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Assuntos Gerais


Processo de inovação para tecnologias químicas nascidas em universidades: ações do Laboratório Escalab-UFMG
Innovation process for chemical technologies born in universities: actions of the Escalab-UFMG Laboratory

Thamires Luciana Braz Alves*; Ana Paula de Carvalho Teixeira; Breno Germano de Freitas Oliveira; Luísa Carolina Andrade Barbosa; Maria Paula Duarte de Oliveira; Rochel Montero Lago*

Departamento de Química, Universidade Federal de Minas Gerais. Avenida Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha, 31270-901 Belo Horizonte- MG, Brasil

Recebido: 14/12/2023
Aceito: 07/05/2024
Publicado online: 08/07/2024

Endereço para correspondência

*e-mail: thamires.braz@escalab.com.br; rochellago@gmail.com

RESUMO

In this work, the innovation process to take chemical technologies born in universities to the market is described. The discussion is structured on the stages: research/science, patenting, opportunity evaluation, scale-up and proof of concept that lead to two possible outputs: technology transfer or startup creation. The work also describes the activities of Escalab, a UFMG technology lab, in the innovation process: technological mapping/R&D for the industry, technology scale up, technology acceleration, open innovation programs with industry and the program "go-to-market" for the insertion of chemical startups in market. It is expected that this experience should motivate academic chemistry researchers to push their technologies to the market.

Palavras-chave: innovation; Escalab; chemical technologies; scaleup.

INTRODUÇÃO

Levar inovações nascidas em laboratórios de pesquisa em universidades para a sociedade, gerando empregos de qualidade, renda e desenvolvimento, tem sido considerado cada vez mais importante nas Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs). Por outro lado, pesquisadores da academia ainda não sabem como fazer bem esse processo. Muitos pesquisadores, que tem esse desejo de levar suas tecnologias para a indústria ou mesmo criar uma nova empresa, se perguntam: qual o caminho? Esse processo de inovação para tecnologias nascidas em universidades (neste contexto especificamente para a área de química), pode ocorrer de muitas formas. No entanto, é possível definir algumas etapas comuns a esse processo, entre elas: a realização de ciência de qualidade, proteção da tecnologia por meio de patente, avaliação da oportunidade, escalonamento/protótipo e realização de prova de conceito/protótipo. A partir do trabalho feito nessas 5 etapas, pode-se avançar com mais assertividade para a aplicação real da tecnologia, por meio da criação de empresas de base tecnológica ou através da transferência de tecnologia para uma empresa (Figura 1).

 


Figura 1. Possíveis etapas no processo de inovação para tecnologias químicas nascidas em universidades

 

A etapa 1 no processo de inovação (ciência), no contexto da academia, está relacionada à realização de pesquisa de qualidade. A partir dessas pesquisas surgem vários resultados acadêmicos, tais como publicações, dissertações, teses e formação de recursos humanos de qualidade. Sempre importante lembrar que essa é a missão básica da academia. A pesquisa acadêmica pode também ser direcionada para a resolução de problemas reais do mercado ou desenvolvimento de novos processos e/ou tecnologias. Nesse contexto, é essencial que a ciência esteja conectada com demandas reais.

No contexto das Universidades, onde uma grande parte das pesquisas nascem desvinculadas de indústrias, sugere-se como uma segunda etapa no processo de inovação, a proteção da PI (propriedade intelectual) de produtos e/ou processos geradas durante a etapa de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), por exemplo através de patentes (invenção ou modelo de utilidade), registro de desenho industrial ou marca, entre outros. A proteção de propriedade intelectual condensa todo o conhecimento desenvolvido pelo grupo de pesquisa em um documento que atesta a posse da tecnologia e permite que a universidade possa negociar a tecnologia e ser remunerada pela sua exploração comercial. Além disso, a quantidade de patentes e transferência tecnológica (e outras formas de proteção intelectual) são indicadores importantes de inovação para as universidades.1,2

