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Artigo


Adaptação da metodologia de análise de metemoglobina como biomarcador de efeito da exposição ao agrotóxico diflubenzuron
Adaptation of method of analysis of methemoglobin as a biomarker of effect of exposure to the pesticide diflubenzuron

Cristiane Barata-SilvaI,*; Tatyane P. dos SantosI; Adherlene V. GouvêaII; Ariane L. LarentisI; Josino C. MoreiraI; Paula N. SarcinelliI

ICentro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Av. Leopoldo Bulhões, 1480, 214041-210 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
IILaboratório de Alimentos e Contaminantes, Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Av. Brasil, 4365, 21040-900 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 25/09/2014
Aceito em 16/01/2015
Publicado na web em 23/03/2015

Endereço para correspondência

*e-mail: cristianebarata@hotmail.com

RESUMO

This work aimed to adapt the analysis of methemoglobin recommended by Evelyn - Malloy (visible spectrophotometry), in order to facilitate its application in the field, or to analysis in clinical laboratory, of existing sites of diflubenzuron application. The parameters changed included: centrifuge rotation speed; time between the collection of biological sample and analysis, and storage temperature of the samples; and the volume of reagents. The comparison of the rotation speed (rpm) of the reference methodology with the rpm of a "clinical centrifuge" did not reveal a statistically significant difference in the levels of methemoglobin. The time between the collection of biological sample and analysis was extended for a period of up to 48 hours for both conservation by refrigeration and ambient temperature, producing no statistically significant difference when compared to the standard duration of 2 hours. Regarding the reagents, the reference methodology already uses the volume necessary to ensure complete reaction, whereas a wider range from the recommended volume to a 5-fold reduction in comparison to the reference methodology could be used. It was concluded that the proposed changes to the methodology for adapting the analysis are applicable to studies of field / workplace exposure and ensure the reliability of results. The adapted methodology was inter-laboratory validated and the parameters changed can be selected according to the requirements of the laboratory at which the methemoglobin is to be measured.

Palavras-chave: diflubenzuron; methemoglobin; UV-VIS spectrophotometry.

INTRODUÇÃO

O diflubenzuron é caracterizado como um agrotóxico pertencente ao grupo químico das benzoilureias e sua nomenclatura IUPAC é N-[[(4-clorofenil)amino]carbonil]-2,6-difluorobenzamida ou 1-(4-clorofenil)-3-(2,6-difluorobenzoil) ureia.1 A formulação utilizada é sob a forma de pó na concentração de 25% e aplicada em containers ou pequenos recipientes residenciais que armazenam água. Na agricultura, a aplicação é realizada sob a forma de pequenas gotículas geradas por meio de sprays.2,3

Diflubenzuron ou Dimilin®, como é comercialmente conhecido, obteve o registro em 1985 com a finalidade de agir como inseticida e acaricida em plantações de algodão, cogumelos, florestas e em plantas ornamentais.4 A partir desta data, este agrotóxico vem sendo utilizado amplamente e novos estudos toxicológicos vêm sendo realizados para definir o perigo e o risco que tal substância pode causar para a população exposta.4

Atualmente, no Brasil, o diflubenzuron é amplamente utilizado em campanhas de saúde pública para o controle de vetores de doença, principalmente do mosquito transmissor do vírus da dengue, o Aedes aegypti. Esta substância química veio a ser utilizada em substituição do larvicida Temephos e do adulticida Cipermetrina, que possuem uma toxicidade maior em exposições crônicas para os trabalhadores que os manipulam quando comparado ao diflubenzuron.5

Segundo estudos, a toxicidade aguda pela via oral, dérmica ou inalatória do diflubenzuron é baixa, logo, sua classificação toxicológica é classe IV, isto é, substância pouco ou muito pouco tóxica.3 Porém, não existe relato de classificação pela Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC). Com o atual uso intenso deste composto, somente é possível observar os possíveis efeitos carcinogênicos e mutagênicos após uma exposição ocorrida por um longo período a baixas doses, denominada de exposição crônica.6

O principal efeito tóxico do diflubenzuron em animais de experimentação relatado na literatura é a formação de sulfemoglobina e metemoglobina, efeitos pelos quais estes metabólitos são utilizados como indicativos de alteração da homeostasia do organismo exposto. Estudos sugerem que a formação de metemoglobina ocorre devido à presença do metabólito p-cloroanilina (PCA), principalmente quando a exposição ocorre pela via inalatória e oral.7 E, desta forma, tal metabótito sanguíneo pode ser utilizado como um biomarcador de exposição, visto que a metemoglobina é um pigmento endógeno resultante do contato com o xenobiótico.

