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Avaliação dos níveis de níquel no ar e na urina de moradores próximos a uma indústria e depósito de rejeitos siderúrgicos no município de volta redonda, RJ Nickel evaluation in the air and in the urine of people who live near to an industry and a steel tailing deposit in the city of volta redonda, RJ, Brazil |
Renato Marçullo BorgesI; Ruan Victor Ferreira SoaresI; Regina Aderne GomesI; Maria de Fátima Ramos MoreiraI; Ricardo J. CassellaII,*
I. Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz, 21041-210 Rio de Janeiro - RJ, Brasil Recebido em: 09/06/2023 *e-mail: rcassella@id.uff.br Steelmaking is an important industrial branch, but it is also associated with large emissions of pollutants into the environment, especially nickel, which is used in the manufacturing process of metallic alloys and steel. Nickel is generally associated with particulate matter and, in industrial regions, its concentration can be 14 times higher than those observed in non-industrialized regions. This study was carried out in a residential area located in the city of Volta Redonda, in the state of Rio de Janeiro, which is impacted by industrial steel activity and by a deposit of steel slag tailings. The goal of this study was to measure air contamination and its impact on the health of the population by determining Ni in the total particulate matter and in the urine of 211 residents. The results obtained showed that the average values of Ni in the atmospheric air varied in the range of 1.3-13.2 ng m-3, with a maximum value of 20 ng m-3, which is comparable to other industrialized regions. In turn, Ni concentration in the urine of the residents presented an average concentration of 3.61 μg L-1, which is higher than the values normally found in the urine of occupationally exposed persons. INTRODUÇÃO A atividade industrial é peça fundamental no desenvolvimento de um país trazendo benefícios materiais, relativos a produção de bens de consumo e sociais, promovendo melhoria das condições de vida da população. Entretanto, associada a esses benefícios, geralmente, está a contaminação ambiental, responsável por impactar negativamente toda a biota. A siderurgia é um ramo industrial importante para o país, mas está associada também a grandes emissões de contaminantes para o ambiente, especialmente o níquel, que faz parte do processo de fabricação de várias ligas metálicas e aço,1,2 conferindo a esses materiais propriedades importantes como resistência contra corrosão e calor, dureza e força.2 O processo produtivo de aço e ferro é especialmente desafiador do ponto de vista ambiental, pois resulta no lançamento de resíduos no ambiente como partículas grosseiras, devido a movimentação de pilhas de minério ou ainda pela liberação de partículas finas, provenientes dos processos de alta temperatura, como fabricação de coque, sinterização, altos fornos e fornos básicos de oxigênio.3-5 Partículas finas de níquel ocorrem no ambiente em aerossóis (menor parte) e na forma de material particulado em suspensão, especialmente em partículas com diâmetros entre 0,6 e 10 μm.6 O impacto dessas partículas sobre a saúde humana é dependente de suas propriedades físicas e químicas, especialmente no caso da fração respirável, caracterizada por partículas com diâmetros menores do que 10 μm (MP10), que podem representar até por 80% do material respirável.7 Estas partículas podem ser transportadas facilmente para os alvéolos e para a corrente sanguínea, e ainda permanecer em suspensão na atmosfera por longos períodos até serem depuradas.4,8 Partículas menores que 1 μm penetram na região alveolar dos pulmões onde a difusão e precipitação eletrostática ocorrem, e essa deposição pode sofrer variação de acordo com a idade e condição respiratória.2 Estudos provam que o material particulado está associado a efeitos adversos à saúde humana, mesmo em níveis abaixo da legislação. Vale destacar que o tamanho da partícula é diretamente ligado ao seu potencial para causar esse dano.9 O particulado atmosférico, em geral, contém Ni, além de outros metais. Em regiões vizinhas de indústrias siderúgicas4 ou em áreas de intensa atividade industrial10,11 as concentrações de Ni podem ser de 3,4 a 14 vezes maior do que em localidades não afetadas por essas atividades.4,10,11 Na Europa, concentrações de Ni observadas no ar atmosférico de regiões industriais variam de 2 a 50 ng m-3 enquanto que em regiões rurais