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15:41, qui nov 21

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Artigo


Investigação do uso de eletrodo de carbono vítreo modificado com hexacianoferrato de rutênio para detecção de procaína
Investigation of the use of glassy carbon electrode modified with ruthenium hexacyanoferrate for detection of procaine

Thalita G. Silva; Maiara O. Salles; Thiago R. L. C. Paixao*

Instituto de Química, Departamento de Química Fundamental, Universidade de São Paulo, 05508-900 São Paulo - SP, Brasil

Recebido em 01/07/2014
Aceito em 03/09/2014
Publicado na web em 24/10/2014

Endereço para correspondência

*e-mail: trlcp@iq.usp.br

RESUMO

A glassy carbon electrode modified with ruthenium hexacyanoferrate (RuOHCF) was investigated as an electrocatalyst for the detection of procaine with the aim of quantification in pharmaceutical and forensic samples. The RuOHCF films were prepared by electrochemical deposition, and the parameters used in this process (concentration of RuCl3, K3Fe(CN)6, temperature, and number of cyclic voltammograms recorded in the modification step) were carefully optimized. Based on the optimal conditions achieved, the RuOHCF modified electrode allows the determination of procaine at 0.0 V with a detection limit of 11 nmol L-1 using square wave voltammetry.

Palavras-chave: modified electrode; Prussian blue analogues; novocaine; allocaine; 2-(diethylamino)ethyl 4-aminobenzoate.

INTRODUÇÃO

A procaína (2-(dietilamino)etil 4-aminobenzoato) é um anestésico local injetável primeiramente sintetizado em 1905 pelo químico Alfred Einhorn Baker.1,2 A novacaína, outro nome dado à procaína, tem rápida ação, apresenta baixa toxicidade e é principalmente usada em anestesia espinhal agindo como bloqueador dos canais de cálcio.1 Diversos medicamentos usam em suas formulações a procaína, como por exemplo, Visual colírio®, Claudemor®, Colutoide®, Dexador®, Fonergin® e Bismu-jet®, esses medicamentos podem ter ações anti-infecciosas, anti-inflamatórias e analgésicas.

Agências regulatórias, tais como "The United States Pharmacopeial Convention (USP)", a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), The Stationery Office (Inglaterra) e Council of Europe, elaboraram farmacopeias que dentre outras atribuições, têm como objetivo estabelecer os padrões de qualidade e pureza dos medicamentos, assim como as técnicas mais adequadas para a análise dessas substâncias. Análises químicas visando avaliar a composição de medicamentos, com o intuito de verificar as quantidades dos princípios ativos, assim como possíveis impurezas, são de suma importância, já que concentrações diferentes daquelas recomendadas podem causar múltiplos efeitos, podendo estes ser extremamente prejudiciais à saúde da pessoa que está ingerindo o medicamento.3,4

As técnicas mais recomendadas pelas agências regulatórias para a análise de fármacos são: espectrometria, cromatografia com detecção espectrofotométrica e titulações. No entanto, com o aumento continuo e considerável de novos medicamentos existentes no mercado, faz-se cada vez mais necessária a utilização de técnicas que sejam mais sensíveis, rápidas, baratas e igualmente confiáveis para a análise desses medicamentos.4

Curiosamente, um consumo não usual de medicamentos vem crescendo nos últimos anos por parte de traficantes de drogas, uma vez que esses medicamentos são utilizados para adulterar drogas de abuso como, por exemplo, cocaína. A síntese dessas drogas é habitualmente realizada de forma precária e os traficantes comumente adicionam outras substâncias às drogas com o intuito de aumentar seus lucros, podendo manter, modificar ou até mesmo intensificar o efeito da droga.5 A escolha desses adulterantes pode ser feita de duas formas i) utilizando substâncias "diluentes" como açúcares e talco ou ii) utilizando substâncias que tenham um efeito farmacológico semelhante ao entorpecente. Esse segundo tipo de adulteração é evidentemente mais perigoso já que a mistura de muitos tipos de fármacos pode causar efeitos adversos adicionais àqueles esperados.5 A cocaína, por exemplo, uma das drogas ilícitas mais consumidas no Brasil, é um anestésico local, assim como a procaína, benzocaína ou lidocaína. A heroína, por sua vez, é um analgésico que pode ser adulterado com uma substância com propriedades similares, como o paracetamol.

