JBCS



15:29, qui nov 21

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Nota Técnica


Determinação do teor de biodiesel em diesel empregando o ensaio colorimétrico do ácido hidroxâmico
Determination of biodiesel content in diesel using the colorimetric assay for hydroxamic acid

Roberta P. M. da CostaI; Thaiane C. KhalilI; Amanda P. F. dos SantosI; Débora F. de AndradeII,*,# e Luiz A. d'AvilaI,III

ILaboratório de Combustíveis e Derivados de Petróleo, Escola de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
IIDepartamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
IIIDepartamento de Processos Orgânicos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 19/08/2014
Aceito em 22/12/2014
Publicado na web em 23/03/2015

Endereço para correspondência

*e-mail: dfandrade@iq.ufrj.br
#e-mail alternativo: debora.franca.andrade@gmail.com

RESUMO

The aim of this paper was to use colorimetric assays for hydroxamic acid to quantify the biodiesel content in diesel and compare it with the traditional method (infrared spectroscopy, using the EN 14078 method). Samples were prepared from B2 to B10 with two kinds of diesel - S500 (red) and S50 (yellow) - to obtain two calibration curves. Through statistical methods it was shown that the slopes of the straight lines obtained for the different types of diesel were the same. Thus, the type of diesel did not influence the results of the colorimetric assay for hydroxamic acid. Real samples collected from gas stations were analyzed by both methods (colorimetry and EN 14078). By applying Student's t-test it was concluded that the methods could be considered statistically equivalent. Therefore, it was confirmed that the colorimetric assay for hydroxamic acid is suitable for detecting and quantifying the content of biodiesel in biodiesel/diesel blends and can also be easily adapted to field analyses.

Palavras-chave: biodiesel; hydroxamic acid; colorimetric assay.

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), lançado pelo governo brasileiro, em 6 de dezembro de 2004, avançou significativamente desde a adição voluntária de 2% v/v de biodiesel no diesel, segundo a Resolução da Agência Nacional de Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nº 42 de novembro de 2005. Desde 1º julho de 2009, a adição passou para 4%, segundo a Resolução ANP nº 07 de março de 2008 e, desde 1º de janeiro de 2010, a obrigatoriedade foi para 5%.1 Recentemente, o governo federal brasileiro aprovou a medida provisória nº 647, de 28 de maio de 2014, que aumentou o percentual de biodiesel no diesel de 5% para 6% desde julho de 2014 e para 7% desde 1º de novembro de 2014. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) poderá, a qualquer tempo, por motivo justificado de interesse público, reduzir esse percentual para até 6%, restabelecendo-o por ocasião da normalização das condições que motivaram a redução do percentual.

Para a determinação do percentual de biodiesel em óleo diesel são empregadas as normas EN 14078 e ABNT NBR15568, que utilizam a espectroscopia na região do infravermelho (IV).2 Este método baseia-se no fato de que as substâncias carboniladas, especificamente os ésteres, apresentam duas absorções características que possuem origem nos estiramentos da ligação C=O, bastante intensas, e C-O, razoavelmente intensas. As vibrações de estiramento da ligação C=O de ésteres ocorrem entre 1750 e 1735 cm-1 e as da ligação C-O de ésteres que são, na realidade, duas vibrações assimétricas acopladas: C-C(=O)-O e O-C-C, ocorrem entre 1300 e 1000 cm-1. Contudo, as correlações realizadas com a vibração do estiramento da ligação C=O são mais confiáveis que as realizadas com o estiramento da ligação C-O, pois compostos que contenham hidrocarbonetos podem apresentar absorções na região em que ocorrem os estiramentos da ligação C-O, podendo assim interferir na sensibilidade do método.3

