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Sustentabilidade no uso do fósforo: uma questão de segurança hídrica e alimentar Sustainability in phosphorus use: a question of water and food security |
Glaucia Pantano; Guilherme M. Grosseli; Antonio A. Mozeto; Pedro S. Fadini*
Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, SP-310, km 235, 13565-905 São Carlos - SP, Brasil Recebido em 16/12/2015 *e-mail: psfadini@ufscar.br The phosphorus used as fertilizer in agriculture is extracted from phosphate rocks, which after extraction reacts with sulfuric acid, releasing phosphoric acid, a raw material for the fertilizer industry. Studies point to a possible depletion of world reserves of phosphate rock in the next 50-100 years. A phosphorus scarcity is closely linked to global food security, given the dependence of soil fertilization to maintaining agricultural productivity within the current patterns of agribusiness. The application of fertilizers in soil and the sanitary sewers have been historically responsible for the larger eutrophication of water environments. In recent years, phosphorus has been seen as a finite resource and extremely important for the maintenance of the agricultural productivity. Therewith it is necessary investments to improve of fertilizers practices soils, safe technologies of organic waste reuse such as animal waste and phosphorus recovery, both released into water resource. Taking into account the depletion scenario of phosphorus deposits and eutrophication of water bodies, the water and phosphorus scarcity are among the most urgent environmental issues of the XXI century. Economic development, protection of public health, and maintenance of aquatic life are dependent of water availability and quality. INTRODUÇÃO O fósforo é obtido a partir de sua extração de rochas fosfáticas, também conhecidas como fosforite, que se constituem em uma fonte não renovável. Juntamente com o nitrogênio e o potássio, forma um clássico trio de nutrientes essenciais para as plantas, utilizados para garantir elevados rendimentos das culturas agrícolas. A produção de alimentos está diretamente associada à disponibilidade de fósforo, sendo a prática agrícola, responsável pelo consumo de 90% de todo fósforo extraído. Estima-se que em meados de 2050 a demanda mundial de fósforo duplique, sendo que alguns estudos apontam que poderá ocorrer um pico na produção de fertilizantes fosfatados nos próximos 30 anos,1,2 e um esgotamento das reservas mundiais de rochas fosfáticas nos próximos 50-100 anos.3-5 Outros estudos preveem que a depleção deste recurso poderá demorar séculos,6-8 e que haverá a ocorrência de um ponto crítico décadas antes do esgotamento, quando a qualidade das reservas estará seriamente comprometida e a demanda será maior que a oferta.5,6,9-11 Com isso, frente a uma demanda crescente de fosfato, a oferta tenderá a uma diminuição gradual com o passar dos anos.12 As divergências na previsão de tempo para o esgotamento das jazidas de rocha fosfática estão relacionadas aos diversos modelos matemáticos usados na projeção de possíveis cenários, nestes são considerados diferentes parâmetros, tais como taxa de exploração, reservas que ainda podem ser exploradas e comportamento do mercado consumidor. A interferência no ciclo do fósforo ocasionou como uma importante consequência, o aporte de elevadas concentrações de fósforo em águas superficiais levando a eutrofização artificial de tais corpos hídricos, usualmente chamada apenas de eutrofização. Adicionalmente, se tornou contínua a necessidade de aplicação de fertilizantes para reposição do fósforo que é perdido pelos solos por meio da colheita e erosão.5,13 A intervenção humana no ciclo global do fósforo provocou nos últimos cinquenta anos a mobilização de cerca de meio bilhão de toneladas do elemento originalmente imobilizada em rochas e que tiveram como destino a hidrosfera. Com isso, as preocupações com a contaminação dos recursos hídricos, associada à provável escassez deste nutriente, tem sido a força motriz para o desenvolvimento de novas tecnologias que visam a recuperação do fósforo presente em corpos aquáticos e a sua reutilização como fertilizante de solos destinados à produção de alimentos.14,15 O desenvolvimento não planejado das atividades industriais e o crescimento populacional têm ocasionado a liberação na biosfera de uma grande quantidade de compostos químicos, sendo que o ambiente aquático é muitas vezes o destino final majoritário destes contaminantes. A eutrofização, um dos principais problemas dos ambientes aquáticos, é causada pelo aporte excessivo de nutrientes, predominantemente nitrogênio e fósforo, provenientes de esgotos sanitários urbanos e rurais, efluentes industriais, escoamentos superficiais urbanos e de regiões agrícolas.16-23 Não há elementos que possam substituir as funções vitais do fósforo nos organismos vivos, tampouco o seu papel no cenário da segurança alimentar. Como agravantes, os padrões globais de produção e consumo de alimentos contribuem de forma significativa para a elevação dos índices de eutrofização das águas doces e marinhas em escala global,24 ao mesmo tempo em que provocam uma incerteza quanto à disponibilidade futura de rocha fosfática.5,11 A produção de fertilizantes inorgânicos começou em meados do século XIX, e sua aplicação tem se tornado essencial para o aumento da produção de alimentos durante o século XX, visando atender à crescente demanda da população ou simplesmente garantir uma dieta mais rica à base de carne, leite e seus derivados.4 Este elevado consumo de fertilizantes fosfatados intensificou os estudos que visam a captura do fósforo por meio de materiais adsorventes, como, por exemplo, a serragem, que posteriormente pode ser considerada para aplicações em solos.5,15,25 A escassez de fósforo está estritamente relacionada à segurança alimentar global, uma vez que 90% da demanda mundial deste elemento são destinadas para a produção de fertilizantes. Não há outro elemento químico que substitua a função do fósforo na agricultura, e por isso a garantia da disponibilidade deste elemento é imprescindível para manter a produção mundial de alimentos. Isto torna na