Nesse cenário torna-se importante o desenvolvimento de sensores químicos que possam detectar/discriminar esses tipos de adulterantes, podendo dar indicações sobre onde e como tais drogas foram sintetizadas. O conhecimento sobre a origem das drogas apreendidas pode ser de grande valia no combate ao tráfico de drogas. Nesse sentido, técnicas eletroquímicas são poderosas ferramentas na análise de uma grande variedade de amostras, tais como ambientais, alimentícias, forenses e farmacológicas.4,6-10 O desenvolvimento de dispositivos, chamados de sensores eletroquímicos, que respondam a espécies químicas que podem ser oxidadas e/ou reduzidas produzindo um sinal elétrico, direta ou inversamente proporcional à concentração de tais espécies, consiste em área de crescente interesse em função de algumas características favoráveis destes dispositivos. Dentre as vantagens oferecidas pelos sensores eletroquímicos, podem-se destacar: portabilidade, elevada seletividade e sensibilidade, baixo custo, ampla faixa linear de concentração, obtenção de dados em tempo real, análises em um curto espaço de tempo, possibilidade de miniaturização e viabilidade de medições em campo.6,7

Durante o desenvolvimento desses sensores eletroquímicos lança-se mão de estratégias de modificação da superfície eletródica com o objetivo de aumentar a taxa de transferência eletrônica, amplificar os sinais de corrente obtidos e/ou aumentar a seletividade do sensor, antecipando os processos faradaicos para potenciais mais próximos de zero e/ou impedindo a chegada de moléculas interferentes utilizando membranas apropriadas.6,7,11 A modificação das superfícies eletródicas pode-se dar de diversas maneiras como, por exemplo, depositando filmes metálicos,10,12 polímeros condutores11,13 ou filmes híbridos desses materiais.14,15 Na literatura são reportados diferentes sensores eletroquímicos utilizando eletrodos modificados16-21 para detecção de procaína. Contudo, a detecção dessa espécie utilizando esses sensores16-21 é feita em altos valores de potencial aplicado (E > 0,8 V), aumentando assim a chance de se encontrar espécies interferentes à análise ao se aumentar a complexidade da matriz da amostra analisada.

Eletrodos modificados com análogos do Azul da Prússia apresentam características interessantes para o desenvolvimento de sensores eletroquímicos e suas aplicações somente aumentam com o passar dos anos, devido às características bem definidas e controladas desses filmes depositados.22 Somado à esse fato, existem relatos na literatura de que a intercalação de rutênio nesses filmes é responsável pelo incremento da estabilidade do filme em aplicações analíticas,23 o que corrobora para o aumento da utilização desses análogos contendo rutênio para o monitoramento de diferentes analitos: dopamina,24 epinefrina,24 norepinefrina,24 S2O8,24 SO52-,24 álcoois, 24,25 L-cisteína,24 SO32-,26 peróxido de hidrogênio,27 2'-desoxiguanosina28 e ácido ascórbico.24,29

Dentro desse contexto, as análises eletroquímicas são de grande utilidade tanto na análise de formulações farmacológicas, quanto na análise de drogas de abuso, tendo em vista que ambos os tipos de análises necessitam de técnicas rápidas, baratas, simples de serem manipuladas e confiáveis.4 Dessa forma, o presente trabalho mostra a investigação do uso de eletrodo modificado com filme de hexacianoferrato de rutênio visando à detecção futura de procaína em amostras de origem farmacêutica e forense.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Reagentes

Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico e não houve purificação prévia desse material. Ácido clorídrico, acetonitrila, cloreto de rutênio (III), hexacianoferrato de potássio e nitrato de sódio foram obtidos da Merck (Darmstadt, Alemanha). Procaína, benzocaína, cafeína foram obtidas da Sigma-Aldrich (Steinheim, Alemanha) e o padrão de cocaína foi adquirido da Cerilliant (Texas, Estados Unidos). O eletrólito suporte foi preparado dissolvendo NaNO3 juntamente com HCl em água desionizada para que a concentração final fosse 0,5 mol L-1 e 0,05 mol L-1, respectivamente. A escolha desse eletrólito suporte deve-se à melhor estabilidade do filme nessas condições para diferentes aplicações analíticas.24-29 As soluções de procaína e do modificador (RuCl3 e K3Fe(CN)6) foram preparadas a partir da dissolução de seus reagentes sólidos no eletrólito suporte mencionado acima. As soluções estoque de cocaína e benzocaína foram preparadas em acetonitrila e diluídas no eletrólito suporte utilizado para as medidas voltamétricas.

