JBCS



15:25, qui nov 21

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Nota Técnica


Separação e determinação quantitativa dos alcanos lineares e dos cíclicos/ramificados em petróleos brasileiros por aduto de ureia e cromatografia gasosa: um estudo de caso revisitado
Separation and quantitative determination of linear and cyclic/branched alkanes in brazilian petroleum using urea adduction and gas cromatography: a case study revisited

Elaine Marotta*; Francisco Radler de Aquino Neto; Débora de Almeida Azevedo

Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 20/03/2014
Aceito em 22/07/2014
Publicado na web em 22/09/2014

Endereço para correspondência

* e-mail: elaine.marotta@yahoo.com.br

RESUMO

A complete analysis of oils and their fractions allows correlations to be defined between their composition and derivatives or related geological materials. This work focused on optimization and implementation of a method for separation and quantification of n-alkanes in Brazilian oil samples by urea adduction and GC-FID techniques. Ten samples with different ºAPI were analyzed in triplicate to quantify individual n-alkanes and cyclic/branched alkane fraction. For individual quantification of n-alkanes, internal standardization with deuterated n-tetracosane was used. The use of urea adduction for the separation and quantification of n-alkanes was highly effective, with recovery values of above 80%.

Palavras-chave: urea adduction; crude oil; gas chromatography.

INTRODUÇÃO

A obtenção de frações de petróleo enriquecidas em uma determinada classe de compostos é de grande interesse, pois permite uma separação melhor, com a caracterização individual de compostos, além de uma quantificação mais confiável. Isto é de importância particular na indústria de petróleo, seja na área do refino, através da quantificação individual das parafinas, ou na área de geoquímica orgânica, com a obtenção de um pico cromatográfico resolvido, para determinar, por exemplo, o valor de isótopos de carbono estável (δ13C) por cromatografia gasosa acoplada a forno de combustão acoplado a espectrometria de massas por razão isotópica (CG-C-EMRI).

Esta separação faz-se muito necessária quando da caracterização de petróleos pesados, com baixo valor de ºAPI (< 22º),1 com uma grande mistura complexa não resolvida cromatograficamente, o que torna difícil a análise por cromatografia gasosa com detecção por ionização em chama (CG-DIC) ou por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (CG/EM).2,3 O interesse nos n-alcanos advém por estes constituírem matéria-prima para a indústria petroquímica, na produção de detergentes sintéticos biodegradáveis, lubrificantes, aditivos para combustíveis, plastificantes, solventes, entre outros. Por outro lado, n-alcanos de cadeia longa aumentam o ponto de fluidez do óleo, podendo formar materiais sólidos durante a produção, o transporte e a estocagem de fluidos do petróleo. Em casos mais graves, esses n-alcanos precipitam durante o tratamento do óleo cru ou até mesmo no poço, obstruindo tubulações e equipamentos.4

A análise direta de n-alcanos (parafinas) no petróleo (óleo bruto) por cromatografia gasosa é geralmente insatisfatória devido a problemas de resolução encontrados em amostras muito complexas. Dessa forma, diversos processos de separação são utilizados para isolar alcanos lineares, como por exemplo, destilação, extração líquido-líquido e cristalização fracionada. Entretanto, os processos de separação baseados na adsorção seletiva têm tido uma grande importância. Nestes processos, os alcanos lineares são separados de outras moléculas, como os hidrocarbonetos ramificados e cíclicos, os hidrocarbonetos aromáticos, pela adsorção seletiva em peneira molecular do tipo 5 Å ou pela formação de aduto de ureia.5,6 A ureia forma compostos de inclusão ao gerar cristais com cavidades tubulares em torno das cadeias hidrocarbônicas, enquanto que a peneira molecular já apresenta uma cavidade em sua estrutura.7,8