atualidade, o fósforo um dos elementos mais importantes para a sociedade.5,12,26 A história do fósforo O fósforo é um ametal que pertence ao grupo do nitrogênio e ocorre na natureza normalmente como fosfato, nas chamadas rochas fosfáticas, como as apatitas, que contém também o cálcio.27 Foi descoberto em meados do século XVII e a partir daí tem sido utilizado para as mais variadas finalidades, dentre elas, aumentar a eficiência de lâmpadas, com relação ao consumo de energia e luminosidade produzida. Atualmente desempenha um papel importante nas atividades econômicas, principalmente na gestão da produção agrícola, onde é aplicado nos solos, para fins de fertilização.27,28 Enquanto elemento foi descoberto por Herr Doktor Brandt, o qual observou que o mesmo brilhava no escuro emitindo uma luz verde fraca na região do visível.29 A existência deste elemento químico cujo nome é derivado do grego, onde "Phos" significa luz, e "phoros" portador, só foi revelada em 1675.30 O cientista e escritor Isaac Asimov disse em 1974: ''Life can multiply until all the phosphorus has gone and then there is an inexorable halt which nothing can prevent''.27 A prenuncia de que o fósforo poderia limitar a vida foi feita em meados da década de 70 e atualmente tem sido motivo de discussão de pesquisadores do mundo todo, com respeito à depleção das jazidas de fósforo e ameaça à segurança alimentar global. O fósforo tem função essencial para vários organismos vivos, como plantas e animais. Do ponto de vista molecular, nas estruturas do DNA e RNA, o fósforo forma a ligação de fosfodiéster entre um nucleotídeo e outro. É constituinte do ATP (Adenosina Trifosfato), um nucleotídeo formado por uma adenosina associada a três radicais fosfatos conectados em cadeia, responsáveis pelo transporte primário de energia química nas células. O fósforo também pode ser encontrado em membranas celulares na forma de fosfolipídios.31 Não existem na natureza compostos de fósforo presentes na fase gasosa, fato este que dificulta a ciclagem deste elemento se em comparação com os ciclos biogeoquímicos de outros elementos como o carbono, nitrogênio e enxofre. Na biosfera, a fonte de fósforo dos animais provém da alimentação (de plantas ou animais de nível trófico inferior) enquanto as plantas, por sua vez, retiram do solo o fósforo necessário para o crescimento celular, formação de frutos e sementes e também para a maturação. Os excrementos provenientes dos animais são uma importante fonte de fósforo e desde 5000 anos atrás na Ásia, estes dejetos eram usados como fertilizantes nos campos rurais. Algumas evidências arqueológicas sugerem que no Egito e em regiões desérticas de Israel, pombos eram criados para o consumo próprio, e os excrementos destes animais eram usados como fertilizantes.32 Em Tóquio, entre os anos de 1603-1868, as atividades agrícolas de uma população de aproximadamente 500.000 habitantes eram mantidas a partir da reciclagem de resíduos humanos e animais, onde agricultores usavam guano de morcego como fertilizante.33,34 Já na Inglaterra, na Era Medieval, eram utilizados estrumes de ovelhas criadas pelos camponeses como fertilizantes na terra. Por ocasião da Revolução Industrial, ao final do século XVIII, houve uma grande migração da população do campo para as cidades, desencadeando um colapso na questão sanitária, pois os excrementos humanos eram despejados em fossas a céu aberto, gerando um mau cheiro insuportável que incomodava as pessoas. Em seguida houve um surto de cólera em Londres, fato este que desencadeou a Revolução Sanitária, proibindo a reutilização dos excrementos e motivando o início da construção do sistema de esgoto de Londres em 1859 e posteriormente motivando a implementação das primeiras unidades de tratamento de esgotos contemplando a remoção de fósforo, na década de 1970.35,36 A reposição por meio da adição de dejetos foi descontinuada e os esgotos passaram a ser lançados primeiramente nos sistemas de águas residuárias e finalmente nos corpos aquáticos, ocasionando a eutrofização de diversos rios por toda a Europa e América do Norte.35,36 O crescimento da população aliado à mudança nos padrões de consumo ocasionou uma crescente necessidade de produção de alimentos. No entanto, os solos não estão continuamente preparados para uma intensa produção em larga escala. Tal fato estimulou Justus Liebig, um cientista alemão que viveu no século XIX, a criar os fertilizantes químicos destinados a incrementar a produtividade agrícola, que desde então tem encontrado ampla demanda. O fosfato proveniente de rochas fosfáticas tem sido historicamente visto como uma forma abundante e inesgotável de fósforo, o que estimulou a sua ampla utilização na agricultura.4,37 Como resultado da demanda crescente por alimentos, foi observado entre os anos 1950 e 2000 um aumento da ordem de seis vezes no uso de fertilizantes fosfatados estabelecendo-se uma relação de grande dependência da sociedade com relação ao fósforo e estimulando a utilização anual de milhões de toneladas de fertilizantes com o objetivo de suprir uma crescente demanda mundial de alimento, que poderá vir a ser significativamente afetada em função da escassez anunciada.12,27,28,38-40 Dentro deste cenário o Brasil é o quarto maior consumidor de insumos destinados à fabricação de fertilizantes fosfatados, sendo que o país importa cerca de 80% dos fertilizantes consumidos no mercado local, caracterizando um quadro de grande dependência do mercado externo.41 Devido à importância desta situação, o Ministério da Agricultura criou um Plano Nacional de fertilizantes visando reduzir a dependência externa da importação de fósforo para 12% até 2019. Este plano ainda prevê o aumento na produção de fertilizantes orgânicos, a partir de camas aviárias e excrementos suínos.42 A importância do fósforo O ciclo natural do fósforo é baseado na decomposição de plantas e animais que ocasionam a liberação do P para o solo. No entanto, com o acentuado crescimento do setor produtivo agrícola, a reposição natural de fósforo para o solo se mostra como uma alternativa lenta e desfavorável do ponto de vista de balanço de massas, tornando necessária a adição de fertilizantes fosfatados (Figura 1).