O teste do ácido hidroxâmico é indicado para a determinação de ésteres e as reações envolvidas consistem na formação de ácidos hidroxâmicos de ésteres em solução alcalina, nas quais o ácido hidroxâmico forma um complexo do tipo quelato altamente colorido com íons Fe3+ (a cor varia do púrpura ao vermelho).4 Os ácidos hidroxâmicos são compostos que possuem em sua estrutura o grupamento R-CO-NR-OH e normalmente são ácidos fracos que apresentam valores de pKa do próton N-OH em solventes aquosos na ordem de 8,5 a 10,3.5,6

Lossen, em 1869, estudou a reação entre o oxalato de dietila e a hidroxilamina, produzindo um composto ácido nomeado de ácido oxalohidroxâmico. Em 1872, Lossen observou que O-acil derivados de ácidos hidroxâmicos sofriam rearranjos, atualmente, conhecidos como rearranjos de Lossen.7 Em 1934, Feigl et al. desenvolveram um teste rápido para ésteres e anidridos, baseado na reação colorimétrica com íons Fe3+.8 Em 1945, Lipmann e Turtle desenvolveram um método para a identificação de compostos acilfosfatos empregando uma reação com a hidroxilamina.9

Hill, em 1946, desenvolveu um método rápido e preciso para a determinação de pequenas quantidades de óleo de palma, óleo de semente de algodão e lanolina. O método baseava-se na formação de ácido hidroxâmico de ésteres de ácidos graxos, através da utilização de hidrocloreto de hidroxilamina em meio alcalino. Por adição de uma solução acidificada de perclorato férrico alcoólico foi formado um complexo estável de hidroxamato férrico, sendo este proporcional a intensidade dos ésteres presentes. Os ácidos são quantitativamente metilados em uma solução de éter anidro com diazometano ou cloreto de tionila. Os resultados foram comparados com uma determinação gravimétrica mostrando uma boa concordância.10

Em 1950, Thompson adaptou o método colorimétrico de Hill (1946) para a determinação da estimativa de ésteres voláteis. Os espectros de absorção dos hidroxamatos férricos dos ésteres examinados apresentaram uma absorção máxima a 520 nm. Assim, uma mistura de ésteres foi avaliada em termos de um dos ésteres.11 Em 1955, Goddu et al. estudaram as variáveis que influenciam a reação de complexação de ácidos hidroxâmicos com íons Fe3+, usando a espectrofotometria de UV-Visível (teste do ácido hidroxâmico - TAH). Uma das características dos ácidos hidroxâmicos é a sua afinidade em formar complexos estáveis com metais de transição, em especial com os íons Fe3+.12,13

Em 1958, Jencks estudou a reação de grupos acila ativados com hidroxilamina em solução aquosa ou alcoólica, formando como produto majoritário um composto instável (O-acilhidroxilamina) e uma pequena quantidade de N- acilhidroxilamina (ácido hidroxâmico).14,15 Jencks também observou que a O-acilhidroxilamina não produz nenhuma coloração quando reage com o cloreto férrrico e reage rapidamente com a hidroxilamina concentrada produzindo a N- acilhidroxilamina.14,15 A reação de complexação do ácido hidroxâmico com íons Fe3+ é realizada em meio ácido e o sulfato férrico de amônio tem sido proposto como reagente. Contudo, o cloreto férrico e o perclorato férrico são os reagentes mais comumente utilizados.16 Os hidroxamatos reagem com sais férricos produzindo um complexo de cor vermelha à violeta, que é extraído em n-hexano, e a solução resultante é analisada por espectrofotometria de UV-Visível.8,17

Em 2000, Reddy et al. estudaram a conversão de ácidos carboxílicos a ácidos hidroxâmicos, sendo que os primeiros devem ser convertidos a anidridos.18 Em 2006, Correa et al. determinaram o percentual de biodiesel em misturas biodiesel:diesel, na faixa de B0 a B5, por um método baseado na reação dos ésteres presentes no biodiesel com o cloridrato de hidroxilamina, em meio alcalino. O sal alcalino do ácido hidroxâmico formado foi complexado por uma solução de cloreto férrico e os ésteres foram convertidos em hidroxamato férrico por reação com a hidroxilamina. A Figura 1 apresenta a reação de formação deste complexo.19

