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A formação da camada protetora de FeCO3 e o controle da corrosão por CO2 em condiçoes de fluxo turbulento The formation of protective iron carbonate films and the control of CO2 corrosion in turbulent flow |
Lilian R. M. FerreiraI,*,#; Simone M. KlokII; Haroldo de A. PonteII; Fernando FarelasIII
ICentro Universitário UNISOCIESC, Albano Schmidt, 3333, Boa Vista, 89206-001 Joinville - SC, Brasil Recebido em 12/01/2016 *e-mail: lilian@sociesc.org.br The formation of a protective layer of iron carbonate (FeCO3) can reduce the rates of corrosion and prolong the useful life of carbon steel. However, turbulent flow conditions in this layer can easily be damaged and thus compromise the protection of the steel. In this work, will be presented a methodology based on the chemical aspects of the mechanism of formation of iron carbonate layer in a Thin Channel Flow Cell (TCFC). Electrochemical techniques were used to measure the corrosion rate and corrosion potential on the surface of steel API X65 exposed to aqueous solution of 1 wt.% NaCl purged with CO2 at 2 atm, pH 6.6 and 80°C in turbulent flow conditions. The surfaces and cross sections of the samples were characterized by means of Scanning Electron Microscopy (SEM) and Energy-Dispersive X-ray (EDS) analysis. The results confirm the nucleation and growth of iron carbonate layer: the extension of supersaturation of the solution and the corrosion rate have decreased, and the corrosion potential has increased. The surface analysis showed dense and uniform FeCO3 layer with c.a. 20 µm thick after 120 hours in turbulent flow conditions. INTRODUÇAO A corrosao por dióxido de carbono (CO2) é atualmente uma das formas mais estudadas de corrosao na indústria de petróleo e gás. Isto se deve ao fato de que o petróleo bruto e o gás natural sao extraídos de poços que contêm diferentes tipos de impurezas, dentre elas o CO2. Este último, quando dissolvido em água do mar é altamente corrosivo para as tubulaçoes de aço carbono e os equipamentos utilizados no processo.1-3 A grande preocupaçao com a corrosao por CO2 na indústria de petróleo e gás esta nas falhas ocasionadas, pois estas podem comprometer a produçao de óleo/gás e causar acidentes de proporçao catastrófica. No Brasil, o pré-sal inspira novos desafios quando se trata da corrosao por CO2. A exploraçao em poços profundos traz consigo um percentual de CO2 de até 20% do total dos hidrocarbonetos, valor este muito superior ao encontrado nos campos do pós-sal.4 Além da sua presença natural na geologia local do campo produtor, o CO2 pode ser injetado como método de recuperaçao avançada na produçao de petróleo e gás em poços maduros,5 tanto no pré-sal quanto no pós-sal. Para superar o obstáculo das falhas por corrosao do aço baixo carbono, deve-se considerar o mecanismo de corrosao por CO2 nas condiçoes da água de formaçao do produto e também o efeito do seu fluxo durante o transporte, bem como o mecanismo de interaçao do produto com a parede interna do duto. Essa abordagem multidisciplinar para a corrosao por CO2, ou seja, o conhecimento da relaçao entre fluxo e corrosao por CO2, é uma necessidade emergente para a indústria do petróleo e, embora, existam muitas pesquisas correlatas,6-8 torna-se necessário buscar uma metodologia de pesquisa aplicada, que reúna os esforços da comunidade científica e contribua de forma significativa para o entendimento da corrosao por CO2 em condiçoes de fluxo. Existem inúmeros trabalhos publicados a respeito das particularidades da corrosao por CO2, bem como grupos de pesquisa específicos. Porém, o foco deste artigo será dado aos aspectos químicos de caracterizaçao da corrosao por CO2 em condiçoes de fluxo turbulento, descrevendo o mecanismo de formaçao e a caracterizaçao do seu principal produto de corrosao, a camada de carbonato de ferro (FeCO3). A corrosao por CO2 As pesquisas na área de corrosao por CO2 começaram nos finais dos anos 60 e no começo dos anos 70. Estudos mais