Figura 1. Ciclo biogeoquímico do fósforo
Nos ambientes aquáticos, a concentração de fosfatos na coluna de água é dependente de alguns fatores, como a concentração de oxigênio dissolvido, a relação entre espécies químicas de fósforo e o par redox Fe(II)/Fe(III), uma vez que nas camadas superficiais da água (epilímnio), o fosfato desempenha papel fundamental na produtividade primária dos organismos, em uma região onde a sua biodisponibilidade é naturalmente controlada por sua associação com os oxi-hidróxidos de Fe(III), formando compostos que apresentam baixa solubilidade e migram para camadas mais profundas (hipolímnio), deixando assim a zona eufótica e portanto controlando a produtividade primária.43 Adicionalmente, o fosfato pode também alcançar o hipolímnio por meio da migração de tecidos celulares mortos de microrganismos presentes no epilímnio. Uma vez no hipolímnio, em condições de baixa concentração de oxigênio, o ferro atua como receptor de elétrons, fazendo então com que os oxi-hidróxidos de Fe(II) sejam formados e que por apresentarem maior solubilidade com relação aos compostos de Fe(III), ocasionam a liberação do nutriente, estabelecendo um ciclo onde o fósforo migra novamente para a zona eufótica, ocasionando uma fertilização desta zona onde ocorre a fotossíntese. O processo acima descrito funciona como uma bomba de fósforo (Figura 2), circulando o fosfato entre a coluna de água e os sedimentos, sendo que estes últimos funcionam como um reservatório de fosfato, devido a alta capacidade de retenção do fósforo pelos oxi-hidróxidos de Fe(III) ali presentes.44,45 Este é um mecanismo que controla perfeitamente a produtividade primária em ecossistemas não impactados. Contudo, em corpos aquáticos que recebem grande quantidade de matéria orgânica proveniente de lançamentos antrópicos, há uma forte acumulação de matéria orgânica lábil e passível de oxidação tanto na coluna de água quanto nos sedimentos. Na oxidação desta matéria orgânica, receptores de elétrons como oxigênio dissolvido, Mn(IV) e nitratos são amplamente consumidos, o que torna os mecanismos de oxidação da matéria orgânica que utilizam o Fe(III) como receptor de elétrons, termodinamicamente viáveis. Nesta situação, frente à redução do Fe(III) a Fe(II) e consequente minimização da remoção de fosfato na forma de oxi-hidróxidos de Fe(III), a zona eufótica se torna rica neste nutriente e muito produtiva do ponto de vista de transformação de carbono inorgânico em espécies orgânicas, ocasionando uma proliferação de algas e até mesmo macrófitas aquáticas, como aguapés, que frequentemente estão nas paisagens de lagos impactados pelo lançamento de esgotos.
Figura 2. Bomba de fósforo no ambiente aquático, formação dos compostos de ortofosfato com os oxi-hidróxidos de Fe(II) e Fe(III)
Uma diversidade de atividades antrópicas desenvolvidas dentro de um modelo econômico que historicamente estimula o crescimento desordenado das populações e das suas atividades, tem causado diversos problemas ao ambiente aquático e prejuízos aos recursos hídricos, fazendo com que em muitos países, a eutrofização ainda persista como um desafio a ser solucionado. São vários os fatores difusos e localizados que contribuem para a eutrofização dos ambientes aquáticos, sendo possível citar o escoamento superficial urbano e a liberação de resíduos por meio das fezes e urina oriundas das atividades pecuárias. Contudo, os dois principais causadores da eutrofização são o uso de fertilizantes na agricultura e em especial o lançamento de esgotos sanitários, havendo também a possibilidade de esgotos industriais contendo o nutriente. Em ambos os casos, tantos os efluentes brutos quanto os tratados são impactantes, já que nem sempre a remoção de fósforo é contemplada nas instalações de tratamento.19,46-49 A eutrofização em lagos e reservatórios é um exemplo de problema ambiental causado por interferências antrópicas na biosfera podendo ocasionar efeitos deletérios para o ambiente e para a economia.16,17,50-53 Esse problema ambiental proporciona um grande desafio no manejo e gerenciamento de recursos hídricos.54-56 Dentre as várias consequências do processo de eutrofização em lagos e reservatórios, destacam-se o comprometimento da qualidade da água destes ambientes para o abastecimento da população, diminuição no valor recreativo dos corpos aquáticos e depleção significativa do oxigênio, podendo causar a mortandade de peixes e organismos do referido ambiente. Existem também os efeitos indiretos que a eutrofização pode causar, uma vez que com o aumento na carga de nutrientes, majoritariamente P e N, há um incremento na quantidade de biomasssa bacteriana e consequentemente no processo de biodegradação de outras diversas classes de compostos químicos presentes no corpo aquático, dentre elas os hidrocarbonetos aromáticos e pesticidas, o que leva por sua vez, à geração de diferentes metabólitos destes contaminantes. Uma maior quantidade de nutrientes bem como de matéria orgânica nos corpos aquáticos também pode promover uma elevação da emissão de gases de efeito estufa devido ao aumento na ciclagem de nutrientes, destacando-se o carbono, nitrogênio e fósforo. Esta ciclagem de nutrientes é realizada por microrganismos que em última instância resulta na produção e emissão de gases como CO2, acrescido de CH4 e N2O em meio anaeróbio, quando outros receptores de elétrons