Instrumentação

Na realização dos experimentos eletroquímicos foram utilizados um potenciostato µAutolab da Autolab da Eco Chemie ou um bipotenciostato µ200 da DropSens, ambos conectados a um microcomputador. Foi utilizada uma célula eletroquímica convencional com 3 eletrodos, sendo o eletrodo de referência de Ag/AgCl(KCl sat), o auxiliar de platina e um eletrodo de carbono vítreo modificado (diâmetro = 2,0 mm), conforme descrito no próximo item, como eletrodo de trabalho. Antes da modificação, o eletrodo foi polido com alumina (1 µm, Johnson Matthey) e lavado sucessivas vezes com água destilada para remover a alumina da superfície eletródica.

Modificação da superfície eletródica com filme de hexacianoferrato de rutênio (RuOHCF)

A modificação da superfície do eletrodo foi realizada por voltametria cíclica, imergindo o sistema de três eletrodos em uma solução 3 mmol L-1 de RuCl3 e 3 mmol L-1 de K3[Fe(CN)6] em eletrólito suporte, (0,5 mol L-1 de NaNO3 e 0,05 mol L-1 de HCl). A formação do filme foi obtida registrando 40 ciclos na janela de potencial entre -0,5 e 1,3 V, com velocidade de varredura de 50 mV s-1. Em seguida todo o sistema de três eletrodos foi suavemente lavado com água para retirar o excesso de solução dos eletrodos e estes foram inseridos apenas no eletrólito para verificar a estabilização do filme. Para tanto, 10 ciclos foram registrados na mesma janela de potencial e velocidade de varredura utilizados durante o processo de modificação da superfície do eletrodo. Tanto a modificação quanto o procedimento para verificar a estabilidade do filme foram conduzidos em banho termostatizado para manter a temperatura.

Detecção de procaína

Para a determinação de procaína, empregou-se o eletrodo modificado conforme descrito no item anterior além dos mesmos eletrodos de referência (Ag/AgCl(KCl sat)) e auxiliar (platina). A voltametria de onda quadrada (SWV) foi a técnica escolhida para essa detecção e foram utilizadas as seguintes condições experimentais: frequência de 40 Hz; janela de potencial de -0,5 à 1,3 V (sentido da varredura: 1,3 até -0,5 V); Estep de 1 mV; Eamplitude de 200 mV.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação das propriedades eletroquímicas do eletrodo modificado na presença de procaína

Inicialmente avaliou-se o comportamento eletroquímico da procaína em meio ácido sobre a superfície do eletrodo de carbono vítreo não modificada, Figura 1.

 


Figura 1. Voltamogramas cíclicos registrados com eletrodo de carbono vítreo em soluçao contendo NaCl 0,5 mol L-1 + HCl 0,05 mol L-1 na ausência (- - -) e presença de procaína 1 mmol L-1 (-). Velocidade de varredura = 50 mV s-1

 

O voltamograma cíclico registrado na presença de procaína, (linha cheia), mostra um pico de oxidação por volta de +1,13 V vs Ag/AgCl(KCl sat.) que pode ser atribuído à oxidação do grupo amino para hidroxilamina em um processo envolvendo dois elétrons e dois prótons, como demonstrado previamente na literatura,18,19 Esquema 1. Ao se alterar a composição do eletrólito suporte para valores de pH até 13 (resultados não mostrados), nota-se uma antecipação do valor de potencial de pico para +0,85 V vs Ag/AgCl(KCl sat.), o que corrobora com o mecanismo reportado no Esquema 1. Essa antecipação do potencial de pico devido à alteração do pH do eletrólito suporte já foi utilizada na literatura por Stradiotto e colaboradores2 para detecção de procaína em formulações farmacêuticas utilizando eletrodos impressos de carbono.

