JBCS



15:51, qui nov 21

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Educação


Conhecimento pedagógico e conhecimento químico na formação de professores: a construção da identidade docente
Pedagogical knowledge and chemical knowledge in teacher education: teacher identity building

Karla F. Dias CassianoI,*; Nyuara A. da Silva MesquitaII; Pabline Galvao RibeiroI

ICoordenação de Química, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Campus Inhumas, 75400-000 Inhumas - GO, Brasil
IIInstituto de Química, Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia, 74860-900 Goiânia - GO, Brasil

Recebido em 08/06/2015
Aceito em 03/09/2015
Publicado na web em 26/10/2015

Endereço para correspondência

*e-mail: karla.dias@ifg.edu.br

RESUMO

This paper presents results of a content analysis of the formative professional profile of undergraduates within the context of Brazil's expansion of its federal education system and implementing of teacher training policies. The analysis focuses on the conceptions of undergraduates regarding elements of their initial training and professional perspectives, as recorded in narratives, interviews, and questionnaires. Based on the relationships identified between the recorded content and the Educational Course Project, we identified three categories of analysis that point to tensions generated during the professional development of chemistry teachers: 1) The relationship between pedagogical knowledge and chemical knowledge; 2) the conceptual aspects of science education, as represented by the different ways that students understand the "ionization process"; and 3) teaching identity, including the elements indicative of the identity construction of future teachers. The results indicate that the educational and professional profile of undergraduates is marked by a particular tension between chemical content knowledge and pedagogical content, as well as a lack of objectivity and focus on the course's original intent. This situation has produced a multifaceted training context in which there is confusion regarding aspects relating to the licensing, teaching modalities, and preparation of the chemistry education professional.

Palavras-chave: graduation in chemistry; pedagogical content knowledge; teacher education.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, estudos sobre a profissionalidade, a profissionalização e os saberes docentes têm estruturado um campo de pesquisa na formação de professores. Esse enfoque é fruto das diferentes concepções educacionais que relacionam a qualidade da educação com a qualificação do profissional nessa área.1,2 Nesse sentido, Santos, Gauche, Mol, Silva e Baptista3 afirmam que a formação de professores atuantes na educação básica é um dos grandes desafios para as universidades públicas brasileiras que se baseiam na tríade ensino, pesquisa e extensão e assim recebem a incumbência de promover atividades formativas no âmbito da formação inicial e continuada de professores. No atual contexto político, o desafio estende-se para "novos" cursos de formação docente estruturados nos Institutos Federais a partir da lei 11. 892/2008,4 que prevê a oferta obrigatória de 20% do quadro de vagas para as licenciaturas.

A preocupação em torno da temática "aprender a ensinar" não é tão recente e vem ocupando um espaço significativo nas pesquisas em Ensino de Ciências devido ao reconhecimento da importância da formação pedagógica para o professor lidar com os processos envolvidos na Educação Científica. Nesse sentido, destacamos como aporte teórico os conceitos apresentados por Shulman5 acerca das categorias de conhecimentos necessários ao exercício da profissão docente. Segundo esse referencial, genericamente, a base de conhecimentos é formada por: conhecimento de conteúdo, pedagógico e pedagógico de conteúdo (Pedagogical Content Knowledge, PCK).

O conhecimento de conteúdo refere-se aos saberes específicos do campo de formação inicial, no caso desta pesquisa, ao conhecimento químico e seus processos epistemológicos. O conhecimento pedagógico está relacionado aos aspectos inerentes ao processo de ensino e aprendizagem. Já o conhecimento pedagógico de conteúdo se configura, no caso do Ensino de Química, como um tipo de saber constituído por elementos do conhecimento Químico dotado de linguagem simbólica e por componentes inerentes ao campo pedagógico. Considerando essas especificidades da formação docente, é fundamental o desenvolvimento de pesquisas que possibilitem investigar a formação dos licenciandos.

A perspectiva da formação pela pesquisa é constantemente sustentada nos termos da reflexão sobre a prática tanto no meio acadêmico quanto nas políticas educacionais. Entretanto, é importante ressaltar que as medidas direcionadas à melhoria da formação docente se estruturam em dois pilares centrais: as perspectivas formativas e a realidade do contexto educacional. Diante disso, é necessário enfatizar que existe um déficit de profissionais da educação no ensino básico e também baixa procura por cursos de licenciatura. Em relação ao primeiro aspecto, podemos citar o caso do estado de Goiás, no qual em 2003 somente 24 dos 823 professores de Química lotados na Secretaria Estadual de Educação (SEE) eram licenciados em Química, o que correspondia a 2,91% desse total. Em 2007, o número de licenciados aumentou para 148, porém correspondendo a menos de 1% do total que aumentou nesse período. É importante ressaltar que em 2007 o número de licenciados em Química lotados na SEE correspondia somente a 15% dos profissionais habilitados em Goiás para lecionar a disciplina na Educação Básica.6 Nesse sentido, o governo federal tem desenvolvido políticas educacionais que ampliam de maneira significativa o número de professores formados em cursos de licenciatura para atender às demandas postas pelo aumento do número de matrículas no Ensino Fundamental e Médio.

Como uma das ações para diminuir o déficit de professores no Brasil, o governo federal investiu, nos últimos anos, na oferta de cursos de licenciatura nos Institutos Federais que têm o ensino técnico como tradição histórica e norteadora dos trabalhos de ensino desenvolvidos em tais instituições. Ao tratarmos especificamente dos cursos de Licenciatura em Química, o levantamento realizado por Mesquita, Cardoso e Soares7 aponta que, entre 2008 e 2011, foram criados 43 novos cursos de Licenciatura em Química no âmbito dos Institutos Federais.

Atualmente existem cinco cursos de licenciatura em Química nos diferentes câmpus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), originário do Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET) e outros cinco nos câmpus do Instituto Federal Goiano (IF GOIANO), que é resultante da integração de alguns Centros de Educação Tecnológica com a Escola Agrotécnica Federal de Ceres (GO), conforme lei 11. 892/2008.4 Além dos dez cursos de licenciatura em Química ofertados pelos Institutos Federais, Goiás ainda conta com mais cinco cursos ministrados por universidades públicas, federais e estaduais, e três ministrados por instituições privadas, totalizando 18 cursos de licenciatura em Química em todo o estado, distribuídos na capital e no interior.

Embora, de certo modo, o problema da oferta de cursos esteja superado no caso do estado de Goiás, a permanência dos professores que atuam na rede básica de ensino representa uma das preocupações dos pesquisadores da área de ensino de Química, considerando que as condições de carreira vêm sendo prejudicadas por vários fatores como, por exemplo, a precariedade da infraestrutura escolar e a desvalorização profissional e social. Essa realidade influencia os licenciados a procurarem outros ramos de atuação profissional. Assim, para vários autores, a valorização do magistério é considerada a base para que as mudanças na educação nacional efetivamente aconteçam.6,8,9

Ainda sobre essas questões, Guimarães1 defende a existência da chamada "crise de identidade" das profissões e dos profissionais como uma realidade presente nos cursos de formação de professores. A construção da identidade docente é complexa, pois o ofício é visto no contexto social de forma relativamente negativa, principalmente em países como o Brasil em que a carreira docente é representada historicamente por aspectos pouco motivadores da profissão.