que não o oxigênio, passam a atuar no ambiente aquático.53 A Revolução Verde, juntamente com as tendências globais de incremento na produção de alimentos, biocombustíveis e aumento do consumo de carne contribuem para o problema da eutrofização. Esta não é somente uma preocupação local ou regional, mas sim global, abrangendo diversos ecossistemas aquáticos.56-58 Diferentes materiais podem ser utilizados na recuperação de ecossistemas aquáticos eutrofizados, dentre eles estão os sais de alumínio ou ferro, nitrato de cálcio, PhoslockTM (produto comercial produzido a partir da argila iônicamente modificada, constituída de uma mistura de bentonita e lantânio) e os biossorventes (biomassa lenhosa).15,59-63 A manutenção do desenvolvimento econômico, da saúde pública e da vida aquática, depende da disponibilidade de água doce de qualidade. Cerca de 70% de toda a água doce renovável do planeta é consumida pelo setor agrícola, já os setores doméstico e industrial são responsáveis por consumir 20 e 10%, respectivamente.64,65 As águas doces superficiais se constituem no principal recurso de água potável no mundo e em uma reserva essencial para todo o ecossistema terrestre. Neste cenário, a poluição das águas é um problema de abrangência mundial, sendo alvo de intensas investigações por parte da comunidade científica.66-69 O cenário de escassez hídrica é considerado como um dos problemas ambientais mais urgentes no século XXI e diversas reuniões mundiais têm sido realizadas para discutir este problema. Adicionalmente à escassez quantitativa, existe também a escassez qualitativa dos recursos hídricos, uma vez que a má qualidade da água agrava o cenário da crise hídrica, pois muitas vezes, a despeito do recurso hídrico estar disponível, apresenta um baixo padrão de qualidade, o que inviabiliza sua aplicabilidade para os mais diversos fins. Em 2010 uma publicação no Atlas Brasil - Abastecimento Urbano de Água, lançado em 2010 pela Agência Nacional de Águas, já alertava para a escassez hídrica, por meio da afirmação que de acordo com as condições de infraestrutura dos sistemas de produção e distribuição de água, bem como a disponibilidade hídrica, seria possível que 55% dos municípios viessem a apresentar um déficit no abastecimento de água até o ano de 2015, sendo que as principais cidades afetadas seriam São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Porto Alegre, dentre outras, atingindo cerca de 70% da população urbana do país, já considerando a previsão do aumento populacional. Esta escassez hídrica anunciada em 2010 se concretizou no ano de 2015, principalmente no sudeste do Brasil, especificamente no Estado de São Paulo que atualmente sofre graves problemas relacionados com a falta de água.70 Diante deste cenário de escassez hídrica e depleção das jazidas de fósforo, é de extrema importância a gestão estratégica dos recursos hídricos e as tomadas de decisões integradas visando a recuperação de corpos aquáticos eutrofizados por meio do controle do aporte de fósforo, além de desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a recuperação do fósforo presente tanto na água como no sedimento de ambientes eutrofizados. Tais medidas podem simultaneamente promover a recuperação de recursos hídricos e garantir a segurança alimentar, seja na disponibilização de água de melhor qualidade ou por viabilizar o uso agrícola de fósforo recuperado de ambientes eutrofizados. Reservas de rocha fosfática no mundo Os países Marrocos, Estados Unidos da América, Jordânia, África do Sul e China detém em conjunto, aproximadamente 85% das reservas de rochas fosfáticas do mundo.26 Apesar dos Estados Unidos possuírem várias reservas de rocha fosfática, é um país dependente de importação proveniente principalmente do Marrocos, pois a qualidade das suas reservas é baixa e a sua demanda por fertilizantes é elevada.40 Diversos pesquisadores têm estudado a depleção das jazidas de rocha fosfáticas e emitido alertas sobre a escassez do fósforo e provável comprometimento da produção de alimentos.12,71,72 O esgotamento das reservas com maior viabilidade econômica, é acompanhado de uma relativa diminuição na qualidade das rochas fosfáticas remanescentes, caracterizada pelo incremento na quantidade e diversidade de impurezas (carbonatos, silicatos e metais pesados) havendo adicionalmente, um aumento no preço da rocha fosfática e também dos produtos obtidos a partir da mesma.40 Na medida em que houver uma elevação no custo das rochas fosfáticas haverá uma diminuição na demanda e um incremento na busca por alternativas de recuperação do fósforo. Novas estratégias para mineração serão favorecidas e possivelmente novos depósitos de rochas fosfática deverão ser explorados. Tal quadro poderá implicar em um afastamento temporal da linha de esgotamento das jazidas de rocha fosfática.6,73 Para determinar um modelo de previsão para a escassez do fósforo vários indicadores são usados, dentre eles a abundância do recurso, seu preço, grau de pureza do minério e curva de extrapolação de Hubbert, sendo esta última uma estratégia que historicamente tem sido empregada na avaliação dos cenários de esgotamento das jazidas de petróleo. Um dos grandes problemas para dimensionar o tempo de duração das jazidas de rocha fosfática é a incerteza do número real destas, pois muitas vezes os dados de ocorrência mineral são desconhecidos