 


Esquema 1. Oxidaçao eletroquímica da procaína

 

Com o objetivo de diminuir o potencial de detecção da procaína apresentado na literatura para eletrodos de carbono e diamante2,19 utilizou-se um eletrodo de carbono vítreo modificado com hexacianoferrato de rutênio (RuOHCF) para avaliar o comportamento eletroquímico dessa substância sobre essa superfície modificada, Figura 2.

 


Figura 2. Voltamogramas cíclicos (A) e de onda quadrada (B) registrados com eletrodo de carbono vítreo modificado com filme de RuOHCF (valor final da concentraçao de RuCl3 e K3Fe(CN)6 = 1 mmol L-1) e 50 ciclos em soluçao contendo NaNO3 0,5 mol L-1 e HCl 0,05 mol L-1, na ausência (preta) e na presença (vermelha) de procaína 1 mmol L-1. Voltamogramas cíclicos foram registrados com velocidade de varredura de 50 mV s-1 e os voltamogramas de onda quadrada foram registrados utilizando os seguintes parâmetros: frequência = 60 Hz, Estep = 0,005 V e Eamplitude = 0,1 V

 

Na ausência de procaína três pares redox podem ser observados no voltamograma, Figura 2A, com potenciais formais de -0,03, +0,93 e +1,13 V vs Ag/AgCl(KCl sat.). Esses processos são atribuídos na literatura24,25,30 aos seguintes pares redox:

Na presença de procaína observa-se um aumento da corrente de pico dos processos que ocorrem em +0,83 e +1,13 V, e uma diminuição da corrente de redução próxima de +1,05 V, indicando que o filme de RuOHCF apresenta propriedades eletrocatalíticas para o processo de oxidação da procaína com possível participação como mediador desse processo as espécies de Ru(III)/Ru(IV) e Fe(II)/Fe(III). Contudo, e devido ao alto potencial para detecção da procaína ao se comparar esse potencial com o do eletrodo limpo, a utilização de processo eletroquímico para detecção da procaína não resultaria em um ganho de seletividade. Outra informação importante que se pode observar na Figura 2A, na presença de procaína, é que há um aumento da corrente de redução próximo de 0,0 V, que poderia trazer um ganho em seletividade para a detecção de procaína, e esse aumento ocorre próximo do processo representado pela equação 1.

Outro dado reportado na Figura 2 são os registros voltamétricos utilizando a voltametria de onda quadrada, Figura 2B. Nota-se na Figura 2B que devido às características de amostragem da corrente pela técnica de voltametria de onda quadrada, a corrente monitorada em 0,0 V com a adição de procaína no meio diminui com relação ao sinal de corrente registrado pelo branco, tanto para o processo em 0,0 e 1,13 V. Dessa forma, visando a uma melhora na detectabilidade da procaína em uma região de potencial mais seletiva, optou-se por monitorar a dependência da queda do sinal (-ΔI) por voltametria de onda quadrada com a concentração de procaína em 0,0 V. Vale destacar que há relatos na literatura de outro eletrodo modificado com análogo de Azul da Prússia, hexacianoferrato de zinco,31 que apresentou um comportamento de queda da corrente monitorada utilizando a técnica de voltametria cíclica visando à quantificação de procaína, sendo esse fenômeno explicado pela co-precipitação entre o analito e os constituintes do hexacianoferrato na superfície do eletrodo.

Com o intuito de entender o processo eletroquímico que ocorre em 0,0 V, mais dois experimentos voltamétricos em duas diferentes faixas de potencial (-0,5 a 0,2 V e -0,5 a 1,0 V) foram realizados, Figura 3. Essas faixas de potencial foram escolhidas pois limitam os processos eletródicos que ocorrem (-0,5 a 0,2 V, somente processo reportado na equação 1, e na faixa de -0,5 a 1,0 V, somente os processos reportados pelas equações 1 e 2).