No entanto, é importante ressaltar que o melhor momento para a proteção de PI pode variar significativamente, dependendo do tipo de tecnologia, dos parceiros de desenvolvimento envolvidos e de possíveis negociações. Por exemplo, há empresas que não licenciam tecnologias já protegidas e querem fazer parte desde o início. Além disso há segredos de negócios e outras formas de proteção que precisam ser avaliadas, para além da patente. Mais importante do que proteger é ter a real noção da gestão da inovação tecnológica para saber "quando", "se" e "como" proteger uma tecnologia. Portanto, apesar de recomendar a proteção de PI na etapa 2 (que serve para uma parte importante das pesquisas feitas em universidades), deve-se considerar a PI de forma transversal em todo o percurso mostrado na Figura 1. Se o leitor tiver interesse específico sobre a importância, questões práticas e estratégicas de patentes, muitas informações podem ser encontradas na literatura.3,4

A etapa 3 do processo de inovação (avaliação da oportunidade) é importante para responder se a tecnologia/patente é apenas uma invenção criativa ou se, realmente, representa uma oportunidade de mercado e de negócio. Uma ferramenta simples para se avaliar a oportunidade é o estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE) do novo produto e/ou processo. Até esse ponto, a tecnologia apresenta uma maturidade de acordo com a escala TRL (escala de maturidade tecnológica; do inglês, technology readiness levels) de até 4, onde a tecnologia tem suas funcionalidades testadas em laboratório.5,6 Informações sobre a escala TRL podem ser consultadas no Quadro I.

 

 

O quarto passo (etapa 4, protótipo e prova de conceito) é o teste da tecnologia/produto, preferencialmente com clientes reais. A partir daqui a tecnologia sai da escala de laboratório e iniciamos o TRL 5.7 Esta etapa implica, em uma boa parte dos casos, na produção de um produto ou protótipo. Comumente, isso significa produzir quantidades maiores de produtos (construção e operação de uma planta piloto), alcançando a escala de quilos ou, em alguns casos, até centenas de quilos, utilizando reagentes comerciais, diferentemente dos adotados em escala de laboratório. A quantidade produzida será utilizada na realização de testes com clientes reais, ou seja, na realização da POC (prova de conceito), com intuito de provar se o conceito da tecnologia realmente funciona.

Pesquisas em universidades avançam bem até as etapas 1 e 2, mas tem enormes dificuldades para avançar nas etapas 3 e 4, que são conhecidas como o "Vale da Morte", onde a imensa maioria das tecnologias perece (Figura 1).8

Após a realização de todas as etapas anteriores, é possível avaliar com mais precisão se as tecnologias químicas desenvolvidas dentro da universidade têm realmente o potencial para entrarem no mercado. Em caso positivo, essa inserção no mercado pode ser realizada através de uma transferência de tecnologia para uma empresa consolidada ou pela criação de empresas de base tecnológicas, chamadas aqui de startups.9

 

ETAPAS DO PROCESSO DE INOVAÇÃO EM TECNOLOGIAS QUÍMICAS NAS UNIVERSIDADES

No processo de inovação, podemos dizer que as Universidades avançaram bem nos aspectos de pesquisa e no patenteamento de tecnologia, mas ainda temos que avançar muito nas etapas seguintes. A Tabela 1 descreve, de forma simples, as etapas básicas do processo de inovação, com uma indicação do custo aproximado e as principais fontes financiadoras.

 

 

Um dos pontos críticos para o processo de inovação de tecnologias e uma das principais etapas que causa a morte de tecnologias desenvolvidas nas universidades é a fase de escalonamento e prova de conceito (POC). O escalonamento, também conhecido como "scale up" é definido na engenharia química como a reprodução de resultados técnicos obtidos em escala laboratorial em escalas maiores, por meio de operações químicas e/ou físicas que tem como intuito desenvolver um novo produto comercial.14 Desse modo, o escalonamento de tecnologias se baseia em passar da escala de miligramas ou gramas, produzidas em laboratórios de pesquisa, para a escala de quilos ou centenas de quilogramas.15 Por meio do escalonamento, obtém-se as informações necessárias sobre a viabilidade técnica do processo. Sendo assim, o escalonamento é um processo fundamental para levar tecnologias e/ou produtos encontrados em laboratórios de pesquisa para o mercado.16