ou confidenciais.8,34 Segundo estudo realizado em 2010 as estimativas para a quantidade de reserva de rochas fosfáticas variam de 15.000 Mt a 624.000 Mt, sendo que a amplitude desta faixa de valores está relacionada aos diferentes modelos usados para prever a escassez do fósforo.8,28 Uma reconhecida avaliação realizada pelo U. S. Geological Survey estima este valor em apenas 16.000 Mt.8 Existem algumas divergências de opiniões quanto ao tempo previsto para que ocorra a exaustão das reservas de fósforo. Alguns pesquisadores discordam acerca do cenário de um futuro próximo de escassez, como sugerido por meio da utilização da curva de Hubbert, que aponta o esgotamento das reservas de fósforo nos próximos 50-100 anos.5 Tais autores afirmam que esta estimativa não é suficiente para prever, principalmente, a dinâmica na exploração das rochas fosfáticas, a melhora na obtenção de dados geológicos, o avanço da tecnologia para metodologias de extração e produção e a demanda no mercado da mineração.28,74 O esgotamento das jazidas de rocha fosfática é fato, porém não há indícios de que se esgotarão em médio prazo, pois as estimativas feitas são baseadas em dados de produção e recursos ultrapassados, o que torna esses dados imprecisos.6 Uma estimativa otimista é de que em 2100, de 80-90% dos recursos ainda estarão disponíveis; contudo é necessário levar em conta que a agricultura é dependente da aplicação de fósforo e que uma eventual falha nesta estimativa, que implicasse em um esgotamento de cerca de 50% das jazidas até 2100 já representaria uma ameaça à produção de alimentos.6 Mediante o cenário da incerteza quanto ao tempo de depleção das jazidas de rocha fosfática é necessário dar uma maior importância a este recurso. As políticas para a redução do uso e consumo de fósforo são uma alternativa para a questão da sua escassez. A gestão deste recurso, por meio do manejo da agricultura (uso de fertilizantes), implementação da reciclagem do fósforo a partir de excrementos de animais e humanos além de novas tecnologias que visam a remoção/obtenção do fósforo em ambientes eutrofizados, pode implicar no aumento do tempo de vida das jazidas.6 Os impactos do aporte de fósforo no meio ambiente incluem a eutrofização e a perda de um nutriente insubstituível na produção agrícola. Atualmente há um grande consumo de fertilizantes fosfatados para suprir a demanda por alimentos, bem como o amplo uso de biocombustíveis oriundos de plantas. Existem também aplicações não agrícolas para o fósforo (< 5%), merecendo destaque as indústrias alimentícias, onde é usado como acidulante para prevenir crescimento de bactérias em garrafas de bebidas. Nas indústrias de produtos domissanitários e de higiene pessoal, o fósforo é usado principalmente na formulação de detergentes e cremes dentais, respectivamente.40 O uso sustentável do fósforo deve contemplar a recuperação deste nutriente a partir de esgotos municipais e efluentes industriais, bem como de estrume e urina animal.40 As atuais estratégias e tecnologias referentes à extração e distribuição do fósforo levam a um cenário onde uma pequena fração do nutriente efetivamente chega ao destino final, representado por plantas, animais e dieta humana. Os dois maiores fluxos de perda do fósforo estão associados à erosão e lixiviação do solo (46% do P extraído) e ao fósforo presente nas excreções animais (40% do P extraído).75 A recuperação do fósforo é muito importe mediante o atual cenário de depleção das jazidas de rocha fosfáticas e tem sido alvo de estudos na Holanda, Bélgica, Alemanha dentre outros países. Estes estudos mostram que a técnica pode ser viável, porém questões envolvendo legislação, política e economia podem influenciar na viabilidade de uma técnica. Mediante o contexto que lhe é peculiar, cada região poderá ter uma técnica diferente para recuperação de fósforo, daí a importância dos governos na estimulação de processos que visam à recuperação de fósforo a partir de fase líquida, lodo ou cinzas de uma estação de tratamento de esgoto,40 sendo esta última alternativa aplicável àquelas estações de tratamento de esgotos que promovem a incineração do lodo, o que não é o caso do Brasil. A captura do fósforo presente em estações de tratamento de efluentes se apresenta como uma alternativa promissora, uma vez que estes resíduos contêm altas concentrações de fósforo associado à matéria orgânica. Para tal finalidade, inicialmente é realizado o tratamento biológico do material orgânico, onde o fósforo liberado a partir da degradação de moléculas orgânicas pode ser recuperado por diferentes técnicas, tais como precipitação, adsorção, troca iônica e remoção biológica, que consiste em bactérias específicas que têm a capacidade de armazenar elevadas quantidades de P.48 Atualmente, o principal processo para a remoção de fósforo de águas residuárias é a precipitação química com a adição de metais divalentes ou trivalentes como magnésio (Mg2+), cálcio (Ca2+), alumínio (Al3+) ou ferro (Fe3+).75,76 A recuperação do fósforo com magnésio e cálcio é a estratégia mais comumente utilizada, pois o produto da precipitação pode ser utilizado para diferentes finalidades, como fertilizantes, detergentes, cosméticos e alimentação animal. Por outro lado, a aplicação de ferro e alumínio é menos usual, uma vez que o alumínio é tóxico para a maioria das plantas e o ferro é fortemente