Os processos de cristalização, como a formação de adutos, apresentam algumas vantagens, já que utilizam uma carga térmica baixa e uma eficiência alta de separação. Métodos de recuperação com aduto de ureia envolvem a remoção de n-alcanos com ureia e posterior recuperação dos mesmos, pela destruição do aduto formado. O aduto de ureia pode ser destruído simplesmente por adição de água, o que torna o método mais simples do que o método de recuperação por peneira molecular que requer digestão em ácido fluorídrico.9,10

Para a separação dos n-alcanos são utilizados ainda procedimentos com silicalite, na qual os n-alcanos são ocluídos de forma mais rápida que na peneira molecular. Esse procedimento pode ser vantajoso para isolar e enriquecer frações de compostos cíclicos e ramificados de grande interesse geoquímico.11 Entretanto, para análise dos n-alcanos, também se faz necessária a destruição da estrutura do silicato através do uso de ácido fluorídrico.12

A ureia é capaz de formar compostos de inclusão cristalina bem definidos com alcanos de cadeia linear com seis ou mais átomos de carbonos. A especificidade ocorre através da formação de uma rede cristalina ao redor de cadeias de alcanos lineares e ramificados com poucas substituições de grupos metila.13

O aduto de ureia também é conhecido como um sistema de inclusão, onde um composto, chamado de hóspede, fica confinado dentro de uma rede de um hospedeiro. No caso do aduto de ureia, o hospedeiro é um arranjo das moléculas de ureia formado por ligações hidrogênio. A estrutura deste arranjo contém túneis paralelos e lineares dentro dos quais os n-alcanos ficam densamente ocluídos.14 O diâmetro mínimo dos túneis formados pela rede cristalina abrange uma faixa de 5,5 a 5,8 Å.15 A compatibilidade estrutural entre o hóspede (n-alcano) e hospedeiro (ureia) é um requisito fundamental para a maioria dos sistemas de inclusão. Desta forma, alcanos altamente ramificados e cíclicos não possuem a dimensão crítica e nem a simetria necessária para formar os cristais de aduto.16-21 Embora a ureia cristalize em uma forma tetragonal, estudos de raios-X mostraram que em compostos de inclusão (aduto) os cristais apresentam uma forma hexagonal. Na formação do aduto, as moléculas de ureia constroem em volta dos n-alcanos uma estrutura helicoidal. Se as moléculas hóspedes são removidas do composto de inclusão, a estrutura de canais colapsa e a ureia recristaliza sem a presença de túneis vazios.16,19

Apesar de ser bastante consolidada, a indústria petroquímica tem grande interesse em aprimorar métodos e tecnologias para através destes desenvolver produtos e derivados do petróleo com maior qualidade e valor agregado. Uma análise completa dos óleos e suas frações permite definir correlações entre sua composição e seus derivados. A otimização dos processos de separação, tais como a técnica de aduto de ureia, auxilia na melhoria dos métodos de quantificação dos n-alcanos e na consequente caracterização do petróleo. Sendo assim, a referida técnica fornece ainda subsídios para que a indústria do petróleo possa quantificar e caracterizar parafinas de maneira simples e eficiente.

Por outro lado, existe também grande interesse na melhor separação e no enriquecimento da fração de alcanos cíclicos/ramificados (C/R) para uma caracterização mais acurada através da cromatografia gasosa acoplada a forno de combustão acoplado à espectrometria de massas de razão isotópica (CG/C/EMRI) e da análise por cromatografia gasosa bidimensional abrangente (CG×CG), já que com a separação das parafinas diminuem as possibilidades de coeluições e ocorre um aumento da sensibilidade de compostos em menores concentrações.22,23

A identificação e o isolamento de compostos individuais e até mesmo de classes específicas de compostos em amostras complexas como o petróleo é uma tarefa difícil. Mesmo depois da introdução de técnicas mais poderosas e de maior resolução, uma maior simplificação da amostra ainda é necessária. Além disso, atualmente, nota-se que os parâmetros físico-químicos tradicionais não estão sendo suficientes para a caracterização de petróleos quando de sua aplicação em transporte e refino. Quanto maior e mais confiável a caracterização desses óleos, inclusive ao nível molecular, maior é a otimização do seu destino para o refino.

