadas, tendo em sua composição, basicamente, diazol, nitrato de estrôncio, pólvora e tetrazeno.7

Contudo, desde 2002, os principais fabricantes de munição introduziram um novo composto na composição das misturas iniciadoras, a nitrocelulose. Sendo assim, a composição das misturas passou a conter diazodinitrofenol (DDNP), tetrazeno, nitrocelulose, nitrato de potássio e alumínio em pó, a fim de garantir uma melhor queima e na tentativa de reduzir a produção de gases e resíduos tóxicos.11,12

Pólvora

A pólvora, também chamada de carga de projeção, é um combustível sólido capaz de queimar rapidamente e gerar uma grande quantidade de gases, sem a necessidade de oxigênio externo para a sua combustão. Há dois tipos de pólvora: a pólvora preta, que mesmo sendo mais antiga, ainda é utilizada em algumas munições;7 e a pólvora química, mais usualmente utilizada por não gerar fumaça e gases tóxicos. A pólvora preta é composta por salitre, carvão vegetal e enxofre, produzindo uma enorme quantidade de fumaça ao ser queimada. Já a pólvora química possui em sua composição como constituinte ativo a nitrocelulose, em pólvoras de base simples, e a nitrocelulose e nitroglicerina, em pólvoras de base dupla. Além disso, é comum existir uma variação na composição da pólvora dependendo do tipo de munição, calibre e fabricante. Essa variação pode conceder maior durabilidade às armas e maior capacidade energética.6,7,10,11

Projétil

O projétil é o elemento do cartucho que será expelido do cano da arma chegando até o alvo pretendido. Ele está presente nos cartuchos das armas de alma raiada como projétil único, enquanto nos cartuchos de alma lisa, o que se equipara aos projéteis são os chumbos ou balins, de formato esférico e variadas dimensões. Existe uma grande variedade de projéteis sendo diferenciados quanto ao seu diâmetro, comprimento, massa, forma, revestimento.6,10

O formato do projétil é determinante para várias características como velocidade do voo, capacidade de penetração, comportamento, etc. Todavia, a classificação mais utilizada pelos autores refere-se à sua composição, sendo apresentada como: projétil de liga de chumbo, projétil encamisado e projétil de cobre.7

A composição dos projéteis é especificamente constituída por liga de chumbo. Essa liga pode ter em sua composição diversos elementos, variando, assim, a composição do projétil.13-15 Segundo Tocchetto,7 a estrutura básica (Figura 3) desses projéteis consiste em: base, que pode ser côncava ou plana; corpo cilíndrico, onde é possível encontrar ranhuras, nas quais será depositado algum tipo de lubrificante necessário nesse tipo de projétil para não causar o processo de chumbamento no cano da arma; e ponta, que consiste na parte que não fica embutida no estojo do cartucho, apresentando diversos formatos como, por exemplo, ogival, ponta plana, ponta oca, cone truncado, pontiagudo, etc.

 


Figura 3. Estrutura básica de um projétil de liga de chumbo (copyright cedido pela Editora Millenium)7

 

 


Figura 4. Confronto microbalístico entre o projétil questionado (à esquerda da linha preta) e o padrão (à direita). As setas indicam as marcas mais evidentes que confirmam a semelhança entre os projéteis (copyright cedido pelo autor Eduardo Sato)9

 

Os projéteis encamisados são compostos por uma capa externa (camisa ou jaqueta), que pode ser de cobre, zinco, latão ou aço, com a função de lubrificante, e um núcleo, constituído de chumbo puro ou liga de chumbo. A camisa pode recobrir todo o corpo cilíndrico e ser fechada ou aberta na ponta.6,7,10 Outro tipo de projétil que vem sendo, frequentemente, produzido é o projétil de cobre. Por ser mais leve que o chumbo, pode atingir velocidades mais altas do que o projétil convencional causando uma capacidade de penetração no alvo mais eficiente.7

 