os níveis de Ni no ar decrescem, variando de 0,4 a 2 ng m-3.12 No Brasil, foram observadas concentrações médias de Ni da ordem de 9,7 ng m-3 em regiões industriais, enquanto que em regiões urbanas, o valor máximo encontrado foi de 2,1 ng m-3.11 Entretanto, a despeito da sua detecção no ambiente, não há na legislação brasileira um controle sobre os seus níveis tanto em regiões urbanas quanto industrializadas.13 Em regiões muito industrializadas, esses níveis podem alcançar até 180 ng m-3.14 Segundo a Agência de Proteção Ambiental da Comunidade Europeia e o Ministério do Meio Ambiente e Combate às Mudanças Climáticas (Canadá), a média anual observada de Ni no ar não deve ultrapassar 20 ng m-3.15,16 O níquel é considerado um elemento essencial para algumas espécies animais. Alguns trabalhos também sugerem que ele desempenha relevante papel na nutrição humana.14,17 Porém, a exposição crônica a concentrações elevadas desse elemento pode levar a problemas respiratórios como asma específica, diminuição da capacidade pulmonar e ainda bronquite, enfisema pulmonar, diversos graus de hiperplasia de células pulmonares, fibrose e formação de pólipos nasais.2,14,17,18 Pode ainda iniciar fenômenos autoimunes e induzir à imunossupressão.14 Seus efeitos são observados a nível celular tais como, dano ao DNA, aberrações cromossômicas, instabilidade genômica, inibição do reparo de DNA, alteração na metilação de DNA e modificação da histona.18,19 Foram observados que em trabalhadores expostos a ambientes contendo poeiras metálicas de Ni ou aerossóis ocorreu um aumento na incidência de úlcera nas mucosas, perfuração de septos nasais, redução na acuidade olfativa e ainda canceres nasais.18 Por isso, devido ao grande números de evidências epidemiológicas, a IARC (International Agency for Research on Cancer) classificou o níquel metálico como possível carcinogênico para humanos (Grupo 2B) e seus compostos foram classificados como carcinogênicos em humanos (Grupo A).2,20 Cerca de 35% do Ni absorvido por via inalatória é retido nos pulmões e levado ao sangue. O restante é engolido, expectorado ou permanece no trato respiratório.2 A fração absorvida é distribuída para os rins, fígado, coração, cérebro, baço, adrenais, tireoide e pâncreas,2,18 e após ser metabolizada é excretada principalmente pela urina, sendo a saliva e o suor as forma secundárias.18 Assim, a urina e o soro são os biomarcadores mais usuais na avaliação da exposição a Ni.2 Entretanto, a correlação das concentrações de Ni nesses fluidos biológicos com a exposição é baixa e parece ser dependente das espécies ao qual o indivíduo foi exposto.2,14,18 Correlações positivas entre o nível de exposição pelo ar e na urina e soro foram observadas apenas quando avaliadas em grupos e não de forma individual, o que torna esta forma a mais confiável de avaliação da exposição.2 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os valores de referência para níquel em urina reportados são de 1 a 2 μg L-1, sendo estes níveis não influenciados por idade ou gênero, mas pela existência (ou não) de diferentes condições de saúde (infarto do miocárdio, derrame agudo, queimaduras e cirrose hepática), que alteram a cinética de metabolismo.2,14 O município de Volta Redonda está localizado ao sul do estado do Rio de Janeiro e é considerado um dos municípios mais industrializados do estado (0,2 indústrias km-2).21 Possui mais de 10 tipos de indústrias de grande e pequeno porte, como siderúrgicas, cimenteiras, produção de gases, plástico, têxtil, química e de alimentação.21 Sua principal indústria é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que está em atividade desde 1946, com atuação nas áreas de siderurgia, mineração, logística, cimento e energia. Incialmente uma empresa estatal, a CSN foi privatizada em 1993 trazendo uma série de impactos econômicos e mudanças sociais na região.22 Atualmente, cerca de 30% do PIB de Volta Redonda ainda é oriundo do ramo siderúgico23 e a influência das atividades da CSN na economia local faz com que o município seja considerado como uma cidade industrial.24 Como resultado das atividades industriais em Volta Redonda, observou-se a ocorrência de contaminação ambiental. Há a emissão de gases e material particulado, que contaminam a atmosfera.25,26 A geração de resíduos em larga escala necessitou de áreas para seu acondicionamento e, assim, depósitos de resíduos industriais perigosos foram criados e utilizados entre 1984 e 1999, sem