No caso de POC, também considerada uma das etapas críticas do vale da morte, pode ser definida como uma etapa de validação, com o intuito de confirmar se a tecnologia ou produto realmente funciona para uma finalidade definida.17 A POC pode ser executada ainda em condições de laboratório, simulando condições próximas às de aplicações reais (esse estágio representa um TRL 5). No entanto, em determinado momento, o processo precisa avançar e faz-se necessário a construção de uma planta piloto para chegar em uma escala maior que a de bancada. Nessa escala maior realiza-se (i) uma POC de processo (verificação se o processo químico pode ser feito em uma escala mais próxima à industrial, de forma técnica e economicamente viável) e (ii) uma POC de produto (obter produto em quantidade suficiente para testes com clientes reais). A construção e operação de planta piloto marca uma mudança importante no processo de inovação que é o início do TRL 6 e 7 (Figura 2).

 


Figura 2. Etapas de POC em laboratório e em planta piloto

 

No entanto, dentro das universidades não há uma infraestrutura/espaço físico necessário para a realização dos processos de escalonamento e nem a experiência em como realizá-lo. Para os pesquisadores, algumas das dificuldades encontradas na tradução dos resultados obtidos em bancada para maior escala são: maior complexidade de processos (a reação pode não funcionar em escala maior por problemas na transferência de calor e de massa. Por exemplo: uma simples filtração a vácuo feita em minutos na bancada pode ser um grande problema na escala industrial), dificuldade em encontrar equipamentos e sua operação, disponibilidade de recursos financeiros (o escalonamento de uma tecnologia na área de química pode demandar altos investimentos) e quase nenhuma disponibilidade de infraestrutura adequada (elétrica, hidráulica e segurança). Como consequência, muitas tecnologias patenteadas em estágios iniciais de desenvolvimento não conseguem alcançar o mercado. Assim, pela complexidade e custo, o escalamento pode ser considerado o principal ponto do "vale da morte" de muitas tecnologias.18 Portanto, se queremos levar mais tecnologias das Universidades para o mercado é estratégico ter condições de executar a etapa de escalonamento e prova de conceito de tecnologias.

Neste artigo, é descrito o funcionamento do Escalab, um laboratório criado com o objetivo de levar tecnologias da bancada até a escala piloto e ao mercado. Espera-se com isso, dividir com muitos pesquisadores, especialmente da área de química, boas práticas e caminhos para levar as tecnologias que criamos nas universidades para as indústrias e estimular a criação de novas empresas (startups) de alta tecnologia.

 

ESCALAB: UM LABORATÓRIO CRIADO PARA REALIZAR O ESCALONAMENTO COM MODELAGEM DE NEGÓCIOS PARA TECNOLOGIAS NA ÁREA DE QUÍMICA

O Escalab é um laboratório da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que se denomina "Centro de Escalonamento de Tecnologias e Modelagem de Negócios", que foi criado por meio de uma parceria entre UFMG e o CIT-Senai (Centro de Inovação e Tecnologia) através de um Termo de Cooperação Técnica assinado em novembro de 2018. A estruturação burocrática-legal pode ser consultada na tese defendida em 2020 pela Doutora em Inovação Tecnológica pela UFMG Juliana Corrêa Crepalde Medeiros.19 Criado por meio de recursos do INCT MIDAS (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia), o Escalab surgiu com a missão de conectar Universidade e a Indústria, desenvolvendo tecnologias e transferindo-a para o mercado na forma de licenciamento, prestação de serviço ou através da criação de startups.8

Áreas de atuação

O Escalab atua nas áreas de tecnologias químicas, com um foco em sustentabilidade. Algumas dessas áreas são tratamento de efluentes e reuso de água, processos inovadores para a transformação de resíduos industriais em produtos de valor agregado, biocombustíveis, obtenção de novos insumos e materiais através de fontes renováveis.

A infraestrutura do Escalab

O Escalab conta com 2 laboratórios que, diferente de um laboratório de pesquisas mais acadêmicas, tem foco no desenvolvimento de produtos e de processos. Além dos laboratórios, o Escalab também tem um galpão de 200 m2 para escalonamento de tecnologias onde ocorre a construção e operação de plantas piloto (Figura 3).

 


Figura 3. Infraestrutura do Escalab (prédio, espaço de coworking, laboratórios e baias de escalonamento de tecnologias)

 

O Escalab conta também com salas de coworkings (desenvolvimento de negócios, reuniões internas com os colaboradores e externas com clientes e investidores).