 


Figura 1. Reações químicas envolvidas no teste do ácido hidroxâmico (TAH) para confirmação da presença de ésteres (adaptado da Ref. 19)

 

Em 2009, Brandão et al. determinaram o percentual de biodiesel em misturas biodiesel:diesel comerciais, utilizando a espectrofotometria na região do visível. O complexo formado foi analisado no espectrofotômetro UV-Visível na faixa de comprimento de onda de 380 a 650 nm, observando-se o máximo de absorbância no comprimento de onda de 400 nm. O percentual de biodiesel das amostras analisadas foi próximo ao estabelecido pela legislação em vigor.4 Contudo, foram analisadas apenas duas amostras comerciais e não foi realizada nenhuma comparação com o método de referência (método EN 14078).

Silva, em 2009, determinou o percentual de biodiesel metílico em óleo diesel a partir da reação dos ésteres metílicos de ácidos graxos com o cloridrato de hidroxilamina em meio alcalino.13 Neste trabalho fez-se uma modificação no teste do ácido hidroxâmico original, descrito por Correa et al.,19 pois empregou-se o nitrato férrico ao invés do cloreto férrico. Os complexos coloridos de hidroxamato férrico foram extraídos em n-heptano e analisados por espectroscopia de UV-Visível. O método mostrou excelente linearidade na faixa estudada (B1 ao B20), excelente coeficiente de correlação para a curva analítica (R2 > 0,99), em uma faixa de comprimento de onda de 420 a 440 nm, mostrando-se adequado para o controle de qualidade de misturas BX.13

Em 2012, nosso grupo de pesquisa utilizou o teste do ácido hidroxâmico para a identificação de adulterações de misturas biodiesel:diesel por óleo vegetal. Empregou-se a extração em fase sólida para a separação da mistura biodiesel:diesel:óleo vegetal em duas frações, uma constituída de diesel (fração F1) e outra constituída de biodiesel e óleo vegetal (fração F2). A partir da fração F2 foi realizada outra extração em fase sólida, para a separação da mistura biodiesel:óleo vegetal nas frações F3 e F4, contendo, respectivamente, biodiesel e óleo vegetal, baseados no método desenvolvido por Andrade em 2011.20 Santos, em 2012, empregou o TAH nas frações constituídas por diesel (fração F1), biodiesel (fração F3) e óleo vegetal (fração F4). As frações F3 e F4 apresentaram uma coloração amarela, laranja ou vermelha, dependendo da concentração de biodiesel e/ou óleo vegetal. Com isso, o aparecimento de cor na fração F4 é uma forma de identificar a presença de adulteração por óleo vegetal na mistura biodiesel/diesel.20

Em 2013, nosso grupo de pesquisa analisou misturas com percentual de biodiesel e/ou óleo vegetal no diesel de até 7 % v/v (B7 - 93% de diesel + 7% de biodiesel com diferentes percentuais de adulteração com óleos vegetais). O TAH foi realizado nas frações F1 (constituída de diesel), F3 (constituída de biodiesel) e F4 (constituída de óleo vegetal) e nas amostras originais (mistura biodiesel:diesel:óleo vegetal). Os resultados foram comparados com os métodos de espectroscopia na região do IV e a CLAE-UV. O TAH mostrou-se adequado para a detecção de adulterações de misturas biodiesel:diesel por óleo vegetal somente após a etapa prévia de duas extrações em fase sólida, mas apresentou grande vantagem em relação às outras metodologias, pois pode ser facilmente adaptado a análises em campo, representando um ganho de agilidade na obtenção de resultados.21

Desta forma, o presente trabalho estuda a determinação do percentual de biodiesel pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico em misturas biodiesel:diesel, comparando-o com o método de referência especificado pela ANP e também avalia se o método proposto é eficaz para a determinação do percentual de biodiesel em misturas biodiesel:diesel.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Preparo das amostras de diesel com biodiesel

