JBCS



11:05, qui nov 21

Acesso Aberto/TP




Educação


Proposta de síntese one-pot: práticas experimentais de química orgânica e medicinal a partir da preparação do heterociclo tiazol
One-pot synthesis proposal: experimental practices in organic and medicinal chemistry using the preparation of the thiazole heterocycle as an example

Arlan de Assis GonsalvesI,II; Victória Laysna dos Anjos SantosIII; Sidney Silva SimplicioII; Délis Galvão GuimarãesIII; Cleônia Roberta Melo AraújoI,IV,*

I. Colegiado de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Vale do São Francisco, 56304-917 Petrolina - PE, Brasil
II. Colegiado de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais, Universidade Federal do Vale do São Francisco, 48902-300 Juazeiro - BA, Brasil
III. Programa de Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste de Biotecnologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco, 52171-900 Recife - PE, Brasil
IV. Colegiado de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Biológicas, Universidade Federal do Vale do São Francisco, 56304-917 Petrolina - PE, Brasil

Recebido: 27/04/2024
Aceito: 08/08/2024
Publicado online: 27/09/2024

Endereço para correspondência

*e-mail: cleonia.araujo@univasf.edu.br

RESUMO

In this work we explore some theoretical and practical aspects of one-pot synthesis. The focal point of the study is the preparation of the thiazole heterocycle, with an emphasis on theoretical aspects of the organic and medicinal chemistry of this important privileged structure. The entire set of experimental procedures and characterization steps explored in this work has the potential to assist in the training and/or technical improvement of undergraduate students, and contribute to the teaching of chemistry in Brazilian higher education. It is worth emphasizing these aspects because the experiments shown in the proposed practices involve simple, rapid, low-risk, and low-cost procedures, making it perfectly feasible to reproduce them in undergraduate classes, even in laboratories with limited material resources.

Palavras-chave: cinnamaldehyde; thiosemicarbazone; privileged structure; chemistry teaching.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, publicações científicas em Química Orgânica e Química Medicinal vem combinando conceitos de síntese orientada pela diversidade estrutural, estruturas privilegiadas, núcleos heterocíclicos e/ou síntese one-pot em seus processos de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos.1 Diante de conceitos diferentes, que podem parecer um tanto abstratos quando trabalhados apenas do ponto de vista teórico, aulas práticas experimentais podem auxiliar na compreensão e fixação destes importantes conteúdos por discentes de graduação em Química, Farmácia e/ou Biotecnologia, bem como familiarizar os graduandos em técnicas de Síntese Orgânica.

Assim, levando-se em consideração os objetivos pedagógicos, este trabalho propõe experimentos de síntese e caracterização de um derivado do produto natural cinamaldeído (1), contendo o heterociclo tiazol (tiazol 3), usando a estratégia de síntese one-pot. Para fins comparativos, demonstrativos e de enriquecimento discursivo, também é mostrada de forma suplementar a síntese do tiazol (3) empregando múltiplas etapas, ou seja, inicialmente é preparado o intermediário da rota sintética, a tiossemicarbazona (2), e após isolamento, a mesma é submetida à reação de formação do produto final, o tiazol (3). Tais experimentos servirão para o ensino de tópicos importantes relacionados com pesquisa e desenvolvimento de novos compostos bioativos, e como um exemplo representativo de síntese one-pot. A Figura 1 mostra os reagentes e os produtos de síntese dessa proposta (tiossemicarbazona (2) e tiazol (3)).

 

 

ASPECTOS TEÓRICOS

Heterociclo tiazol na química medicinal

Alguns estudiosos consideram que os anéis aromáticos são os fragmentos moleculares predominantemente presentes nas moléculas dos fármacos. Além disso, é bastante comum as estruturas dos fármacos exibirem mais de um anel, sendo muitos destes heterocíclicos.2 O tiazol é um heterociclo aromático de 5 membros contendo enxofre e nitrogênio. Trata-se de um importante grupamento heterocíclico que pode ser encontrado na estrutura química de alguns produtos naturais, fármacos comerciais e de vários compostos com atividade biológica determinada experimentalmente.3 Esse grupo também é chamado de núcleo tiazolínico, e exibe grande potencial de aplicação na síntese orgânica, sendo por vezes usado em reações de condensação, oxidação, transformação de grupos funcionais e formação de ligação carbono-carbono.4