aprofundados da corrosao com dióxido de carbono e o efeito de vários fatores sobre seu modelo e taxas de corrosao foram realizados a partir de 1980. Durante este período constatou-se que a corrosao dos aços em ambientes aquosos livres de oxigênio, contendo dióxido de carbono, é de caráter eletroquímico. Pesquisas subsequentes mostraram que o efeito do dióxido de carbono está associado com o aumento na quantidade de hidrogênio desenvolvido no cátodo, além da formaçao do filme de carbonato de ferro como produto de corrosao sobre a superfície do metal.9 Atualmente, sabe-se que a corrosao por CO2 é decorrente do fenômeno de hidrataçao do CO2 e consequente formaçao do ácido carbônico (H2CO3). Este ácido é extremamente agressivo à tubulaçao de aço baixo carbono, que experimenta a corrosao e pode formar uma camada de carbonato de ferro (FeCO3). Para avaliar o caráter protetivo da camada de carbonato de ferro que se estabelece sobre o substrato de aço carbono, deve-se considerar a presença do CO2 contido na água de formaçao do produto e também o efeito do tipo de regime do fluxo durante o transporte, ou seja, as condiçoes hidrodinâmicas do sistema. Dessa forma, como a corrosao é um fenômeno de superfície é importante caracterizar de forma adequada a superfície metálica depois de estabelecida a camada, considerando o regime de fluxo envolvido e as condiçoes de transporte de massa na fronteira fluido/superfície. Uma avaliaçao da camada de carbonato de ferro que considera o regime de fluxo de trabalho contribui para o desenvolvimento de novos processos e novas tecnologias na indústria do petróleo e gás, pois possibilita o monitoramento e controle dos problemas decorrentes de falhas associadas a corrosao por CO2 em regioes de fluxo.10,11 A corrosao por CO2 e a temperatura Estudos demonstram que a temperatura é um dos fatores mais importantes que afetam a corrosao do aço carbono em meios contendo CO2. A temperatura tem um impacto substancial sobre a solubilidade do CO2 na soluçao aquosa, e subsequentemente na ionizaçao do ácido carbônico, que por sua vez reduz o pH da soluçao. Além disso, a temperatura acelera as reaçoes eletroquímicas que ocorrem na superfície de aço, afetando significativamente a formaçao dos produtos de corrosao e contribuindo na determinaçao das suas propriedades tais como a densidade, a porosidade e a permeabilidade.12,13 A corrosao por CO2 e a pressao parcial A pressao parcial de CO2 é outro parâmetro importante na corrosao do aço carbono, pois está relacionada com outros parâmetros ambientais tais como pH da soluçao e a concentraçao de íons em soluçao, tendo efeito significativo sobre a precipitaçao e formaçao dos produtos de corrosao. Estudos demostram que existe uma tendência no aumento da taxa de corrosao com o incremento da pressao parcial de CO2.14-16 Com o aumento da pressao parcial de CO2, a concentraçao do H2CO3 aumenta e, consequentemente, ocorre a reduçao do pH da soluçao, acelerando as reaçoes catódicas e aumentando o processo corrosivo.17 O mecanismo de formaçao da camada de carbonato de ferro (FeCO3) A corrosao aquosa do aço carbono por CO2 é um processo eletroquímico complexo que envolve a dissoluçao anódica do aço e a evoluçao catódica do hidrogênio. O mecanismo envolve quatro etapas i) As reaçoes químicas no seio da soluçao:17 ii) Transferência de massa das espécies corrosivas para superfície do aço:17 iii) Reaçoes electroquímicas na superfície do aço:17 Reaçoes catódicas Reaçoes anódicas iv) Transporte dos produtos de corrosao para o seio da soluçao:17 A reaçao global é: Quando ocorre alta concentraçao de espécies químicas na soluçao, o limite de solubilidade do sal é excedido e ocorre a precipitaçao de uma camada de carbonato de ferro (FeCO3) na superfície do aço. O processo de precipitaçao envolve inicialmente uma nucleaçao heterogênea na superfície, seguida de uma nucleaçao homogênea no interior dos poros originados. A partir desta fase, tem-se o crescimento ordenado e cristalino da camada superficial que pode ser