licenciamento ambiental adequado. Posteriormente, as áreas contaminadas foram liberadas para a construção de condomínios por programas populares de moradia23,27 e, hoje, são potenciais fonte de doenças e agravos à saúde dos moradores e de várias comunidades circunvizinhas.28,29 Além disso, depósitos de rejeitos, ainda ativos estão localizados vizinhos a área de estudo, o que agrava ainda mais o risco ao qual a população está sujeita.23,30 De fato, um estudo preliminar realizado entre 2000 e 2013, em um condomínio com 2100 moradores, construído sobre um desses depósitos, mostrou que as amostras de solo e água subterrâneas apresentaram contaminações relativamente elevadas de PCBs (bifenilas policloradas), metais e BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos),21,27,31,32 substâncias reconhecidamente nocivas e com elevado potencial carcinogênico. Por sua vez, esses estudos não tiveram como foco a exposição oriunda da contaminação atmosférica e tampouco foi investigado o impacto da contaminação por Ni na saúde da população exposta. Assim, este estudo buscou avaliar o impacto da atividade industrial e do depósito de rejeitos sobre saúde desta população através da determinação da concentração de níquel no ar e os níveis desse metal encontrados na urina desses moradores.
PARTE EXPERIMENTAL População e área de estudo A população estudada foi constituída por 211 moradores de um condomínio residencial construído sobre um antigo depósito de rejeitos industriais, já desativado, próximo à planta industrial de produção de aço e ferro e vizinha a um depósito de resíduos siderúrgicos ainda ativo. As campanhas de coleta ambiental foram iniciadas em 2016 e se sucederam até o ano de 2018, em 4 pontos fixos de coleta (entrada das ruas 180 e 340 e final das ruas 220 e 225). Uma vez que a chuva pode impactar na diminuição dos níveis dos contaminantes no ar devido a incorporação do material particulado (MP) à chuva,33 ficou estabelecido um critério para a coleta respeitando-se um intervalo mínimo sem precipitações de 3 dias anteriores a data da coleta. A coleta de amostras biológicas ocorreu nos anos de 2017 e 2018, totalizando 211 amostras de urina. A Figura 1 mostra a localização do condomínio e suas possíveis fontes de emissão.
Figura 1. Disposição espacial do condomínio e as possíveis fontes de emissão de Ni (fonte: Google Earth, acessado em 10/02/2023)
Equipamentos Para a determinação de Ni nos extratos ácidos obtidos na coleta do ar foi utilizado um espectrômetro de massas com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS), marca Thermo Scientific (Bremen, Alemanha), modelo Xseries 2, utilizando-se um amostrador automático ASX-520 (Teledyne CETAC) e um nebulizador concêntrico do tipo Miramist em PTFE®. A determinação de Ni na urina foi realizada em um espectrômetro de absorção atômica com forno de grafite da marca PerkinElmer (Shelton, EUA), modelo PinAAcle 900Z, com amostrador automático AS900. Para a coleta de ar foram empregadas bombas de alto fluxo da marca Sibata (Saitama, Japão), modelo HVC-500. Reagentes Uma solução padrão de Ni (Merck, Darmstadt, Alemanha) com 1000 μg mL-1 foi utilizada para a preparação das soluções analíticas, através de diluições adequadas com soluções de HNO3 a 2% (v/v). O ácido nítrico concentrado, utilizado para o preparo das soluções padrão e na extração de Ni dos filtros de ar, foi fornecido pela Merck (Darmstadt, Alemanha). A fim de evitar contaminação, o HNO3 foi destilado antes de sua utilização em um sistema de destilação sub-boiling da Berghof (Eningen, Alemanha), modelo DistillAcid. A água (tipo I) utilizada no preparo de todas as soluções foi obtida utilizando-se um sistema de purificação Q-Direct 16, da Millipore (Molshein, França). Determinação de níquel no ar O monitoramento de Ni no ar foi realizado ao longo de cinco campanhas de coleta, no período de novembro de 2016 até agosto de 2018, sempre em dois turnos de coleta (manhã e tarde), totalizando 10 amostras em cada ponto e um total de 40 amostras. Para a coleta ambiental foram definidos 4 pontos fixos que tentaram abranger toda a região estudada (Condomínio Volta Grande IV). A Figura 2 mostra a disposição espacial dos pontos de amostragem, sendo dois pontos (Rua 225 e Rua 220) localizados próximos à pilha de rejeitos industriais e dois pontos (Rua 180 e 340) junto a rua principal e de maior tráfego de veículos. As coletas foram realizadas apenas em dias úteis devido a fatores logísticos.