EXAMES BALÍSTICOS

Com o objetivo de elucidar um caso em que foi utilizada uma arma de fogo, a Justiça precisa identificar a arma utilizada, o proprietário e o portador da arma que causou o crime, podendo ser ou não o proprietário. Para isso existem dois tipos de identificação que podem ser utilizadas: identificação direta e indireta.7

Na identificação direta é efetuado um exame na própria arma para extrair suas características específicas. De acordo com o art. 5º da Portaria nº 07, Ministério da Defesa, de 28 de abril de 2006,16 as armas de fogo devem apresentar as seguintes marcações: nome ou marca do fabricante, nome ou sigla do país, calibre, o número de série e o ano de fabricação. Obtendo-se esses dados e com as características das armas (forma, tipo de cano e dimensões) o reconhecimento da arma poderá ser realizado.

A identificação indireta consiste na identificação da arma de fogo através de exames comparativos das características impressas nos elementos de munição, causadas pela arma. Para esse tipo de identificação, o elemento mais utilizado nas análises é o projétil, pois é ele que exibe uma possível impressão digital da arma de fogo. Segundo Tocchetto,7 esses exames podem ser macroscópicos, sendo realizada uma análise descritiva dos elementos de munição, ou microscópicos, onde faz-se uma comparação dos microestriamentos, encontrados no projétil, causados pelo cano da arma.

Os projéteis, ao serem ejetados das armas, podem apresentar três diferentes tipos de deformações: normais, que são principalmente as impressões causadas pelo interior do cano durante o seu trajeto ao longo dele; periódicas, causadas exclusivamente por revólveres devido ao mau alinhamento do tambor com o cano; e acidentais, que são todas as deformações que não foram causadas pela arma, podendo ser caracterizadas por um choque do projétil com algum material rígido como muro, portas, vidros ou o próprio alvo.7

Exames de comparação para identificação de arma de fogo a partir do projétil

No local de crime com uso de arma de fogo, os vestígios, geralmente, encontrados são projéteis ou estojos de munição deflagrados, fragmentos metálicos, resíduos da espoleta e, às vezes, até a própria arma do crime.17 Visando a identificação individual de uma arma de fogo específica e, eventualmente, o autor do delito, os exames de comparação das características e deformações dos projéteis são de extrema importância.

Inicialmente, o projétil, sendo o principal vestígio nesses tipos de crimes, é investigado tanto no local de crime como no corpo da vítima, podendo ser encontrado em bom estado para as análises balísticas, apresentando deformações previstas ou totalmente deformados, tornando os exames balísticos mais complexos ou impossíveis.

Quando a arma de fogo suspeita é encontrada, iniciam-se os exames balísticos por ela, sendo realizados exames de eficiência, segurança e uma descrição dos seus elementos e características a fim de determinar, entre outras especificações, sua marca, fabricante e calibre.18 Em alguns testes de eficiência, o disparo é realizado utilizando-se o mesmo tipo de munição questionada, de modo a se recuperar o projétil disparado apenas com as deformações provenientes do interior do cano da arma. Para que, posteriormente, esse projétil seja usado como padrão na comparação com a munição encontrada no local de crime ou no corpo da vítima.17,19

No caso de ser o projétil o vestígio encontrado, inicialmente, faz-se a análise macroscópica com o propósito de se comparar as características com as da arma suspeita. Desse modo, verifica-se seu peso, formato, comprimento, composição, calibre, diâmetro, raiamento causado pela arma, estriações, deformações e elementos de orientação. Pode-se também utilizar essa classificação como forma de conduzir a investigação e procura pela arma quando, ainda, não a tem sob custódia.18,20,21

Segundo Tochetto,7 esse tipo de exame pode apresentar divergências das características, não sendo possível relacionar o projétil questionado com o padrão ou a arma, excluindo-se, assim, a possibilidade deste projétil ter sido expelido pela arma suspeita, ou vice-versa. E pode, também, apresentar convergências, sendo necessário prosseguir nos exames e avançar para as análises microscópicas. O resultando positivo para as análises macroscópicas não é suficiente para a identificação individual e específica da arma investigada. Ele indica, apenas, uma classificação genérica manifestando a possibilidade do projétil questionado ter sido deflagrado pela arma suspeita, já que existem diversas armas que podem apresentar as mesmas características do projétil questionado.