Nesse contexto, emerge uma problemática fundada nas possíveis dificuldades formativas e profissionais dos concluintes das Licenciaturas em Química dos Institutos Federais, decorrentes da recente e súbita implementação desses cursos e das dificuldades de estruturação curricular. Contudo, essa pesquisa teve como objetivo desenhar o perfil dos "novos" licenciandos em Química no que diz respeito aos aspectos conceituais de formação científica e, também, aos aspectos profissionais. Para tanto, analisaram-se as concepções dos licenciandos sobre as contribuições das disciplinas de um curso - de licenciatura em Química oferecido pelo IFG, câmpus Inhumas - para o exercício profissional.

 

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada com quinze formandos de duas turmas do curso de Licenciatura em Química do IFG - Câmpus Inhumas e abordou questões que enfatizam a trajetória acadêmica e profissional dos formandos por meio de uma investigação qualitativa que considerou as variáveis subjetivas externas e internas para a análise dos dados. Salienta-se que a pesquisa qualitativa estimula o entrevistado a pensar e a se expressar livremente sobre o assunto em questão, considerando as variáveis nem sempre aparentes que o influenciam.10 Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados narrativa, entrevista e questionário. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas para a análise, enquanto os questionários e as narrativas foram, respectivamente, respondidos e produzidas pelos formandos utilizando a linguagem escrita. Segundo Oliveira,11 uma das formas dos professores revelarem o que pensam sobre o seu ofício é por meio da narrativa, pois assim eles podem construir e reconstruir suas histórias pessoais e sociais. A narrativa permite conhecer a singularidade da história e o modo como os sujeitos agem, reagem e interagem com os seus contextos permitindo reconstruir as experiências de ensino e aprendizagem e os percursos de formação.

Partindo desse pressuposto, o estudo foi realizado segundo princípios da Análise de Conteúdo, que prevê a produção de novos significados ao texto falado, escrito ou transcrito.12 Para a produção das narrativas, foi produzido um trecho de orientação dos fatos que emanam da memória dos estudantes. O Quadro 1 apresenta o direcionamento proposto aos formandos:

 

 

No sentido de complementar informações apresentadas nas narrativas, foram realizadas entrevistas semiestruturadas que tiveram como perguntas norteadoras as questões apresentadas no Quadro 2.

 

 

Para identificar aspectos relacionados à formação científica dos licenciandos elaborou-se uma questão abordando conhecimentos sobre estrutura atômica. O critério de escolha do tema "Processos de ionização" deve-se ao fato do fenômeno envolver conceitos fundamentais da Química, tais como: átomos, íons, carga, energia, entre outros. A questão é apresentada no Quadro 3.

 

 

A partir das narrativas escritas e das respostas ao questionário e às entrevistas, foram criadas categorias para possibilitar a análise por meio da sistematização e discussão do contexto investigado. Neste artigo, cujo conteúdo representa um recorte do trabalho, são apresentadas e discutidas as seguintes categorias: 1) Relações entre conhecimento pedagógico e conhecimento químico, construída por questões relacionadas às diferentes priorizações estabelecidas no contexto formativo, referentes às áreas de conhecimento químico e pedagógico; 2) Aspectos conceituais da formação científica que representam as diferentes compreensões dos estudantes sobre o "Processo de ionização"; 3) Identidade docente que elenca elementos indicativos sobre a construção da identidade dos futuros professores tendo em vista a estruturação do curso de licenciatura no IFG.

Para subsidiar a análise foi necessário realizar um levantamento referente à distribuição de carga horária no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) em questão.13 A divisão considerou os seguintes blocos de disciplinas: básicas das Ciências Exatas, específicas de Química, didático-pedagógicas gerais e as didático-pedagógicas específicas da área de Ensino de Química. Esses resultados foram tabulados para que, no decorrer da análise dos dados nas narrativas, entrevistas e questionários, pudessem ser entrelaçados no sentido de relacionar a discussão das concepções à proposta pedagógica do curso.

Para efeito de apresentação dos resultados, a pesquisadora em formação inicial foi identificada como "P" e os licenciandos como LQ, sendo que seus respectivos números foram atribuídos na ordem de recolhimento da narrativa, mantendo-os para identificação tanto no questionário quanto na entrevista. Quanto às respostas originadas de cada instrumento de coleta de dados, incluímos antes da identificação do licenciando as letras N (narrativa), E (entrevista) e Q (questionário). As transcrições passaram por correções para adequação do texto às normas cultas da língua portuguesa sem, no entanto, alterar os sentidos das falas dos sujeitos da pesquisa. Na sistematização dos resultados, optamos por discutir as categorias separadamente sem, no entanto, deixar de revelar as relações pertinentes entre elas.

Relações entre conhecimento pedagógico e conhecimento químico

Considerando a primeira categoria de análise, os resultados mostraram que a estrutura do curso e a ênfase nas disciplinas de cunho pedagógico foi um dos principais assuntos abordados pelos formandos durante as narrativas, conforme podemos observar nos trechos representativos destacados a seguir:

N - LQ1: Acho que a formação que a gente tem voltada para educação, para licenciatura, é excelente, impecável de verdade. Porém, deixa muito a desejar as disciplinas de Química, muito a desejar mesmo. Acho que desde que eu fiz o meu curso todas as turmas que eu acompanhei antes e depois de mim, os colegas sempre frisavam muito esse ponto, que o nosso curso é muito carente na parte de Química mesmo, porque nós precisamos dessa parte. Inclusive na nossa sala, a gente até brincava que nós fazíamos licenciatura em pedagogia, porque nós víamos muitas matérias de educação, ficávamos querendo mais Química, querendo ter mais aulas de Química, mas era muito pouco. (grifo nosso).

N - LQ7: Mas, a abordagem da parte da licenciatura mesmo, eu acho que foi muito bem dada; até... a gente fez pedagogia da Química né? Não... (risos) licenciatura! (grifo nosso).

N - LQ11: [...] eu esperava que fosse um curso mais voltado para a Química mesmo e não para a licenciatura. Apesar de ser curso de licenciatura [...] O que eu gostaria de ter aprendido mesmo mais, era a questão Química do curso, sabe? Porque assim, a parte de licenciatura ela é importante, claro que é! Quem sou eu pra falar isso! Mas eu acho que a parte de Química é fundamental! Por quê? Porque do quê adianta a gente ter no curso aulas de licenciatura, aulas didáticas, 'como é que é o ensino de Química pra não sei o quê', 'o ensino de Química pra isso', 'lúdico pra aquilo', tudo bem a gente tem que aprender! Só que do que adianta a gente ter só isso e lá na sala de aula a gente não conseguir passar o que realmente é a Química, porque o que a gente vê é muito superficial.