As principais atividades do ESCALAB

O Escalab oferece diversos serviços, agrupados em cinco categorias: (1) mapeamentos tecnológicos e P&D para demandas tecnológicas da indústria; (2) escalonamento de tecnologias; (3) programas de pré-aceleração e aceleração de tecnologias; (4) programas de inovação aberta com indústria e (5) "programa go-to-market" voltado para a inserção de startups de química no mercado (Figura 4).

 


Figura 4. Atividades executadas pelo Escalab com pesquisadores de universidades e indústrias

 

A seguir, cada uma dessas atividades será descrita com maiores detalhes.

Mapeamentos tecnológicos, P&D e escalonamento de processos químicos para demandas tecnológicas da indústria

Indústrias químicas e setores afins tem diversos desafios tecnológicos que pesquisadores de universidades podem ajudar a resolver. O Escalab atua diretamente atendendo essas demandas tecnológicas de indústrias de diferentes setores.

O Escalab oferece para as indústrias quatro tipos de serviços diferentes (Figura 5) que contemplam todo o processo de desenvolvimento de tecnologia (desde o mapeamento tecnológico, P&D até o escalonamento).

 


Figura 5. Serviços de mapeamento tecnológico, P&D direcionado, pré-piloto e escalonamento oferecidos pelo Escalab às indústrias

 

Mapeamento tecnológico e pré-EVTE

O mapeamento tecnológico é indicado quando a indústria não tem uma boa ideia de como solucionar seu desafio tecnológico. Para entender melhor o mapeamento tecnológico, será utilizado o exemplo de uma indústria que tem um rejeito X e deseja transformar esse rejeito em um produto com valor agregado a ser colocado no mercado. No entanto, a indústria não sabe qual produto fazer a partir desse rejeito X que é gerado em grande volume (perto de 100 mil toneladas por mês) com uma composição específica conhecida. Neste caso, o caminho sugerido é, a partir da composição do rejeito, buscar na literatura científica e de patentes as possibilidades de transformar o rejeito em diferentes produtos.

As etapas que tipicamente são executadas no mapeamento tecnológico realizado pelo ESCALAB são mostradas na Figura 6.

 


Figura 6. Fases do mapeamento tecnológico utilizadas pelo Escalab (com números para o exemplo rejeito X)

 

No caso do rejeito X, o trabalho se inicia por entender bem sua composição. A partir dessa informação pode-se realizar uma pesquisa extensiva no estado da arte (base de dados de artigos), da técnica (banco de patentes) e comerciais (busca realizada no mercado), de modo a encontrar informações necessárias para avaliar as tecnologias com maior potencial para serem aplicadas. Para o rejeito X foram encontrados perto de 3 mil documentos, dos quais, após avaliação preliminar, foram selecionados perto de 300 documentos relevantes. Realiza-se, então, uma segunda seleção dos artigos/patentes relevantes que são classificados por aplicações. No caso do rejeito X, foi possível organizar os artigos/patentes em 10 aplicações diferentes, como por exemplo: transformação do rejeito para aplicação na produção de materiais para a construção civil, na agricultura, como pigmento, como adsorvente, como catalisador, entre outros. A partir das 10 aplicações definidas, realiza-se uma avaliação preliminar da viabilidade técnica e econômica dos produtos (pré-EVTE), levando-se em conta aspectos técnicos (maturidade e complexibilidade tecnológica, rendimento, sinergia, logísticas) e de viabilidade econômica (mercado e segmento, investimento, stakeholders, valor agregado e legislações pertinentes) da tecnologia em estudo (Quadro 2). Um exemplo simulado de uma avaliação pode ser visto na Figura 7.