Do ponto de vista da Química Medicinal o anel tiazólico pode, algumas vezes, exibir bioisosterismo clássico de anel tanto com o oxazol, que é um heterociclo que apresenta o átomo de oxigênio no lugar do átomo de enxofre, quanto com o imidazol, que é um heterociclo que apresenta o átomo de nitrogênio no lugar do átomo de enxofre.5 O núcleo tiazol pode estar presente na estrutura química de compostos bioativos na forma não-condensada, como nos fármacos tiabendazol, ritonavir, meloxicam e nitazoxanida, ou na forma condensada com outros ciclos, como no fármaco etoxzolamida (Figura 2).6,7

 

 

Em termos de atividade biológica o tiazol pode ser considerado uma estrutura privilegiada em Química Medicinal pois, a presença desse núcleo heterocíclico em uma substância de origem natural ou sintética pode ampliar o número de atividades biológicas de interesse.1 É vasta a gama de atividades biológicas que compostos tiazólicos podem exibir, sendo possível encontrar na literatura8 relatos de ação anticâncer, anti-inflamatória, antimicrobiana, antiviral e anticonvulsivante.

O heterociclo tiazol pode ser sintetizado por diferentes metodologias, contudo, um exemplo clássico é o emprego da reação de Hantzsch com compostos α-halocarbonílicos. Nesse processo promove-se uma condensação entre uma tioamida e uma α-halocetona, com formação de um intermediário ceto-tioamida, a qual sofre ciclização e posterior desidratação para gerar o anel tiazol (Figura 3).9

 

 

Síntese one-pot

A característica básica da síntese one-pot é a obtenção de um produto de síntese almejado através de algumas reações conduzidas em um mesmo frasco reacional, e sem realizar etapa de isolamento de intermediários.11 É válido destacar que essa não é uma estratégia nova em síntese orgânica. No excelente artigo de revisão de Hayashi,12 o autor relata que em 1917 foi descrita a síntese one-pot do alcalóide tropinona por Robert Robinson, a qual tornou-se o marco representativo do emprego inicial desta metodologia sintética. Conforme descrito por Andrade e Mattos,11 uma síntese conduzida de forma one-pot (em um mesmo frasco reacional) pode ter diferentes abordagens, tais como: reações multicomponentes, tandem, cascata, dominó e telescópica; contudo, tais termos não serão detalhados neste trabalho.

Métodos de síntese via estratégia one-pot podem conferir algumas vantagens quando comparados com sínteses tradicionais em múltiplas etapas, tais como: redução de custos, de tempo e de energia, devido principalmente à não necessidade de isolamento de intermediários sintéticos; além de melhores rendimentos reacionais devido, novamente, à minimização de perdas em etapas de separação e/ou purificação de intermediários.13

No aspecto ambiental defende-se que a síntese one-pot incorpora alguns princípios da Química Verde, pois contribui para a redução do consumo de solventes e a minimização de resíduos,14 e adota a "economia atômica", uma vez que a quase totalidade dos átomos presentes nos reagentes irão compor a estrutura química do produto final.15

Como desvantagem desse processo podem-se citar que: em diversas vezes não é possível conduzir etapas reacionais distintas e sucessivas sem o isolamento de intermediários sintéticos, bem como, não é possível alterar drasticamente no frasco reator a mistura de solventes e reagentes (e/ou outras substâncias) existentes no meio reacional. Tais fatos tornam a síntese one-pot um desafio para ser implementada com sucesso na prática, requerendo estudos e um planejamento minucioso para moderar a reatividade química em diferentes etapas, escolher taticamente reagentes e solventes para todo o processo, e buscar condições reacionais que minimizem a geração de subprodutos e a ocorrência de reações secundárias.12

Na função de pesquisa avançada usando a base de dados da plataforma ScienceDirect®16 - com os termos "one-pot synthesis" e "one-pot synthesisANDthiazole", com restrição de busca para a presença obrigatória desses termos no título, abstract e/ou palavras-chave - encontrou-se o quantitativo de artigos de pesquisa mostrado na Figura 4. Com esta pesquisa rápida já se constata que o interesse na síntese one-pot, bem como na síntese one-pot especificamente de compostos com o núcleo tiazol, vem aumentando ano a ano, sendo um reflexo provavelmente dos aspectos positivos dessa estratégia sintética, e do potencial farmacológico que esta classe de substâncias pode apresentar. Esta pesquisa bibliográfica também reforça a importância de incentivar a aprendizagem desses temas no ensino superior, considerando a área de Química e afins.