Normalmente a técnica de aduto de ureia é utilizada para amostras de petróleo mais leves, onde os principais trabalhos presentes na literatura estão ligados à geoquímica orgânica, com o objetivo de se obter parâmetros geoquímicos diversos. Neste estudo, buscou-se revisitar a técnica apresentando-a como uma ferramenta importante para aplicação no âmbito da petroquímica. A técnica de aduto de ureia, aliada à cromatografia gasosa com detecção por ionização em chama, consiste em um conjunto de procedimentos relativamente simples, podendo ser realizado em um grande número de laboratórios. No entanto, ainda que simples, o procedimento pode ser utilizado para complementar informações e apresentar um perfil molecular mais detalhado para amostras de petróleo, sem fazer uso de técnica analíticas sofisticadas e caras.

Desta forma, o principal objetivo deste trabalho foi avaliar a separação e quantificar as frações dos n-alcanos e dos alcanos cíclicos/ramificados presentes na fração de hidrocarbonetos saturados proveniente de petróleos brasileiros. Essa separação foi realizada de forma simples e eficiente através da técnica de aduto de ureia e posterior quantificação individual dos n-alcanos por cromatografia gasosa com detecção por ionização em chama.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Amostras

Foram avaliadas 10 amostras de óleo, com grau API variando de 19,4 a 40,2, provenientes de três bacias sedimentares brasileiras, Campos, Santos e Espírito Santo, cedidas pelo CENPES/TPAP/Petrobras e identificadas pelas letras E, I, J, K, L, M, P, Q, R e S.

Padrões

O padrão utilizado para quantificação foi o n-tetracosano-d50 98%, adquirido do Cambridge Isotopes Laboratories (Andovar, MA, EUA).

Uma solução mistura foi também preparada com os padrões: n-eicosano (n-C20) 99%, n-tetracosano (n-C24) 99% (adquiridos da Merck-Schuchard, München), n-octacosano (n-C28) 97%, n-dotriacontano (n-C32) 97% e n-hexatriacontano (n-C36) 98% (adquiridos da Aldrich Chemical Company, EUA).

Fracionamento

Para o fracionamento com cromatografia líquida, aproximadamente 100 mg de cada amostra de óleo, pesada em balança analítica calibrada (±0,1mg), foram solubilizados em 500 µL da solução do padrão interno n-tetracosano-d50 98% a uma concentração de 100 µg mL-1. A amostra fortificada com padrão foi aplicada no topo de uma coluna de vidro (dimensões de 13 × 1 cm) recheada com 2,5 g de sílica gel 60 (0,063 - 0,200 nm, Merck, Darmstadt, Alemanha), previamente purificada com extração em soxhlet e ativada em estufa a 120 ºC por 12 horas. As amostras foram fracionadas em hidrocarbonetos saturados, eluídos com 10 mL de n-hexano, hidrocarbonetos aromáticos, eluídos com 10 mL de n-hexano:diclorometano (9:1) e compostos polares, eluídos com 10 mL de diclorometano:metanol (9:1). Os solventes utilizados foram de grau cromatográfico, adquiridos da Tedia Brazil (Rio de Janeiro, Brasil). Todas as amostras foram analisadas em triplicata.

As frações foram recolhidas em balões de 50 mL e evaporou-se o solvente em evaporador rotatório sob pressão reduzida. Cada fração foi então transferida para um frasco de 2 mL (previamente pesado e identificado) utilizando diclorometano que foi posteriormente evaporado sob fluxo de gás nitrogênio e novamente pesados.24,25

Aduto de ureia

Para o preparo da solução saturada de ureia foram utilizados 30 g de ureia dissolvidos em 100 mL de metanol e mantida então em refrigeração a 8 ºC.

A fração de hidrocarbonetos saturados foi solubilizada em 1000 µL de n-hexano e uma alíquota de 500 µL foi transferida para um tubo de centrífuga de 18×180 mm. Foram adicionados 1 mL de acetona e 1 mL de n-hexano e a mistura foi agitada em vortex. Posteriormente, 1 mL da solução saturada de ureia foi adicionada e observou-se a precipitação imediata dos cristais de ureia.