protetora, controlando e/ou reduzindo a taxa de corrosao do aço. Na corrosao por CO2, quando a concentraçao dos íons Fe2+ e CO32- excede o limite de solubilidade na soluçao aquosa, a soluçao apresenta-se instável, pois o potencial químico dos íons em soluçao é mais alto do que na fase sólida. Entao, para que a energia livre do sistema diminua deve haver a precipitaçao, a partir da qual estes íons formam um sólido, o carbonato de ferro (FeCO3), mantendo a concentraçao de equilíbrio da soluçao. Esta reduçao da energia livre de Gibbs é a força dirigente tanto para a nucleaçao como para o crescimento dos novos cristais. Este processo é representado pela equaçao: É necessária uma significativa quantidade de íons Fe2+ e CO32- na soluçao aquosa para haver a formaçao de carbonato de ferro. Esta quantidade pode ser estimada pela supersaturaçao do carbonato de ferro, SS(FeCO3). A supersaturaçao representa o estado de uma soluçao qualquer que contém mais material dissolvido do que poderia ser dissolvido pelo solvente em condiçoes normais. Neste caso, haverá formaçao de FeCO3(s) quando o produto das concentraçoes (ou mais rigorosamente das atividades) dos íons correspondentes ultrapassar o valor do produto de solubilidade, Kps, do precipitado a uma dada temperatura: A camada de carbonato de ferro pode reduzir o processo de corrosao por CO2 por alterar as condiçoes da superfície do aço e estabelecer uma barreira para as espécies envolvidas no processo de corrosao. A formaçao do filme é fortemente dependente da termodinâmica e da cinética de precipitaçao do FeCO3. A supersaturaçao é o principal fator para o crescimento do filme de FeCO3 e para a determinaçao de sua morfologia.2 A efetividade de sua proteçao depende basicamente da sua porosidade, pois ela pode alterar o balanço da taxa de precipitaçao. Para altas taxas de precipitaçao e baixas taxas de corrosao, uma densa e protetora camada de carbonato de ferro é obtida. Inversamente, para baixas taxas de precipitaçao e altas taxas de corrosao, tem-se uma camada porosa e nao protetora. Em alguns casos, outros sais podem ser detectados na camada superficial que se formou sobre o aço. Para a corrosao por CO2 em altas temperaturas, a magnetita (Fe3O4) pode ser detectada. Na presença de oxigênio tem-se o óxido férrico ou hematita (Fe2O3), que oferece pouca proteçao dentre os produtos de corrosao.2 Camadas comuns no campo petrolífero incluem ainda o carbonato de cálcio, sulfato de cálcio, sulfato de bário, etc. A presença de carbonato de cálcio, em particular, pode trazer um efeito benéfico, controlando a corrosao, pois contribui para a estabilidade da camada de carbonato de ferro, FeCO3. O mecanismo de acomodaçao dos cristais de carbonato de ferro (FeCO3) em condiçoes de fluxo turbulento O fluxo turbulento é caracterizado por flutuaçoes instantâneas de velocidade, contribuindo significativamente no transporte de massa. A formaçao da camada de carbonato de ferro (FeCO3) em condiçoes de fluxo turbulento é fortemente dependente dos fenômenos de transporte na superfície metálica e dos fatores hidrodinâmicos do meio. O regime de fluxo e tipo (monofásico ou multifásico) podem ter efeito substancial sobre a corrosao causada por CO2. Durante a produçao e o transporte de petróleo e gás, regimes de fluxos diferentes podem se desenvolver, o que pode facilitar ou limitar o processo de corrosao.18,19 Na maioria das operaçoes na indústria de petróleo e gás, o regime de fluxo é turbulento, por questoes econômicas. O fluxo turbulento totalmente desenvolvido consiste de um núcleo turbulento, onde a velocidade principal é essencialmente constante, e de uma camada limite na interface sólido-fluido. A maioria das mudanças nas características de tensao do fluido, turbulência, transferência de massa e interaçao do fluido com a parede ocorre na camada limite.20 A camada limite é a regiao adjacente à superficie, onde as moléculas do fluido em contato com a superfície metálica aderem a esta, provocando um efeito de frenagem sobre as demais