ligado ao fósforo, tornando-o pouco biodisponível. A prática mais utilizada é a precipitação da estruvita em pH alcalino.77-80 A estruvita se forma rapidamente, na presença de íons amônio e magnésio, quando a concentração de fosfato na água alcança valores entre 100 e 200 mg L-1. Esta técnica também pode ser aplicada na digestão anaeróbia do lodo, devido à alta concentração de fósforo inorgânico e amônia em reatores onde ocorre este tipo de tratamento. A precipitação na forma de fosfato de cálcio em meio alcalino também é uma alternativa, na qual é favorecida a formação da hidroxiapatita.75,76 Em meio a controvérsias quanto ao tempo de vida das reservas, é certo que a elaboração de um modelo que estime com um nível de confiança aceitável o esgotamento das reservas de rochas fosfáticas, deve considerar a geologia, a dinâmica das reservas, o desenvolvimento de tecnologias, a descoberta de novos recursos, a relação de oferta e demanda bem como a reciclagem.28 Vale ressaltar que são necessárias políticas públicas no sentido de promover a recuperação e reuso do fósforo, no intuito de postergar a depleção deste elemento essencial a vida. Rocha fosfática no Brasil As rochas fosfáticas extraídas em procedimentos de mineração são atacadas com ácido sulfúrico e geram um líquido que é denominado de concentrado de rocha fosfática. Tal produto é enriquecido em teor de superfosfato simples (P2O5) e contém menos impurezas em comparação à rocha bruta. O Brasil é o sexto maior produtor mundial de concentrado de rocha fosfática a partir do qual são produzidos o ácido fosfórico que por sua vez atende à preparação de fertilizantes, dentre outros produtos. No concentrado de rocha fosfática são encontrados elementos de terras raras e radionuclídeos da série do 238U e 232Th que apresentam ocorrência natural em rochas fosfáticas (matéria prima). Os materiais que possuem radionuclídeos naturais são chamados de materiais radioativos de ocorrência natural. O fosfogesso, resíduo gerado a partir da reação da rocha fosfática com ácido sulfúrico, que visa à obtenção de ácido fosfórico, um insumo para a indústria de fertilizante, é um exemplo desse material. O fosfogesso é um resíduo da produção de fosfato, e ainda considerado um grande problema ambiental, uma vez que a disposição deste resíduo é realizada ao ar livre. Os radionuclídeos 232Th, 228Ra, 226Ra, 210Pb e 210Po se concentram no fosfogesso e o urânio é concentrado no ácido fosfórico. Na produção de ácido fosfórico a partir da rocha fosfática, para cada tonelada do produto formado na reação da rocha com ácido sulfúrico cerca de cinco toneladas de fosfogesso são produzidas. No Brasil, as maiores indústrias estão localizadas em Cajati, Cubatão e Uberaba e apresentam uma produção conjunta anual de 5,5 milhões de toneladas de fosfogesso.71 As indústrias de fertilizantes também contribuem para produção deste resíduo, uma vez que geram anualmente 1.076 Mt de fosfogesso contendo elementos terra raras e radionuclídeos, como resíduos associados à produção de 269 Mt ano-1 de P2O5.81-83 Diversos trabalhos têm sido realizados a fim de caracterizar as rochas fosfáticas bem como os produtos dela obtidos, tais como, ácido fosfórico, fertilizantes e fosfogesso quanto à presença de elementos radionuclídeos.84-91 As concentrações de atividade dos radionuclídeos 238U, 226Ra, 210Pb, 232Th e 228Th em rochas fosfáticas são de 1.179 Bq Kg-1, 1.114 Bq Kg-1, 1.480 Bq Kg-1, 314 Bq Kg-1 e 296 Bq Kg-1, respectivamente, segundo valores observados em amostras provenientes da unidade de Cubatão, da empresa Copebrás.87 Já as rochas fosfáticas avaliadas da empresa Ultrafertil de Cubatão apresentam menores concentrações de atividades destes elementos, sendo os valores de 527 Bq Kg-1, 261 Bq Kg-1, 506 Bq Kg-1, 393 Bq Kg-1 e 389 Bq Kg-1 para os elementos 238U, 226Ra, 210Pb, 232Th e 228Ra, respectivamente. Um estudo realizado para avaliar a concentração de atividade de alguns radionuclídeos no fosfogesso das indústrias Fosfertil e Ultrafertil mostrou diferentes concentrações para tais elementos. Os valores variaram de acordo com a empresa, sendo que para 226Ra, 228Ra, 228Th e 210Pb foram de 274-357 Bq Kg-1, 262-455 Bq Kg-1, 180-366 Bq Kg-1 e 300-433 Bq Kg-1, respectivamente.85 Mediante o problema ambiental relacionado à disposição do resíduo do processo de produção do concentrado de rocha fosfática é importante que uma atenção especial seja dada à contaminação dos locais no qual há disposição destes resíduos e também para evitar problemas de contenção como o que foi recentemente observado em Mariana-MG, com respeito a depósitos de rejeitos de mineração. A busca pela sustentabilidade É primordial e estratégico que a sociedade comece a se conscientizar acerca da importância da reutilização de nutrientes, visando uma maior sustentabilidade na fertilização de solos para gerações futuras e também a preservação da qualidade das águas e da vida aquática. A reciclagem do fósforo que é perdido por meio da produção e consumo de alimentos deve ser realizada, contemplando estratégias sanitariamente seguras de reaproveitamento do fósforo presente em excrementos humanos, estrume e resíduos orgânicos. Após ser consumido por meio de alimentos, o fósforo é eliminado na urina e nas fezes, na proporção de 70 e 30%, respectivamente. Investir na recuperação do fósforo a partir de resíduos proporciona uma diminuição