As amostras padrão de diferentes composições de biodiesel em diesel (BX) foram preparadas empregando dois tipos diferentes de diesel, o diesel tipo A S50 (isento de biodiesel e com teor de enxofre de até 50 mg kg-1) de coloração amarela e o diesel tipo A S500 (isento de biodiesel e com teor de enxofre de até 500 mg kg-1) de coloração vermelha. Empregou-se nas amostras o biodiesel metílico do óleo de fritura, cedido pelo Laboratório de Modelagem, Simulação e Controle de Processos (LMSCP/COPPE/UFRJ). O diesel tipo A S50 foi fornecido pela Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga, e o diesel tipo A S500 foi fornecido pela Companhia Raízen.

Preparou-se cinco amostras padrão com composições de 2, 4, 6, 8 e 10% v/v (B2, B4, B6, B8 e B10) de biodiesel com cada um dos óleos estudados (óleo diesel tipo A S50 e S500). Nesse estudo, também foram analisadas doze amostras comerciais, ou seja, amostras provenientes de postos de distribuição, constituídas, teoricamente, de diesel com 5% de biodiesel, segundo previsto na Resolução ANP nº 14/2012. Destas doze amostras, dez eram constituídas de diesel S500 e apenas duas eram constituídas de diesel S10.

Análise das amostras por espectroscopia na região do infravermelho

As amostras foram analisadas por espectroscopia na região do infravermelho (IV), para a determinação do percentual de biodiesel no diesel, de acordo com o método de referência, EN 14078 (2009), presente na Resolução ANP nº 65 de 09 de dezembro de 2011.

As análises por espectroscopia na região do IV foram realizadas em um equipamento da Thermo Scientific, modelo Nicolet iS5, inserindo-se uma pequena quantidade da amostra a ser caracterizada em uma célula de fluoreto de cálcio (CaF2) para obtenção do seu espectro. A absorvância máxima da banda típica do grupamento carbonila presente em ésteres foi obtida em torno do número de onda de 1745 cm-1, sendo a quantificação do percentual de biodiesel no óleo diesel calculada por meio de uma curva de calibração preparada com amostras de referência (EN 14078, 2009). As amostras que apresentavam concentrações de biodiesel no diesel acima de 6% (v/v) eram diluídas previamente com querosene de modo a inseri-las na faixa de linearidade da curva de calibração obtida com diesel.

Análise das amostras por cromatografia líquida de alta eficiência

As doze amostras comerciais foram analisadas por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) para verificar a possível adulteração da mistura biodiesel:diesel com óleo vegetal. Estas análises foram realizadas segundo Andrade,22,23 em um equipamento da Thermo Scientific (Massachusetts, EUA), modelo Ultimate 3000, composto por uma bomba quaternária (Dionex Ultimate 3000), um detector por varredura de espectro ao ultravioleta modelo Dionex UVD 170/340 UV/PDA e um injetor automático modelo WPS-3000 com alça de amostragem de 100 µL. Foi utilizada uma coluna Thermo Scientific AcclaimTM de 250 mm de comprimento por 4,6 mm de diâmetro interno, com fase octadecilsilano de 5 µm de tamanho de partícula e com 120 Å de diâmetro de poro. A fase móvel usada foi metanol (A) e uma mistura de 2-propanol/n-hexano (5:4, v/v) (B) e ambas foram sonicadas por 30 minutos antes da aplicação.

A análise foi realizada com a temperatura do forno da coluna em 40 ºC, com uma vazão de 1 mL por minuto e detecção UV a 205 nm. Um gradiente binário com duas rampas lineares foi empregado: 0 a 50% B de 0 a 15 minutos, seguido de 50% a 100% B até 25 minutos de corrida, e então por eluição isocrática com 100% B por mais 5 minutos. O tempo total de corrida foi de 30 minutos. As amostras foram previamente filtradas em membrana politetrafluoretileno (PTFE) da Millipore (Bedford, EUA) com 0,45 µm de poro antes da injeção.22,23 As doze amostras comerciais foram diluídas 100 vezes em 2-propanol/n-hexano (5:4, v/v) e injetadas (10 µL) em triplicata.