camadas e originando um gradiente de velocidade. Consequentemente, a influência do fluxo no processo corrosivo é resultado de uma inter-relaçao complexa do momento hidrodinâmico perto da parede e da transferência de massa, nao necessariamente relacionados com ao fluxo no seio do fluido.20 Na regiao da camada limite de velocidade, designada como turbulenta, as espécies de Fe2+ e CO32- experimentam um movimento de rotaçao (microvórtices), que pode dificultar a formaçao da camada protetora de FeCO3. Na ausência de filmes, o efeito primário de fluxo na corrosao ése dá através da transferência de massa da espécie envolvida na reaçao de corrosao na superfície do metal.21 A superfície do aço que está promovendo a dissoluçao das espécies de Fe2+ pode apresentar, nesta fase, uma camada de cor cinza escuro constituída de carbeto de ferro, Fe3C. Esta camada nao representa um produto de corrosao, mas sim o "esqueleto" do aço e é parte da microestrutura original que permaneceu após o processo de dissoluçao preferencial da ferrita: Fe-α em Fe2+. A camada caracteriza-se como porosa e nao protetora, porém aumenta a área disponível para a reaçao catódica e pode servir como âncora para os cristais de carbonato de ferro, afetando sensivelmente o mecanismo de corrosao por CO2 em condiçoes de fluxo turbulento.
PARTE EXPERIMENTAL Aparato experimental Para simular a condiçao de fluxo turbulento, os experimentos foram conduzidos em um sistema dinâmico que consiste em uma célula de fluxo plana com secçao retangular (Thin Channel Flow Cell), projetada e desenvolvida pelo Institute for Corrosion and Multiphase Technology da Universidade de Ohio nos Estados Unidos (PCT/US2008/071131). Esta tecnologia possibilita a observaçao in situ do processo de corrosao em condiçoes de fluxo turbulento.5 O método é baseado na fluidodinâmica desenvolvida entre duas placas paralelas e elimina o efeito das forças centrífugas encontradas em regimes turbulentos nos tradicionais Eletrodos de Cilíndricos Rotatórios ou ECR's. A Figura 1 apresenta uma ilustraçao esquemática da parte mais importante da célula de fluxo aberta para a visualizaçao do posicionamento das amostras. As amostras sao inseridas na célula pelos canais inferiores, de tal forma que a superfície metálica de cada amostra de aço nivela-se com a base de aço inoxidável da célula de fluxo.
Figura 1. Representaçao esquemática da célula de fluxo plana, Thin Channel Flow Cell. Fonte: Institute for Corrosion and Multiphase Technology5
Quando fechada, a célula de fluxo apresenta um seçao retangular com 3 mm de altura e 100 mm de largura, por onde a soluçao aquosa pode circular. Soluçao aquosa A soluçao aquosa de trabalho foi preparada e controlada de forma a facilitar o estabelecimento da camada de carbonato de ferro (FeCO3) em condiçoes de fluxo turbulento. Um tanque reservatório de aço inoxidável foi abastecido com 151 L de soluçao aquosa deionizada contendo 1% em peso de NaCl (10000 ppm) e 0,45% em peso de NaHCO3 (4500 ppm), que foi desaerada pelo borbulhamento contínuo de CO2. O tanque foi aquecido até alcançar a temperatura de 80 °C, e entao a pressao total no interior do reservatório foi aumentada para 2 bar e o pH da soluçao foi ajustado em 6,6 pela adiçao de NaHCO3 ou HCl, conforme a necessidade no início do experimento, mantendo-se aproximadamente constante até o final. Para garantir a condiçao de supersaturaçao para a deposiçao da camada de FeCO3, foi adicionada uma pequena quantidade de FeCl2·4H2O diluída em 50 mL de água deionizada saturada com N2, nos primeiros minutos do experimento. Para esta soluçao eletrolítica, a condiçao de supersaturaçao inicial alcançou o valor de 346.10,11 Este valor pode ser verificado pela equaçao a seguir: em que: [CO32-]·= 4,75·10-5mol/L Kps(FeCO3) = 4,91·10-11 [Fe2+] = 3,58·10-4mol/L = 20 ppm = 7g do composto FeCl2·4H2O Os principais parâmetros experimentais empregados durante o monitoramento da corrosao e a formaçao da camada de carbonato de ferro, FeCO3, podem ser visualizados na Tabela 1.