 

 

PARTE EXPERIMENTAL

Equipamentos

Os perfis cromatográficos dos produtos de síntese foram avaliados usando placas de cromatografia em camada delgada (CCD) de sílica-gel (2,5 × 5 cm) com indicador de fluorescência GF254 e câmara escura de UV Solab (SL-204). As determinações de ponto de fusão (PF) foram realizadas empregando-se um fusiômetro digital Microquímica (MQAPF-302). Espectros de absorção molecular na região do UV-Vis foram obtidos usando o espectrofotômetro Nova Instruments (NI-1600 UV). O espectro de infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) foi registrado utilizando espectrômetro Shimadzu (IRTracer-100, método ATR). Já os espetros de ressonância magnética nuclear (RMN) de 1H e 13C foram obtidos no espectrômetro Bruker (modelo AscendTM 400).

Reagentes e materiais

Para a realização dos experimentos de síntese foram utilizados os reagentes: trans-cinamaldeído (97%, Sigma-Aldrich, MM = 132,16 g mol-1), tiossemicarbazida (99%, Sigma-Aldrich, MM = 91,14 g mol-1), 2-bromoacetofenona (98%, Sigma-Aldrich, MM = 199,04 g mol-1), álcool etílico absoluto (99%, Prolink), metanol (99%, Vetec), hidróxido de sódio (98%, Dinâmica) e ácido fosfórico concentrado (85%, Anidrol).

Sequência didática das aulas práticas

Este trabalho visa descrever uma sequência de experimentos, envolvendo síntese e caracterização físico-química da tiossemicarbazona (2) e tiazol (3) na forma de aulas práticas complementares. Propõe-se a abordagem do conteúdo em duas aulas práticas isoladas, com duração de até 2 h cada, ficando a critério do professor seguir integralmente a proposta apresentada ou fazer adaptações.

Proposta de aula experimental 1: sínteses

Na primeira aula experimental sugere-se que os estudantes sejam separados em até 3 grupos. Um dos grupos ficará responsável por produzir o intermediário reacional (tiossemicarbazona (2), derivada do cinamaldeído (1)); outro grupo ficará responsável por preparar o tiazol (3) usando a estratégia de síntese one-pot; e um terceiro grupo poderá sintetizar o tiazol (3) por síntese linear em duas etapas. É interessante que os resultados obtidos por cada grupo sejam compartilhados com toda a turma. É válido reforçar que a síntese e isolamento da tiossemicarbazona (2) é importante, pois servirá para fins comparativos, demonstrativos, e para enriquecer a discussão dos resultados.

Para a síntese tradicional da tiossemicarbazona (2), ou (E)-2-((E)-3-fenilalideno)hidrazina-1-carbotioamida (C10H11N3S, 205,28 g mol-1), os estudantes devem seguir o seguinte roteiro experimental: pesar 0,132 g de cinamaldeído (1 mmol) em balão de reação de 25 mL. Pesar 0,092 g de tiossemicarbazida (1 mmol) e transferir esse sólido para o balão. Adicionar ao balão, nesta ordem, 4 mL de etanol absoluto, 1 mL de água destilada e 10 gotas de ácido fosfórico concentrado. Deixar a reação ocorrer à temperatura ambiente por 30 min sob agitação magnética. Adicionar 10 mL de solução aquosa de NaOH a 1,0 mol L-1 e filtrar à vácuo a mistura reacional, lavando o sólido com 25 mL de água destilada à temperatura ambiente. Deixar o sólido secar à temperatura ambiente no próprio papel de filtro até a próxima aula prática (no mínimo 48 h), onde o produto deverá ser removido do papel e pesado para o cálculo de rendimento reacional bruto.

Na síntese one-pot do tiazol (3), ou 4-fenil-2-(2-((1E, 2E)-3-fenilalideno)hidrazinil)tiazol (C18H15N3S, 305,40 g mol-1), os estudantes devem seguir o seguinte roteiro experimental: repetir exatamente o procedimento experimental anterior (síntese da tiossemicarbazona (2)), dando uma pausa no momento em que a reação atingir os 30 min. Deste ponto em diante pesar 0,20 g (1 mmol) de 2-bromoacetofenona e dissolver em 5 mL de etanol absoluto. Adicionar esta solução à mistura reacional anterior e manter a reação ocorrendo à temperatura ambiente sob agitação magnética por mais 30 min. Filtrar à vácuo a mistura reacional e lavar o sólido com 25 mL de etanol a 75% (v v-1) em água destilada à temperatura ambiente. Deixar o sólido secar à temperatura ambiente no próprio papel de filtro até a próxima aula prática (no mínimo 48 h), onde o produto deverá ser removido do papel e pesado para o cálculo de rendimento reacional bruto.