 

 

 


Figura 7. Exemplo de uma das matrizes Escalab (tamanho de mercado × valor agregado) resultante de um mapeamento tecnológico

 

No exemplo de matriz da Figura 7, compara-se o tamanho de mercado do produto que será feito a partir do rejeito com relação ao valor agregado desse produto. Na matriz tem pontos marcados de 1 a 10, que representam as diferentes aplicações/tecnologias que podem ser usadas para o rejeito X. As cores representam a complexidade tecnológica. Cor verde significa que a tecnologia está bem desenvolvida, já existem equipamentos industriais e seria possível levantar uma unidade industrial sem grandes problemas. A cor vermelha indica uma tecnologia ainda em fase de desenvolvimento, com complexidade significativa e que poderia implicar em maiores custos e maior tempo de desenvolvimento. A cor amarela está em uma situação intermediária em termos de complexidade e custo. O sinal + indica que a indústria se interessou pela tecnologia. Nesse caso específico do rejeito X, a empresa priorizou mercados com maior potencial consumidor mesmo com menor valor agregado, pois tinha que dar destinação utilizando aplicações/tecnologias que consumissem maiores quantidades de rejeito (tecnologias 9 e 10). A empresa também privilegiou tecnologias de baixa complexidade para implementação. Por meio dessas informações, a empresa escolheu a tecnologia/aplicação 9 que tem grande mercado e baixa complexidade tecnológica para desenvolver o produto na etapa de P&D em laboratório. A indústria também colocou no seu plano de desenvolvimento de médio prazo as tecnologias 1 e 4 (de complexidade média) pelo maior valor agregado e bom mercado consumidor, além das tecnologias 5 e 3 pelo alto valor agregado das aplicações, mesmo com um mercado relativamente baixo. Dessa forma, a empresa pode pensar em um portfólio de produtos para o curto, médio e longo prazo. Esse trabalho de mapeamento tecnológico com o pré-EVTE tem duração média 2 a 3 meses.

Depois do mapeamento tecnológico, a indústria tem segurança sobre qual tecnologia é mais promissora e qual deve dedicar recursos para desenvolver. A partir daí, se inicia a etapa de P&D direcionado àquela tecnologia/produto promissor.

P&D direcionado e EVTE

O P&D direcionado do Escalab é diferente da pesquisa mais acadêmica. No Escalab, o P&D direcionado tem como objetivo verificar, através de testes em laboratório, se a tecnologia escolhida pela empresa vai funcionar. Na metodologia Escalab dividimos o P&D em três principais fases:

Etapa 1 - fase da pesquisa: essa fase se parece mais com a típica pesquisa que fazemos em nossos laboratórios. Aqui estuda-se os principais parâmetros de forma sistemática e entende-se o efeito de cada variável. Em muitos casos, essa etapa pode resultar em publicações de artigos ou trabalhos em congressos (se não houver questões com sigilo).

Etapa 2 - fase do desenvolvimento de produto e processo: nessa etapa tem-se como objetivo principal considerar o desenvolvimento do produto e do processo na perspectiva industrial e comercial. O produto deve ser preparado com insumos industriais/comerciais (não reagentes P.A), os processos usados devem considerar as tecnologias que fazem sentido industrialmente (por exemplo: uma filtração a vácuo, agitação de ultrassom e outros processos comuns em laboratórios devem ser pensados considerando o que é utilizado/factível na indústria). Essa sequência já foi relatada em nosso artigo da Química Nova.16

Etapa 3 - realização da POC-Lab (prova de conceito em laboratório): as funcionalidades do produto devem ser testadas em laboratório. O produto agora deve ser formulado ou conformado mais próximo de um produto comercial/industrial. Por exemplo, no caso do rejeito X, o mesmo foi transformado em corpos de prova com dimensões definidas por normas técnicas e analisado de acordo com normas técnicas pertinentes. Nesse ponto a tecnologia está no TRL 4.

Etapa 4 - realização de EVTE do produto/processo: nessa etapa é realizado um estudo mais detalhado da viabilidade técnica e econômica (EVTE), incluindo na parte técnica: fluxograma detalhado do processo, balanço de massa, energia, rendimento e parâmetros críticos de operação, além de estimativas de custos e mercado.

Depois de passar pelo P&D em laboratório que mostrou a viabilidade técnica do processo e do produto e por um EVTE mais aprofundado que indicou a viabilidade econômica e mercadológica do produto, está na hora de pensar em ir para a escala piloto. Para isso, o Escalab realiza uma fase preliminar chamada pré-piloto que tem o objetivo de preparar para fase piloto.

O Quadro 3 apresenta a definição de planta piloto, protótipo e prova de conceito (POC).

