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Assuntos Gerais


Como os novos resultados de simulação da formação da lua afetam a probabilidade de surgimento de vida em planetas assemelhados à terra
How the new simulation results for the moon formation affect the probability of life in planets similar to earth

Roberto B. Faria* Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido: 23/08/2023
Aceito: 06/02/2024
Publicado online: 12/04/2024

Endereço para correspondência

*e-mail: faria@iq.ufrj.br

RESUMO

In the most recent simulations on the formation of the Moon by the collision of a protoplanet, approximately the size of Mars, called Theia, with the proto-Earth, 4.5 billion years ago, it is observed that the remains of Theia are deposited on the proto-Earth. This explains the presence of significant quantities of heavy elements in the Earth's crust, such as the transition elements of the first series (V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni, Cu, Zn) and Mo, essential for life. This very special collision shaped the structure and, mainly, the chemical constitution of the Earth's crust, allowing the development of highly evolved life forms that would not have formed without this availability. As we observe the heat waves that are causing severe damage today in various parts of the world, the awareness that life on Earth was produced by a cosmic condition with a very low probability of occurring in other planetary systems constitutes a new argument in favor of all actions aimed at stopping global warming. All of us, all of humanity, need to sacrifice our way of life to preserve life on our planet, which is a much more special place than previously assumed.

Palavras-chave: Theia; Moon; global warming.

INTRODUÇÃO

A origem da vida na Terra, bem como a possibilidade de vida extraterrestre, é um tema central relacionado com a própria existência humana. A resposta para a pergunta de como surgiu a vida na Terra, ainda não teve qualquer resposta definitiva. Trata-se de um tema multidisciplinar de interesse não só dos biólogos, mas também de químicos, bioquímicos, físicos e muitos outros pesquisadores. Trata-se de uma área que envolve disciplinas diferentes na busca de como surgiu a vida na Terra e também na possibilidade de vida em outros lugares do universo. Essa busca deu origem a uma área específica, chamada Astrobiologia. A origem da vida é uma questão considerada como uma das últimas fronteiras a serem desvendadas, juntamente com o funcionamento do cérebro.

Se a vida na Terra teve origem aqui mesmo ou se foi importada a bordo de um meteoro ou cometa que tenha caído em nosso planeta é alvo de discussões e especulações até hoje. De qualquer forma, a vida deve ter surgido em algum lugar, aqui ou em outra parte do universo. Mas não basta que tenha apenas surgido ou vindo de outro lugar. Para chegarmos ao grande número de formas de vida que conhecemos, ela precisa evoluir para chegar a formas mais complexas e inteligentes. São muitos os requisitos para tal evolução e dentre eles, a disponibilidade de alguns metais de transição é indispensável. Em todas as formas de vida conhecidas há sempre a presença de vários metais de transição da primeira série, do Grupo 5 ao 12 (V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni, Cu, Zn), além do molibdênio, todos considerados elementos essenciais para a vida de bactérias, plantas e animais.1

O objetivo do presente artigo é chamar a atenção para a correlação entre os resultados mais recentes de simulações sobre a formação da Lua e a disponibilidade na crosta terrestre de elementos mais pesados como os citados acima, indispensáveis à vida. Pelos resultados dessas simulações, fica evidente que a formação da Lua e da crosta terrestre se constituiu de um evento muito especial, com baixa probabilidade de ocorrer na história de outros planetas em nossa galáxia e no universo, sugerindo que a vida na Terra é um fenômeno ainda mais raro do que se poderia imaginar a princípio. Ao chamar a atenção para este fato, pretende-se reforçar ainda mais as preocupações com a preservação do meio ambiente e da vida em nosso planeta e fortalecer ações que precisam ser tomadas urgentemente nessa direção.

 

EQUAÇÃO DE DRAKE

A busca por vida extraterrestre tem seguido por diversas abordagens, mas muitas das estimativas do número de civilizações capazes de desenvolver vida em nossa galáxia têm sido feitas com base na equação de Drake2,3 (Equação 1):

onde: N = número de civilizações tecnicamente avançadas com as quais a comunicação possa ser possível (N < 1 indica impossibilidade de contato com outras civilizações); R* = velocidade média de formação de estrelas em nossa galáxia (número de estrelas por unidade de tempo); fP = fração de estrelas com sistemas planetários; ne = número médio de planetas em torno de cada estrela; fl = fração dos planetas em que a vida se desenvolveu; fi = fração dos planetas habitáveis nos quais a vida inteligente, com capacidade manipulativa, tenha se originado durante o tempo de vida do sol local; fc = fração dos planetas com uma civilização tecnicamente avançada; L = tempo médio de duração da fase de radiocomunicação de uma civilização tecnicamente avançada.