Já a metodologia de síntese linear do tiazol (3) em duas etapas segue descrita no Material Suplementar. A realização desta síntese é opcional, e caso o professor opte em adotá-la recomenda-se que no laboratório já esteja disponível a tiossemicarbazona (2), previamente sintetizada, isolada e seca. Neste caso, um terceiro grupo de estudantes pode ficar responsável por este procedimento experimental.

Proposta de aula experimental 2: caracterizações

Com os produtos reacionais secos (tiossemicarbazona (2) e tiazol (3)) deve-se removê-los dos papéis e pesá-los para os respectivos cálculos de rendimento reacional bruto (rendimento sem purificação). Determinar os respectivos PF no fusiômetro e avaliar o perfil cromatográfico em CCD usando hexano:acetato de etila 3:1 como eluente, e sob revelação em luz UV (254 nm) e iodo. Caso o professor da disciplina prefira, o hexano pode ser substituído por heptano (menos tóxico) na CCD.

Obter espectros de varredura UV-Vis em soluções a 10 mg L-1 dos produtos de síntese, usando uma solução hidroalcóolica de metanol a 80% (v v-1) como solvente e também como "branco" espectrofotométrico. A varredura pode ser feita entre 220 e 420 nm, a intervalos de 10 nm, usando cubetas de quartzo.

Caso haja disponibilidade, providenciar análises de FTIR e RMN de 1H e 13C dos produtos de síntese (purificados previamente por recristalização ou coluna cromatográfica). Como alternativa pode-se optar em mostrar aos estudantes estes espectros, já disponibilizados no Material Suplementar.

Aspectos de segurança

É recomendado que durante a pesagem do reagente 2-bromoacetofenona (na síntese one-pot do tiazol (3)) o estudante utilize luvas, óculos de proteção e máscara descartável. Isto deve-se aos vapores irritantes que este reagente libera, ainda que o mesmo esteja em fase sólida. Já durante a realização das reações recomenda-se que tais procedimentos ocorram dentro de capelas de exaustão (ligadas), caso estejam disponíveis no laboratório didático.

Também se recomenda que a mistura reacional filtrada na síntese one-pot do tiazol (3) seja armazenada em um frasco de vidro para resíduo, visando uma coleta futura por empresa e/ou setor de tratamento de resíduos da universidade. É importante fixar o aviso no frasco de que tal recipiente contém substâncias residuais derivadas de bromo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Aula prática de síntese

Na síntese da tiossemicarbazona (2), derivada do cinamaldeído (1), os estudantes deverão obter nesse procedimento um sólido amarelo claro amorfo. O rendimento reacional bruto de síntese da tiossemicarbazona (2) deverá ser próximo de 79%. Já o tiazol (3) deverá mostrar-se como um sólido laranja claro amorfo quando seco à temperatura ambiente. Quanto ao rendimento reacional bruto na obtenção do tiazol (3) por síntese one-pot, este deverá ser próximo de 99%.

Durante essa aula prática os grupos de estudantes deverão perceber que o cinamaldeído (1) (material de partida) é um líquido amarelo à temperatura ambiente, e que os produtos de síntese, tanto a tiossemicarbazona (2) quanto o tiazol (3), são sólidos (Quadro 1). Durante a síntese one-pot o estudante irá perceber no meio reacional uma mudança sutil no aspecto do sólido da tiossemicarbazona (2), que é granuloso e tem maior tamanho de partícula, para um aspecto de sólido fino e de reduzido tamanho de partícula. Este último aspecto se tornará mais evidente quando o tiazol (3) se tornar o componente majoritário na reação. Em termos de coloração também será perceptível um tom de amarelo claro para a tiossemicarbazona (2) (após os 30 min iniciais da reação), e um tom de laranja claro para o tiazol (3) (após os 60 min de reação).