 

 

Pré-piloto e definição de POC maior

Pré-piloto é uma fase de preparação para a planta piloto. É importante ressaltar que construir e operar uma planta piloto é um processo complexo e de alto custo. Em alguns casos, é extremamente importante considerar os riscos em manipular quantidades maiores de produtos químicos. Nessa fase, temos que ter um projeto básico da planta piloto, com todos os equipamentos bem definidos, onde adquiri-los, o custo de cada equipamento, o espaço físico necessário para montar a planta, assim como os requisitos hidráulicos e elétricos necessários. Além disso, é muito importante ter uma análise cuidadosa dos riscos envolvidos (a exemplo da toxicidade dos produtos a serem manuseados e a possibilidade de incêndio e explosão) e todas as medidas de segurança necessárias. Outro aspecto importante na fase pré-piloto é pensar na quantidade de reagentes a ser manipulada, local para estocagem, possíveis efluentes líquidos e gasosos gerados e rejeitos formados. Também é importante dimensionar a equipe que irá trabalhar na planta. Além de todos esses detalhes mais técnicos, na fase pré-piloto é importante também definir o que será feito com as quantidades maiores de produtos que serão obtidos. Essas quantidades devem ser utilizadas para realizar um teste do produto obtido com clientes reais (POC). Dessa forma, antes mesmo de começar a construção da planta piloto, é importante saber com quais clientes o produto será testado e como será avaliada a performance dele. Essa fase de pré-piloto dura em média de 1 até 3 meses. O Quadro 4 resume os resultados esperados e a importância da fase pré-piloto.

 

 

Escalonamento

No escalonamento, a ideia é executar o processo em escala que pode ir até centenas de quilogramas ou litros (planta piloto). Informações sobre o dimensionamento de uma planta piloto podem ser consultados no Quadro 5. Nessa etapa espera-se entender o processo com vistas a uma escala industrial, definir todos os parâmetros importantes de cada operação unitária, definir equipamentos e custos operacionais com maior precisão, entender a logística do processo, entender os pontos críticos do processo (etapas limitantes, questões ambientais, questões de segurança, entre outros). Além disso, é importante também ter o produto em quantidade suficiente para realizar testes com potenciais clientes e, quem sabe, realizar as primeiras vendas. Todas essas informações são importantes para se realizar uma análise de investimento.

 

 

Como captar esses projetos com indústrias?

Para se conectar às indústrias, o Escalab tem um time de 3 pessoas que atuam exclusivamente na área comercial, mapeando e fazendo contato com mais de 450 indústrias por mês o que leva a 3-6 reuniões com diferentes indústrias por semana. O Quadro 6 apresenta alguns pontos importantes que devem ser levados em consideração para a realização de reuniões com indústrias.

 

 

Além disso, o ESCALAB percebeu que somente o típico P&D com experimentos de laboratório não atendia todas as demandas das indústrias (Quadro 7).

 

 

Programas de pré-aceleração como caminho de empreendedorismo para pesquisadores levarem suas pesquisas ao mercado - os programas realizados pelo Escalab

O Escalab tem realizado vários programas de pré-aceleração e aceleração de tecnologias de universidades nos últimos 5 anos. Esses programas têm dois efeitos principais: (i) estimular o comportamento empreendedor em pesquisadores e alunos (graduandos e pós-graduandos) e (ii) avaliar o potencial industrial e de mercado de tecnologias (Quadro 8).

 

 

A Figura 8 apresenta os potenciais impactos desse processo e a Tabela 2 apresenta os programas de pré-aceleração e aceleração realizados pelos Escalab.