Análise das amostras pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico

As amostras foram analisadas pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico, segundo procedimento adaptado de Correa et al. em 2006.19 Foram adicionados em tubo de ensaio, 1 mL de solução de cloridrato de hidroxilamina (0,5 mol L-1 em etanol a 95%) e 0,2 mL da solução de hidróxido de sódio (6 mol L-1). Estes reagentes foram adicionados a 0,5 mL da amostra e ao branco (contendo apenas etanol 99%), seguido de agitação em vortex. Os tubos foram colocados no bloco digestor (marca Policontrol) por 3 minutos a uma temperatura de 130 ºC. Resfriou-se os tubos em água corrente e, em seguida, adicionou-se 4 mL da solução de ácido clorídrico (1 mol L-1) em cada tubo e agitou-se. Adicionou-se 2 mL de etanol PA 99% e agitou-se a mistura. Adicionou-se 100 µL da solução de cloreto férrico (5% m/v) sob agitação e, finalmente, acrescentou-se 5 mL de n-hexano. Os tubos foram novamente agitados e esperou-se ocorrer à separação das fases.19 A fase superior apresentou coloração amarelada à avermelhada, dependendo da quantidade de biodiesel presente na amostra. Após a separação em duas fases, a fase superior de cada amostra foi removida e analisada por espectroscopia na região do UV-Visível, no comprimento de onda de 440 nm, em um equipamento Perkin Elmer Lambda 35 UV-Visível. Para serem analisadas no espectro UV-Visível, as amostras foram diluídas 8 vezes em etanol 99%.

Tratamento estatístico para comparação entre as inclinações de duas retas

De modo a avaliar as inclinações das duas curvas analíticas obtidas com diferentes tipos de diesel (S50, cor amarela e S500, cor vermelha), fez-se um tratamento estatístico dos dados obtidos. Este tratamento estatístico visa identificar se existe ou não diferença significativa entre a inclinação das duas retas e, assim, verificar se o tipo de diesel utilizado (S50 ou S500) pode influenciar nos resultados do teste colorimétrico do ácido hidroxâmico. Desta forma, uma sequência de cálculos estatísticos foi realizada e encontra-se descrita no material suplementar.

Aplicação do teste t de Student para comparação entre métodos

Usualmente, nos laboratórios, deseja-se estudar se há diferenças entre dois métodos e, neste caso existem duas situações: a) amostras independentes, quando os dados são coletados de tal maneira que as observações não são relacionadas umas às outras e b) amostras dependentes (normalmente, chamadas de pareadas), quando uma mesma amostra é analisada por dois métodos diferentes. No caso de amostras independentes, faz-se, primeiramente, o teste F-Snedecor para verificar se as variâncias das amostras podem ser consideradas iguais; no caso de amostras dependentes, a aplicação deste teste não é necessária. Em quaisquer dessas situações, os resultados são comparados por meio do teste denominado t de Student.24,25

No presente trabalho, foi realizado um estudo comparativo entre os resultados obtidos pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico (método 1) e a espectroscopia na região do infravermelho (método 2) em doze amostras comerciais. A amostra 1 foi medida uma vez pelo método 1 e uma vez pelo método 2, que não fornecem exatamente o mesmo resultado. Em seguida, uma amostra diferente, denominada amostra 2, foi também medida uma vez pelo método 1 e uma vez pelo método 2. Novamente, os resultados não foram exatamente iguais entre si. O procedimento foi repetido para as doze amostras diferentes. Desta forma, as amostras são dependentes, não sendo, portanto, necessária a aplicação do teste F-Snedecor. Assim, para a comparação estatística destes métodos, aplicou-se usando o tratamento estatístico do Excel, o teste t: duas amostras em par para médias.