da dependência de fertilizantes na agricultura e uma redução da poluição dos corpos aquáticos. No ano de 2011 a demanda mundial de fósforo foi de aproximadamente 15 milhões de toneladas, e indicativos apontam que em 2050 esta demanda será de 4 - 110 milhões de toneladas, com uma demanda provável de 67 milhões de toneladas.12 Alguns pesquisadores afirmam que o fósforo disponível a partir de excrementos humanos em 2009 (1,68 milhões de toneladas de P) seria suficiente para suprir 22% da demanda mundial.5,92,93 Nas estações de tratamento de esgotos, que operam tanto em regime aeróbio como anaeróbio, é produzido um resíduo semi-sólido denominado de lodo de esgoto ou biossólido que contém grande quantidade de matéria orgânica, nitrogênio e fósforo, dentre outros elementos químicos.93 Os solos destinados às práticas agrícolas têm sido um destino frequente para o lodo de esgoto, atendendo a argumentos econômicos de disposição e capacidade de condicionamento e fertilização de solos. Contudo, este é um procedimento que deve ser cuidadoso e que no caso do Brasil deve atender rigorosamente a Resolução CONAMA 375, uma vez que o lodo pode conter em sua composição muitos contaminantes químicos e biológicos, tais como, metais, compostos orgânicos e microrganismos patogênicos, o que pode resultar em problemas de saúde pública e na contaminação de solos.94-102 Portanto, o uso de lodo na agricultura bem como de excrementos humanos exige uma atenção especial a fim de evitar sérios danos ao ambiente e aos organismos diretamente expostos, incluindo os seres humanos.103-109 Em termos de fluxo do nutriente, entre a sua extração e consumo, ocorrem grandes perdas de fósforo no sistema produtivo. Do total de P extraído, apenas 20% são efetivamente absorvidos pelas plantas. Desta fração de 20%, cerca de 55% do P é adicionalmente perdido entre o campo e o prato, em função de ineficiências no processamento, transporte e estocagem dos alimentos.12,110 Neste desfavorável cenário de desperdícios, soma-se ainda uma perda de 25% do recurso hídrico utilizado na produção agrícola. Se as perdas na cadeia produtiva agrícola fossem reduzidas pela metade, aproximadamente um bilhão de pessoas poderiam ser beneficiadas e as jazidas fosfáticas poderiam ser preservadas por um período maior.72 O uso de fertilizantes é fundamental para a atual produção agrícola, tendo em vista as perdas de nitrogênio e fósforo que ocorrem por lixiviação, volatilização de nitrogênio e imobilização do fósforo, tornando-o não disponível. O conceito atual de fertilizantes de liberação lenta de nutrientes é uma alternativa promissora visando à sustentabilidade por meio de uma maior eficiência na nutrição das plantas, menor consumo destes insumos (fertilizantes) além de minimizar a contaminação de corpos aquáticos com excesso de P, ocasionando a eutrofização.111-113 Neste contexto, diversos estudos têm sido realizados, sendo que um dos materiais estudados é o biochar encapsulado em microesferas poliméricas de alginato, utilizado para a liberação lenta de fósforo. Este material se mostrou promissor no sentido de substituir os fertilizantes convencionais, minimizar as perdas de P por lixiviação e diminuir a indesejável chegada deste nutriente em corpos aquáticos. A liberação controlada ocorre por meio da difusão para o solo através da matriz de revestimento ou ainda por degradação desta matriz ocasionando a liberação controlada dos nutrientes. O uso das microesferas poliméricas enriquecidas com nutrientes inorgânicos é fundamental para melhorar a eficiência na fertilização de diferentes culturas.113,114 Outro material promissor usado na liberação controlada de fertilizantes são os hidrogéis, como os de poli (-acrilamida) e metilcelulose considerados eficientes na liberação controlada de fertilizantes.114,115 O uso de fertilizantes por liberação controlada pode contribuir para a diminuição no uso de fósforo, um recurso finito e extremamente importante para manter a segurança alimentar global. Estações de tratamento de esgotos são uma possibilidade para a recuperação do fósforo.116,117 O principal desafio na recuperação deste elemento químico em águas residuais é devido a baixa concentração observada, que frequentemente é menor do que 10 mg P L-1.116 A técnica da cristalização da estruvita, que já existente para a recuperação do fósforo em águas residuárias só é viável se a concentração de fósforo for superior a 50 mg P L-1.75 Um estudo focando um balanço de massas para o ano de 2009 mostrou a grande demanda representada pelas práticas agrícolas. Um total de 21,4 Mt de fósforo foi extraído de rochas fosfáticas no mundo, sendo que deste montante 17,5 Mt foram destinadas para a fabricação de fertilizantes, quantidade esta suficiente para repor todo o fósforo perdido por meio da colheita e erosão, mas insuficiente do ponto de vista de balanço de massas de fósforo biodisponível em solos, uma vez que, durante o ciclo agrícola, parte do fósforo inorgânico existente no solo é transformado em fósforo orgânico, uma forma menos biodisponível do nutriente.7 Ainda segundo os mesmos autores, o gerenciamento do uso do fósforo deve ser minimizado de forma muito abrangente, como, por exemplo, pela busca de substituintes para o fósforo em refrigerantes tipo cola e em detergentes, responsáveis pela demanda de 0,1 e 1,1 Mt de P em 2009 e que, em ambos os casos, acabam