As análises microscópicas, também chamadas de confronto microbalístico, consistem na comparação das marcas deixadas pela arma nos projéteis.19 Para a realização deste exame é necessário obter o projétil padrão (expelido da arma suspeita) e o projétil questionado (encontrado no local de crime). Se houver mais de um projétil questionado, deve-se iniciar a comparação entre eles, para determinar quais provêm de uma mesma arma. Em seguida, é pertinente fazer uma comparação microscópica entre os projéteis padrões, a fim de definir as características individuais e específicas de cada um. E, por último, realizar o confronto microbalístico entre o projétil padrão e o questionado, com o objetivo de correlatar a origem do projétil questionado.7,17,18,20

Tochetto7 enfatiza que as convergências entre os projéteis nem sempre serão totalmente perfeitas, pois sempre haverá diferenças entre cada disparo. Por isso, é importante atentar-se para características únicas e repetitivas que cada arma causa num projétil.

O equipamento utilizado é um microscópio de comparação, microcomparador balístico, onde é possível acoplar simultaneamente dois projéteis tendo suas imagens, no mesmo campo ótico das oculares, lado a lado para melhor visualização e comparação no monitor.7

Os resultados das análises balísticas são classificados como conclusão categórica, sendo positivos quando há semelhança entre os projéteis comparados, e negativos, quando não há semelhança. Há, ainda, a possibilidade de resultados inconclusivos que são os casos em que o projétil questionado não apresenta condições para um confronto microbalístico. Ao recolher os projéteis de um local de crime é possível que estes não apresentem requisitos para uma microcomparação balística, seja pela ausência de microelementos ou pela deformação causada no projétil que impede a visualização dos microelementos. Sendo assim, o resultado não será inconclusivo, mas o projétil será declarado como projétil sem microvestígios de valor criminalístico.7

Exames de composição química

Diante da ausência de condições nos projéteis para realizar os exames balísticos usuais, um estudo da composição química pode ser realizado. As análises da composição química têm como objetivo investigar a liga de chumbo utilizada na fabricação dos projéteis, avaliando quais são os elementos presentes, bem como sua quantificação, e com quais deles é possível uma diferenciação dos projéteis. Sendo assim, uma comparação da composição química dos projéteis questionado e padrão pode ser realizada.

Os principais elementos encontrados nas ligas de chumbo, para fabricação de projéteis, em estudos são: antimônio, estanho, arsênio, cobre, bismuto e prata. Mesmo apresentando concentrações pequenas é possível determinar variações entre as ligas. Outros estudos mostram que, apesar, de projéteis serem fabricados a partir da mesma liga, podem apresentar diferenças entre os lotes e, por isso, o estudo dessa variação torna-se relevante.2,22-24 Apesar de avanços na balística mostrarem o crescente uso de munições limpas (sem o uso de pólvora preta na sua composição), estudos mostram que a mistura iniciadora continua contendo os principais elementos encontrados nas ligas de chumbo: Ba, Sb e Pb. Essa mistura, segundo Silva et al.,24 permanece sendo uma das principais fontes de indícios que levam ao autor do crime. Além desses elementos, os resíduos encontrados no suspeito e nas munições também podem conter outros elementos como: Cu, Si, Al, Fe, S, P, K, Cl, Mg, Zn e Ni.24

Segundo Koons e Buscaglia,25 a polícia federal norte-americana (FBI) realizou, entre 1989 e 2002, 23054 análises de projéteis de chumbo, recebidos como evidência. Dessas, foram 1837 que continham resultados de As, Ag, Bi, Cd, Cu, Sb e Sn que foram comparadas par-par, resultando 1.686.366 combinações possíveis, chegando à conclusão que a frequência de coincidência era de 1 em 7284, concluindo que a comparação da composição elementar de projéteis de chumbo seria uma evidencia confiável e significativa para fins de comparação de evidências em casos de crime.