O teste t de Student é um teste de hipóteses, utilizado para avaliar as diferenças entre as médias de dois grupos. Consulta-se a tabela de t para encontrar o valor de t tabelado e compara-se com o valor de t calculado (equação 1). Se o valor de t calculado for menor que o valor de t tabelado (t calculado < t tabelado), pode-se afirmar, com 95% de confiança, que os métodos podem ser considerados equivalentes.25

na qual: |d| é o valor absoluto da diferença média entre os dois resultados para cada amostra, de modo que t calculado é sempre positivo; Sd é o desvio-padrão das n diferenças e n é o número de amostras.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise das amostras por espectroscopia na região do infravermelho

As amostras foram analisadas por espectroscopia na região do infravermelho (IV) para a determinação do percentual de biodiesel no diesel, de acordo com o método de referência, EN 14078 (2009). A título de exemplo, na Figura 2 é apresentado o espectro na região do IV de uma amostra B5 (5% de biodiesel e 95% de diesel S500).

 


Figura 2. Espectro na região do IV da amostra B5

 

O pico em destaque na Figura 2 se refere as vibrações de estiramento da ligação C=O de ésteres, que ocorrem entre 1750 e 1735 cm-1 (em torno do número de onda de 1745 cm-1). Desta forma, quanto maior a altura do pico (absorvância), maior a concentração de compostos carbonilados e consequentemente maior será o percentual de biodiesel no diesel.

A Tabela 1 apresenta os percentuais de biodiesel no diesel, teórico e experimental (método EN 14078, 2009)1 das cinco amostras padrão que foram preparadas com o diesel S50 (coloração amarela) e com o diesel S500 (coloração vermelha).

 

 

Os resultados da Tabela 1 mostram a similaridade dos valores percentuais de biodiesel no diesel, mostrando assim a eficiência do método de referência (EN 14078, 2009) na determinação do percentual de biodiesel em misturas com o diesel. Nas amostras com concentrações de biodiesel acima de 6% (v/v) foi realizada uma diluição prévia com querosene de modo a inseri-las na faixa de linearidade da curva de calibração obtida com diesel.

A Tabela 2 apresenta os resultados dos percentuais de biodiesel no diesel, segundo o método de referência, EN 14078 (2009), das doze amostras comerciais estudadas neste trabalho.

 

 

Os resultados da Tabela 2 mostram que das doze amostras comerciais analisadas pelo método EN 14078/2009, apenas as amostras 1 e 2 apresentam percentual de biodiesel fora da especificação prevista pela Resolução ANP nº 14/2012 (5 ± 0,5 % v/v). Apesar de ter sido analisado um número relativamente pequeno de amostras (doze amostras), este resultado sugere que a maioria dos postos de distribuição tem seguido a determinação da ANP quanto ao percentual de biodiesel no diesel. Segundo os dados do boletim mensal do monitoramento dos combustíveis líquidos automotivos da ANP, dentre as amostras coletadas no mês de março de 2014, 35,2% estão fora da especificação do percentual de biodiesel em óleo diesel.1

Análise das amostras por cromatografia líquida de alta eficiência

As doze amostras comerciais foram analisadas por CLAE, de modo a verificar a presença de possíveis adulterações da mistura biodiesel:diesel por óleo vegetal. As amostras comerciais apresentaram o perfil cromatográfico mostrado na Figura 3, a partir do qual é possível concluir que as amostras comerciais não estão adulteradas com óleo vegetal, uma vez que não apresentaram picos na região entre 20 e 25 min, que são característicos dos triacilgliceróis - TAG (principal constituinte do óleo vegetal).22,23 Os picos largos na região entre 3 e 10 min são característicos da presença de diesel na amostra.