Os cristais de ureia foram solubilizados em banho-maria a 50 ºC e posteriormente resfriados até a temperatura ambiente, em repouso para a recristalização da ureia. Ao cessar a cristalização, o tubo de centrífuga com a amostra foi colocado em refrigeração a -20 ºC (em freezer), durante 12 horas. Após esse período, o solvente foi evaporado, de forma branda, sob fluxo de nitrogênio até a obtenção de cristais secos.

Para obtenção da fração C/R, foi realizada uma etapa de lavagem dos cristais obtidos, com 2 mL de n-hexano, repetida por 5 vezes. O sobrenadante, que contém a fração C/R, foi reservado em um balão de 30 mL. O solvente foi evaporado a pressão reduzida e o resíduo (fração C/R) foi transferido para um frasco de 2 mL, previamente pesado. O solvente foi novamente evaporado, sob fluxo de nitrogênio, e foram adicionados 500 µL de n-hexano.

Os cristais de aduto foram solubilizados com água destilada. Foi feita uma extração líquido-líquido com 2 mL de n-hexano. A fase orgânica foi transferida para um balão de 30 mL com o auxílio de uma pipeta Pasteur. Essa etapa de extração foi repetida por 5 vezes. O solvente foi evaporado a pressão reduzida e o resíduo (fração de n-alcanos) foi transferido para um frasco de 2 mL, previamente pesado. O solvente foi novamente evaporado, sob fluxo de nitrogênio, e em seguida 500 µL da solução do padrão interno foi adicionado ao frasco.

Cromatografia gasosa

Anteriormente ao fracionamento, as amostras de óleos crus foram analisadas por cromatografia gasosa com detecção por ionização em chama (CG-DIC) para caracterização do perfil cromatográfico. Aproximadamente 10 mg de óleo foram solubilizados em 500 µL de diclorometano e o volume de injeção foi de 1 µL. O equipamento utilizado foi um cromatógrafo a gás Agilent Technologies modelo 5890 com uma coluna capilar de sílica fundida recoberta com um filme de 5%-fenil-95%-metil-siloxano HP5-MS (Agilent Technologies; 30 m × 0,25 mm d.i.; 0,25 µm espessura de fase). A temperatura inicial do forno foi de 40 ºC mantida em isoterma por 1 min, aquecimento de 6 ºC min-1 até 310 ºC e mantido em isoterma por 10 minutos. A temperatura do injetor foi de 290 ºC e do detector 340 ºC. Hidrogênio foi utilizado como gás de arraste e foi utilizada injeção com divisão de fluxo de 1:20.

As três frações, hidrocarbonetos saturados, n-alcanos e alcanos cíclicos/ramificados também foram analisadas (CG-DIC). O equipamento utilizado foi um cromatógrafo a gás Agilent Technologies modelo 7890 com a mesma coluna utilizada na análise de óleo total. A programação de temperatura do forno foi de 40 ºC a 320 ºC, 6 ºC min-1 e mantido em isoterma a 320 ºC por 10 minutos, com injeção sem divisão de fluxo por 0,75 min. O volume de injeção foi de 1 µL da amostra diluída a um volume final de 500 µL com n-hexano.

Os n-alcanos foram identificados por comparação do tempo de retenção dos analitos presentes na amostra contra os dos padrões de n-eicosano, n-tetracosano, n-octacosano, n-dotriacontano e n-hexatriacontano e do padrão n-tetracosano perdeuterado.

Recuperação

Para avaliar a eficiência do método foi feito ensaio de recuperação, em triplicata. A amostra K foi utilizada como branco e foi fortificada com a solução mistura de padrões de n-alcanos. Em balança analítica calibrada (±0,1 mg), foram pesados ca. 10 mg de cada padrão que foram dissolvidos em balão volumétrico de 10 mL com n-hexano, resultando em uma solução com concentração 1000 µg mL-1 de cada padrão. Uma alíquota de 2,5 mL dessa solução foi utilizada para preparar 25 mL de uma solução de concentração 100 µg mL-1.