Todos os reagentes utilizados no preparo da soluçao apresentavam grau de pureza analítica (>99%) e foram produzidos pela Fisher Scientific (EUA). Os gases, CO2 e N2, apresentavam grau de pureza 99.999% e foram fornecidos pela Air Gas Speciality (EUA). Durante o experimento, o pH da soluçao foi monitorado constantemente por um pHmetro portátil devidamente calibrado da marca Oakton, modelo pH 11, e a concentraçao de íons Fe2+ foi mensurada pela aplicaçao da técnica de espectrofotometria no ultravioleta visível em um espectrofotômetro da marca Genesys 10 vis, utilizando o reagente FerroVer produzido pela HACH Permachem Reagents Company World (EUA). Condiçoes fluidodinâmicas O fluxo da soluçao de trabalho foi mantido constante durante todo o experimento. A velocidade de escoamento livre foi ajustada para v = 3,5 m/s, que corresponde a um número de Reynolds igual a Re = 23000 e uma tensao de cisalhamento de τ = 42,91 Pa. Corpos-de-prova para avaliaçao por perda de massa Os corpos-de-prova em formato cilíndrico foram confeccionados em aço API X65, com diâmetro 31,80 mm e altura 6,30 mm. Para cada experimento realizado na célula de fluxo foram dispostos 3 corpos-de-prova. O processo de preparaçao destas amostras iniciou com jateamento e posterior aplicaçao do revestimento de Xylan 1014, de forma que apenas uma das faces circulares foi preparada com polimento. Ao final do processo de preparaçao todas as amostras foram pesadas em balança analítica da marca Mettler Toledo modelo MS204S (resoluçao 0,25 mg). Para a avaliaçao da corrosao destas amostras foi utilizada a técnica de perda de massa, de acordo com a norma ASTM G1-03.22 A caracterizaçao da superfície após o experimento foi realizada por Microscopia Eletrônica de Varredura e Espectroscopia de Energia Dispersiva, num microscópio da marca JEOL e modelo JSM-6390LV equipado com espectrômetro. Corpo-de-prova para avaliaçao eletroquímica O corpo-de-prova utilizado para o monitoramento eletroquímico foi produzido pela Metal Samples (EUA) e seu formato cilíndrico pode ser visualizado na Figura 2. Os anéis concêntricos foram isolados eletricamente por meio de resina epoxy nao-condutora e atuaram como eletrodos, através dos quais a corrente elétrica foi medida durante todo o experimento. O anel externo foi fabricado em aço inoxidável 316 e atuou como contraeletrodo. O anel intermediário foi fabricado em aço API X65 e atuou como eletrodo de trabalho, correspondendo a 0,95 cm2 de área exposta. Como eletrodo de referência foi utilizado um eletrodo de Ag/AgCl devidamente calibrado. Este corpo-de-prova foi lixado com lixa d'água de granulometria 600 e em seguida enxaguado com álcool isopropílico puríssimo antes de ser instalado na célula de fluxo.