A metemoglobina (MHb) é um pigmento da hemoglobina resultante da ação de substâncias que induzem à oxidação de um dos átomos de ferro que está na composição da hemoglobina, do estado ferroso (Fe+2) para o férrico (Fe+3). Sob esta forma, o transporte gasoso no sangue fica comprometido, pois a MHb não consegue se ligar ao oxigênio, ao gás carbônico ou ao monóxido de carbono devido ao estado de oxidação +3. Além disso, há a formação de um subproduto, o superóxido (O2.), que é uma espécie reativa de oxigênio, tendo grande importância em diversos processos fisiopatológicos.8

A metemoglobina é produzida naturalmente no organismo durante o processo de auto-oxidação de forma lenta e consistente, presente em quantidades iguais ou inferiores a 2% de hemoglobina total.6 Desta forma, a Norma Regulamentadora Nº 7 preconiza que o percentual de metemoglobina deve ser inferior a 2 %.9 Com os níveis basais elevados, o sistema de redução presente no organismo não é capaz de reduzir metemoglobina a hemoglobina, levando a desfechos relacionados com a porcentagem de metemoglobina formada: concentrações de metemoglobina entre 10-20% são geralmente bem toleradas em seres humanos, mas já ocorre coloração cianótica visível; concentrações entre 20-25% podem causar cefaléia, dispnéia, fotofobia, cansaço, confusão mental, taquicardia, palpitações e dor torácica; valores maiores que 55% provocam deterioração acentuada do estado de consciência, arritmias cardíacas, acidose, isquemia neurológica e choque cardiogênico, enquanto concentrações superiores a 70% são geralmente fatais.10 Existem diversas substâncias exógenas que promovem o aumento da porcentagem de metemoglobina no organismo humano, como analgésicos, quimioterápicos, nitratos e nitritos, anilinas, naftaleno, nitrobenzenos, nitroglicerinas, entre outros,11 que devem ser considerados quando se quer utilizar a metemoglobina como biomarcador de efeito da exposição ao diflubenzuron. Desta forma, a análise da metemoglobina se torna essencial para ser utilizada como um biomarcador de efeito da exposição ao diflubenzuron. A sua adaptação é uma etapa importante na eliminação dos fatores limitantes na implementação desta metodologia em laboratórios de referências, assim como sua aplicação em campo ou em laboratório de análises clínicas existentes nas localidades de aplicação do diflubenzuron.

 

METODOLOGIA

A metodologia empregada para análise de metemoglobina foi descrita primeiramente por Evelyn-Malloy (1938),12 posteriormente foi modificada por J. Meunier (1972) e atualizada por Carrazza (1998),13 na qual a dosagem de metemoglobina no sangue venoso é realizada por meio de espectrofotômetro UV-visível. Essa técnica se fundamenta no princípio de que os pigmentos sanguíneos oxiemoglobina, deoxiemoglobina, metemoglobina e cianometemoglobina possuem absorção máxima em comprimentos de ondas semelhantes, mas cada pigmento tem picos de absorção menores, porém significativos, em diferentes comprimentos de onda, conforme representado na Figura 1.

 


Figura 1. Representação da absorção dos pigmentos sanguíneos nos diferentes comprimentos de onda (adaptado da Ref. 14)

 

Como mostrado na Figura 1, a metemoglobina possui uma absorção pequena, porém exclusiva, no comprimento de onda de 630 nm, obtendo-se neste λ uma absorbância proporcional à concentração de metemoglobina na amostra.14

Na tentativa de anular a ação de outros pigmentos interferentes presentes no sangue, como por exemplo, carboxiemoglobina e sulfemoglobina, quatro leituras são realizadas. A primeira leitura (A1) a ser efetuada na amostra tratada (Solução de Triton-X 1% v/v e Solução de Tampão Fosfato Dibásico de Sódio 0,01 mol L-1 pH 6,80 com posterior centrifugação) é feita sem alteração da composição dos pigmentos sanguíneos presentes na amostra. A segunda leitura (A2) é realizada na amostra anteriormente descrita com adição de cianeto de potássio, que levará a transformação da metemoglobina em cianometemoglobina, que nesse comprimento de onda possui uma absorbância mínima. Desta forma, o valor observado é resultante dos pigmentos residuais da hemoglobina, e a diferença da primeira leitura com a segunda fornecerá a real proporção da concentração de metemoglobina presente na amostra.

