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Os desafios enfrentados pelos editores de periódicos científicos: plágio e produção de pesquisa falsa |
Giovanna Machado; Jorge M. David; Nelson H. Morgon
Editores de QN Passados dez anos da divulgação das "Diretrizes básicas para a integridade na atividade científica" pelo CNPq,1 novos desafios se apresentam para os Editores de periódicos científicos, pesquisadores e sociedades científicas. Resumidamente, aquele documento descrevia alguns pontos que atualmente são consenso na comunidade, tais como, não cometer plágio, não modificar dados obtidos, dar crédito somente as pessoas que contribuíram significativamente no desenvolvimento do estudo, citar as fontes bibliográficas corretas, entre outros. Plágio continua a ser um problema preocupante nas publicações científicas, mas em menor escala. Atualmente, com o desenvolvimento tecnológico e a publicação de manuscritos digitais, é possível verificar a semelhança de um texto com outros estudos previamente publicados. Existem diversas ferramentas auxiliares disponíveis, sendo as mais conhecidas o Grammarly, Plagly e Enago. A plataforma SciELO disponibiliza para Química Nova o iThenticate, uma poderosa ferramenta utilizada por várias outras editoras acadêmicas. Ou seja, os manuscritos submetidos são regularmente avaliados no conteúdo e forma. Todavia, há necessidade de separar o joio do trigo, como somos humanos, temos propensão ao erro. Um erro de interpretação de dados, anotação errônea de dados ou captura de imagens durante uma investigação é comum e pode ser considerado um equívoco ou "erro honesto". Esse tipo de erro em pesquisa pode ser sanado pelos próprios autores publicando erratas ou outros trabalhos científicos posteriores que corrijam a informação original. Vale salientar, que não é considerado fraude tratamento em imagens ou espectros, tal como corrigir a linha de base, mudar luminosidade numa imagem de modo a torná-la mais clara e de fácil visualização. No entanto, há uma grande preocupação com a fabricação de dados e resultados. Recentemente, um levantamento de potenciais estudos fraudulentos sugeria a existência de cerca de 800 manuscritos na área de cristalografia publicados em periódicos com enfoque em química, no período de 2015-2022.2 Um ano antes, a editora Royal Society of Chemistry suspeitou da existência de manuscritos publicados em diferentes periódicos. Embora fossem de autores e instituições distintos eles possuíam títulos similares e conteúdo suspeitos. Assim, 68 artigos foram retratados (retirados da publicação). A partir desses exemplos foi descoberto que muitas editoras estavam sendo vítimas de uma indústria de produção de pesquisa falsa, chamada de fábrica de artigos científicos ("paper mills").3 Segundo este artigo, existem serviços na internet que afirmam ter intermediado acordos de autoria para publicação em periódicos indexados nas bases de dados Web of Science e Scopus mediante pagamento de uma taxa. Assim, inserem nomes de pesquisadores em artigos que estão em processo de serem aceitos para publicação em periódicos com bons fatores de impacto. O pesquisador que sujeita fraudar a ciência normalmente o faz para incrementar a carreira, maior facilidade de colocação em universidades que exigem produção científica anterior substanciosa e melhoria salarial, pois existem países em que o salário mensal ou anual do pesquisador está diretamente ligado à sua produção científica de qualidade. Aparentemente essas fábricas de manuscritos simulam espectros, gráficos ou imagens utilizando programas de computador. A parte experimental é mal apresentada e as discussões são genéricas e muito similares. Normalmente são submetidos ao mesmo tempo para vários periódicos com enfoque multidisciplinar. Quando um periódico de maior FI não recusa, o manuscrito está a meio caminho para ser aceito. Assim, além da falsificação de dados, ocorre a fabricação deles sem nenhuma base científica. Infelizmente, os mecanismos que as editoras atualmente possuem não conseguem detectar espectros ou imagens geradas artificialmente sem uma análise pericial detalhada. Infelizmente, a partir da descoberta da fraude, os artigos fraudulentos são posteriormente retratados, mas podem continuar sendo citados em estudos posteriores como se fossem estudos científicos válidos. São conhecidos como "zombie papers". Segundo Buchi,4 isso se deve principalmente à falta de uma sinalização clara e consistente dos artigos retratados e ausência de um repositório central, para todos esses artigos. Isso permitiria a verificação do status. Algumas ferramentas de gerenciamento de referências, tais como Mendeley, Zotero e End Note, já possuem informações para artigos que foram retratados. Aos autores que não utilizam tais ferramentas, cabe, durante a preparação do manuscrito, checar a informação (de fontes primárias ou secundárias) se são confiáveis e se a editora não removeu e/ou foi retratado. Aos assessores cabe notificar aos Editores ou Editores Associados, em espaço confidencial. Assim, os Editores podem solicitar ajuda profissional ou esclarecimentos para os autores. Recentemente, Química Nova tem solicitado o DOI ou link de todas a referências, o que facilita a identificação de "zombie papers". Entretanto, ainda dependemos da ajuda preciosa dos assessores, leitores e Editores associados para identificar possíveis desvios na integridade científica dos manuscritos submetidos. O maior impacto negativo, quando a publicação fraudulenta é descoberta, sem dúvida seria para o autor. Quanto ao periódico, obviamente pode causar um impacto na sua reputação caso haja muitos casos de publicações de artigos fraudulentos. No entanto, se a Editoria agir, impedindo sua publicação ou retirando o manuscrito do exemplar publicado (retratando ou removendo), irá seguramente demonstrar inequivocamente que o periódico está comprometido com o rigor científico.
REFERÊNCIAS 1. https://www.gov.br/cnpq/pt-br/composicao/comissao-de-integridade/diretrizes, acessada em Setembro de 2023. 2. https://www.chemistryworld.com/news/800-crystallography-related-papers-appear-to-stem-from-one-paper-mill/4015589.article, acessada em Setembro de 2023. 3. https://www.chemistryworld.com/news/royal-society-of-chemistry-retracts-70-fake-paper-mill-articles/4013072.article, acessada em Setembro de 2023; Chawla, D. S.; Chem. Eng. News 2023, 101, [Link] acessado em Setembro de 2023 4. Bucci, E. M.; Cell Death Dis. 2019, 10, 189. [Crossref] |
On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
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