Apesar da estimativa de todos esses parâmetros ser altamente especulativa, o valor de, aproximadamente, 0,1 para o produto R* × fP × ne tem sido considerado razoável. Por outro lado, o produto fl × fi × fc tem tido estimativas que diferem de muitas ordens de grandeza. No caso específico de fi, considerações sobre as grandes extinções ocorridas na história da Terra sugerem o valor de 0,15.3

A Equação 1 também pode ser escrita como:4

onde: Rastro = R* × fP × ne representa a velocidade de formação de planetas habitáveis; fbio = fl × fi × fc representa o produto dos fatores relacionados com a química, biologia e desenvolvimento biológico. Claramente, o produto Rastro × fbio contém os fatores que determinam a formação de civilizações tecnicamente avançadas e L a sua extinção. São contribuições opostas contidas na equação de Drake. Dessa forma, mesmo que o produto dos termos Rastro × fbio leve a uma boa probabilidade de formação de vida em determinada região da galáxia, se o fator L for significativo, o resultado é que as civilizações avançadas que venham a surgir não tenham tempo para estabelecer contato entre si. Dessa forma, pode-se pensar no conceito de “esfera de influência”, como sendo uma distância limite para que uma civilização avançada surja e tenha tempo de se comunicar com outras, antes que seja extinta, geralmente pelo aumento gradual, implosão e apagamento da estrela em torno do qual o planeta orbita.

Um aspecto importante a ser ressaltado é que a equação de Drake não considera qualquer fator de polinização. Ou seja, esta equação não contém um fator que considere a possibilidade da vida existente em um planeta semear vida em outro, o que leva ao conceito de “velocidade de expansão do fronte de civilizações”, se imaginarmos que pode haver colonização por contato direto. Nesse caso, pode-se falar de probabilidade de contato como sendo a intersecção dos volumes de influência de um conjunto de civilizações avançadas.4

 

FORMAÇÃO DA LUA PELA COLISÃO DE THEIA COM A PROTOTERRA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A EQUAÇÃO DE DRAKE

Como indicado acima, vários fatores podem ser considerados para a probabilidade de formação de vida na nossa galáxia, mas em especial o termo fl que representa a fração dos planetas em que a vida se desenvolveu, deve ser significativamente menor do que normalmente se considera. A razão para considerarmos que este termo deve ser algumas ordens de grandeza menor vem de considerações relacionadas com a importância dos elementos de transição, do Grupo 5 ao 12, acrescido do molibdênio, mesmo para as formas mais elementares de vida. Por serem elementos mais pesados, eles tendem a migrar para maiores profundidades durante as etapas iniciais de alta temperatura de formação dos planetas.

Resultados recentes de simulação numérica sobre a formação da Lua5,6 consideram que um corpo celeste com massa aproximadamente igual a de Marte (embora valores um pouco maiores e menores produzam o mesmo resultado por ajuste simultâneo da velocidade de colisão) colidiu com a Terra original, há 4,5 bilhões de anos, atirando para o espaço uma parte do material mais leve do nosso planeta original. Esse material mais leve, após ficar em órbita por algumas horas, formou a Lua como conhecemos hoje, a qual não tem um núcleo pesado significativo como o que ocorre nos planetas conhecidos.

O mais importante, entretanto, do ponto de vista da formação ou evolução da vida, é que para que a colisão imaginada venha a reproduzir as massas corretas da Terra e da Lua, a colisão não pode ser frontal e sim tangencial. Além disso, essas simulações também indicam que a velocidade de colisão não pode ser muito alta, a fim de permitir que Theia, ao invés de ricochetear na Terra, se funda com ela. A forma como Theia se junta com a Terra original é ainda uma questão em aberto, mas, estudos sismológicos7 parecem indicar que partes de Theia podem estar enterrados no manto terrestre.

Com relação mais especificamente ao desenvolvimento da vida na Terra, o ponto relevante que se pretende ressaltar aqui é que Theia não só revolveu as camadas superiores da Terra original, como também deve ter se fragmentado, ao menos parcialmente, de forma a liberar o conteúdo de elementos mais pesados das suas camadas mais internas sobre a superfície da Terra, formando grande parte da crosta terrestre. De fato, somente dessa forma é que podemos explicar a existência de minérios de metais pesados como níquel, ferro, ouro, prata, urânio, dentre outros, na superfície da Terra. Esses materiais, não deveriam estar disponíveis na crosta terrestre, se considerarmos que por serem pesados, deveriam ter migrado para maiores profundidades durante o processo inicial de formação da Terra em alta temperatura.

Naturalmente que se pode argumentar que outros mecanismos podem estar envolvidos na disponibilização de metais pesados na crosta terrestre. Um deles é o movimento de separação das placas tectônicas que leva à exposição de magma vindo de profundidades maiores como ocorre na Islândia e na dorsal mesoatlântica. Outro é a existência de vulcões que estão no “círculo de fogo” que contorna o Oceano Pacífico e que se formam devido a colisão de placas tectônicas, expelindo lava proveniente das regiões de colisão. E um outro ainda é a existência de vulcões formados pelo afloramento de plumas mantélicas, como é o caso dos vulcões do Havaí. Em todos esses casos, entretanto, o material que é liberado sobre a superfície da crosta terrestre é formado, predominantemente, de silicatos e compostos sulfurados. Ou seja, o magma que é liberado nesses afloramentos é pobre de metais pesados, não justificando assim, a grande presença de metais pesados em várias partes da crosta terrestre.