A terceira leitura (A3) é realizada em uma alíquota da amostra tratada com uma solução de ferricianeto de potássio, que, ao contato com a hemoglobina, promove a oxidação do ferro levando à formação de metemoglobina, que fornecerá um valor de absorbância. A esta amostra é acrescida uma solução de cianeto de potássio para novamente promover a leitura residual de outros pigmentos da hemoglobina, que é denominada como quarta leitura (A4). A diferença entre a terceira e quarta leitura é proporcional à concentração da metemoglobina gerada "in vitro".

Assim, com a obtenção desses valores, é possível aplicar a equação abaixo para estimar o percentual de metemoglobina presente na amostra de cada trabalhador e concluir se tais níveis estão conformes ou não com o preconizado pela NR-07 (< 2%):9

Na etapa de adaptação da metodologia realizada neste trabalho, diversas condições de armazenamento e análise foram testadas a fim de facilitar a execução do processo, empregando espectrofotômetro UV-visível modelo UV-1601 da Schimadzu utilizando microcubeta de vidro com 1 cm de caminho ótico.

As soluções utilizadas nos experimentos na avaliação da metemoglobina foram preparadas a partir de reagentes fabricados pela Sigma-Aldrich com grau de pureza superior a 90%.

Adaptação da rotação, tempo e temperatura de armazenamento das amostras

A primeira condição testada foi na etapa de hemólise dos eritrócitos e sedimentação de fragmentos que interferem na leitura, realizada através da centrifugação durante o preparo da amostra. A rotação por minuto (rpm) preconizada na metodologia12,14 é de 10.000 rpm, mas nesta etapa foi testada uma rotação de 6.000 rpm, que pode ser atingida em uma "centrífuga clínica". Foi mantido o tempo de rotação de 15 minutos para as três condições analisadas.

Outra condição a ser adaptada é o tempo entre a coleta de sangue e a leitura da amostra para a determinação de metemoglobina, que segundo a metodologia utilizada como referência12,14 não poderia exceder 2 horas. Porém, outro estudo15 descrito na literatura possibilitou a análise em até 24 horas após a coleta, quando a amostra é conservada em condições específicas. Assim, alterações nas condições de armazenamento e no tempo entre a coleta e a análise foram testadas e comparadas estatisticamente com as condições da metodologia preconizada. Foram testados armazenamentos do sangue sob forma coletada, ou seja, com apenas heparina, e do sangue processado na centrífuga com a solução hemolisante (Solução de Triton-X 1% v/v e Solução de Tampão Fosfato Dibásico de Sódio 0,01 mol L-1 pH 6,80) em temperatura ambiente (média de 20 ºC) e sob refrigeração (média de 4 ºC). Para as amostras descritas acima foram testados os tempos de 0, 2, 4, 6, 24, 48 horas entre a coleta e a leitura no espectrofotômetro.

Para a comparação dos resultados obtidos nos experimentos acima descritos foi utilizado ANOVA: fator único e teste t de Student, com nível de significância de 0,05 (95% de confiança). Foi também avaliada a normalidade na distribuição dos resultados.

Avaliação dos volumes dos reagentes por planejamento experimental

Para avaliar a influência de outros parâmetros sobre a aplicabilidade da metodologia, foi mantida a rotação da centrífuga a 6.000 rpm por 15 minutos e planejada uma sequência de experimentos alterando duas variáveis ao mesmo tempo, a partir de uma análise multivariada empregando uma matriz experimental do tipo DCCR (Delineamento Composto Central Rotacional)16 em cinco níveis, sendo elas os volumes das soluções entre 5 µL e o preconizado pela metodologia oficial, 25 µL, de cianeto de potássio a 5% e ferricianeto de potássio a 5%, que são utilizadas no momento das leituras para a formação de cianometemoglobina e 100% de metemoglobina, respectivamente.