 

 

Para fins demonstrativos, o experimento de síntese one-pot do tiazol (3) também foi realizado sob acompanhamento por cromatografia em camada delgada (CCD), a intervalos de tempo pré-definidos (10 min), gerando o perfil reacional demonstrado na Figura 5. O acompanhamento da reação permitiu verificar que 30 min (ponto 5) e 60 min (ponto 9) são suficientes para a reação de formação da tiossemicarbazona (2) (seta preta, Rf (fator de retenção) = 0,25) e tiazol (3) (seta vermelha, Rf = 0,60), respectivamente. A CCD de acompanhamento também revelou: (i) que foram formados alguns subprodutos reacionais (não identificados); (ii) que em 70 min de reação à temperatura ambiente ainda existe resquícios de intermediário reacional (tiossemicarbazona (2)); (iii) que não seria vantagem prolongar demais a etapa da reação de ciclização para além de 30 min (ou 60 min de tempo reacional total), pois provavelmente o ganho extra, em termos de rendimento reacional, não seria significativo. Além disso, a adoção dessa proposta experimental como aula prática poderia ser dificultada caso a reação sob estudo seja prolongada demais.

 

 

Em ambas as sínteses os rendimentos brutos são muito bons, e tais fatos permitem que tanto a visualização dos produtos quanto a manipulação dos mesmos pelos estudantes sejam facilitadas, já que os sólidos retidos nos papeis de filtro apresentam massas consideráveis, mesmo partindo-se de apenas 1 mmol dos reagentes. Além disso, os procedimentos sintéticos propostos mostram-se simples, rápidos, e de baixo risco e custo, sendo perfeitamente viável reproduzi-los em aulas de graduação, mesmo em laboratórios com poucos recursos materiais. A facilidade de execução dessa proposta experimental pode ainda estimular a introdução dessa atividade prática na sequência regular de experimentos das disciplinas de Química Orgânica, Síntese Orgânica e/ou de Química Medicinal, seja em aulas de graduação ou pós-graduação.

É importante deixar claro aos estudantes que também é possível sintetizar o tiazol (3) a partir da tiossemicarbazona (2) empregando-se síntese linear de duas etapas (metodologia descrita no Material Suplementar). Neste caso, o intermediário tiossemicarbazônico deve ser inicialmente sintetizado e separado da mistura reacional, seco e pesado, para só depois proceder com a etapa de ciclização por reação com a 2-bromoacetofenona, seguindo o mecanismo proposto por Hantzsch (Figura 3).10 Contudo, sabe-se que uma desvantagem da síntese linear em múltiplas etapas é justamente uma menor taxa de rendimento, já que a realização de mais procedimentos experimentais em sequência, principalmente se envolver separação (isolamento), geralmente leva a perdas de massa de produtos intermediários e, consequentemente, a um menor rendimento global, o qual é dependente dos rendimentos nas etapas individuais da síntese.17 Novamente, para fins demonstrativos e comparativos, também foi realizada a síntese linear do tiazol (3) em duas etapas, partindo-se da tiossemicarbazona (2) previamente sintetizada e isolada (Material Suplementar). Neste caso, a etapa 1 (síntese da tiossemicarbazona) revelou 79% de rendimento bruto, enquanto que a etapa 2 (síntese do tiazol) revelou um rendimento bruto de 90%, ou seja, menor do que a síntese one-pot produziu, que foi de 99%. Assim, considerando esta síntese linear em duas etapas, o rendimento global (Rg) seria calculado como: Rg = 0,79 (etapa 1) × 0,90 (etapa 2) = 0,711, ou seja, cerca de 71%. Ao explicar tais cálculos o professor deve deixar claro aos estudantes que esses rendimentos foram todos obtidos sem realizar purificações do intermediário e do produto final e que, portanto, o rendimento global seria menor que 71% se fossem feitos os cálculos com os produtos de síntese previamente purificados por recristalização ou coluna cromatográfica.

Aula prática de caracterização

A caracterização da tiossemicarbazona (2) pode mostrar um PF entre 89 e 94 ºC. Silva et al.18 relataram PF para cristais dessa substância entre 110 e 113 ºC. Cabe lembrar que neste experimento o PF foi determinado usando o sólido amorfo como amostra, sem purificação prévia. Já no caso do tiazol (3), o PF pode mostrar uma faixa entre 218 e 221 ºC. A busca estrutural pelo tiazol (3) utilizando o SciFindern (CAS) não mostrou relatos de síntese dessa substância, assim, na literatura científica não foram encontrados dados disponíveis de PF para essa substância. Contudo, Lino et al.19 relataram PF de um análogo do tiazol (3) entre 195 e 197 ºC. Neste caso, no referido análogo, a diferença reside apenas na presença de um átomo de cloro (-Cl), ao invés de um átomo de hidrogênio (-H), na posição para do anel benzênico vizinho ao núcleo tiazólico.