O ensaio de recuperação foi feito adicionando à amostra K 500 µL da solução padrão de n-alcanos (n-eicosano, n-tetracosano, n-octacosano, n-dotriacontano e n-hexatriacontano) a 100 µg mL-1 cada, o solvente foi seco e após foram adicionados 500 µL da solução do padrão interno n-tetracosano perdeuterado também a 100 µg mL-1 e só então foi realizado o procedimento experimental, desde a cromatografia em coluna até a separação das frações por extração líquido-líquido.

Para representar uma recuperação de 100%, a amostra K foi submetida ao procedimento de separação e somente ao final deste foi fortificada com a solução de padrões de n-alcanos e com a solução de n-tetracosano perdeuterado.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Cromatografia líquida

Neste trabalho, a cromatografia líquida foi utilizada para separar o óleo cru em três frações: hidrocarbonetos saturados, hidrocarbonetos aromáticos e compostos polares. No fracionamento por cromatografia em coluna podem ocorrer perdas de n-alcanos leves devido ao procedimento de evaporação. Óleos parafínicos, ou seja, com mais de 50% de n-alcanos, não apresentam dificuldade analítica quando se trata da quantificação de n-alcanos. Já óleos com teores baixos de n-alcanos usualmente apresentam dificuldade analítica para quantificação destes, por pouco se separarem ou apresentarem muitas coeluições com hidrocarbonetos cíclicos e ramificados.

Os valores obtidos para cada replicata de cada amostra são apresentados na Tabela 1, onde se observa que todas as amostras apresentam maior quantidade de hidrocarbonetos saturados. Estes valores são compatíveis com os valores encontrados mundialmente para classes de óleos - 53% de hidrocarbonetos saturados, 28% de hidrocarbonetos aromáticos e 18% de compostos polares.26

 

 

Separação por aduto de ureia

A aplicação do procedimento de separação de n-alcanos por aduto de ureia foi baseada na sua eficiência na oclusão seletiva dos compostos lineares. A separação de n-alcanos dos alcanos cíclicos/ramificados é uma tarefa trabalhosa devido à complexidade do óleo cru. Cada etapa do procedimento deve ser realizada cuidadosamente para que haja uma separação efetiva e com boa recuperação dos compostos, devido à formação dos cristais de aduto.

As etapas determinantes para uma boa separação são a recristalização e a lavagem dos cristais, uma vez que os cristais de ureia ocluem os n-alcanos em sua rede cristalina. Foi observado que de acordo com a boa formação ou não dos cristais, os n-alcanos ficam mais ou menos ocluídos. Portanto, é necessário que a recristalização seja realizada lentamente para que haja uma melhor formação dos cristais assim como um maior contato dos n-alcanos e a solução de ureia. Para que ocorresse esse maior contato foi utilizado um excesso de solução de ureia e na etapa de lavagem foi utilizado n-hexano como solvente.

Para a liberação dos n-alcanos foi feita a adição de água, já que os cristais de ureia são solúveis nesse solvente. O fato de os cristais serem solúveis em água confere mais uma vantagem ao método, sendo necessária somente uma etapa para efetiva quebra dos cristais, liberando os n-alcanos.

A extração foi feita com n-hexano, já que os n-alcanos são bastante solúveis nesse solvente. Para uma extração mais eficiente foi utilizada agitação em vortex, o que aumenta o contato dos n-alcanos com o n-hexano. As etapas de lavagem e extração foram repetidas por 5 vezes para garantir uma melhor separação e recuperação dos compostos, já que os cristais ficam aglomerados, sendo necessária uma lavagem mais eficiente.