Entretanto a aplicação da análise química elementar como evidência forense não é livre de controvérsia. Em 1979, Guinn, baseado na concentração de Ag e Sb nos fragmentos dos projetis, envolvidas no assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy (JFK), concluiu que elas proviam de dois projetis diferentes.26 Suas conclusões foram referendadas em 2006 por Rahn e Sturvidam27 mas, no entanto, suas conclusões foram refutadas por Randich e Grant,28 segundo os quais, os fragmentos poderiam ter sido originados de 2 a 5 projéteis diferentes.

Randich et al.23 examinaram os resultados da análise elementar de projéteis de calibre .22, o calibre mais popular nos Estados Unidos, dos dois maiores fabricantes desse país ao longo de mais de 10 anos. Ao encontrar lotes diferentes com a mesma composição química, suas conclusões refutam a hipótese de que fragmentos balísticos com a mesma composição química da encontrada com os suspeitos tenham, necessariamente, o mesmo fabricante/lote. A conclusão correta nesses casos deveria ser que eles podem ter ou devem ter a mesma origem. Por outro lado, composições químicas distintas podem ser usadas como prova para inocentar um suspeito.

Durante muitos anos o FBI usou a análise elementar como prova condenatória, irrefutável, de suspeitos de crimes envolvendo armas de fogo, baseado na hipótese de que fragmentos balísticos com a mesma composição química da encontrada com os suspeitos tenham, necessariamente, o mesmo fabricante/lote. Entretanto, em 2004, o mesmo FBI encomendou um estudo ao National Research Council (NRC) para examinar a validade da comparação de projéteis de chumbo baseada na composição química. O relatório resultante continha as seguintes conclusões (Committee on Scientific Assessement of Bullet Lead Elemental Composition Comparison, 2004):29 (i) os dados existentes não permitem qualquer conclusão de que um projetil venha de um caixa de munição em particular. Desta forma, referências a caixas de munição devem ser evitadas; (ii) a composição elementar apenas não permite uma conclusão sobre a data de fabricação da munição; (iii) padrões detalhados da distribuição de munições são desconhecidos, sendo necessário um estudo sobre a distribuição geográfica de munições.

O comitê também concluiu que a comparação de projéteis de chumbo baseada na composição química é suficientemente confiável para apoiar o testemunho de que os projetis da mesma fração do lote com composição química indistinguível são mais propensos a serem analiticamente indistinguíveis do que projéteis de frações de lote.23,29 O comitê também considerou que a determinação da composição isotópica de chumbo melhora a capacidade de comparação entre a evidência da cena do crime com os projetis de um suspeito.29 Diante dessas conclusões, o FBI descontinuou o estrito uso da composição elementar de munições de chumbo como prova condenatória.30

Com base no Web of Science, usando como palavras-chave "bulled lead" e "elements" ou "elemental", avaliando os resumos dos artigos e as referências, foram encontradas apenas 37 publicados pertinentes, sendo a primeira em 196731 e duas as últimas em 2021,32,33 sendo uma delas produzida por autores brasileiros com base na fluorescência de raios-X e técnicas quimiométricas32 (Figura 5). Talvez a dificuldade no acesso a tal tipo de amostra e decisão do FBI expliquem o baixo número de publicações.

 


Figura 5. Frequência anual de publicações, em periódicos indexados, relacionados à análise elementar de projéteis de chumbo

 

Diversas técnicas analíticas são capazes de analisar projéteis e quantificar os elementos, sendo as mais utilizadas: análise por ativação neutrônica instrumental (INAA),14,26,27,31,34-44 espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS),15,45-50 espectrometria de emissão ótica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES),51-58 espectrometria de absorção atômica (AAS)59 e fluorescência de raios-X.60

Embora sua aplicação esteja limitada àqueles laboratórios que tenham acesso à um reator nuclear para irradiar as amostras, o fato do chumbo não produzir um emissor gama, quando irradiado com nêutrons, torna a análise por ativação neutrônica instrumental (INAA), particularmente, interessante para esse tipo de matriz. O primeiro artigo publicado sobre a análise elementar de projéteis de chumbo, por Lukens e Guinn31 tratava da aplicação da INAA para esse fim. Foram encontradas quatorze publicações (40%) com esse tipo de aplicação da INAA, sendo a última em 2011 por Sedda e Rossi.13