Na Figura 1S (Material Suplementar) é possível ver a CCD dos compostos isolados após as reações. Na revelação em UV visualiza-se no ponto de aplicação 1 o perfil cromatográfico do reagente de partida cinamaldeído (1), o qual revela algumas impurezas e a mistura cis e trans, sendo o isômero trans majoritário de acordo com o fornecedor (Rf = 0,73). Já nos pontos de aplicação 2 e 3 nota-se a tiossemicarbazona (2) (Rf = 0,27) e o tiazol (3) (Rf = 0,58), respectivamente. Os alunos devem perceber que o cinamaldeído (1) só é revelado na luz UV (254 nm), sendo quase imperceptível após revelação com iodo. Já os produtos de síntese tornam-se bem evidentes nestes dois reveladores. Essa CCD também mostra que a tiossemicarbazona (2), obtida por síntese tradicional, e o tiazol (3), obtido por síntese one-pot, já são isolados da reação quase puros, sendo que nenhuma etapa de purificação foi realizada previamente à cromatografia.

Em termos de solubilidade, a tiossemicarbazona (2) mostra-se solúvel em etanol absoluto, acetona e metanol. Já o tiazol (3) mostra-se solúvel em acetona, parcialmente solúvel em metanol, e pouco solúvel em etanol (principalmente em etanol hidratado). Essa característica é importante pois, na etapa final de síntese one-pot, e durante a lavagem com etanol a 75% (v v-1) em água, é possível remover resíduos de tiossemicarbazona (2) que não reagiram, e assim, obter um produto final mais puro.

Na caracterização por espectrofotometria UV-Vis os estudantes devem perceber que o reagente de partida (cinamaldeído (1)), intermediário (tiossemicarbazona (2)) e o produto final (tiazol (3)) possuem perfis de absorção molecular distintos. Na Figura 6, o cinamaldeído (1) mostra uma banda intensa de absorção em torno de 285 nm, sendo provavelmente referente à transição n → π* da carbonila (C=O) da função aldeído em conjugação com a insaturação. A tiossemicarbazona (2) mostra bandas de absorção com máximos em torno de 230 nm (banda K ou transição π → π*) e 335 nm (transição n → π*). Já o tiazol (3) mostra bandas discretas, em relação às bandas das substâncias precursoras, com máximos de absorção em torno de 285 e 355 nm, as quais podem ser oriundas de transições n → π* de pares de elétrons não ligantes dos heteroátomos de N e S do grupo hidrazona e anel tiazólico vizinhos. Em 2024, Shinde et al.20 obtiveram experimentalmente espectros de varredura UV-Vis de derivados tiazólicos, contendo uma região cromófora semelhante ao tiazol (3), e verificaram bandas com máximos de absorção em 310 e 348 nm em dimetilssulfóxido (DMSO). Isso mostra perfis de absorção molecular semelhantes nestes derivados, os quais são chamados de forma mais específica de derivados do tipo "hidrazinil-tiazol" por possuírem a função hidrazona ligada ao núcleo tiazol.

 

 

No espectro de FTIR da tiossemicarbazona (2) (Figura 2S, Material Suplementar) são observadas diversas bandas, com os principais estiramentos em: 3415, 3258 e 3152 cm-1 (υ N-H); 1596 cm-1 (υ C=C), 1535 cm-1 (υ C=N) e 1082 cm-1 (υ C=S). Essas bandas são características dos grupos funcionais existentes neste intermediário, com os sinais específicos da amina, insaturações, azometina do grupo tiossemicarbazona e tioureia, sendo concordantes com os relatos de Tenório.21 Já no espectro de FTIR do tiazol (3) (Figura 3S, Material Suplementar) destacam-se as bandas com estiramentos em 1638 cm-1 (υ C=N) e 1068 cm-1 (υ C-S), provavelmente referentes à presença do anel tiazol. Em comparação dos espectros de IV, percebe-se a ausência da banda larga da amina primária (3415 cm-1) na tiossemicarbazona (2), indicando a ocorrência de reação envolvendo este grupo para a formação do núcleo tiazólico no produto final.