Como um último comentário, vale ressaltar que as simulações feitas por diferentes autores,5,6 embora cada vez mais precisas e confiáveis não deixam de ser simulações com certo grau de incerteza. Assim, a origem da Lua e da crosta terrestre ainda é tema de debate contínuo no meio científico, mas os resultados obtidos até agora apontam cada vez mais fortemente para um evento único, de baixíssima probabilidade, e que nos forneceu uma crosta terrestre com grande riqueza de elementos essenciais à vida. Devemos assim, mesmo existindo um certo grau de incerteza sobre essa colisão de corpos planetários, considerar fortemente que estamos em um planeta muito especial que assim permitiu a emergência de diversas formas de vida, chegando até ao estágio de vida inteligente. E isso deveria ser capaz de reconhecer que temos de fazer todos os sacrifícios necessários para preservar essa singularidade biológica da qual fazermos parte.

 

CONCLUSÕES

Resultados de simulação numérica5,6 que apontam para a formação da Lua pela colisão de um protoplaneta Theia com a Terra original, não só oferecem uma explicação de como a Lua se formou, mas também justificam porque encontramos na superfície da Terra diversos minerais de elementos pesados, dentre eles metais de transição necessários para a vida de bactérias, plantas e animais.1 Entretanto, para que essa colisão tenha resultado na Lua como a conhecemos e na crosta terrestre com uma composição química favorável à vida, as massas, velocidades e principalmente o ângulo de colisão não podem ser quaisquer. Assim, os diversos fatores da equação de Drake que procuram estimar a probabilidade de vida em nossa galáxia precisam de um ajuste adicional que não tem sido considerado, que é a probabilidade de um impacto tangente, em ângulo correto e velocidade adequada para que os materiais mais pesados do corpo celeste mais leve acabem por serem derramados sobre a superfície do planeta mais pesado. Com essas considerações, as estimativas para o fator fbio da Equação 2 ou o fator fl da Equação 1 devem ser ainda menores, uma vez que não se pode pensar apenas na probabilidade de existir um planeta de massa adequada, orbitando a uma distância apropriada de uma estrela de vida longa, mas temos que considerar ainda que se esse planeta não sofreu uma colisão tangente com um outro corpo celeste de forma a liberar na sua superfície os metais de transição necessários à vida, a chance desse planeta sustentar e desenvolver formas complexas de vida até uma civilização tecnologicamente evoluída é muito pequena.

A consequência maior de todas essas considerações é que a probabilidade de vida em outras partes da nossa galáxia é ainda menor do que se poderia imaginar, com base nas considerações estatísticas feitas até agora empregando-se a equação de Drake. Ao que parece, o nosso planeta é um lugar muito especial em nossa galáxia e no universo. A vida que emergiu aqui foi favorecida por inúmeras condições especiais, mas também por um evento ainda mais especial, que foi a colisão tangente de Theia com a Terra, levando a formação da Lua e da crosta terrestre, com a sua rica composição de quase todos os elementos da tabela periódica, em especial os elementos de transição indispensáveis à vida.

A consciência dessa condição especial para a nossa existência tem que ser divulgada ao máximo e incutida na mente de todos, em especial os mais jovens, para dar a eles uma motivação cada vez mais forte para os sacrifícios que todos precisamos fazer para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e que levam a danos cada vez mais severos ao meio ambiente e às atividades humanas, com grandes reflexos sobre a economia de todos os países.8 Dessa forma, pretendemos com esse artigo fornecer um argumento de natureza cósmica para sensibilizar todos os povos e governos da necessidade de medidas urgentes para reduzir os danos ao meio ambiente causados pelas atividades humanas e preservar todas as espécies animais e vegetais sobreviventes.

 

AGRADECIMENTOS

O autor agradece o suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Proc. 305.737/2022-8). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - código de financiamento 001.

 

REFERÊNCIAS

1. Bertini, I.; Gray, H. B.; Stiefel, E. I.; Valentine, J. S.; Biologial Inorganic Chemistry: Structure and Reactivity, 1st ed.; University Science Books: Sausalito, 2007.

2. Sagan, C.; Planet. Space Sci. 1963, 11, 485. [Crossref]

3. Tsumura, K.; Sci. Rep. 2020, 10, 12795. [Crossref]

4. Prantzos, N.; Mon. Not. R. Astron. Soc. 2020, 493, 3464. [Crossref]

5. Canup, R. M.; Asphaug, E.; Nature 2021, 412, 708. [Crossref]

6. Kegerreis, J. A.; Ruiz-Bonilla, S.; Eke, V. R.; Massey, R. J.; Sandnes, T. D.; Teodoro, L. F. A.; Astrophys. J. Lett. 2022, 937, L40. [Crossref]

7. Voosen, P.; Science 2021, 371, 1295. [Crossref]

8. Tripathy, K. P.; Mishra, A. K.; Geophys. Res. Lett. 2023, 50, 1. [Crossref]

On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
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