Por outro lado, a espectrometria de absorção atômica (AAS) encontra pouca aplicação para esse fim tendo sido encontrada apenas uma referência datada de 1970.59 Outra técnica, inicialmente, proposta para esse fim, em 1975, que não encontrou muita ressonância foi a espectrometria de massa com fonte de centelhamento (SSMS).61

Em 1983, Carpenter51 aponta a possibilidade do uso da espectrometria de emissão ótica com plasma indutivamente acoplada (ICP OES) em estudos forenses, mas sem tratar, especificamente, de projéteis de chumbo. Em 1988, Peters et al.52 descrevem a aplicação da ICP OES na análise de projéteis de chumbo com a determinação de Ag, As, Bi, Cu, Sb e Sn, tendo comparado, com sucesso, o resultado obtido através da INAA para 150 amostras. Os artigos de Schmitt et al.,54 Lalchev et al.,55 Koons e Grant,56 Väisänen et al.57 e Suzuki et al.58 descrevem aplicações semelhantes da ICP OES.

Com o eventual uso de ligas Pb-Sn no preparo improvisado de artefatos explosivos terroristas nota-se o aparecimento de publicações relacionadas para esse tipo de liga de chumbo como o artigo de Huang et al.50 aplicando a técnica de ICP-MS e de MacConnache et al.33 com ETV-ICPOES.

A aplicação da espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS) aparece no trabalho de Suzuki e Marumo,45 no qual a matriz de Pb é separada através da precipitação do PbSO4, sendo relatada a determinação, com sucesso, de Ag, As, Bi, Cu e Sn. Também, empregando a precipitação do chumbo, Dufosse e Touron46 relatam a determinação de Ag, As, Bi, Cd, Cu, Ni, Sb, Sn e Zn em ligas de chumbo, adicionalmente, foi incluída a análise isotópica do Pb. Essa junção da análise isotópica do chumbo com a análise elementar, como forma de aumentar a capacidade de discriminação entre amostras é relatada por outros autores.47-49 Embora não haja uma interferência isotópica do chumbo nos elementos como Ag, As, Bi, Cd, Cu, Ni, Sb, Sn e Zn, a separação ou não é um ponto, soluções muito concentradas podem levar a uma supressão de sinal enquanto soluções muito diluídas influenciam no limite de deteção.15 A precipitação do chumbo é a solução mais empregada, já a separação em linha do chumbo é descrita por Yourd et al.,15 enquanto Ulrich et al.49 relatam a determinação direta de 12 elementos com uma concentração de chumbo na faixa de 4 mg L-1.

A título de exemplo, alguns casos que relatam a aplicação da composição química de fragmentos balísticos na perícia forense são relatados a seguir:

Em 2011, Sedda e Rossi13 demonstraram como a análise da composição química de fragmentos balísticos pode ser uma ferramenta muito útil na sua identificação. Este estudo teve como objetivo, a partir de um caso exposto, identificar a origem dos fragmentos balísticos retirados do corpo de uma vítima comparando-os com projéteis de munições de posse do suspeito sob investigação. Foram utilizados, como padrões, projéteis de 5 tipos de munição apreendidos e analisados por ativação neutrônica. A comparação do chumbo partiu do pressuposto que, para cada lote, a composição química seja semelhante, não apresentando grandes variações. Dessa forma, esse estudo teve ênfase na diferenciação a partir da variação de outros elementos presentes em menores concentrações. Foi possível determinar diversos elementos, como: Ag, Sb, Cd, Cu, As, Na, Nb e Pb mas os que apresentaram maior variabilidade e, com isso, maior importância para o estudo foram: Ag, As, Sb e Cd. Com isso, foi traçado um perfil comparativo entre os projéteis, levando em consideração esses elementos e, em seguida, comparado com a composição química do projétil retirado da vítima. Os pesquisadores conseguiram identificar à qual munição suspeita o projétil retirado da vítima se assemelhava, em sua composição, e confirmaram que a composição química das munições pode ser uma abordagem apreciável para elucidar esse tipo de investigação. Esse resultado pode ser visualizado de forma esclarecedora na Figura 6.14