No PPC que estrutura a referida licenciatura em Química constam 45 disciplinas nas quais se distribuem conteúdos de natureza Básica para as Ciências Exatas (BCE), conteúdos do campo da ciência Química e aqueles relacionados ao Conhecimento Didático-Pedagógico (DP), geral ou específico do Ensino de Química, sem incluir a carga horária de Estágio Curricular Obrigatório. O gráfico da Figura 1 apresenta um panorama comparativo dos valores relativos de carga horária semestral dos três eixos curriculares do curso citados acima.

 


Figura 1. Porcentagem da carga horária de cada eixo curricular

 

O levantamento acima aponta que a abordagem das disciplinas BCE, tais como Cálculo e Física, são mais incidentes na primeira metade de curso, com única exceção do 6º período no qual foi alocada a disciplina "Tecnologia da Informação e Comunicação" que, por não ser voltada para conteúdos educacionais, representou as disciplinas BCE tratando de conceitos da Ciência da Computação. Além disso, verifica-se que no ano inicial os componentes BCE são os que ocupam a maior parte do currículo, seguidos das disciplinas de Química e, por último, daquelas voltadas para o estudo dos conhecimentos didático-pedagógicos (DP). A carga horária de Química é menor do que as BCE no 1º e 2º período e se iguala às disciplinas DP nos períodos 3º e 6º, sendo que somente no 8° período a carga horária de Química é menor em relação às Didático-Pedagógicas.

O número de disciplinas em cada eixo, vivenciado pelos formandos, não reflete sua ocupação real em termos de carga horária. Das 45 disciplinas no PPC, identificaram-se: 13 BCE, 16 de Química e 16 Didático-pedagógicas, sendo 10 DPG e 6 DPE - EQ. No entanto, ao observar a dimensão da carga horária atribuída aos eixos, observa-se o seguinte resultado:

 


Figura 2. Distribuição em porcentagem das disciplinas em cada eixo do curso

 

As disciplinas que abordam os conteúdos de Química ocupam cerca de 42% do currículo, o restante está distribuído igualmente entre disciplinas BCA, incluindo Língua Portuguesa, Metodologia para o Trabalho Científico e Informática Básica, e disciplinas DP envolvendo conteúdos de Filosofia, Sociologia, História, Gestão e Políticas da Educação nas DPG mais as DPE - EQ que representam os conteúdos didáticos direcionados para o Ensino de Química, tais como a História da Química, a Epistemologia das Ciências e as Instrumentações para o Ensino de Química que ocupam apenas 12% do total.

Os elementos curriculares apontados na resolução n.º 1 de 2002 do Conselho Nacional de Educação indicam que a formação deverá ter como um dos princípios norteadores a constituição de competências desenvolvidas pelo ensino de conteúdos para o exercício da prática docente.14 Os conteúdos necessários para o desenvolvimento de atividades de ensino são construídos por conhecimentos pedagógicos e conhecimentos específicos das diferentes áreas por meio da articulação entre eles e da relação teoria e prática. Dessa forma, o estabelecimento de prioridades entre disciplinas da Química e da Educação pode desarticular o ensino de Química da formação pedagógica e fragmentar a construção da identidade do professor. Tal fragmentação amplia a distância entre conhecimento científico e pedagógico, impossibilitando a construção do conhecimento pedagógico de conteúdo proposto por Shulman,5 como necessário ao exercício profissional, que envolve situações cotidianas de alta complexidade. Nesse sentido, Maldaner10 defende que:

Ao saírem [os professores] dos cursos de licenciatura, sem terem problematizado o conhecimento específico em que vão atuar e nem o ensino desse conhecimento na escola, recorrem, usualmente, aos programas, apostilas, anotações e livros didáticos que os professores deles proporcionaram quando cursavam o ensino médio. É isto que mantém o círculo vicioso de um péssimo ensino de Química em nossas escolas!10 (p. 74)

Nas narrativas, todos os formandos mencionaram a ênfase dada aos conhecimentos pedagógicos em detrimento dos conteúdos específicos de Química, apesar de o levantamento ter apontado que as disciplinas que abordam os aspectos da Educação ocupam 29% do currículo contra 42% de Química. Somando os 17% das DPG com os 12% das específicas para o Ensino de Química (DPE - EQ), ainda obtêm-se 29% do total. Apesar da quantidade de disciplinas pedagógicas gerais e específicas juntas ser igual às 16 disciplinas de Química, não é possível afirmar a priorização das disciplinas educacionais na licenciatura, uma vez que essas disciplinas também se constituem como base para a profissão docente que é o enfoque de formação nas licenciaturas.

Paralelamente aos aspectos quantitativos considerados anteriormente, as narrativas apontam que os alunos carecem de maior enfoque no conteúdo químico. Nesse sentido, é importante salientar que em cursos de licenciatura as discussões pedagógicas se tornam mais relevantes e aplicáveis quando são tratadas à luz dos conhecimentos específicos. A ênfase no contexto educacional geral pode ocasionar no não estabelecimento da interface entre o conhecimento de conteúdo e o conhecimento pedagógico e, assim, os saberes considerados necessários na formação do futuro profissional da docência em Química passam a ser considerados excedentes pelos alunos, como no caso em questão, podendo gerar uma representação social negativa do conhecimento pedagógico. Nessa perspectiva, possivelmente, o percentual de 12% referente à DPE-EQ não foi suficiente para estruturar as relações entre os saberes químicos e os saberes docentes, pois sua carga horária foi mínima, em relação aos demais grupos de disciplinas. Os dados reforçam a necessidade do trabalho coletivo estruturado entre as diferentes especificidades do curso a fim de proporcionar a formação integral do professor de Química a partir da relação entre os conhecimentos sobre o contexto e a prática educativa e os conhecimentos científicos sobre a constituição, as propriedades e as transformações da matéria.

Aspectos conceituais de formação científica

A abordagem do conteúdo sobre os processos de formação iônica foi escolhida como fundamental para os objetivos da pesquisa, pois para compreendê-los são necessários conhecimentos como: estrutura atômica, ligações químicas, pH (potencial hidrogeniônico), entre outros. Sendo assim, a análise das concepções dos formandos sobre esse conteúdo pode levar a uma reflexão sobre os aspectos da formação científica dos licenciandos. É importante lembrar que os alunos responderam a questão do quadro 3 de forma escrita e sem a presença do pesquisador.

A resposta de LQ1 em seguida demonstra algumas confusões conceituais que podem interferir negativamente nos processos de elaboração conceitual dos possíveis alunos da futura professora, pois quando a licencianda se refere ao íon parece estar dizendo que cada íon é formado por uma parte positiva e outra negativa.

Q - LQ1: Os íons são constituídos por duas partes, a parte positiva que são os cátions e a parte negativa que são os ânions. As ligações intermoleculares podem ser: ligação covalente quando há compartilhamento de elétrons, a ligação metálica que ocorre entre os metais, a ligação de hidrogênio e a ligação iônica.