Para a construção do plano fatorial do tipo DCCR, todas as combinações experimentais foram implementadas pela variação entre as condições definidas pelos valores normalizados de cada uma das duas variáveis, entre -1 e +1, que permitem identificar efeitos lineares e interação das variáveis sobre a resposta, incluindo repetições na condição do ponto central (0), que corresponde ao valor intermediário entre os níveis -1 e +1. Além disso, foi feita a adição de condições nos pontos -1,41 e +1,41, que permitem avaliar efeitos quadráticos das variáveis sobre a resposta.16 Por meio da utilização de variáveis normalizadas, seus efeitos podem ser comparados sem que sofram influência da amplitude dos valores reais de cada variável, permitindo, desta forma, identificar aqueles com maior influência sobre a resposta avaliada. Os ensaios relativos à condição do ponto central foram realizados de forma a determinar o erro experimental e avaliar a linearidade dos efeitos das variáveis sobre a resposta, sendo sua triplicata utilizada para calcular as médias e desvio padrão.

A avaliação estatística dos resultados do planejamento foi realizada com o auxílio do programa STATISTICA 9.1 (Statsoft, USA). Os efeitos de cada uma das variáveis foram estimados a 95% de confiança e foram considerados estatisticamente significativos aqueles com p < 0,05.16 Para a realização de tais experimentos foi utilizado como material de referência o sangue de um voluntário, do qual a média dos valores de percentual de metemoglobina já eram conhecidos devido a uma sequência de análises de seu material biológico feita em dias variados.

Validação da metodologia adaptada: avaliação de especificidade, seletividade e precisão

Os critérios de validação avaliados para as condições da metodologia adaptada foram a especificidade, seletividade e precisão, sendo que esta última foi composta por três níveis: repetibilidade, precisão intermediária e reprodutibilidade. A repetibilidade ou precisão intracorrida objetivou a observação dos resultados obtidos em experimentos realizados em uma mesma amostra em um curto espaço de tempo (em um mesmo dia). Já a precisão intermediária ou precisão intercorrida avaliou o comportamento dos resultados quando as análises foram executadas em dias diferentes utilizando a amostra colhida do mesmo voluntário a cada dia. Para a realização destas análises, cada condição foi repetida 10 vezes no mesmo dia (precisão intracorrida) ou 15 vezes ao longo dos dias (precisão intercorrida). A existência de outliers foi avaliada com um intervalo de confiança de 95%, visando à retirada dos resultados fora deste parâmetro, para calcular o coeficiente de variação associado ao método. Esta avaliação é necessária pois a literatura preconiza que um método possui repetibilidade quando o coeficiente de variação não ultrapassa 20%.17

A reprodutibilidade ou precisão interlaboratorial foi avaliada com o objetivo de observar a concordância dos resultados obtidos nos experimentos realizados em laboratórios distintos utilizando alíquotas de uma mesma amostra. Para isso, uma amostra de sangue foi dividida em dois frascos com volumes semelhantes e cada laboratório preparou as soluções necessárias para a execução da análise. A primeira alíquota denominada como "A" foi analisada no Setor de Agrotóxicos do Laboratório de Toxicologia do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) localizada na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ-RJ), e a segunda alíquota, "B", foi devidamente acondicionada e transportada em até duas horas para o Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde foi realizada a análise.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo de comparação entre as rotações utilizadas no processamento da amostra foi realizado visando comparar a eficácia nesta análise da centrífuga clínica, de mais fácil acesso e manipulação em diversos laboratórios de análises clínicas, que permite obter 6.000 rotação por minuto, com a centrífuga de grande porte que possibilita alcançar uma rotação de 10.000 rpm. A proposta de mudança na rotação se justifica pelo fato de que a probabilidade de que um laboratório de análises clínicas tenha acesso a uma centrífuga com capacidade de rotação por minuto de 10.000 rpm é pequena e que os altos custos e o tamanho ocupado por ela sejam fatores limitantes para a sua aquisição. Assim, possibilitando a utilização de outras centrífugas sem comprometer o resultado, a metodologia se torna mais facilmente aplicável na rotina laboratorial para análise de exposição a substâncias químicas. Normalmente a centrífuga de mais alta rotação possui a opção de refrigeração, que neste experimento não foi utilizada, permanecendo com o tempo de centrifugação de 15 minutos. Os resultados gerados após a análise dos dados permitiram a inferência de que o percentual de metemoglobina obtida não sofre mudança estatisticamente significativa do seu valor quando a rotação por minuto de 10.000 rpm (0,44 ± 0,19) é substituída pela de 6.000 rpm (0,78 ± 0,39), uma vez que foi encontrado um p > 0,05. Estes resultados permitem observar que a substituição por uma menor rotação por minuto não irá comprometer a fidedignidade dos resultados gerados na análise. Essa etapa de desenvolvimento permitiu a alteração na metodologia para a utilização da centrífuga com menor capacidade rotacional.