Figura 2. Distribuição dos pontos de amostragem para coleta de ar (fonte: Google Earth acessado em 08/02/2023)
A metodologia de coleta seguiu as normas estabelecidas pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US EPA, United States Environmental Protection Agency) para amostragem de ar atmosférico em ambientes externos, com fonte de emissão estacionária.34 Para tal, empregou-se uma vazão de 500 L min-1 e filtros de fibra de vidro da marca Sibata, com 110 mm de diâmetro e tamanho de poro de 0,8 μm, sem resina ligante. A bomba foi posicionada a uma altura de 2 m e o período total de coleta foi de 4 h. A extração do Ni presente no material particulado que ficou retido nos filtros foi realizada seguindo o método US EPA (IO 3.1),35 cortando-se o mesmo em pequenos pedaços e adicionando 3 mL de HNO3 concentrado e 27 mL de água ultrapura (tipo I), seguido de aquecimento a 65 °C por 2 h. O extrato obtido foi filtrado e volume final foi completado para 50 mL com água ultrapura. O mesmo procedimento foi realizado para os brancos de análise e de campo. Para cada dia de coleta foram empregados dois brancos de campo e dois de análise. Devido à indisponibilidade de uma amostra certificada adequada, a exatidão do método foi avaliada tanto pela análise do material de referência certificado EP-H3 Drinking Water (EnviroMAT, SCP Science) como através da realização de ensaios de recuperação nos filtros utilizados. As recuperações obtidas foram de 95,9 ± 5% para a amostra certificada e de 98 ± 7% para as amostras fortificadas. Os limites de detecção e quantificação do método foram de 0,06 e 0,20 ng m-3, respectivamente. A quantificação foi realizada por ICP MS e utilizou as condições mostradas na Tabela 1.