 


Figura 6. Gráfico componente principal 2 (PRINC2) versus componente principal 3 (PRINC3) envolvendo munições suspeitas e fragmentos retirados do corpo de uma vítima (adaptado de Sedda e Rossi)13

 

Segundo Dufosse e Touron46 existem duas orientações possíveis acerca da composição química de um projétil: a análise através do percentual de Sb, utilizado como endurecedor, e a presença de oligoelementos contidos na liga de chumbo como impurezas. Nesse estudo, o ICP-MS foi utilizado como técnica analítica, sendo a análise qualitativa para identificar os oligoelementos Ni, Cu, Zn, As, Ag, Cd, Sn e Sb realizada em amostras certificadas, para validação; em três amostras de projéteis, oriundas de três suspeitos do crime exposto no estudo; e em uma amostra do projétil retirado do corpo da vítima. Os resultados mostraram que duas amostras 1 e 2, respectivamente projétil do corpo da vítima e projétil de um dos suspeitos, continham a mesma liga de chumbo sem a presença de Sb, enquanto as amostras dos outros dois suspeitos (3 e 4), consistiam numa liga de chumbo-antimônio. Em relação aos oligoelementos, as amostras 1 e 2 também apresentaram semelhança quanto à ausência de alguns elementos estudados. Esses resultados comprovam que projéteis de uma mesma marca podem conter a mesma composição química e, com isso, ser possível a identificação de um projétil questionado. Os pesquisadores analisaram também outros 44 cartuchos de diferentes marcas e concluíram que é possível encontrar projéteis de diferentes fabricantes feitos com a mesma liga de chumbo.46

Ulrich et al.49 estudaram projéteis e fragmentos coletados de dois casos de homicídios. Os projéteis encontrados estavam deformados, impossibilitando os exames balísticos convencionais, por isso a análise composição química foi fundamental na elucidação dos casos. As análises foram feitas nos projéteis retirados dos corpos das vítimas, nos projéteis que estavam em posse dos suspeitos e em projéteis de armas de clube de tiro, provavelmente, frequentado pelos suspeitos. Com a comparação dos projéteis foi possível identificar quais possíveis marcas originaram os projéteis letais. O indicador mais forte na diferenciação da composição química foi a concentração do Sb, isso porque na fabricação dos projéteis este é um dos elementos monitorados dentro dos limites especificados pelos fabricantes.

Importante notar que, os resultados da análise elementar devem, também, ser utilizados como ferramenta para inocentar potenciais suspeitos como relatado por Stupian et al.48 em dois casos em que a composição elementar e a isotópica de chumbo dos projéteis, coletados na cena do crime, diferiam, significativamente, daquelas das munições encontradas com os suspeitos.

A composição química, também, pode ser estudada nos resíduos de tiros, que podem ser encontrados nas mãos dos suspeitos ou nos ferimentos das vítimas. A diferença entre resíduos e fragmentos dos projéteis deve-se à sua origem, pois os resíduos de tiros evidenciam fragmentos contidos em toda a munição (e suas partes) e não só dos projéteis.

Um estudo que mostra a relevância dessa análise foi feito em amostras residuográficas. O objetivo foi detectar elementos adicionais característicos dos resíduos de tiro a fim de aumentar a confiança na comparação com os resíduos da ferida de uma vítima. A análise foi realizada por ICP-MS e foi possível identificar diferenças entre as munições com e sem estojo. Os elementos que apresentaram uma variação significativa foram: Mg, P, K, Fe, Cu, Zn, Sb, Ba e Pb. Esses metais são característicos da pólvora, estojo ou do próprio projétil. Os elementos mais significativos foram Sb, Ba e Pb que provêm da mistura iniciadora.16

 