Através dos dados da Tabela 2, pode-se observar que as amostras E, I, J, K, L, P e Q apresentam maior quantidade em massa de alcanos C/R. Já as amostras M, R e S são mais ricas em n-alcanos. As recuperações para as frações de n-alcanos e C/R foram calculadas gravimetricamente e foi observada uma recuperação acima de 70% para maioria das amostras em pelo menos uma das replicatas.

 

 

Os valores de ºAPI mostrados na Tabela 2 podem ser correlacionados com a massa de n-alcanos, observando um aumento diretamente proporcional. Entretanto, para algumas amostras como a K e a S, não se observou essa tendência. Dessa forma, um maior ºAPI não é necessariamente garantia de que o óleo contém maior concentração de n-alcanos, mostrando ainda mais a necessidade de uma caracterização química mais acurada.

Quantificação dos n-alcanos e alcanos cíclicos/ramificados por CG-DIC

As frações dos hidrocarbonetos saturados, a dos n-alcanos e a dos alcanos C/R foram analisadas por cromatografia gasosa com detecção por ionização em chama.

Os n-alcanos são facilmente reconhecíveis pelo seu perfil de eluição característico. Conforme ocorre em qualquer série homóloga quando se utiliza uma programação linear de temperatura, os alcanos lineares eluem da coluna cromatográfica em picos igualmente espaçados. Como todos os n-alcanos apresentam afinidades similares com a fase estacionária, a ordem de eluição é determinada pela volatilidade de cada membro, que, por sua vez, diminui com o aumento do número de átomos de carbono.

A quantificação dos n-alcanos e da fração C/R foi feita através de padronização interna utilizando tetracosano perdeuterado. O padrão elui antes do tetracosano no tempo de retenção de 32,758 min, nas condições utilizadas. A Tabela 3 mostra as concentrações das frações dos n-alcanos e C/R para cada replicata, em mg/100 mg de óleo, após a análise por cromatografia gasosa. É possível observar uma quantidade maior de alcanos C/R em todas as amostras. Essa predominância também foi observada em um estudo da fração de hidrocarbonetos saturados acima de C40 em asfalto e em um estudo de quantificação realizado em fluido de craqueamento catalítico.21,27

 

 

A faixa de n-alcanos identificada para cada amostra também é mostrada na Tabela 3. O menor n-alcano identificado foi o n-C10 e o maior foi n-C41. Essa faixa pode ser explicada pelo fato de os n-alcanos de cadeias menores serem mais voláteis, podendo ser perdidos nas etapas de evaporação. Já os n-alcanos de cadeia longa, acima de 40 átomos de carbonos, não são observados nos cromatogramas, nas condições utilizadas. Para detectar estes n-alcanos, é necessária a utilização de cromatografia gasosa de alta temperatura, utilizando uma faixa de temperatura mais alta da que a usada neste estudo e uma coluna cromatográfica que suporte altas temperaturas.28-30

A Figura 1 ilustra os cromatogramas das análises da amostra I para óleo total, hidrocarbonetos saturados, n-alcanos e alcanos C/R. Essa amostra se mostrou pouco biodegradada, já que no cromatograma de óleo total é possível observar os compostos da série homóloga dos n-alcanos (das parafinas), os quais normalmente são as primeiras substâncias a serem biodegradadas por bactérias.31 Percebe-se, através do cromatograma da fração de n-alcanos, que houve uma boa separação desta fração em relação à da fração dos alcanos C/R, já que a influência destes, representados por picos entre os n-alcanos, é pouco significante, apresentando menor intensidade relativa. Como por exemplo, na Figura 1C, enquanto os n-alcanos apresentam intensidade de cerca de 300, os picos referentes aos alcanos C/R estão na ordem de 40 pA. Desta forma, através dos cromatogramas das frações de n-alcanos, torna-se possível realizar com acurácia a quantificação total e individual destes. Estes resultados também podem ser observados para amostra P ilustrada na Figura 1S do Material Suplementar.