 


Figura 8. Impactos esperados de programas de aceleração de tecnologias

 

 

 

Um exemplo de programa de aceleração Escalab: Escale-se

Escale-se, um programa de inovação aberta do Escalab, foi idealizado em conjunto com outros atores, sendo eles o INCT Midas, o hub de inovação da FIEMG (FIEMG Lab), o CIT Senai MG e Biominas Brasil. Além disso, o Escale-se contou com o apoio da FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) e da empresa multinacional de refratários RHI Magnesita (instituição madrinha).20

A primeira edição do Escale-se teve início em março de 2021, com a publicação do edital e teve término em dezembro de 2022. O edital contemplava a participação de pesquisadores, professores, técnicos, alunos de graduação e pós-graduação de ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia) ou incubadores de Minas Gerais. O edital contou com as seguintes etapas: divulgação de edital, inscrição e seleção, pré-aceleração, pré-escalonamento e escalonamento de tecnologias (Figura 9). Em cada uma dessas etapas as tecnologias foram selecionadas de acordo com critérios específicos para avançar para a próxima etapa.20

 


Figura 9. Etapas do programa de inovação aberta do Escale-se (adaptado de Rezende)21

 

Durante a execução do programa, as tecnologias selecionadas foram avaliadas de acordo com alguns critérios, como viabilidade técnica, econômica e de mercado do novo produto ou processo. Nesse programa, além de pesquisadores que dominam toda a parte técnica da tecnologia, é desejável também a participação de outros profissionais com conhecimentos e vivências prática em diferentes áreas de negócios.20 Esses programas de pré-aceleração/aceleração e seus impactos na transferência de tecnologia e criação de startups serão descritos em detalhes em um próximo artigo.

Programas de inovação aberta com indústria que buscam tecnologias em universidades

O Escalab também executa programas de Inovação Aberta com indústrias. Nesses programas, as indústrias levam seus desafios tecnológicos para as universidades de todo o Brasil. A ideia é mapear pesquisadores e suas tecnologias que possam resolver esses desafios e, em caso de viabilidade técnica e econômica, que essas tecnologias sejam transferidas para as indústrias ou resultem na criação de startups que prestem um serviço para as indústrias. Esses programas são estruturados, executados e gerenciados pelo setor de NN&E (Novos Negócios e Empreendedorismo) do Escalab.

Exemplos de programas de inovação abertas com indústria desenvolvidos pelo Escalab podem ser visualizados na Tabela 3.

 

 

A execução de programas de inovação aberta geralmente é realizada em quatro etapas:

Parceria: a primeira etapa dos programas de inovação aberta tem início a partir de uma parceria entre o Escalab e uma ou mais indústrias, as quais definirão de 1-5 desafios a serem resolvidos. Esses desafios geralmente estão relacionados à resolução de problemas identificados dentro da indústria.

Edital: na segunda etapa é preparado um edital com todas as regras do programa.

Divulgação, inscrições e seleção: na terceira etapa, tem-se a divulgação do edital para todas as universidades brasileiras, de modo que professores, alunos e pesquisadores possam inscrever suas tecnologias para tentar solucionar os problemas definidos no edital. A seleção é um processo muito importante para que os melhores projetos possam ser escolhidos. Ela é feita a partir de uma pré-seleção baseada em um formulário preenchido pelos candidatos e posteriormente por uma entrevista online.

Execução das atividades com as equipes selecionadas: posteriormente, as equipes selecionadas dão início ao programa, no qual receberão toda a orientação (mentorias, capacitações, bancas avaliativas) e ferramentas para a construção de um novo negócio. Essas equipes avaliarão suas tecnologias através de um plano de trabalho com metodologia que envolve aspectos técnicos (desenvolvimento tecnológico) e mercadológicos (modelagem de negócios). Todo esse processo é acompanhado e gerido de perto pela equipe do Escalab.20

Escalab - programa de "go-to-market" para startups

Muitos pesquisadores e seus alunos que passam por esses programas de aceleração e programas de inovação aberta com indústrias, chegam até o Escalab com um time de pesquisadores empreendedores muito entusiasmados, tecnologia com bom nível de maturidade, algumas já escalonadas, testadas e validadas. No entanto, esses pesquisadores empreendedores, normalmente, não sabem dar os próximos passos, como por exemplo buscar um investidor, montar uma operação industrial e comercial, entre outros. O programa Escalab "go-to-market" ajuda essas equipes estruturarem comercial/industrialmente uma empresa, a realizar primeiras vendas e buscar investidores, através de um trabalho mais intenso e personalizado. O Escalab tem hoje 3 startups participando desse programa.