 


Figura 3. Voltamogramas cíclicos registrados com eletrodo de carbono vítreo modificado com filme de RuOHCF (valor final da concentraçao de RuCl3 e K3Fe(CN)6 = 3 mmol L-1) e 40 ciclos em soluçao contendo NaNO3 0,5 mol L-1 e HCl 0,05 mol L-1, na ausência (preta) e na presença (vermelha) de procaína 1 mmol L-1 em duas diferentes faixas de potencial: -0,5 a 0,2 V (A) e -0,5 a 1,0 V (B)

 

Nota-se do experimento reportado na Figura 3A que o processo em 0,0 V não depende da mediação direta do par Ru(II)/Ru(III) catalisando a redução da procaína na superfície do eletrodo modificado. Contudo, ao se realizar a varredura até 1,0 V, Figura 3B, nota-se o aumento da corrente de redução em 0,0 V na presença da procaína. Esse resultado indica que o processo que ocorre em 0,0 V é dependente do processo redox relacionado ao par Fe(II)/Fe(III), que modifica alguma propriedade eletroquímica do filme, resultando no aumento da corrente de redução em 0,0 V. Dessa forma, nos experimentos de onda quadrada utilizou-se o sentido da varredura de potenciais positivos para potenciais negativos.

Avaliação das melhores condições para modificação da superfície do eletrodo de carbono vítreo

As melhores condições experimentais para modificação da superfície do eletrodo de carbono vítreo avaliadas em um primeiro momento foram as concentrações de RuCl3, K3Fe(CN)6 e o número de ciclos utilizados na deposição eletroquímica do filme. Nesta etapa, as avaliações das melhores condições de trabalho foram simultaneamente alteradas, ou seja, o coeficiente angular da curva analítica (-ΔI vs. concentração) da procaína utilizando a técnica de voltametria de onda quadrada foi avaliado variando-se ambos, concentração e número de ciclos, para diferentes combinações desses dois parâmetros, Figura 4.

 


Figura 4. Dependência entre concentraçao de modificador (valor final da concentraçao de RuCl3 e K3Fe(CN)6), número de ciclos e coeficiente angular da curva analítica para procaína (mapa de cores em mA µmol L-1). Voltamogramas de onda quadrada foram registrados com os seguintes parâmetros: frequência = 60 Hz, Estep = 0,005 V e Eamplitude = 0,1 V

 

Nota-se, a partir da Figura 4, que a variação do coeficiente angular da curva analítica aumenta com o aumento do número de ciclos e da concentração dos agentes modificantes em solução para a deposição eletroquímica até que os parâmetros avaliados atinjam o valor de 40 ciclos de deposição e concentração final de RuCl3 e K3Fe(CN)6 igual à 3 mmol L-1 para cada espécie na solução de modificação, sendo essa a melhor condição utilizada nas próximas etapas do trabalho.

Avaliação dos melhores parâmetros da técnica de voltametria de onda quadrada para quantificação da procaína e da temperatura de formação do filme de hexacianoferrato de rutênio

Nessa etapa avaliou-se a influência na detectabilidade da procaína dos parâmetros utilizados na técnica de voltametria de onda quadrada (frequência da aplicação dos pulsos de potencial, passo do potencial (Estep) e amplitude do pulso (Eamplitude)). As melhores condições, assim como a faixa de na qual os parâmetros foram avaliados, estão sumarizados na Tabela 1. Vale destacar que todos os experimentos foram realizados de forma univariada e avaliou-se a média de três replicatas para cada parâmetro estudado na presença de 1 mmol L-1 de procaína.

 

 

Por fim, foi realizada a avaliação da temperatura durante o processo de eletrodeposição do filme de RuOHCF. Uma vez que esse filme depende de um processo de precipitação do material que irá ser depositado na superfície do eletrodo após um processo eletroquímico, a temperatura deve influenciar e muito na quantidade de material depositado. Sendo assim, curvas analíticas foram construídas para avaliar a influência de filmes depositados em diferentes temperaturas (15, 25 e 35 ºC). A Tabela 2 sumariza as equações de reta das curvas de calibração obtidas na faixa entre 30 e 90 µmol L-1 de procaína para os filmes obtidos em diferentes temperaturas.

 

 

Nota-se a partir da Tabela 2 que uma maior sensibilidade é alcançada ao se utilizar temperaturas de 35 ºC. Contudo, a dispersão entre os dados é maior, evidenciada pelo menor valor de R2. Dessa forma, optou-se por utilizar filmes eletrodepositados em temperaturas de 25 ºC com o intuito de melhorar a precisão dos resultados obtidos em comprometimento da sensibilidade alcançada em 35 ºC.