 


Figura 1. Cromatogramas da amostra I: (A) de óleo total, (B) hidrocarbonetos saturados, (C) fração dos n-alcanos e (D) fração dos alcanos cíclicos/ramificados. Onde: n-C16 = hexadecano; n-C20 = eicosano; Pr = pristano; Fi = Fitano; n-C24D50 = padrão interno n-tetracosano perdeuterado

 

Verifica-se pela análise do cromatograma da fração dos alcanos C/R a quase total (ou total) ausência dos n-alcanos. Já na fração de n-alcanos, observa-se a ausência dos biomarcadores pristano (Pr) e fitano (Fi), que se encontram na fração dos alcanos C/R, sendo estes observados no cromatograma desta fração na Figuras 1D.

A amostra K é um óleo bastante biodegradado, o que é possível observar pelo seu perfil, no cromatograma de óleo total (Figura 2). Neste cromatograma, não se observa a presença de picos referentes à série homóloga dos n-alcanos, que são os primeiros compostos a serem biodegradados, assim como a ausência dos biomarcadores pristano e fitano.

 


Figura 2. Cromatogramas da amostra K: (A) de óleo total, (B) hidrocarbonetos saturados, (C) fração dos n-alcanos e (D) fração dos alcanos cíclicos/ramificados

 

No cromatograma da fração dos hidrocarbonetos saturados (Figura 2B) para a amostra K, observa-se uma mistura complexa não resolvida (unresolved complex mixture-UCM) representada por um amplo aumento da linha base devido à presença de compostos não resolvidos cromatograficamente.25 Mesmo na fração de HC's saturados, ainda não foi possível observar a presença dos n-alcanos e uma interpretação incorreta quanto à presença destes, nessa amostra, seria obtida.

Ao analisarmos a fração dos n-alcanos (Figura 2C) é possível observar que apesar de estarem em concentração baixa, esses compostos estão presentes em uma faixa de 14 a 33 átomos de carbonos e já não há mais a presença da 'UCM'. Essa mistura complexa, após a separação por aduto de ureia, ficou na fração dos alcanos C/R (Figura 2D), onde o pico de maior abundância é referente ao padrão interno, adicionado após a separação por cromatografia líquida em coluna.

Uma comparação entre as médias das concentrações de n-alcanos e C/R em cada amostra pode ser observada através do gráfico da Figura 3, onde há predominância dos alcanos cíclicos/ramificados, destacando-se a amostra K onde essa característica é melhor observada, por ser uma amostra com alto grau de biodegradação.

 


Figura 3. Gráfico de barras das médias das concentrações (mg g-1) das frações de n-alcanos e dos alcanos cíclicos/ramificados para cada amostra analisada

 

Observou-se que, para todas as amostras em estudo, obteve-se uma boa separação da fração C/R em relação à fração dos n-alcanos. Isso pode ser verificado nos cromatogramas das frações C/R, onde não se observa a presença dos n-alcanos. Já nas frações dos n-alcanos ainda se verifica a presença parcial dos alcanos C/R. Entretanto, os cromatogramas apresentam picos bem mais resolvidos comparados aos picos presentes na fração de hidrocarbonetos saturados, como pode ser observado nas Figuras 1B e 1C. Esse aumento na resolução dos picos permitiu a quantificação individual dos n-alcanos com pouca ou nenhuma influência dos demais alcanos.

Recuperação

O estudo de recuperação foi realizado para determinar a exatidão do método de separação de n-alcanos. Para isso foram utilizados padrões de n-alcanos, com massas moleculares e pontos de ebulição diferentes e que são eluídos em tempos de retenção diferentes, podendo assim ser feita uma melhor avaliação da recuperação para faixas de n-alcanos diferentes. De acordo com Ribani et al., os intervalos aceitáveis de recuperação geralmente estão entre 70 e 120%. Porém, dependendo da complexidade analítica e da amostra, este valor pode ser de 50 a 120%.32

A mistura de n-alcanos foi adicionada à amostra K para avaliar a quantificação e a influência do efeito matriz, já que os padrões foram submetidos ao método juntamente com a amostra. A amostra K foi selecionada para este estudo, pois apresentou uma concentração de n-alcanos muito baixa e os padrões foram adicionados em uma concentração de aproximadamente 500 ng mg-1 de óleo. Por esse motivo, os n-alcanos presentes na amostra K não interferem quantitativamente no cálculo de recuperação dos padrões adicionados na mesma amostra.