No espectro de RMN de 1H da tiossemicarbazona (2) (Figura 4S, Material Suplementar) são observados sinais característicos dos núcleos de 1H deste intermediário, sendo registrados em DMSO-d6 (400 MHz) os seguintes deslocamentos (d em ppm): 11,39 (s, 1H), 8,28-7,80 (m, 2H), 7,70-7,22 (m, 6H) e 6,91 (dt, J 16,0 e 12,7 Hz, 2H). Neste caso, o simpleto em 11,39 ppm refere-se ao hidrogênio do grupo hidrazínico (C=N-N-H). Já em RMN de 13C (Figura 5S, Material Suplementar) a tiossemicarbazona (2) revela alguns sinais em DMSO-d6 (100 MHz), porém, os mais característicos surgem em 178,18 ppm (C=S) e 145,21 ppm (C=N), sendo referentes aos grupos tioureia e azometina, respectivamente.

O professor pode concluir esta sequência de aulas práticas mostrando as elucidações por RMN do tiazol (3). Neste caso, o espectro de 1H (Figura 6S, Material Suplementar) revelará sinais característicos do produto final (em CDCl3) nos seguintes deslocamentos químicos (ppm): 8,14 (d, J 9,0 Hz, 1H), 7,75-7,59 (m, 2H), 7,50-7,18 (m, 9H) e 6,85 (m, 3H). Neste caso, o hidrogênio característico do núcleo tiazol (C=C-H) surge compondo o multipleto em torno de 6,85 ppm. Na análise de 13C (Figura 7S, Material Suplementar) foram encontrados todos os sinais de carbono do tiazol (3), porém, os mais característicos surgem em 152,57 ppm (C=N) e 142,11 ppm (C=C), sendo referentes aos carbonos do núcleo tiazol. Tais valores de RMN são concordantes com um tiazol análogo ao produto final sintetizado neste trabalho e relatado por Anbazhagan e Sankaran.22

Os resultados obtidos com essas caracterizações permitem confirmar a síntese do tiazol (3), um derivado do produto natural cinamaldeído (1), exemplificando também a estratégia de semissíntese na obtenção de novos compostos promissores. Chen et al.23 relataram que a síntese de derivados do cinalmadeído (1) é atrativa pois essa substância traz consigo o grupo cinamoil, que é uma estrutura privilegiada capaz de interagir com enzimas e/ou receptores biológicos e, com isso, gerar respostas farmacológicas de interesse em aplicações terapêuticas e preventivas.

 

CONCLUSÕES

Com os experimentos propostos os estudantes podem obter o tiazol (3) empregando-se a estratégia de síntese one-pot. Essa metodologia pode ser vista como uma novidade no aspecto educativo, por ainda não ser explorada em livros destinados à graduação. Além disso, a pesquisa bibliográfica por artigos envolvendo essa estratégia sintética e o núcleo tiazólico revelou um aumento crescente do interesse da comunidade científica, fato que contribui para reforçar a publicação de trabalhos que abordem tais temas com foco no ensino. Por fim, todo o conjunto de procedimentos experimentais e de caracterização explorado no presente trabalho também tem potencial em ajudar no treinamento e/ou aprimoramento técnico do graduando, e até de pós-graduandos, nas áreas de Química Orgânica, Síntese Orgânica e Química Medicinal.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

Espectros de FTIR e de RMN de 1H e 13C da tiossemicarbazona (2) e tiazol (3) estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, em arquivo pdf, com livre acesso.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores desejam agradecer à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE, processo APQ-0788-1.06/22 e APQ-0184-1.06/24) pelo apoio financeiro. O agradecimento também se estende ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sendo importante informar que o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (CAPES) - código de financiamento 001.

 

REFERÊNCIAS

1. Sangi, D. P.; Quim. Nova 2016, 39, 995. [Crossref]

2. Ferreira, E. I.; Barreiro, E. J.; Giarolla, J.; Parise Filho, R.; Fundamentos de Química Farmacêutica Medicinal, 1ª ed.; Manole: Santana de Parnaíba, 2022.