Analisando a resposta de LQ1, podemos observar a presença de uma confusão entre interações intermoleculares e ligações químicas logo no início, quando LQ1 usa o termo "ligação intermolecular" para se referir aos tipos de ligações entre átomos, tais como a ligação covalente, metálica e iônica. LQ1 compreende interação intermolecular e interação interatômica (ligação química) como se fossem o mesmo fenômeno, tanto é que citou o exemplo da interação intermolecular "Ligação de Hidrogênio" no mesmo grupo de interação, classificado pela aluna, em que se encontrava a ligação iônica, por exemplo. As interações atômicas que constituem as ligações químicas ocorrem entre átomos e são: ligação covalente, ligação iônica e ligação metálica. Já a ligação de hidrogênio é um tipo de força intermolecular ou interação entre moléculas com especificidades ligadas à formação de polos. Ainda analisando a resposta de LQ1:

Q - LQ1: Como, por exemplo, o cloreto de sódio que é uma substância iônica, onde o elemento cloro com carga negativa (ânion) doa prótons para o elemento sódio (cátion).

Nesse trecho, a tentativa de explicação dos processos de ionização levou a outros conceitos fundamentais. Nesse caso, a aluna está se referindo à formação da ligação iônica entre cloro e sódio. Primeiramente, o átomo de cloro não doa próton e sim "recebe" elétron devido à quantidade de energia definida liberada quando ocorre a transferência do elétron para o orbital do átomo de cloro. A situação de análise pode ser reflexo da não compreensão do processo em virtude da equivocada relação estabelecida entre a carga positiva do sódio e a "transferência de próton" do cloro para o sódio (e talvez por isso o sódio teria carga positiva, já que "recebeu o próton"); e entre a carga negativa do cloro e a transferência originada dele já que o mesmo é um ânion com carga negativa e por isso pode ter ocorrido uma associação com a perda de alguma partícula (perda no cotidiano é representado pelo sinal negativo). Essa abordagem é muito comum entre os alunos, principalmente por associarem os conceitos da Química com situações da vida real. A relação do cotidiano e seus significados na elaboração conceitual em Química é um tema de alta complexidade e está ligada a associações com o significado da palavra mais empregado no contexto da vida diária. Essa ideia reforça ainda mais a necessidade de disciplinas cujo enfoque seja o tratamento dos aspectos didático-pedagógicos e até epistemológicos da ciência/Química.

A seguir, as respostas de LQ2 e LQ7 apresentam uma relação de similaridade entre a formação de íons e a "separação" de íons em processos de dissolução.

Q - LQ2: A formação de íons pode ser observada na dissolução do sal em água no processo de solvatação.

Q - LQ7: O processo de ionização acontece quando as moléculas de água envolvem as partículas de íons, como por exemplo, a ionização do cloreto de sódio, NaCl; as moléculas de água envolvem os íons, tanto o cátion, quanto o ânion, fazendo com que haja a quebra da ligação iônica.

A ionização resulta da formação de íons, não sendo similar ao fenômeno de dissociação (diminuição de força atrativa e separação de íons que já estão formados) que é o caso do processo decorrente da dissolução do NaCl. O processo de solvatação é uma consequência da dissociação iônica que leva à dissolução de algumas substâncias e não pode ser compreendido como determinante da ionização, nem da dissociação.

Partindo das relações estabelecidas por LQ2 entre ionização e dissociação, para explicar o primeiro processo, foi possível analisar as representações icônicas que demonstram a conjectura microscópica da aluna sobre a relação entre as características estruturais das substâncias e sua solubilidade.

Q - LQ2: As moléculas de água estão em constante movimento e quando os cristais de sal são adicionados a ela, essas moléculas se colidem formando uma interação. Essas interações acontecem porque a estrutura da água é "semelhante" a do sal, isto é, são polares. O polo negativo da água se interage com o polo positivo do sal que é um composto cristalino e iônico, e vice-versa, como pode ser visualizado no esquema a seguir:

 


Figura 3. Representação da interação das moléculas de água com o "sal"(Q – LQ2)

 

Quando LQ2 diz que "O polo negativo da água se interage com o polo positivo do sal", não é com o sal, mas com íons positivos constituintes da rede cristalina que não pode ser vista. Esse processo ocorre em nível microscópico, o sal cloreto de sódio é uma substância formada por um número muito grande de repetições dessa rede. Por isso, quando há um rompimento da rede cristalina as espécies químicas "desaparecem", porém os íons que constituíam a rede não sumiram, só estão disponíveis de forma solvatada, sem formar uma rede cristalina. Portanto, ocorreu a dissociação dos íons e a dissolução da substância em água. Na solvatação dos íons de um sólido ionico, os íons são envoltos por moléculas de água de acordo com as interações entre os polos positivos e negativos das moléculas (H2O) e os ânions e cátions dissociados, conforme representação apresentada por Mortimer.15

Ainda sobre a ideia de conceituar a ionização com processos inerentes da dissociação, LQ2 e LQ3 discorrem sobre a "formação de íons sódio e cloreto quando o sal é dissolvido em água".

Q - LQ2: Assim, quando o sal é adicionado à água a ligação iônica se rompe e formando os íons Na+ e Cl- pois os elementos sódio (Na) e cloro (Cl) perde e ganha 1 elétron, respectivamente.

Q - LQ3: Quando há a formação de íons, há a formação de corrente elétrica, em quase todos os casos. Por exemplo: os íons contêm cargas opostas, ou seja, se um átomo tem carga positiva o outro terá carga negativa.

A condição para a formação de um composto iônico como o cloreto de sódio citado por LQ2 é a força atrativa entre cátions e ânions, portanto, quando em contato com água ocorre a separação dos íons e isso não deve ser compreendido como um processo de ionização. Quando LQ2 se refere à perda e ao ganho de elétrons está se referindo ao processo de ionização. Sendo assim, demonstra dois processos diferentes como se correspondessem ao mesmo fenômeno. Tal situação pode ser reforçada com o exemplo contrário, da não "formação" de íons para o caso da mistura água óleo, citado por LQ2 na citação a seguir:

Q - LQ2: O mesmo não acontece quando o óleo é adicionado a água, pois o óleo não tem a mesma estrutura, ou seja, não é "semelhante", não apresenta polos. Daí as moléculas de óleo não formam interações com as moléculas de água.

O meio aquoso, mencionado por LQ3, é caracterizado por soluções formadas entre diferentes substâncias e água. No caso dos compostos iônicos, a dissociação de íons em água é que gera a condução de corrente elétrica na solução, porém esse fenômeno não é provocado pela formação de íons, mas sim pela dissociação deles. A partir dos dados do questionário identificou-se uma constante confusão entre ionização e dissociação, levando à má interpretação de outros conceitos, tais como os de ligação química, forças intermoleculares e elementos químicos. Quanto às respostas que mais se aproximaram dos conceitos envolvidos no processo de ionização, destacam-se:

Q - LQ4: Processo de ionização é a liberação do íon H+ em solução.