ISÓTOPOS DE CHUMBO (PB) NA BALÍSTICA FORENSE

A análise isotópica de chumbo é, atualmente, comumente utilizada nos estudos sobre a origem de artefatos arqueológicos e é uma ferramenta bem estabelecida na arqueometalurgia.62 Em linhas gerais, seu fundamento está baseado no fato de três dos isótopos de chumbo terem origem radiogênica (206Pb, 207Pb e 208Pb), desta forma as razões isotópicas, incluindo o 204Pb, o único não radiogênico, irão depender da concentração de urânio e tório no minério de origem do chumbo, bem como da idade geológica desse minério.63 Yip et al.64 apresentam uma interessante revisão das aplicações da determinação das razões isotópicas de chumbo e das técnicas analíticas utilizadas. Seu uso na identificação de projéteis de chumbo foi proposto por Stupian em 1975, que encontrou diferenças marcantes entre munições norte-americanas e suecas.65 Entretanto, o número encontrado, na Web of Science, de publicações específicas sobre a determinação das razões isotópicas de chumbo em projéteis foi relativamente pequeno, apenas 15.45-50,65-74 A última delas, de 2022, apresenta um estudo de arqueologia militar comparando a origem dos projéteis utilizados no Japão durante o século 19 nas diferentes guerras civis ocorridas.74

As análises isotópicas de chumbo têm sido utilizadas em diversas áreas de estudos forenses como um bom determinante para a fonte de Pb do projétil. A composição isotópica, em determinado estudo, reflete a mistura das fontes de Pb utilizadas na fabricação do projétil, proporcionando características e proporções específicas, permitindo o seu rastreamento.74

No estudo realizado por Stupian,65 projéteis de munições de calibre .38 (ou 9 mm) de seis fabricantes diferentes foram utilizados e suas composições isotópicas medidas. Os resultados mostraram as relações entre 206Pb/204Pb e 206Pb/207Pb dos projéteis analisados e de algumas minas comercialmente importantes. Com isso, foi possível identificar, a partir das minas, três diferentes períodos geológicos, sendo cada fabricante diferenciado de acordo com cada período geológico da mina, possibilitando, dessa forma, prever a provável origem do chumbo utilizado nos projéteis.65

Dufosse et al.45 estudaram a identificação da origem de projéteis através das relações isotópicas do Pb ao analisar o projétil retirado do corpo da vítima (amostra 1) e três projéteis de suspeitos diferentes (amostras 2, 3 e 4). Os resultados mostraram que as amostras 1 e 2 não apresentaram diferenças nas relações isotópicas, ou seja, suas razões se assemelharam, sendo presumível a origem do projétil questionado. Os pesquisadores também mediram a razão isotópica de dez munições de diferentes marcas e concluíram que as amostras derivadas do mesmo fabricante não apresentaram diferenças significativas, porém, entre as munições de diferentes fabricantes houve diferenças, confirmando a capacidade do método em diferenciar a origem do Pb que produziu as munições.

No trabalho de Buttigieg et al.67 foram coletadas amostras de projéteis de baixo calibre oriundas de dez fabricantes diferentes em oito países. O objetivo era confirmar que as diferentes localizações geográficas apresentavam diferenças isotópicas entre os projéteis, dos diferentes locais, devido às diferentes origens do chumbo utilizado na sua fabricação. Esse estudo apresentou dois resultados bem evidentes quanto à origem dos projéteis. O primeiro mostrou a relação dos isótopos 207Pb/206Pb e 208Pb/206Pb, onde os projéteis puderam ser diferenciados de acordo com os países, exceto os projéteis oriundos dos fabricantes da República Tcheca e dos EUA, quando suas razões isotópicas se sobrepuseram, não sendo possível uma diferenciação entre eles. O segundo resultado apresentou a relação 208Pb/204Pb e 207Pb/204Pb, mostrando, dessa vez, uma diferença entre as razões isotópicas dos projéteis, antes, sobrepostos. Dessa forma, o estudo concluiu e confirmou a possibilidade do método como determinante na origem dos projéteis.67