 


Figura 3. Perfil cromatográfico das amostras comerciais, obtido por CLAE

 

A cromatografia líquida de alta eficiência mostrou-se útil na determinação de possível adulteração de misturas biodiesel:diesel por óleos vegetais. A aplicabilidade da CLAE neste tipo de análise já era esperada, devido aos resultados obtidos por um recente trabalho de nosso grupo de pesquisa.26 Assim, esta metodologia é uma boa alternativa para a detecção de adulterações de misturas biodiesel:diesel, já que o método tradicional (EN 14078, 2009)1 não é capaz de detectar adulterações por óleos vegetais.

Análise das amostras pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico

As doze amostras comerciais foram analisadas pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico. As cinco amostras padrão (B2, B4, B6, B8 e B10), preparadas com o diesel tipo A S50 e S500, foram analisadas qualitativamente e os resultados encontram-se na Figura 4 (a e b).

 


Figura 4. Resultado do teste colorimétrico do ácido hidroxâmico realizado nas amostras B2, B4, B6, B8 e B10 preparadas com o diesel S50 - amarelo (a) e com o diesel S500 - vermelho (b)

 

A Figura 4 mostra que quanto maior o percentual de biodiesel no diesel, mais intensa é a cor do complexo formado na fase superior. Isso ocorre porque, para concentrações mais altas de biodiesel, há mais consumo de sal férrico, o que irá produzir uma concentração do complexo O'O - Hidroxamato Férrico maior (Figura 1). Visualmente, não é possível observar uma diferença significativa na cor em concentrações próximas, por isso a fase superior foi separada e analisada por espectrofotometria na região do UV-Visível, diferentemente de Santos,20 que utilizou uma tabela padrão de cores para a identificação semiquantitativa do percentual de biodiesel no diesel. Por espectrofotometria na região do UV-Visível, a quantificação do percentual de biodiesel no diesel é mais exata.

Para a construção da curva analítica dos dois tipos de diesel (S50 e S500), as amostras padrão B2, B4, B6, B8 e B10 foram analisadas, em triplicata, pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico. Com os resultados encontrados, construiu-se a curva analítica plotando-se absorvância (eixo y) versus percentual de biodiesel (eixo x), Figura 5.

 


Figura 5. Curva analítica para o diesel S50 - amarelo (a) e para o diesel S500 - vermelho (b)

 

Foi observada uma relação linear entre o percentual de biodiesel e a absorvância, e os coeficientes de determinação (R2) indicaram uma forte correlação entre as duas variáveis.

Após obtenção das curvas analíticas, as doze amostras comerciais foram analisadas, em triplicata, pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico, para a quantificação do percentual de biodiesel nas amostras. Os valores da média das absorvâncias foram aplicados nas equações das retas encontradas, obtendo-se, então, o percentual de biodiesel. Os resultados obtidos pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico e pela espectroscopia na região do IV estão na Tabela 3.

 

 

A partir da Tabela 3 pode-se verificar que os resultados do percentual de biodiesel, obtidos pelo TAH, estão bem semelhantes aos resultados obtidos pela espectroscopia na região do IV. Observa-se também que, de um modo geral, os resultados do TAH obtidos usando a equação da reta do diesel vermelho possuem valores relativamente menores do que os resultados obtidos usando a equação da reta do diesel amarelo, ainda que bem concordantes. No entanto, só se pode ter certeza da semelhança entre os resultados fornecidos pelas duas equações das retas se for efetuado um tratamento estatístico para comparação das inclinações das duas retas, conforme procedimento apresentado no material suplementar. Outra maneira de se verificar se os métodos fornecem resultados semelhantes é a aplicação da análise de variância (ANOVA) com um fator (one-way ANOVA), conforme resultados apresentados no item "Aplicação do teste t de Student para comparação entre métodos".