Não foi observado efeito matriz frente à recuperação, ou seja, componentes da matriz do petróleo não interferiram na separação por aduto de uréia na faixa de padrões utilizados. Também não foi observado nenhum tipo de discriminação relativa ao tamanho da cadeia hidrocarbônica.

No cálculo da recuperação para os n-alcanos foi feita uma relação entre as áreas dos picos dos padrões adicionados no início do procedimento e ao final do procedimento, cujos valores estão listados nas Tabelas 1S a 3S (material suplementar).

A Tabela 4 reporta os valores de recuperação, média, desvio padrão e desvio padrão relativo para as análises feitas com os padrões de n-alcanos.

 

 

Em trabalho recente,33 os autores também utilizaram a separação com aduto de ureia para determinar a composição isotópica de hidrogênio de n-alcanos em aerossóis urbanos. Neste trabalho foi feito um estudo de recuperação e foram obtidos valores de 5,2 a 99,4%, utilizando uma faixa de 16 a 30 átomos de carbono. No presente estudo, mesmo as amostras sendo mais complexas e tendo sido submetidas a diversas etapas de preparo, foram obtidos excelentes resultados de recuperação, na faixa de 80 a 90%.

Com exceção de um dos padrões (n-C24) observou-se ainda uma tendência de aumento da recuperação de acordo com o aumento da cadeia de carbonos, o que também foi relatado em trabalho prévio na literatura.33

Na Figura 2S (material suplementar) são ilustrados os cromatogramas obtidos nas análises da amostra K fortificada com a mistura de padrões ao início e ao final do procedimento, onde se observam picos referentes aos padrões de n-eicosano, n-tetracosano, n-tetracosano perdeuterado, n-octacosano, n-dotriacontano e n-hexatriacontano.

 

CONCLUSÃO

Através do método utilizado conseguiu-se obter frações enriquecidas em n-alcanos e com pouca influência dos alcanos cíclicos e ramificados. Consequentemente, foi possível realizar uma quantificação individual destes, assim como aplicar o método a 10 amostras de óleos brasileiros de diferentes graus de biodegradação e concentrações de hidrocarbonetos saturados, n-alcanos e alcanos cíclicos/ramificados.

O método, utilizando o procedimento com aduto de ureia, forneceu uma clara separação entre os n-alcanos e os cíclicos/ramificados, o que permitiu a quantificação dos n-alcanos na faixa de C10 a C40, de forma simples e eficiente. Os valores de quantificação encontrados mostram que a maioria das amostras apresenta maior concentração de alcanos cíclicos/ramificados em comparação aos n-alcanos.

Valores de recuperação acima de 80% para os padrões analisados e os valores de desvio padrão relativo abaixo de 20% para a maioria das amostras indicam que o método apresenta boa exatidão e precisão, níveis aceitáveis para a área de refino e geoquímica.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

As Figuras 1S e 2S as Tabelas 1S, 2S e 3S, mencionadas no texto, encontram-se disponíveis sob a forma de arquivo PDF em http://quimicanova.sbq.org.br.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às bolsas de produtividade do CNPq, assim como a bolsa de estudos da Capes (E. Marotta). Aos pesquisadores MSc. A. de O. Gomes e MSc. J. C. M. Dias, Cenpes/Petrobras pela discussão científica e fornecimento das amostras. Aos pesquisadores Dr. R. Pereira e Dra. B. M. F. Ávila pela colaboração neste trabalho. Agradecemos também aos projetos Cenpes-Petrobras/Universidade Federal do Rio de Janeiro, FAPERJ e FUJB pelo apoio financeiro.

 

REFERÊNCIAS

1. http://www.anp.gov.br/?id=582, acessada em Junho 2014.

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