Outro estudo, levando em consideração amostras de cenas de crime, foi realizado em 2004 por Ulrich et al.48 Amostras de dois crimes e de armas de clube de tiro do suspeito foram coletadas. O objetivo era identificar qual a semelhança das armas suspeitas encontradas com os projéteis questionados retirados das vítimas. Os resultados encontrados confirmaram que as razões isotópicas para os projéteis do mesmo tipo foram semelhantes, inclusive o mesmo tipo de projétil proveniente de outro fabricante apresentou razão isotópica similar. Contudo, o projétil questionado também apresentou razão isotópica próxima de uma das marcas estudadas, podendo ser relacionado com a mesma origem.

Além dos projéteis em si, a análise elementar e isotópica de chumbo no tecido ao redor das feridas, provocadas por tiros fatais, foi empregada para determinar o tipo de munição empregada, não encapsulada, semi encapsulada e totalmente encapsulada.70

Um estudo, realizado em 2014,72 teve como objetivo avaliar a variação das razões isotópicas de Pb entre os projéteis dentro de um mesmo lote e entre diferentes fabricantes. Foram analisados 22 projéteis de calibre .22 de vários fabricantes de vários países. Para as análises dos projéteis da mesma caixa, foram selecionados cinco projéteis de cada uma delas, e para o estudo entre os fabricantes, foram coletados cinco projéteis de cada um. Os resultados expostos mostraram, nitidamente, que os projéteis de diferentes fabricantes possuíam diferenças significativas, sendo possível a identificação de cada fabricante a partir da razão isotópica de chumbo nos projéteis (Figura 7). Além disso, com os resultados foi possível diferenciar algumas caixas de munição diferentes, mesmo quando elas pertenciam ao mesmo fabricante. No entanto, para uma melhor diferenciação entre as caixas, fez-se necessária uma análise estatística mais elaborada. Sendo assim, os autores concluíram que a análise dos isótopos de chumbo, para fins de investigação forense, fornece precisão suficiente para identificação de projéteis questionados.72

 


Figura 7. Aplicação da análise isotópica de chumbo como ferramenta na diferenciação de munições para os diferentes fabricantes (adaptado de Sjastad et al.)72

 

Embora esse método apresente resultados promissores para a elucidação de casos envolvendo projéteis, uma combinação com a análise de composição química torna o grau de diferenciação e identificação muito mais preciso. Alguns dos estudos apresentados nessa sessão, são compostos dessa combinação, confirmando com mais eficiência a determinação da origem dos projéteis questionados e analisados.48-50,70

 

CONCLUSÕES

Este artigo apresenta uma revisão dos conceitos da Balística Forense, bem como as principais análises utilizadas em uma perícia balística. Embora técnicas consolidadas sejam utilizadas na perícia, e reconhecidas pela criminalística, existem métodos que podem melhorar a investigação de um caso que, antes, era concluído como negativo devido às condições escassas para a análise.

Os exames balísticos conhecidos, macro e micro, são muito eficientes e atendem ao que se propõem. No entanto, dificuldades nos locais de crime em se obter projéteis em bom estado, para análise, tem sido cada vez mais preocupante, pois a ausência das características necessárias gera resultados negativos. Para isso, estudos da composição química dos projéteis e análises isotópicas de Pb têm sido de grande importância.

A composição química dos projéteis, apesar de ser majoritariamente chumbo, apresenta outros elementos que culminam em potenciais variáveis na diferenciação das ligas de chumbo utilizadas na fabricação dos projéteis, dependendo do local de sua origem. Do mesmo modo, também, a análise isotópica de Pb tem mostrado variações capazes de determinar a sua origem e diferenciar marcas, tipos e fabricantes dos projéteis.

Tendo em vista essas possibilidades, uma comparação do perfil químico e isotópico de um projétil, retirado do corpo de uma vítima, com projéteis, sejam encontrados com os suspeitos ou adquiridos dos diversos fabricantes, pode conduzir à identificação e determinação da sua origem, promovendo a elucidação de casos antes não viáveis.

 

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