Tratamento estatístico para comparação entre as inclinações de duas retas

A fim de avaliar se as inclinações das duas curvas analíticas, obtidas com o diesel S50 (cor amarela) e o diesel S500 (cor vermelha), são significativamente semelhantes, fez-se o tratamento estatístico para a comparação entre as inclinações das duas retas, conforme procedimento apresentado no material suplementar. O primeiro passo foi calcular a variância residual de cada reta (Se2), referente às curvas de calibração para os diferentes tipos de diesel. Para isso, fez-se necessário calcular, previamente, o resíduo (e). O segundo passo foi aplicar o teste F de Snedecor. Desta forma, calculou-se o valor de F (F calculado) e comparou-se com o valor tabelado de F (Tabela 1 - Tabela de teste F, material suplementar). Os resultados de F calculado e F tabelado encontram-se na Tabela 4.

 

 

Como o valor de F calculado é menor do que o valor de F tabelado (Tabela 4), pode-se afirmar que a hipótese foi aceita e as variâncias das duas equações são, significativamente, semelhantes. Sendo assim, calculou-se a variância agrupada (Sep2), e, consequentemente, o valor de t, comparando-se com o valor tabelado de t (Tabela 2 - Tabela de testes t, material suplementar). Os resultados encontram-se na Tabela 4.

Como o valor de t calculado é menor que o valor de t tabelado (Tabela 4), pode-se afirmar que as inclinações das retas são iguais, logo o tipo de diesel (S50, amarelo ou S500, vermelho) não influencia nos resultados do teste colorimétrico do ácido hidroxâmico.

Aplicação do teste t de Student para comparação entre métodos

Para verificar se os resultados fornecidos pelo teste colorimétrico do ácido hidroxâmico são equivalentes aos obtidos pelo método tradicional, previsto na ANP (EN 14078/2009), aplicou-se o teste t nas doze amostras comerciais. Os resultados de t calculado para o diesel S50 e S500 são, respectivamente, 0,00022 e 0,026. O valor de t tabelado (2,205) foi obtido por interpolação da tabela t (Tabela 2 - Tabela de testes t, material suplementar), para n-1 graus de liberdade (11 graus de liberdade), com 5% de significância (P=0,05).

Como o valor de t calculado (diesel S50 e S500) é menor que o valor de t tabelado, pode-se afirmar com 95% de confiança que os métodos (teste colorimétrico do ácido hidroxâmico e a espectroscopia na região do IV) podem ser considerados equivalentes. A partir da aplicação da ANOVA com um fator (one-way ANOVA) também chega-se à mesma conclusão. Ou seja, como o valor de F calculado (2,526) é menor que o valor de F tabelado (3,285), podemos afirmar que não existem evidências estatísticas de que os resultados fornecidos pelos métodos (teste colorimétrico do ácido hidroxâmico e a espectroscopia na região do IV) sejam diferentes.

 

CONCLUSÃO

O teste colorimétrico do ácido hidroxâmico mostrou-se eficaz para a determinação qualitativa e quantitativa do percentual de biodiesel em misturas biodiesel:diesel. Este método apresentou resultados estatisticamente semelhantes ao método de referência (espectroscopia na região do infravermelho) e mostrou que o tipo de diesel utilizado (S500 ou S50) não influencia no resultado das análises. O teste colorimétrico do ácido hidroxâmico destaca-se em relação ao método tradicional (espectroscopia na região do infravermelho) por ser simples, rápido, de baixo custo e facilmente adaptado a análises em campo, representando um ganho de agilidade para a detecção do percentual de biodiesel no diesel.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

Os cálculos usados no tratamento estatístico para comparação entre as inclinações de duas retas e as tabelas do teste F e t encontram-se disponíveis na forma de arquivo PDF, em http://quimicanova.sbq.org.br, com acesso livre.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Laboratório de Modelagem, Simulação e Controle de Processos (LMSCP/COPPE/UFRJ), à Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga e à Companhia Raízen, respectivamente, pelo biodiesel metílico do óleo de fritura, pelo óleo diesel tipo A S50 e pelo óleo diesel tipo A S500.

 

REFERÊNCIAS

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