Determinação de níquel em urina A determinação de Ni na urina foi realizada por espectrometria de absorção atômica no forno de grafite empregando uma metodologia baseada na introdução direta da amostra após diluição.36 As amostras foram diluídas com solução de ácido nítrico 0,2% (v/v) e medidas diretamente no instrumento. A calibração foi realizada através de curva de adição de analito, utilizando-se uma mistura Pd/Mg como modificador químico. As temperaturas de pirólise e atomização foram de 1700 e 2300 ºC, respectivamente. O material de referência certificado Lyphocheck Urine Metals Control (Bio-Rad) foi usado como controle de qualidade analítico. Os limites de detecção e quantificação do método foram 1,4 e 4,2 μg L-1, respectivamente. Determinação de creatinina urinária A creatinina foi utilizada como fator de normalização da urina no cálculo da concentração do níquel em urina e sua determinação foi realizada por método colorimétrico com utilização de conjunto de reagentes da Labteste Diagnóstica (Rio de Janeiro) com detecção por espectrômetro UV-Vis Jasco, modelo UV-530 (Tóquio, Japão). Coleta e conservação das amostras As amostras de urina foram coletadas no posto de saúde municipal da região em frascos de urina de polietileno de baixa densidade previamente descontaminados por imersão em banho de ácido nítrico (HNO3) 10% (v/v) por um período de 24 h. As amostras foram identificadas com o nome do participante, mantidas sob refrigeração e transferidas para o laboratório onde foram divididas em alíquotas de 5 mL para evitar sucessivos descongelamentos e a consequente descaracterização da amostra original. Em seguida, foram congeladas até o momento da análise em temperatura de -20 ± 2 ºC. Análise estatística dos resultados As análises estatísticas dos dados obtidos foram realizadas através do software SPSS Statistics 25. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado a fim de se verificar se os valores apresentavam distribuição normal. Para aqueles que não obedeciam a uma distribuição normal, foram utilizados os testes Mann-Whitney, Kruskal-Wallis e a correlação de Spearman. Foi considerado o nível de significância de 5% (p = 0,05) para as hipóteses do estudo e o intervalo de confiança de 95%. O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e aprovado sob o número 34645014.2.0000.5240, em 30 de outubro de 2014.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Determinação de níquel no ar atmosférico As concentrações médias de Ni no ar, nos pontos e datas de coleta e avaliados, estão apresentadas na Tabela 2 e são reportados em ng m-3. Convém destacar que no ponto de coleta da Rua 220 não foi possível coletar amostras do ar na campanha de 18/05/2017, uma vez que ocorreu uma falha mecânica na bomba de aspiração durante o período de coleta (nos dois turnos). Cabe ainda salientar que o ponto de coleta da Rua 340 apresentou dois valores extremamente elevados, que foram descartados estatisticamente (p < 0.05). Tais observações foram desconsideradas na análise dos dados.
As concentrações médias de Ni no ar atmosférico variaram de 1,3 a 13,2 ng m-3, quando consideramos o conjunto total de dados obtidos, nos diferentes pontos e diferentes dias de coleta. Esses valores são compatíveis com os níveis reportados em áreas urbanas, que podem estar entre 5 e 35 ng m-3,37 como já observado em outros trabalhos. No Brasil, a normas legais não estabelecem um valor limite para a concentração de Ni no ar e, por essa razão, não foi possível realizar qualquer inferência a respeito dos níveis observados neste estudo.13 Em outros países, não existe um consenso a respeito desses limites. A Comunidade Europeia, assim como o Canadá, estabelece um "valor alvo" de 20 ng m-3 para Ni no ar, que tem como objetivo alcançar um compromisso entre a proteção à saúde e evitar custos excessivos para a indútria.15 Assim, pode-se dizer que esta concentração não está baseada diretamente no impacto do metal na saúde da população. Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (US EPA) não estabelece um valor limite para Ni no ar. Contudo, o estado da Califórnia tem adotado o valor máximo de 200 ng m-3 para 1 h de exposição e de 60 ng m-3 para 8 h.38 Já na Austrália, é adotada a concentração de 3 ng m-3 para uma média anual de Ni no ar em material particulado até 10 μm (MP10). Este valor leva em consideração os efeitos nocivos do metal à saúde humana. Entretanto, sua aplicação não é obrigatória, sendo considerado apenas de caráter orientativo e dependente das atividades desenvolvidas na região, podendo ser aumentado devido as circunstâncias locais.15,39 Segundo a instituição CAREX40 (Carcinogen Exposure), do Canadá, uma pessoa que respire poeiras metálicas contendo concentrações de Ni da ordem de 5,4 ng m-3, durante a sua vida, possui uma chance em um milhão de desenvolver câncer como resultado direto dessa exposição.40,41 Uma análise de variância de dois fatores (data de coleta e localidade) foi realizada com os dados obtidos e ficou demonstrado, estatisticamente (95% de confiança), que não houve influência de quaisquer dos fatores testados sobre a concentração de Ni no ar. Com isso, pode-se concluir que o Condomínio Volta Grande IV apresentou uma atmosfera homogênea e sem grandes flutuações da concentração de Ni ao longo do período desse estudo. Adicionalmente, esses resultados indicaram que a posição dos pontos de coleta em relação a montanha de rejeitos parece não ter impacto permanente sobre as concentrações de Ni no ar. As concentrações mais altas de Ni no ar foram verificadas na Rua 220 (07/12/2016) e na Rua 225 (18/05/2017) que são os pontos de coleta mais próximos à montanha de rejeitos. Essas concentrações podem ser resultado de eventos pontuais ocorridos nas datas de coleta, uma vez a análise estatística dos dados evidenciou não haver influência da montanha de rejeitos sobre as concentrações de Ni no ar, como mencionado anteriormente. É importante destacar também que as concentrações de Ni no ar observadas no dia 26/04/2018 foram sistematicamente menores do que aquelas observadas em outras datas, em todos os pontos de coleta. Novamente, essa observação pode ser creditada a algum evento esporádico, uma vez que a análise estatística tampouco apontou diferença entre as concentrações de Ni no ar em relação às datas de coleta. Ao comparar os dados obtidos nesse estudo com dados obtidos em outros trabalhos (Tabela 3), foi possível verificar que em um estudo anterior,21 realizado em 2006, na mesma região, foram observadas concentrações de Ni no ar atmosférico semelhantes às do presente trabalho, em termos de média e valores máximos, comprovando que a contaminação no local é contínua e de mesma intensidade ao longo do tempo. Quando os resultados obtidos são confrontados com os dados disponíveis em outros estudos para outras cidades do Rio de Janeiro, observa-se que as concentrações medidas são mais elevadas do que aquelas observadas em cidades de mesmas características, como Belford Roxo11 e Duque de Caxias,9 que apresentam fortes características urbanas e intensa atividade industrial. O município de Belford Roxo apresenta marcante concentração de indústrias químicas, enquanto Duque de Caxias apresenta um variado portfólio industrial, ainda que sob forte influência da Reduc/Petrobras (refinaria de petróleo).
Já em localidades com natureza apenas urbana, como São João de Meriti e Nova Iguaçu assim como, nos bairros de São Cristóvão e Maracanã, no município do Rio de Janeiro, e até mesmo quando comparadas as regiões próximas a Volta Redonda, como Barra Mansa e Jardim Paraíba, as concentrações de Ni no ar atmosférico foram mais baixas do que as observadas nesse estudo, o que evidencia a influência da atividade siderúrgica sobre a concentração de Ni no ar em Volta Redonda. Por sua vez, quando as concentrações medidas nesse estudo são colocadas ao lado dos valores reportados em três localidades da cidade Ouro Preto, Minas Gerais (Pilar, FEBEM e Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto), verificou-se que os níveis de Ni no ar do Condomínio Volta Grande são bem mais baixos, mesmo quando comparados aos níveis observados na região limítrofe das áreas estudadas em Ouro Preto (regiões de menor concentração). Vale destacar, entretanto, que em Ouro Preto, os elevados valores de níquel no ar são creditados à intensa atividade industrial e de mineração da cidade, além de sua característica espacial/geográfica8 de vale, que dificulta a dissipação dos poluentes e consequentemente a diminuição dos níveis do metal no ar. As mesmas considerações são válidas quando comparamos os resultados obtidos nesse estudo com os reportados