Figura 2. Representaçao esquemática do corpo-de-prova utilizado para monitoramento eletroquímico
Parâmetros eletroquímicos As taxas de corrosao instantâneas foram medidas eletroquimicamente pela técnica de Resistência a Polarizaçao Linear (RPL), aplicada em sequência cíclica, a cada 2 horas.23 O eletrodo de trabalho foi polarizado em ±5 mV em relaçao ao potencial de circuito aberto. A velocidade de varredura foi de 0,125 mV/s e o coeficiente anódico de Tafel considerado foi 40 mV/dec, valores anteriormente empregados e discutidos em outros trabalhos.1,5 Todas as medidas eletroquímicas foram feitas por meio de um Potenciostato/Galvanostato/ZRA da marca Gamry PCI4/300.
RESULTADOS E DISCUSSAO O potencial de corrosao e a taxa de corrosao do aço API 5L X65 foram monitorados durante 120 horas de exposiçao e os resultados podem ser visualizados na Figura 3. A condiçao inicial de alta concentraçao de íons Fe2+ provocada pela adiçao de FeCl2·4H2O possibilitou a rápida supersaturaçao do carbonato de ferro na soluçao aquosa e iniciou o processo de precipitaçao dos cristais sobre a superfície dos corpos-de-prova.
Figura 3. Variaçao da taxa de corrosao e do potencial de corrosao, durante a formaçao da camada de carbonato de ferro sobre a superficie do aço API X65 em soluçao aquosa de 1% em peso de NaCl, 80 °C e pH 6,6, sendo o regime de fluxo turbulento com velocidade 3,5 m/s
Nas primeiras, aproximadamente, 10 horas de exposiçao, a taxa de corrosao experimentada pelo aço manteve-se em torno de 4,0 mm/ano e depois começou a diminuir até se tornar praticamente nula após 60 horas de exposiçao. Dessa forma, duas etapas podem ser claramente identificadas na curva apresentada na Figura 3: a primeira metade do tempo representa a nucleaçao e crescimento do FeCO3 e a segunda metade é caracterizada pela passivaçao da superfície. Ao final das 120 horas, as amostras de aço API X65 foram removidas da célula de fluxo plana e apresentavam uma camada superficial uniforme de coloraçao cinza escuro para preto, conforme mostra a Figura 4.
Figura 4. Fotos da superfície dos corpos-de-prova de aço API X65 logo após serem removidos do aparato experimental. Ambas as amostras apresentaram uma camada protetora: a) no anel concêntrico intermediário do corpo-de-prova eletroquímico e b) no topo da amostra cilíndrica
Esta camada uniforme que nucleou e cresceu sobre a superfície do aço é responsável pelo controle da corrosao do aço API 5L X65 em condiçoes de fluxo turbulento, de acordo com o gráfico apresentado anteriormente. Os resultados obtidos por energia dispersiva para o topo da superfície confirmaram a presença dos elementos ferro, carbono e oxigênio, que compoem a camada protetora de FeCO3. A Figura 5 (a) apresenta o aspecto dos cristais de FeCO3 na superfície do aço API X65 após 108 h de exposiçao a uma soluçao aquosa de 1% NaCl saturada de CO2 em regime de fluxo turbulento. A imagem da secçao transversal da amostra, exibida na Figura 5 (b), revela uma camada densa que reproduz as irregularidades superficiais do substrato. A espessura desta camada pode ser estimada pela imagem apresentada na Figura 5 (c), aproximadamente 20 µm. A trinca que aparece na camada é decorrente do processo de preparaçao da amostra para a análise. Os elementos presentes na camada foram: carbono, oxigênio, ferro e paládio, conforme mostra a Figura 5 (d). Este elementos foram identificados por energia dispersiva, sendo que o elemento paládio está presente devido ao processo de recobrimento necessário para a metalizaçao da superfície e respectivo contato metálico.