Quantificação de procaína

Avaliadas as melhores condições de trabalho para quantificação da procaína, uma curva analítica foi construída na faixa de 5 - 500 µmol L-1 de procaína, Figura 5.

 


Figura 5. (A) Voltamogramas de onda quadrada registrados com eletrodo de carbono vítreo modificado com filme de RuOHCF (valor final da concentraçao de RuCl3 e K3Fe(CN)6 = 3 mmol L-1) em NaNO3 0,5 mol L-1 e HCl 0,05 mol L-1 na ausência e na presença de procaína (concentraçao final das adiçoes sucessivas variaram de 5 a 500 μmol L-1). Parâmetros: frequência = 40 Hz, Estep = 0,001V e Eamplitude = 0,2 V. Em B está representada a curva analítica ao se monitorar o decaimento da corrente no potencial = 0,0 V

 

A equação de reta da curva analítica mostrada na Figura 5B (faixa linear entre: 5 e 100 µmol L-1) é: -ΔI / mA = 0,046 + 0,030 (Cprocaína/µmol L-1), com um coeficiente de determinação de 0,996. Os limites de detecção ((3 x desvio padrão do branco) / coeficiente angular da curva de calibração) e quantificação ((10 x desvio padrão do branco) / coeficiente angular da curva de calibração) resultaram em valores de 11 e 36 nmol L-1, respectivamente, concentrações essas significativamente menores que o valor de concentração encontrado na maioria das formulações farmacêuticas (55 mmol L-1) e amostras de drogas de abuso aprendidas pela Polícia Federal. Com o intuito de verificar a aplicação do sensor proposto com outros métodos eletroquímicos da literatura comparou-se algumas características analíticas desses métodos com os obtidos pelo método proposto, Tabela 3. Pode-se observar que a utilização do eletrodo de carbono vítreo modificado com RuOHCF possibilitou a obtenção de um baixo limite de detecção comparado com outros sensores eletroquímicos reportados na literatura, além de permitir a detecção dessa espécie em um baixo valor de potencial aplicado. A estabilidade dos eletrodos modificados foi avaliada por dois ensaios diferentes: 10 medidas consecutivas utilizando o mesmo eletrodo modificado (repetibilidade) e 3 diferentes eletrodos modificados pelo mesmo processo (reprodutibilidade). Os valores de desvio padrão relativo para os sinais medidos em 0,0 V na presença de procaína foram iguais a 2,2 % e 3,0 %, respectivamente, para o primeiro e segundo ensaios, demonstrando assim a estabilidade e reprodutibilidade da deposição do filme de RuOHCF para detecção de procaína.

 

 

A Tabela 4 mostra o decaimento do sinal eletroquímico obtido em 0,0 V em porcentagem comparado com o branco analítico para potenciais espécies químicas encontradas como adulterantes em amostras de cocaína apreendidas,5,33 visando demonstrar a seletividade da detecção de procaína nessas amostras. As espécies químicas testadas foram: cocaína, lidocaína, benzocaína e cafeína. Vale destacar que nas formulações farmacêuticas não foi encontrada nenhuma combinação dessas espécies ativas com características similares a procaína. Além disso, outros interferentes usualmente encontrados em formulações farmacêuticas como sulfato de cobre, glicose e cloreto de potássio não apresentaram nenhum decaimento do sinal eletroquímico obtido em 0,0 V. Pode-se observar da Tabela 4 que a única espécie encontrada como interferente é a benzocaína. Para tentar contornar essa limitação o grupo já iniciou trabalho para desenvolver um eletrodo molecularmente impresso34, uma vez que esses materiais podem evitar a chegada da benzocaína até a superfície do eletrodo modificado evitando a interferência oriunda dessa substância.

 

 

 

CONCLUSÃO

O uso da modificação da superfície do eletrodo de carbono vítreo com filmes de hexacianoferrato de rutênio mostrou uma melhora significativa na seletividade e sensibilidade para detecção de procaína comparado com outros materiais eletródicos encontrados na literatura. Dessa forma, o uso de eletrodo modificado mostra-se interessante para uma futura aplicação em campo desse dispositivo para aplicações forenses e farmacêuticas.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e à Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, Processo: 2012/12106-5 e 2011/11115-8) pelas bolsas de estudo e pesquisa concedidas e pelos auxílios financeiros que tornaram possível a realização deste estudo.

 

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