em outras regiões do mundo. As concentrações de Ni no ar de Volta Redonda foram bem menores do que as concentrações de Ni encontradas em cidades com característica urbana e de pouca atividade industrial, como Macquarie Park (Austrália),4 e Saclay (França),42 localizada nos arredores de Paris. Já em regiões de atividade industrial intensa como as cidades de Hangzhou (China),43 Root Hill (Austrália)4 e Miravalle (México),44 níveis semelhantes de contaminação são reportados, especialmente nas cidades de Hangzhou e Root Hill, que possuem indústrias do ramo siderúrgico em seu entorno e são um bom parâmetro de comparação para o presente estudo. Determinação de níquel na urina A partir da observação de que as concentrações de Ni no ar atmosférico do Condomínio Volta Grande IV estavam em patamares superiores aos recomendados pela OMS, aventou-se a possibilidade de que esse fator pudesse levar à exposição da população local. A fim de avaliar essa (possível) exposição, foi realizada a determinação de níquel na urina de 211 moradores do Condomínio Volta Grande IV. É importante destacar que os participantes desse estudo compareceram voluntariamente ao posto de saúde para essa avaliação. Por essa razão, esse estudo reflete apenas a condição deste grupo, não sendo possível a extrapolação destes dados para toda a população do condomínio em análise. Por sua vez, esses dados fornecem informações importantes a respeito da (possível) exposição sofrida por essa população. A média de concentração de Ni na urina no grupo de estudo foi de 3,4 μg L-1, com mediana de 2,5 μg L-1. Em 32% das amostras (67 amostras) a concentração de Ni medida estava abaixo do limite de detecção do método (1,4 μg L-1), enquanto em 66% (139 amostras) das mesmas esta concentração se encontrava entre 1,4 e 10 μg L-1 (Figura 3). O restante das amostras (5 amostras, referente a 2% do total) apresentaram elevadas concentrações de Ni, superiores a 10 μg L-1. Entre essas amostras, duas devem ser destacadas, pois apresentaram concentrações de Ni anomalamente elevadas, de 32,0 e 31,3 μg L-1. Os dados obtidos não seguem uma distribuição normal (p < 0,05). O percentil 5% foi de 1,4 μg L-1 e o percentil 95% de 8,3 μg L-1.
Figura 3. Frequência de resultados de níquel em urina (μg L-1) dos moradores do condomínio Volta Grande IV
Tomando como parâmetro as concentrações de Ni consideradas como referência pela OMS, ou seja, entre 1 e 2 μg L-1, foi verificado que 144 amostras (68% do total) apresentaram concentrações superiores a valor máximo do intervalo, indicando que pode estar havendo uma excessiva exposição da população local a esse metal, possivelmente como resultado das atividades siderúrgicas locais. Ao comparar o presente estudo a outros estudos relacionados ao biomonitoramento de populações não expostas, os valores observados de níquel em urina neste grupo são mais elevados, confirmando que, em alguma medida, os moradores do local foram expostos a concentrações de Ni maiores do que as que ocorrem naturalmente. Um estudo realizado no Canadá45 avaliou, em duas campanhas, a concentração de níquel na urina de um grupo de 6000 indivíduos, com faixa de idade entre 3 e 79 anos. Foram observadas concentrações médias de Ni na urina dos participantes de 1,1 e 1,3 μg L-1, nas campanhas de 2007/2009 e 2009/2011 respectivamente. Esses valores foram inferiores à média geométrica dos resultados observados no presente estudo, que foi de 2,78 μg L-1. Por sua vez, quando os resultados são avaliados em termos de percentis, novamente as concentrações observadas em Volta Redonda mostraram que os moradores apresentaram concentrações mais elevadas de Ni na urina do que as observadas no estudo canadense, cujos níveis para os percentis 25 e 75% foram de 0,65/0,80 μg L-1 (2007 2009/2000 2011) e 2,0/2,2 μg L-1, respectivamente, enquanto que em Volta Redonda esses valores foram menores que o limite de detecção (1,4 μg L-1) e 4,86 μg L-1 respectivamente. Em um estudo realizado na França,46 efetuado com vistas ao biomonitoramento de uma população adulta com cerca de 2000 pessoas, a média geométrica da concentração de Ni na urina foi de 2,00 μg L-1 (1,93 a 2,08, 95% intervalo de confiança). Os percentis 10 e 90% observados foram de 0,88 e 5,00 μg L-1, respectivamente, enquanto quem em Volta Redonda os valores encontrados para esses