3. Singh, A.; Malhotra, D.; Singh, K; Chadha, R.; Bedi, P. M. S.; J. Mol. Struct. 2022, 1266, 133479. [Crossref]

4. Souza, M. V. N.; Ferreira, S. B.; Mendonça, J. S.; Costa, M.; Rebello, F. R.; Quim. Nova 2005, 28, 77. [Crossref]

5. Barreiro, E. J.; Fraga, C. A. M.; Química Medicinal, 3ª ed.; Artmed: Porto Alegre, 2015.

6. Evren, A. E.; Yurttaş, L.; Gencer, H. K.; Braz. J. Pharm. Sci. 2022, 58, e19248. [Crossref]

7. Thomas, L. L.; David, A. W.; Foye's Principles of Medicinal Chemistry, 7th ed.; Lippincott Williams & Wilkins: Philadelphia, 2012.

8. Kalashnikov, S. B.; Vinogradov, A. S.; Bagryanskaya, I. Y.; Mezhenkova, T. V.; Mendeleev Commun. 2024, 34, 277. [Crossref]

9. Chugh, V.; Pandey, G.; Rautela, R.; Mohan, C.; Mater. Today: Proc. 2022, 69, 478. [Crossref]

10. Erian, A. W.; Sherif, S. M.; Gaber, H. M.; Molecules 2003, 8, 793 [Crossref]; ScienceDirect, Hantzsch Thiazole Synthesis, https://www.sciencedirect.com/topics/chemistry/hantzsch-thiazole-synthesis, acessado em Setembro 2024.

11. Andrade, V. S. C.; Mattos, M. C. S.; Quim. Nova 2021, 44, 912. [Crossref]

12. Hayashi, Y.; Chem. Sci. 2016, 7, 866. [Crossref]

13. Deshmukh, S. S.; Disale, S. T.; More, D. H.; Sapkal, B. M.; Tetrahedron Lett. 2024, 135, 154885. [Crossref]

14. Mamand, S. O.; Abdul, D. A.; Ayoob, M. M.; Hussein, A. J.; Samad, M. K.; Hawaiz, F. E.; Inorg. Chem. Commun. 2024, 160, 111875. [Crossref]

15. Santos, V. L. A.; Gonsalves, A. A.; Araújo, C. R. M.; Quim. Nova 2020, 43, 1344. [Crossref]

16. ScienceDirect, https://www.sciencedirect.com, acessado em Setembro 2024.

17. Machado, A. A. S. C.; Quim. Nova 2011, 34, 1862. [Crossref]

18. Silva, J. B. P.; Navarro, D. M. A. F.; Silva, A. G.; Santos, G. K. N.; Dutra, K. A.; Moreira, D. R.; Ramos, M. N.; Espíndola, J. W. P.; Oliveira, A. D. T.; Brondani, D. J.; Leite, A. C. L.; Hernandes, M. Z.; Pereira, V. R. A.; Rocha, L. F.; Castro, M. C. A. B.; Oliveira, B. C.; Lan, Q.; Merz Junior, K. M.; Eur. J. Med. Chem. 2015, 100, 162. [Crossref]

19. Lino, C. I.; Souza, I. G.; Borelli, B. M.; Matos, T. T. S.; Teixeira, I. N. S.; Ramos, J. P.; Fagundes, E. M. S.; Fernandes, P. O.; Malrarollo, V. G.; Johann, S.; Oliveira, R. B.; Eur. J. Med. Chem. 2018, 151, 248. [Crossref]

20. Shinde, R. A.; Adole, V. A.; Jagdale, B. S.; J. Mol. Struct. 2024, 1300, 137096. [Crossref]

21. Tenório, R. P.: Síntese de Tiosemicarbazona Substituídas e Derivados de 4-Tiazolidinonas e Avaliação In Vitro Contra Toxoplasma gondii; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, Brasil, 2005. [Link] acessado em Setembro 2024.

22. Anbazhagan, R.; Sankaran, K. R.; J. Mol. Struct. 2013, 1050, 73. [Crossref]

23. Chen, B. J.; Fu, C. S.; Li, G. H.; Wang, X. N.; Lou, H. X.; Ren, D. M.; Shen, T.; Mini-Rev. Med. Chem. 2017, 17, 33. [Crossref]

 

Editor Associado responsável pelo artigo: Giovanni W. Amarante

On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
Qu�mica Nova
Publica��es da Sociedade Brasileira de Qu�mica
Caixa Postal: 26037 05513-970 S�o Paulo - SP
Tel/Fax: +55.11.3032.2299/+55.11.3814.3602
Free access

GN1