Q - LQ9: A ionização é um processo que em uma solução aquosa libera íons H+.

Por exemplo:

 


Figura 4. Representação do processo de liberação do íon H+ (Q - LQ9)

 

Q - LQ8: O hidrogênio pode tanto ganhar elétrons como perder, podendo em determinada substância ter caráter ácido ou básico. Em solução aquosa, o hidrogênio e o cloro irão se ionizar, sendo o hidrogênio cátion H+ e o Cloro ânion Cl-.

 


Figura 5. Representação de ionização do HCl (Q - LQ8)

 

As respostas de LQ4, LQ8 e LQ9 empregaram o caso do HCl em solução para representar o processo de ionização. Na molécula de HCl existe uma ligação covalente polarizada entre os átomos de H (hidrogênio) e Cl (cloro), então em meio aquoso a ligação covalente se rompe heteroliticamente e ocorre a formação do íon H+ pois o elétron é transferido para o cloro. LQ8 complementa a explicação sobre a ionização a partir da ideia de um processo determinado pelo caráter ácido das substâncias:

Q - LQ8: A ionização acontece com alguns compostos moleculares, principalmente os que contêm hidrogênio, como ácidos. Citando com exemplo o ácido clorídrico (HCl), um composto molecular, ou seja, não é iônico, não contém íons. Quando essa substância entra em forma de solução, ocorre um processo chamado ionização, formação de íons.

A ideia de que a substância entra em forma de solução pode constituir-se um obstáculo epistemológico, uma vez que ao entrar em contato com outra substância e assim, por meio das interações específicas, formar uma solução, o meio configura novas propriedades características da solução, e não mais da substância ou da "substância em forma de solução".

A estrutura molecular do HCl foi citada por LQ8 para explicar os motivos pelos quais o ácido ioniza em meio aquoso, relacionando tal aspecto com o nível microscópico. É importante ressaltar que medidas utilizadas para descrever o comportamento dos ácidos em água, tais como as constantes de ionização, não foram mencionadas.

Q - LQ8: Para entender melhor esse processo vejamos a distribuição eletrônica e a estrutura de Lewis para a ligação molecular do ácido clorídrico:

Como o hidrogênio fica estável com 2 elétrons por estar localizado somente na camada L, ele "ganhará 1 elétron" o Cloro fica estável com 8, também "ganhará 1 elétron". Esses elétrons serão então compartilhados.

 


Figura 6. Representação do compartilhamento de elétrons (estrutura de Lewis) (Q – LQ14)

 

É muito comum entre os graduandos apresentar a ligação covalente em termos do número de elétrons necessários para estabilizar os átomos das ligações, empregando, para tanto, as representações de Lewis. Os princípios energéticos que envolvem a formação de ligações químicas localizam-se na periferia das representações e explicações sobre a formação das substâncias e suas propriedades. Nenhum dos átomos nessa ligação "ganhará" elétrons para formar a ligação covalente, pois essa ligação acontece devido à força atrativa simultânea, de intensidades diferentes, entre os núcleos dos átomos de hidrogênio e cloro e o par de elétrons (1 do átomo de H e outro do átomo de Cl).

Os dados demonstraram uma grande dificuldade de expressão em todos os casos. Na resposta de LQ14 apresentada a seguir é possível perceber que há uma confusão entre o tipo de carga resultante da ionização e a direção da transferência de elétrons: o hidrogênio "doa" seu elétron e fica com carga negativa.

Q - LQ14: Por exemplo, a molécula de água é formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. No processo de ionização, o hidrogênio "doa" seu elétron e fica com carga negativa, passando a íon H+.

As respostas de LQ15 analisadas posteriormente centralizaram a conceitualização do processo de formação de íons na constituição de ligações químicas eletrostáticas entre átomos carregados positiva ou negativamente. A relação concreta estabelecida pela aluna entre o processo de ionização e a ligação ionica pode ser verificada a seguir:

Q - LQ15: Processo de ionização: ligação iônica, conduz corrente elétrica e para isso é necessário a ligação do ametal (ganha e-, formando um ânion) com metal (perde e-, formando um cátion). Essa ligação do metal com ametal é feita para conferir a estabilidade entre os átomos, formando uma molécula.

Os processos de ionização em solução aquosa ocorrem com substâncias formadas por moléculas constituídas de ligações covalentes, como os ácidos, por exemplo. Nesse caso, é possível identificar uma confusão conceitual, de significado da palavra, na qual o formando se refere a ligação iônica (entre íons) como um processo em busca da estabilidade entre átomos, "formando moléculas". Compostos iônicos conduzem corrente elétrica quando em solução aquosa porque sofrem dissociação ionica. A estabilidade nem sempre ocorre por causa da formação de uma molécula, pois também pode acontecer em decorrência da formação de uma rede cristalina, conforme a própria representação de LQ15 na Figura 7, que não representa a formação de uma molécula.

 


Figura 7. Representação do número de elétrons na camada de valência (Q – LQ15)

 

As dificuldades de elaboração conceitual e a consequente ocorrência de erros conceituais na explanação de conceitos fundamentais para a compreensão da ciência Química demonstram a fragilidade formativa ocasionada, em tese, pela falta de articulação entre conhecimentos químicos e pedagógicos e pela não efetivação do conhecimento pedagógico de conteúdo na formação dos estudantes. Um exemplo de como as disciplinas didático-pedagógicas específicas para o ensino de Química podem contribuir para a melhoria da aprendizagem dos conceitos químicos pode ser ilustrado com o uso da palavra "íon" que é utilizada para descrever diversas situações nas quais se encontram as espécies químicas. Dentre elas, destacam-se: a formação em fase gasosa impulsionada pela passagem de corrente elétrica; a localização definida pelas distâncias de ligação em uma rede cristalina; a concentração em meio aquoso, ocasionada pela dissociação ionica, ou ainda a influência dos íons na condução de corrente elétrica em materiais. Considerando o disposto, a relação da palavra e seus significados em cada contexto é conteúdo intrínseco das disciplinas de articulação entre conhecimento químico e conhecimento pedagógico, notoriamente importantes na formação dos futuros professores de Química.

Como defendem Francisco Junior, Peternele e Yamashita,16 as chamadas disciplinas do Ensino de Química devem contemplar o conteúdo químico perpassando por bases filosóficas, sociológicas, psicológicas, entre outras, consideradas essenciais para a formação do educador químico. Tais disciplinas podem contribuir para o desenvolvimento dos conhecimentos químicos e dos conhecimentos pedagógicos necessários ao ensino dos primeiros e unificá-los em disciplinas de interface Química/Educação nas quais a escolha dos conteúdos pretenda oferecer condições para analisar situações-problema e metodologias de ensino, tendo como pano de fundo as teorias de aprendizagem e a rigorosidade do conhecimento químico.