Organograma Escalab

O Escalab, para atender todas as demandas descritas anteriormente, se estruturou em vários setores. Atualmente, o Escalab conta com 35 pessoas, com 2 professores, 3 pós-doutorandos, vários mestres, graduados e graduandos. Nesse time, a maior parte é de químicos, mas fazem parte também engenheiros, pessoas da área de comunicação, gestão e até mesmo um psicólogo (recursos humanos). O Escalab está divido nos seguintes setores: Diretoria; Setor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D); Setor de Escalonamento; Setor de Novos Negócios e Empreendedorismo (NN&E); Setor de ESG (Environmental, Social and Governance); Setor de comunicação, comercial, redes e recursos humanos (RH).

 

CONCLUSÃO

O processo de inovação para tecnologias químicas nascidas em universidades pode ser descrito de forma simplificada por meio das seguintes etapas: realização de ciência de qualidade, proteção da propriedade intelectual, avaliação da oportunidade e a realização de prova de conceito/protótipo. O "Vale da Morte" no processo de inovação e no processo de transferência de uma tecnologia da universidade para o mercado tem início durante as etapas do estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE) e, especialmente, nas etapas de escalonamento e prova de conceito. O Escalab tem trabalhado nesses aspectos desde 2019 com uma série de ações, entre elas mapeamentos tecnológicos e P&D para demandas tecnológicas da indústria, escalonamento de tecnologias, programas de inovação aberta com indústria e inserção de startups de química no mercado através do "programa go-to-market". Compartilhar essas experiências e metodologias com pesquisadores, principalmente da área de química de todo o Brasil, pode ter um impacto significativo na transferência de tecnologia e, especialmente, na formação da cultura de inovação e empreendedorismo dentro do meio acadêmico. Iniciativas como a do Escalab, outros laboratórios e pesquisadores mostram que o nível de maturidade em termos de inovação de nossa comunidade e nossas ICTs tem aumentado fortemente nesses últimos anos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

 

AGRADECIMENTOS

INCT Midas, FAPEMIG, CNPq e CAPES.

 

REFERÊNCIAS

1. Mendonça, I., Desvendando o Direito sobre Patentes: Diferenças, Direitos e Como o Critt Pode Ajudar; https://www2.ufjf.br/critt/2023/06/30/desvendando-o-direito-sobre-patentes-diferencas-direitos-e-como-o-critt-pode-ajudar/, acessado em Junho 2024.

2. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Relatório de Gestão • Exercício de 2021, https://www.ufmg.br/proplan/wp-content/uploads/2022/05/Relatorio-de-Gestao-2021.pdf, acessado em Junho 2024.

3. Spezialli, M. G.; Fundamentos de Patentes para Estudantes dos Cursos de Química, Farmácia e Engenharia Química, 1ª ed.; Marcelo Gomes Speziali / Edição do Autor: Belo Horizonte, 2021.

4. Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Manual Básico para Proteção por Patentes de Invenções, Modelos de Utilidade e Certificados de Adição, https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/materiais-de-consulta-e-apoio, acessado em Junho 2024.

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6. Certi, F.; Guia Prático do TRL - Technology Readiness Levels, 1a ed.; CERTI: Florianópolis, 2023.

7. Mankins, J. C., Technology Readiness Levels, http://www.artemisinnovation.com/images/TRL_White_Paper_2004-Edited.pdf, acessado em Junho 2024.

8. da Silva, A. G.; Vasconcelos, E. P.; Silva, G. G.; de Souza, L. V.; Franco, M. R.; Spezialli, M. G.; de Oliveira, M. P. D.; de Souza, P. M. T.; Lago, R. M.; de Castro, V. G.; Guia Prático de Escalonamento de Tecnologias da Bancada à Planta Piloto: Discussões sobre Como Inovar com sua Pesquisa e se Aproximar da Indústria, 1a ed.; UFMG: Belo Horizonte, 2019.

9. SEBRAE, A Importância da Inovação em Empresas de Base Tecnológica, https://sebraemg.com.br/a-importancia-da-inovacao-em-empresas-de-base-tecnologica/, acessado em Junho 2024.

10. Dallacorte, C.; Alcides, C.; Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Inovação 2017, 2, 23. [Link] acessado em Junho 2024

11. Pires, E. A.; Quintella, C. M. A. L. T.; Holos 2015, 6, 178. [Crossref]

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