Para avaliar o comportamento da amostra frente ao tempo entre a coleta e a análise e as condições de armazenamento, os outros parâmetros do experimento, como o tempo de centrifugação e a rotação, permaneceram como o preconizado na metodologia de referência,12,14 de 15 minutos e 10.000 rpm, respectivamente. A justificativa para alterar esse parâmetro na metodologia se deve à limitação operacional com relação ao tempo, visto que entre a coleta, processamento e a leitura da amostra, a metodologia preconizada recomenda não ultrapassar o tempo de 2 horas. Assim, para promover a avaliação de um quantitativo elevado de amostras ou se o local de coleta de amostra estiver a uma certa distância do laboratório em que a metemoglobina será dosada, a metodologia de referência preconizada se torna limitada e de difícil aplicação.

Os resultados deste conjunto de experimentos foram agrupados em três grandes grupos conforme o tempo de armazenamento, sendo eles de 0 a 6 horas (T1), 24 horas (T2) e 48 horas (T3), para a realização das análises estatísticas. Primeiramente, os conjuntos de dados foram avaliados quanto à distribuição, que foram normais, sendo posteriormente realizado o teste t para a comparação dos resultados de cada conjunto. Foi observado que não havia diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) entre as diferentes condições de armazenamento, com ou sem refrigeração. Sendo assim, os dados puderam ser tratados como conjuntos que teriam somente a variável tempo entre a coleta e análise para ser avaliada. Para T1, T2 e T3 foram excluídos os outliers e foram obtidas médias de percentual de metemoglobina de 0,55 ± 0,21, 0,39 ± 0,08, 0,41 ± 0,14, respectivamente. Entretanto, uma limitação em algumas destas avaliações foi o número restrito de réplicas (n=3) que impossibilitou uma análise de outliers, obtendo-se assim desvios padrão superiores a 20% em algumas condições experimentais, o que foi contornado na validação da metodologia empregando todas as condições adaptadas.

Os resultados gerados sugerem que a metodologia pode ser modificada, promovendo desta forma uma adaptação, visto que o tempo preconizado na metodologia de referência12,14 (2 horas) limita a logística do processo de coleta de amostra e análise em laboratório.

Avaliação dos volumes dos reagentes por planejamento experimental

Para avaliar o resultado do percentual de metemoglobina mediante a alteração do volume dos reagentes empregados na metodologia de análise, um conjunto de experimentos foi realizado promovendo a combinação de duas variáveis em diferentes condições, levando a diferentes concentrações dos reagentes, conforme o estabelecido pelo planejamento experimental DCCR em cinco níveis e mantendo a rotação da centrífuga em 6.000 rpm por 15 minutos. A Tabela 1 representa os volumes das soluções de cianeto de potássio e ferricianeto de potássio, a normalização das variáveis e os valores de metemoglobina obtidos nos experimentos.

 

 

Para tais resultados, a média obtida pelas réplicas nas condições do ponto central foi de 0,98 com desvio padrão de 0,15 em termos de % de MHb (erro experimental de cerca de 15 %), podendo-se afirmar que as variáveis testadas não apresentam influência sobre o percentual de metemoglobina, pois todos os níveis testados de diferentes volumes apresentam resultados similares considerando o erro experimental em torno de 15% e um intervalo de confiança de 95%.

Os resultados indicam que não há diferença estatisticamente significativa entre os volumes de reagentes testados, uma vez que todos os efeitos apresentam p > 0,05 (Tabela 2), ou seja, os resultados para os volumes de KCN e de K3Fe(CN)6 variando de 5 a 25 µL são similares, indicando que o percentual de metemoglobina formada é similar em toda esta faixa de reação. Assim, a análise estatística dos efeitos da variação de cianeto de potássio e de ferricianeto de potássio sobre o percentual de metemoglobina não mostrou efeito estatisticamente significativo da variação da metemoglobina em relação aos volumes das soluções de análise.

 

 

Mediante tais resultados foi possível observar que o volume máximo a ser adicionado das respectivas soluções ultrapassa o volume necessário para promover as reações. O analista pode selecionar qual volume utilizar no experimento, dentro da faixa testada de 5 a 25 µL, sem comprometer o resultado e com 100% de rendimento da reação, evitando assim uma reação incompleta que poderia gerar um falso resultado. Tal escolha pode ser pautada na disponibilidade de instrumentos de laboratório para aliquotar o volume escolhido, como o uso de pipetas com definição precisa de volume ou na economia do uso de reagente e, consequentemente, o seu menor volume de descarte.