mesmos percentis foram menores do que o limite de detecção (1,4 μg L-1) e 6,86 μg L-1, respectivamente. Mudando o parâmetro de comparação, e tendo o estudo realizado na Espanha47 com 178 indivíduos expostos ocupacionalmente em indústrias siderúrgicas como referência, pôde-se verificar que os níveis de Ni na urina do grupo de estudo (Volta Redonda) são comparáveis aos observados nesse estudo. É importante destacar que, neste estudo, a creatinina foi utilizada como fator de correção de possíveis variações individuais e, assim, os valores foram reportados em termos de μg de Ni g-1 de creatinina. A média obtida no estudo espanhol foi de 1,7 μg g-1 de creatinina, com os valores variando de 0,1 a 51,1 μg g-1 de creatinina, enquanto no presente estudo este valor foi de 4,29 μg g-1 de creatinina, com amplitude de 0,65 a 31,96 μg g-1. Analisando ainda os percentis deste estudo, foram verificadas diferenças importantes nas concentrações de Ni na urina. Os valores compreendidos entre os percentis 5 e 95% foram de 0,12 a 7,11 μg g-1 de creatinina, enquanto que em Volta Redonda esses níveis variaram de 0,65 a 12,64 μg g-1 de creatinina, sugerindo uma exposição ainda maior dos moradores do Condomínio Volta Grande IV do que a ocupacional. A Tabela 4 traz a comparação dos resultados do presente estudo com outros trabalhos publicados.
CONCLUSÕES As concentrações de Ni no ar do Condomínio Volta Grande IV, medidas neste estudo revelaram que, em todos os pontos amostrados, os níveis observados estão elevados quando comparados a outras localidades no estado do Rio de Janeiro, sugerindo que o impacto da atividade siderúrgica na região sobre a atmosfera da área estudada é relevante. Apesar de não ser observada diferença estatística (a 95% de confiança) entre as concentrações de Ni no ar em função da localização e da data de coleta, os valores mais elevados medidos nesse estudo ocorreram nos pontos próximos à montanha de rejeitos, o que indica que a área de acúmulos de rejeitos industriais pode afetar, ainda que pontualmente, as concentrações de Ni no ar da região do condomínio, e consequentemente a saúde desta população. Por sua vez, as concentrações de Ni na urina dos moradores do condomínio (na verdade, do grupo de 211 participantes do presente estudo) foram mais elevadas do que as concentrações regulares desse elemento neste fluido biológico que, segundo a Organização Mundial da Saúde, deve estar entre 1 e 2 μg L-1. Aproximadamente 68% dos participantes (144 indivíduos) apresentaram concentração de Ni na urina superior a 2 μg L-1, indicando que pode estar havendo exposição excessiva da população local ao Ni oriundo da atividade siderúrgica na região. A comparação dos dados obtidos neste trabalho com outros estudos realizados em diferentes regiões também evidenciou que as concentrações de Ni são elevadas em relação aos valores de referência de outras populações, e até mesmo equiparados com a exposição ocupacional em ambientes de trabalho, evidenciando assim o elevado risco que esses moradores estão sujeitos. Os dados aqui apresentados demostram um quadro preocupante para a realidade dos moradores desse condomínio. Na região, foi possível verificar que a elevação dos níveis de níquel no ar já provocou o aumento da concentração do metal no organismo dessas pessoas. Uma vez que a magnitude dos danos causados pelo níquel é dependente da dose e do tempo de exposição, esta população se encontra sob elevado risco para o desenvolvimento de doenças uma vez que mais de 77% dos moradores vive há mais de 11 anos no condomínio, e portanto, na iminência da ocorrência dos sintomas decorrentes desta exposição. Assim, é imperativo alguma ação mais efetiva das autoridades locais para que seja realizado o controle efetivo dos níveis desse metal no ambiente como forma de proteção à saúde dessa população.
AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer à Secretaria de Saúde do Município de Volta Redonda pelo apoio logístico da equipe de coleta das amostras ambientais e biológicas bem como, a associação de Moradores do Condomínio Volta Grande IV pela mobilização da população na participação do projeto. Gostariam também de agradecer à FAPERJ (processo E-26/202.889/2018) pelo apoio financeiro concedido para realização deste trabalho.
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