por impactar os recursos hídricos.7 O emprego de resíduo animal (esterco) como fertilizante em solos agriculturáveis apresenta-se como uma alternativa promissora para a reciclagem do fósforo, sendo que os estrumes bovinos contêm cinco vezes mais fósforo do que os excrementos humanos. Alguns pesquisadores afirmam que o esterco é um importante reservatório de P passível de reutilização, podendo suprir 50% do uso de fósforo destinado à agricultura na Europa Ocidental e 25% nos Estados Unidos.4,5,92 O cenário de estímulo à utilização de esterco animal é favorável em função da escassez e tendência de aumento do preço dos fertilizantes químicos fosfatados, bem como do crescente número de animais na pecuária, chegando a aproximadamente 23 bilhões de animais no ano de 2014, reforçando a importância do emprego do esterco animal como fonte de fósforo.118,119 Dados disponíveis na literatura mostram que caso a prática de recuperação de fosfato a partir de resíduos bovinos fosse aplicada, o Canadá não teria a necessidade de importar fertilizantes. No Reino Unido, são gerados anualmente 90 milhões de toneladas de estrume animal, com cerca de 80.700 toneladas de fósforo que poderia ser utilizado como fertilizante orgânico. Este montante equivale a 71% da demanda de fósforo utilizado na produção agrícola do Reino Unido, demonstrando a potencialidade da utilização do excremento bovino como fonte de fósforo.38,118 Este cenário evidencia a importância da ciclagem do fósforo entre as práticas agrícola e pecuária, denotando ainda que caso a produção de gado seja separada da produção agrícola, a possibilidade de fechamento do ciclo de P ficará comprometida.5,6,38 Cabe acrescentar que esta avaliação parte da premissa que o gerenciamento da produção de alimentos não está levando em conta a possibilidade de minimização do consumo de carne bovina, visando alcançar padrões de sustentabilidade. Alguns trabalhos mostram que a taxa de excreção de um bovino pode variar entre 0,2 e 10 kg animal-1 dia-1, sendo que a porcentagem de P nos excrementos varia de 0,3% a 1,3% (m/m).120 Cerca de 35 a 60% do fósforo presente nos estrumes de animais são perdidos, podendo atingir os corpos aquáticos e provocar a eutrofização.121,122 Na Austrália, aproximadamente 8000 t de fósforo são eliminados anualmente na forma de excrementos humanos, sendo que entre 40 e 50% deste montante chegam às estações de tratamento de esgotos, onde o biossólido produzido é destinado à aplicação como fertilizante na agricultura.123,124 Neste mesmo país a pecuária é responsável pelo consumo de 60% da demanda de fósforo total, empregado principalmente, na produção de ração animal e adubação de pastos. Em termos de balanço de massas, o excremento gerado pelo rebanho bovino de 211 milhões de cabeças existente na Austrália contém uma massa de fósforo 60 vezes maior do que aquela contida nos alimentos consumidos pelos australianos. O aumento na utilização de esterco, maior eficiência na adubação, aplicação de resíduos orgânicos e maior eficiência na cadeia produtiva agrícola podem reduzir consideravelmente a depleção das jazidas fosfáticas.124 É importante que o foco das políticas públicas tenha como objetivo a recuperação de água, energia, carbono, nitrogênio e fósforo, objetivando gerenciar o ciclo biogeoquímico destes elementos, favorecendo assim o desenvolvimento sustentável. Medidas que viabilizem a acessibilidade ao fósforo para todos os agricultores, poderiam representar um grande passo em direção à segurança alimentar global de 9 bilhões de pessoas no século XXI. O acesso à água potável e à alimentação adequada estão entre as necessidades mais valiosas deste século. Contudo, se o uso do fósforo no sistema de produção agrícola não for imediatamente revisto, estas necessidades poderão ser comprometidas, principalmente no que se refere à segurança alimentar global.27 A reciclagem nunca será completa, o que torna o esgotamento das rochas fosfáticas uma realidade, porém passível de ser postergado.71 Incontestavelmente a reutilização do fósforo, a partir de resíduos orgânicos, esterco e excrementos humanos, dentro de moldes seguros, desempenha papel primordial na gestão de um sistema sustentável para o fósforo.
CONCLUSÕES Há diversas avaliações ainda não conclusivas com respeito à depleção das jazidas fosfáticas. Porém, a despeito das dificuldades de estimar a quantidade de fósforo remanescente passível de ser extraído, é certo que este elemento é um recurso finito e extremamente importante para a manutenção da qualidade de vida da sociedade. Para o uso sustentável do fósforo é necessário aprimorar as práticas de aplicação dos fertilizantes, implementar o reuso seguro de resíduos orgânicos, esterco e excrementos de animais e humanos, bem como desenvolver métodos para a recuperação de fósforo presente em águas residuárias e corpos aquáticos eutrofizados. Além disso, práticas como a minimização do desperdício de alimentos e do emprego de fósforo na produção de refrigerantes do tipo cola e de detergentes, contribuem para reduzir os impactos ambientais dos corpos aquáticos. Estas medidas são fundamentais para garantir que a depleção deste recurso não ocorra em curto ou médio prazo, permitindo a continuidade da exploração por décadas e/ou séculos.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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