Figura 5. Superfície do aço API X65 após 108 h de exposiçao a uma soluçao aquosa de 1% NaCl saturada de CO2 em regime de fluxo turbulento, velocidade de 3,5 m/s, temperatura de 80 °C, pressao total de 2 bar e pH 6,6. (a) Topo da superfície, (b) e (c) secçao transversal via microscopia eletrônica de varredura e (d) composiçao química via espectroscopia de energia dispersiva
A Tabela 2 mostra que as razoes atômicas entre ferro, carbono e oxigênio obedecem a estequiometria do composto FeCO3, sugerindo a sua composiçao na superfície do aço ao final do experimento.5
A avaliaçao da perda de massa dos corpos-de-prova revelou para as 108 h de exposiçao, uma taxa de corrosao de 1,237 mm/ano, o que corresponde a uma perda de espessura de 15,2 µm. Considerando que a camada de FeCO3 apresenta uma espessura de aproximadamente 20 µm, pode-se afirmar que a dissoluçao do aço, evidenciada pela perda de espessura do substrato durante o processo de corrosao, foi substituída pela acomodaçao dos cristais de carbonato de ferro e o estabelecimento da camada protetora. A Figura 6 apresenta a imagem do topo da superfície do corpo-de-prova de aço API X65 após a decapagem ácida provocada pelo processo de avaliaçao da perda de massa dos corpos-de-prova (ASTM G1-03).22
Figura 6. Superfície do aço API X65 após decapagem ácida provocada pelo processo de avaliaçao da perda de massa (ASTM G1-03)22
A Figura 7 (a) apresenta o resultado da análise por energia dispersiva da superfície da amostra após os ensaios de corrosao. Esta figura confirma a presença maioritária dos elementos ferro e carbono, ou seja, o substrato original de aço. Nao há resíduos da camada de FeCO3. A Figura 7 (b) apresenta a morfologia da superfície sem os produtos de corrosao.
Figura 7. Análises complementares da superfície do aço API X65 após decapagem ácida provocada pelo processo de avaliaçao da perda de massa: (a) composiçao química via espectroscopia de energia dispersiva e (b) morfologia via microscopia eletrônica de varredura
A completa remoçao da camada protetora de FeCO3 revela uma superfície livre de ataque localizado, evidenciando o mecanismo de proteçao por barreira proporcionado pela camada. Nas condiçoes aqui apresentadas, o carbonato de ferro atua como uma barreira à transferência de massa e minimiza a dissoluçao anódica do ferro, evitando a evoluçao do processo corrosivo.
CONCLUSAO A avaliaçao e monitoramento da corrosao por CO2 utilizando a tecnologia descrita neste trabalho possibilitou uma validaçao dos resultados obtidos para a taxa de corrosao do aço API X65 exposto a uma soluçao aquosa de 1% NaCl saturada de CO2 em regime de fluxo turbulento, velocidade de 3,5 m/s, temperatura de 80 °C, pressao total de 2 bar e pH 6,6. A deposiçao dos cristais de FeCO3 e a consequente formaçao da camada protetora foi confirmada por microscopia eletrônica de varredura e espectroscopia de energia dispersiva. O controle da taxa de corrosao após 60 horas de exposiçao em regime de fluxo turbulento está diretamente relacionado ao estabelecimento da camada protetora de FeCO3. A metodologia experimental, aqui apresentada com maior detalhamento, pode possibilitar a reprodutibilidade dos experimentos que utilizam uma célula de fluxo para a avaliaçao da corrosao por CO2 em condiçoes de fluxo turbulento, de tal forma que os resultados apresentados proporcionam um melhor entendimento deste fenômeno da corrosao e impulsionam o desenvolvimento tecnológico no processo de extraçao do petróleo nos campos do pré-sal brasileiro.
AGRADECIMENTOS Os autores sao gratos ao Programa de Pesquisa Pós-Doutoral no Exterior da Capes (Processo BEX 10870/13-0) pela bolsa de estudos concedida e também ao Institute for Corrosion and Multiphase Technology, Ohio University pela infraestrutura disponibilizada para a realizaçao desta pesquisa, especialmente ao Dr. Srdjan Nesic pela acolhida e apoio.
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