A compreensão de modelos historicamente construídos para explanação das periodicidades em Química também se constitui outro elemento formativo de profundo interesse da área de Ensino de Química, como explorado em Justi.17 No trecho a seguir, apresenta-se a continuação das respostas de LQ15 relacionadas ao processo de ionização em sua relação estabelecida pela própria aluna com as ligações químicas:

Q - LQ15: Na tabela periódica as famílias 1 A, 2 A, 3 A doam elétrons. Nas famílias 5 A, 6 A, 7 A necessitam de elétrons para haver estabilidade. A família 4 A não se envolve nas ligações pois precisam de muitos e- para estabilidade ou perca (doação de e-).

Nota-se que a valorização de regularidades outrora determinantes para a explicação das ligações químicas levam à dedução de regras inaplicáveis ao conhecimento químico moderno que podem produzir uma situação de completa inadequação aos consensos históricos no campo da Química. O carbono é da família 4 A ou 14.ª família (IUPAC) e é componente dos mais variados compostos orgânicos que movimentam o ramo farmacêutico, industrial, agrícola e outros no mundo inteiro, além de compor a classe dos compostos químicos orgânicos. Dessa forma, a compreensão das ligações entre os átomos de carbono e os átomos de outros elementos é imprescindível e não pode passar despercebida por alunos que estão sendo formados em um curso de Química, uma vez que tal compreensão envolve outros conceitos importantes como o de hibridização, orbitais e forças de ligação.

Dos quinze concluintes, quatro optaram por não responder a questão. Devido aos resultados obtidos utilizando o conceito de formação de íons (ionização) foi possível verificar dificuldades conceituais em: ligações químicas, forças intermoleculares, transferência de elétrons, solvatação, dissolução, ionização, dissociação e estrutura atômica. Sendo assim, justifica-se o conteúdo escolhido para tal análise e destaca-se a necessidade de articulação entre as disciplinas de Química e as disciplinas pedagógicas específicas para o Ensino de Química (DPE - EQ), entendendo que os problemas conceituais podem ser gradualmente corrigidos em uma estrutura curricular que considere a necessidade da construção de "conhecimentos pedagógicos de conteúdo" nos cursos de licenciatura. Em tempos de fortalecimento das políticas nacionais para a formação de professores é importante, em mesma medida, problematizar o papel do conhecimento pedagógico e suas especifidades para os cursos de licenciatura que são, por extensão, voltados para a formação daqueles que pretendem ensinar conhecimentos de natureza científica no contexto escolar. No caso apresentado neste artigo é possível questionar a distribuição curricular que confere carga horária maior às disciplinas pedagógicas gerais (17%) em detrimento daquelas que ampliariam a discussão dos conceitos químicos a serem trabalhados pelos estudantes (12%). Os elementos identificados no perfil desses futuros professores mostram que há uma carência no que diz respeito ao tratamento de conceitos científicos, o que pode enfraquecer a atuação profissional no ensino da Química.

Sobre as carências de conteúdo químico ressaltadas pelos próprios estudantes, e verificadas na análise dos questionários, e a organização curricular nos cursos de licenciatura em Química, cabe ainda evidenciar as questões pertinentes às particularidades dos cursos de licenciatura, ressaltando os aspectos sobre o nível de formação, os objetivos da formação e o exercício da profissão, bem como de suas competências. Esses elementos serão discutidos a seguir.

 

IDENTIDADE DOCENTE

Segundo Silva, Moradillo, Penha, Pimentel, Cunha, Oki, Botlho, Bejarano e Lôbo,18 é comum que os licenciados, ao concluírem o curso, tenham atitudes de insegurança para desenvolver o trabalho docente. Argumentamos que a falta de articulação entre conhecimento pedagógico e conhecimento Químico, fundamentais para o exercício das funções do professor, pode ser uma das principais causas dessa insegurança, já que um é complemento do outro. Assim, quando trabalhados isoladamente perdem o significado prático, o que influencia diretamente na formação da identidade do professor de Química. Além disso, a inexistência da relação teoria e prática pode trazer consequências, tais como a insatisfação e a frustração profissional. Contudo, faz-se necessário uma reformulação dos princípios que norteiam a formação inicial dos licenciandos para que possam construir sua identidade mediante a formação que lhes foi concedida: professores de Química. Após dizerem que não se sentiam preparadas para atuar em outros ramos da Química, algumas falas de LQ1 e LQ5, consideradas mais representativas, foram transcritas a seguir para ilustrar as questões ligadas à construção da identidade docente e ao exercício profissional:

E1 - P: Mas tá! Você não é preparada para trabalhar em indústria [concepção previamente apresentada por LQ1]. E na sala de aula? Você acha que é preparada?

E - LQ1: Também não!

E1 - P: Então o que vocês são?

E - LQ1: Nós somos licenciados em pedagogia como os meninos da minha sala ficavam brincando.

E - LQ5: E nem como professora! Porque como eu já disse, as disciplinas de Química que a gente estuda são poucas. Então para eu assumir uma sala de aula agora, nesse momento, eu vou ter que estudar demais porque eu não me sinto preparada para pegar uma sala de aula e dar todo conteúdo do ensino médio. (grifo nosso).

Percebe-se que o preparo profissional do professor ou a sensação de competência para ensinar estão intimamente relacionados com as determinações estabelecidas pelo currículo oficial (o todo). Em consequência, é possível notar na fala de LQ5 a vinculação de sua atuação profissional com o currículo total previamente escolhido e direcionado para as escolas de educação básica. Mais uma vez, destaca-se o papel das DPE - EQ que devem ser consideradas como a particularidade fundamental da licenciatura em Química, pois é necessário discutir a constituição do conhecimento escolar e as implicações do currículo nas práticas pedagógicas que não são determinadas somente por ele, mas por questões relacionadas às características socioculturais dos alunos e da escola, ao modelo de gestão, à estrutura física e pedagógica da escola, à formação inicial do professor, entre outros fatores decisivos na escolha dos conteúdos.19 A análise das entevistas indicou que a construção da identidade do professor, ligada ao autoreconhecimento da capacidade de ensinar, também está condicionada às políticas curriculares, o que acentua ainda mais a necessidade dessa discussão na formação inicial e continuada de professores. Os conteúdos de interface devem envolver estudos sobre os processos de constituição das disciplinas escolares e suas relações com os discursos curriculares produzidos, tais como os tópicos apresentados por Lopes.20

Para Misukami,21 além da formação inicial, as condições de trabalho, os investimentos políticos, institucionais, profissionais e pessoais também são variáveis que configuram a identidade profissional do professor. Assim, a formação proporcionada pelas universidades/Institutos garantirá a mera certificação para o exercício da docência a partir da construção de uma base de conhecimentos que deverá ser ampliada nos diferentes contextos e momentos de sua profissão, mediados por processos reflexivos que envolvam a relação teoria e prática. A autora também atribui à universidade a competência de oferecer espaços e experiências de formação durante a vida profissional dos professores. É necessário reconhecer que algumas intenções caminham nesse sentido, como as que buscam implementar programas integrados de formação inicial em espaços escolares e universitários, tais como o PIBID e as que intencionam problematizar e sistematizar as práticas e os estudos educacionais nos núcleos de ensino e pesquisa que realizam parcerias colaborativas universidade-escola para promover formação inicial e continuada de professores.