Esse conjunto de experimentos confirmou a robustez do método utilizado frente à variação na velocidade de rotação da centrífuga, tempo entre a coleta e análise da amostra e a variação dos volumes das soluções de análise, pois independente dessas alterações, o valor permaneceu estatisticamente similar.

Validação da metodologia adaptada: avaliação de especificidade, seletividade e precisão

Para a determinação da validação na condição da metodologia adaptada, a precisão do método foi avaliada nos três níveis: repetibilidade, precisão intermediária e reprodutibilidade.

A repetibilidade ou precisão intra-corrida teve como objetivo a observação dos resultados obtidos em experimentos realizados em uma mesma amostra em um curto espaço de tempo (em um mesmo dia). Após a avaliação da ocorrência de outliers entre as réplicas dos experimentos, foi obtido um coeficiente de variação de 19,8%, o que é considerado aceitável dentro dos critérios de validação adotados.17 Já a precisão intermediária ou precisão intercorrida objetivou a avaliação do comportamento dos resultados quando as análises foram executadas em dias diferentes utilizando a amostra colhida do mesmo voluntário a cada dia. Assim, a análise foi realizada em 15 dias diferentes. Após a retirada dos resultados calculados como outliers, a média obtida foi de 0,48 com desvio padrão de 0,08 em percentual de MHb e o coeficiente de variação obtido foi de 17,8%, o que é considerado aceitável dentro dos critérios de validação adotados.17

É importante ressaltar que um outlier pode ser definido como um ponto experimental que parece não se ajustar ao mesmo padrão de distribuição de probabilidades definido pela maioria dos outros pontos experimentais.18 Como a análise de outliers pode ser feita de várias formas distintas e há discussões e controvérsias do ponto de vista estatístico, ela deve ser feita com cuidado para não levar a interpretações errôneas dos dados, tanto na manutenção quando na eliminação de um determinado ponto em comparação com a tendência dos demais.19

O último nível avaliado foi a da reprodutibilidade ou precisão interlaboratorial, no qual a média dos resultados obtidos no laboratório A foi de 0,55% MHb e de 0,57% MHb no laboratório B. A partir dos resultados foi possível observar que os valores obtidos não possuem diferença estatisticamente significativa (p > 0,05). Desta forma, a reprodutibilidade do método foi confirmada e os resultados gerados em diferentes laboratórios que utilizarem corretamente a metodologia proposta devem gerar resultados estatisticamente semelhantes, o que se espera de qualquer metodologia, ou seja, a aplicabilidade em qualquer ambiente laboratorial.

O método adaptado foi empregado para a avaliação de uma população ocupacionalmente exposta ao diflubenzuron (guardas de endemias), atuantes na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2012, permitindo avaliar os níveis de metemoglobina antes e após a jornada de trabalho.20

 

CONCLUSÕES

Com o presente trabalho, foi possível concluir que a proposta de adaptação da metodologia de análise se mostrou eficaz para a quantificação do pigmento sanguíneo denominado metemoglobina, através de espectrofotômetro operando no visível. Esta modificação permitiu a utilização de uma menor rotação por minuto na etapa de centrifugação e possibilitou uma maior margem de tempo para a realização da análise após a coleta sanguínea. Foi possível concluir que as propostas de alterações na metodologia para emprego das condições de rotação, tempo, temperatura e volumes dos reagentes são aplicáveis para trabalhos de avaliação da exposição em campo/no local de trabalho e garantem a fidedignidade dos resultados gerados.

Com as alterações avaliadas foi possível concluir que para a realização da análise não se tem a necessidade de aquisição de equipamentos específicos, como por exemplo, centrífugas de altas rotações, e nem a limitação imposta na logística do tempo de análise. Logo, a adaptação realizada propicia a acessibilidade de implementação desta metodologia em um amplo espectro de laboratórios. Apesar da adaptação da metodologia ter sido implementada de forma exitosa, é necessário advertir que o método apresenta alta variablidade, o que exige a realização de um grande número de réplicas de cada experimento.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho contou com apoio financeiro da FAPERJ via Auxílio à Pesquisa- APQ1 (processo número 110.682/2013) e bolsa FIOCRUZ para Cristiane Barata Silva.

 

REFERÊNCIAS

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