Os dados revelaram a forte influência que a organização curricular exerce sobre a construção da identidade dos futuros professores, tanto no que diz respeito às limitações do que será aprendido na licenciatura quanto aos subsídios necessários ao exercício da profissão. Durante as entrevistas, catorze dos quinze entrevistados se consideram habilitados a trabalhar em outros ramos da Química, entretanto defenderam não ter obtido preparo para exercer tais funções.

Sobre as concepções acerca das habilitações concedidas para atuar como profissionais da Química industrial ou laboratorial, os entrevistados/ formandos demonstram não compreender o termo usual da palavra, como pode ser observado na entrevista de LQ2 recortada abaixo:

E2 - P: Você não se acha habilitado para trabalhar, por exemplo, em indústria ou laboratório?

E - LQ2: Não, até mesmo porque a minha turma não teve muitas aulas de laboratório. Então, até vidraria, essas questões assim, têm vidrarias que eu nem conheço. Não sei para quê serve.

E2 - P: Então, você acha que não é habilitado, porém não é porque lá no seu currículo você não tem essa formação de químico, mas sim devido às consequências do seu curso?

E - LQ2: Exatamente! Porque eu sei que eu posso trabalhar no laboratório de uma indústria, tá? Eu só... eu não me sinto preparado para exercer essa função!

No diálogo acima ocorreu uma confusão entre as condições de profissional habilitado, profissional preparado e atribuições funcionais concedidas. Isso pode ter ocorrido devido à compreensão de que ser habilitado é o mesmo que ter habilidades para exercer a função; enquanto que a habilitação é um processo de oficialização da profissão e a aquisição de habilidades está relacionada com a formação inicial e a vivência no campo de trabalho. Os objetivos formativos são frequentemente distorcidos em cursos de licenciatura nos quais a ciência específica se articula com outras atividades sociais fora do contexto escolar. Em uma investigação sobre as estruturas curriculares dos cursos de licenciatura do Instituto Federal Goiano, Arantes (2013)22 indica que, apesar de contemplarem a menor quantidade de disciplinas específicas em relação a outras licenciaturas, os cursos de licenciatura em Química apresentam uma formação curricular ainda muito próxima daquelas no modelo 3+1 em que se acrescenta às disciplinas de bacharelado um conjunto de disciplinas pedagógicas. No caso citado anteriormente, as disciplinas de formação específica para a docência estão representadas em 11,7 % do currículo, sendo que apenas 2,6% do total são voltadas para as didáticas específicas, metodologias e práticas de ensino. Para esse autor, ainda existe nos cursos investigados uma desvalorização da formação das habilidades que se esperam de um professor em detrimento da formação do profissional bacharel, na medida em que supervalorizam a formação do matemático, biólogo ou químico, evidenciando, inclusive, a profissão do químico nos PPC. Tal situação pode ser representada pela próxima fala de LQ1 sobre as carências na formação profissional:

E - LQ1: Bom, como eu disse na minha narrativa, eu não me sinto preparada para trabalhar como profissional da Química, por conta das carências que a nossa grade têm quanto às disciplinas de Química, quanto às aulas de laboratório.... eu não me sinto de forma nenhuma preparada. Porque a Química que eu conheço hoje e que eu sei que os meus colegas também conhecem não me dá base para trabalhar em indústria. Eu já passei por situações um pouco constrangedoras no meu trabalho por conta disso, de me perguntarem alguma coisa super básica e eu não saber [....]. Tipo assim, tal solução, como que você faz um tampão? Eu fui aprender a fazer solução tampão no meu trabalho. Com uma menina que já trabalhava lá. Porque eu me lembro de ver solução tampão na faculdade, só que eu não aprendi!

Nesse trecho, nota-se um equívoco em termos de compreensão sobre a formação específica no curso de licenciatura, sinalizando a necessidade de revisitar as diferentes modalidades formativas da Química no planejamento e na organização curricular dos cursos. No Brasil, o licenciado em Química é formado para a docência, o bacharel para a pesquisa e o químico industrial para desenvolver o trabalho na indústria. No entanto, a pesquisa verificou que todos os alunos entrevistados fazem alusão ao contexto do trabalho na indústria. Isso decorre da falta de clareza em relação ao perfil do curso que, muitas vezes, estrutura-se considerando outras atividades para além da docência. No caso dos Institutos Federais, a falta de identidade nos cursos de licenciatura é acentuada pelo fato de que a instituição possui tradição histórica na formação técnica e tecnológica do país. Sendo assim, com a nova proposta de expansão do governo federal, os Institutos receberam a incumbência de abrir cursos de formação de professores em áreas já consolidadas no contexto do trabalho técnico. A área de Química é uma delas. Para Mesquita e Soares,23 "alguns cursos ainda não conseguem definir, de maneira plausível, o perfil pretendido. Percebemos que, a, , atuação do profissional da educação química é, em algumas instituições, vinculada à atuação do profissional químico" (p. 129). Vejam, por exemplo, que as concepções registradas nas narrativas destacam por várias vezes que o currículo de licenciatura investigado enfatiza o conhecimento pedagógico que, apesar de compor 29% do PPC, foi apontado pelos formandos como um obstáculo ao aprofundamento dos conceitos químicos. Diante disso, a pesquisadora indagou sobre o preparo para as práticas pedagógicas:

E2 - P: Apesar das disciplinas de educação e tudo o que você viu na faculdade, que o curso dá ênfase para a questão da licenciatura, você se sente preparado para ser professor de Química?

E - LQ2: Não! Porque falta muito conceito químico ainda para aprender. Então essa vivência mesmo da sala de aula, ainda fica muito a desejar. (grifo nosso).

O preparo profissional é um dos principais elementos na construção da identidade dos profissionais, todavia, a constante recorrência a conteúdos trabalhados ou não no curso de graduação demonstra que alguns alunos não reconhecem o seu papel ativo no processo de formação, ou seja, atribuem o preparo profissional, que está relacionado com a profissionalização, somente a fatores externos a sua condição de sujeitos do processo: aos professores, ao curso, à administração e à instituição. Dessa maneira, as questões relacionadas à participação e ao comportamento do discente como aprendiz na instituição foram poucas vezes lembrados. As exceções podem ser observadas na entrevista de LQ3 e LQ7, nas quais os formandos apontaram a necessidade da formação continuada como ferramenta para o preparo profissional:

E3 - P: [..] e diante dos fatos que você abordou na sua narrativa, você se considera preparada para atuar como profissional da Química?

E - LQ3: Sim! Porque o que a gente vê lá [faculdade] não é o bastante! Só que vai dar jeito de procurar aprender mais! A gente aprende muitas matérias pedagógicas que ajudam na oralização, matérias diferentes, alternativas para se trabalhar com a Química. Só que não é o bastante! Eu acho que nenhum curso vai ser o bastante para sair de lá falando assim: há eu sou ótima nisso! Não! Basta a gente querer aprender mais também.

E - LQ7: [...] eu acho que cabe ao profissional também sentar e estudar para se preparar. Não é porque você vai ver uma vez na faculdade e nunca mais vai esquecer! Não é assim, eu acho que cabe ao profissional sentar, se preparar, estudar e conseguir.

E7 - P: Mesmo não tendo visto dentro da faculdade a disciplina que você precisava?

E - LQ7: É! Mesmo não tendo visto! Cabe a pessoa estudar e se preparar!

A ciência Química é muito ampla. Sendo assim, a ideia de que os cursos de graduação deveriam preparar o profissional em sua integridade ou totalidade é falível por si só em qualquer graduação, principalmente porque boa parte dos conhecimentos é construída e/ou complementada durante a prática. Além disso, poucos alunos reconheceram a importância da formação continuada como uma ferramenta para o preparo profissional, considerando, assim, a licenciatura como um momento final de formação. A despeito dessa situação, é importante que os cursos conscientizem seus sujeitos sobre a dinâmica do ato de aprender, que é rotineiro e está sempre em andamento como um processo contínuo e inacabado, tanto no contexto escolar quanto na atividade de outras profissões.24

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa investigação apontou características do perfil formativo e profissional construído na implantação de um dos cursos de licenciatura em Química do IFG, tais como: a falta de conhecimento químico, a ênfase das disciplinas pedagógicas gerais, a falta de enfoque nas disciplinas pedagógicas específicas para o Ensino de Química e a consequente fragmentação dos conhecimentos necessários ao professor. Além desses aspectos, foram ressaltados a necessidade de relação dos conhecimentos teóricos com a realidade educacional, o não reconhecimento da habilitação profissional e dos objetivos do curso devido às diferentes ramificações da Química e o não reconhecimento do papel do licenciando em seu próprio processo de formação, bem como, em alguns casos, a admissão da importância de formação continuada. Dessa forma, os licenciandos reproduziram sua trajetória acadêmica marcada pela carência do tratamento de conhecimentos químicos.

Os resultados apontam que o perfil formativo-profissional desses formandos é marcado por uma acentuada tensão entre os conhecimentos de conteúdo químico e os pedagógicos desse conteúdo. Além disso, a análise das falas e do PPC identificou falta de objetividade e foco na intencionalidade formativa do curso, podendo ocasionar, como mostra essa pesquisa, em perda de elementos constitutivos da identidade institucional e, por conseguinte, em formação de identidades profissionais difusas e fragmentadas, características de um projeto cujo perfil do egresso não foi bem estabelecido. A relação entre as concepções dos estudantes e o PPC evidenciou traços de um contexto formativo multifacetado contemplando uma situação de convergência entre aspectos diferentes da habilitação, modalidade e preparo do profissional químico.

Dessa forma, o perfil dos formandos é caracterizado por uma formação fragmentada que pode refletir na construção da identidade do professor de Química, pois apresenta uma carência na construção do conhecimento pedagógico de conteúdo, resultante da falta de articulação dos saberes específicos e pedagógicos em um curso cujo número de atribuições profissionais tem implicações na organização curricular e na formação de professores que historicamente ainda não é uma prática comum nos IFs.

Para finalizar, gostaríamos de salientar que o equilíbrio entre o enfoque científico e o pedagógico é ponto crucial e particular dos cursos de licenciatura, uma vez que partimos do pressuposto e propósito de promover a melhoria dos processos de aprendizagem em Química e transformar o status quo das práticas pedagógicas com vistas à transformação do indivíduo em sociedade.

 

REFERÊNCIAS

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2. Tardif, M.; Saberes docentes e formação profissional, 13ª ed, Vozes: Rio de Janeiro, 2012.

3. Santos, W. L. P.; Gauche, R.; Mól, G. S.; Silva, R. R.; Baptista, J. A.; Ensaio 2006, 8, 49.

4. Brasil. Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Diário oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 30 dez. 2008. Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/92587/lei-11892-08, acessada em Setembro de 2015.

5. Shulman, A. S.; Revista de currículum e formación del professorado 2005, 9, 4.

6. Damasceno, D.; Godinho, M. S.; Soares, M. H. F. B; Oliveira, A. E.; Quim. Nova 2011, 34, 1666. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422011000900031

7. Mesquita, N. A. S.; Cardoso, T. M. G.; Soares, M. H. F. B.; Quim. Nova 2013, 36, 195. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422013000100033

8. Echeverría, A. R; Benite, A. M. C.; Soares, M. H. F. B. Em Formação superior em Química no Brasil: práticas e fundamentos curriculares; Echeverría, A. R.; Zanon, L. B., orgs.; Unijuí: Ijuí, 2010, cap. 1.

9. Maldaner, O. A.; Zanon, L. B. Em Ensino de Química em foco; Maldaner, O. L.; Santos, W. L. P., orgs.; Unijuí: Ijuí, 2010, cap. 4.

10. Flick, U.; Introdução à pesquisa qualitativa, 3ª ed., Artmed: Porto Alegre, 2009.

11. Oliveira, R. M. M. A.; Revista de Educação Pública 2011, 20, 289.

12. Bardin, L.; Análise de Conteúdo, 4ª ed., Edições 70: Lisboa, 2010.

13. Instituto Federal de Goiás. Departamento de áreas acadêmicas. Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Química (IFG). Inhumas, 2007.

14. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Brasília: CNE, 2002.

15. Mortimer, E. F.; Química Nova na Escola 1996, 03, 19.

16. Francisco Junior, W. E.; Peternele, W. S.; Yamashita, M.; Química Nova na Escola 2009, 31, 113.

17. Justi, R. Em Ensino de Química em foco; Santos, W. L. P.; Maldaner, O. L., orgs.; Unijuí: Ijuí , 2010, cap. 8.

18. Silva, J. L. P. B. Moradillo, E. F.; Penha, A. F.; Pimentel, H. O.; Cunha, M. B. M.; Oki, M. C. M.; Botlho, M. L.; Bejarano, N. R.; Lôbo, S. F. Em Formação superior em Química no Brasil: práticas e fundamentos curriculares; Echeverría, A. R.; Zanon, L. B., orgs.; Unijuí: Ijuí , 2010, cap. 4.

19. Paro, V. H.; Crítica da estrutura da escola, Cortez: São Paulo, 2011.

20. Lopes, A. C.; Ciência & Educação 2005, 11, 263. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132005000200009

21. Misukami, M. G. N.; Anais do 14.º Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, Porto Alegre, Brasil, 2008.

22. Arantes, F. J. F.; Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Goiás, Brasil, 2013.

23. Mesquita, N. A. S.; Soares, M. H. F. B.; Química Nova na Escola 2009, 31, 123.

24. Freire, P.; Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, 24ª ed., Paz e Terra: São Paulo, 1997.

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