|
Filmes biodegradáveis de amido de mandioca, pululana e celulose bacteriana Biodegradable films of cassava starch, pullulan and bacterial cellulose |
Ana Claudia SueiroI; Paula C. S. Faria-TischerII; Audrey A. S. G. LonniIII; Suzana MaliI,*
IDepartamento de Bioquímica e Biotecnologia, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, 86051-970 Londrina - PR, Brasil Recebido em 11/02/2016 *e-mail: smali@uel.br The largest consumption of plastics in the world is referred to the synthetic polymers, which are not biodegradable and have a non-renewable source, generating a large environmental impact, especially in urban centers. As a result, in the last two decades several polymers obtained from renewable sources (biopolymers) have been studied as potential raw materials for the production of new biodegradable materials with different applications. The objectives of this study were to produce biodegradable films based on cassava starch, pullulan and bacterial cellulose, and also to characterize these films according to their microstructure, barrier, thermal and mechanical properties. The addition of bacterial cellulose and pullulan to the starch films resulted in films with more homogeneous surfaces, and also decreased solubility and water vapor permeability, and increased elongation and thermal stability. INTRODUÇAO O mercado mundial de materiais biodegradáveis vem se desenvolvendo em grandes proporçoes. Em tempos de economia sustentável, a criaçao de produtos capazes de substituir os polímeros derivados de petróleo, que apresentem propriedades mecânicas, ópticas, térmicas e de barreira semelhantes às dos plásticos tradicionais, sendo ao mesmo tempo biodegradáveis e, de fonte renovável, tem sido um grande desafio científico.1 Uma das frentes de pesquisa de materiais biodegradáveis se concentra na obtençao de materiais biodegradáveis de amido, que é considerado um polímero muito promissor para aplicaçao em embalagens biodegradáveis devido ao seu baixo custo e abundância. A produçao, caracterizaçao e aplicaçao de embalagens à base de amido de mandioca têm sido bastante estudadas, com resultados muito positivos para aplicaçoes variadas.2-4 Apesar das conveniências apresentadas, a utilizaçao do amido como única matéria-prima para a confecçao de embalagens apresenta algumas desvantagens, como: a baixa resistência à umidade e a variaçao das propriedades mecânicas sob diferentes condiçoes de umidade de armazenamento. No intuito de superar as deficiências dos materiais à base de amido, a sua mistura com outros biopolímeros tem-se mostrado uma alternativa viável.5,6 Os hidrocoloides representam uma nova fronteira a ser explorada na busca por materiais biodegradáveis de alta eficiência. Dentre estes hidrocoloides está a pululana, uma α-glucana de origem fúngica, produzida pelo microrganismo Aureobasidium pullulan e constituída de subunidades repetitivas de maltotriose e um pequeno número de unidades de maltotetraoses, unidas por ligaçoes α (1→6), e que se apresenta como um material compatível em misturas com o amido.6,7 A pululana é facilmente solúvel em água, produz pastas e filmes incolores, inodoros e atóxicos.7 Estudos realizados com a pululana mostraram que esse biopolímero pode ser utilizado como veículo para compostos bioativos, filmes comestíveis, embalagens para alimentos e produtos farmacêuticos.8,9 Apesar de suas muitas vantagens, seu custo elevado tem limitado sua ampla aplicaçao industrial.6,10 Muitos pesquisadores vêm tentando superar o elevado custo com a utilizaçao de misturas com outros polissacarídeos, tais como, alginato, quitosana, derivados de celulose e amido.8,11,12 Outro biopolímero que tem sido muito estudado é a celulose bacteriana. A celulose bacteriana é produzida pela bactéria Gluconacetobacter xylinus, e possui propriedades peculiares que a diferenciam consideravelmente da celulose de origem vegetal. A celulose bacteriana é obtida pura, ou seja, livre de lignina e hemiceluloses, tem caráter hidrofílico e possui cristalinidade superior à da maioria das outras fontes deste biopolímero. Essas propriedades aliadas à sua estrutura tridimensional nanométrica conferem-lhe um amplo potencial de aplicaçao.12-15 A mistura do amido, um biopolímero de baixo custo e elevada disponibilidade, com outros compostos naturais ou sintéticos de maior custo, em particular polissacarídeos microbianos como a pululana e a celulose bacteriana, tem sido de grande interesse para pesquisadores. A mistura de compostos em alguns casos pode resultar em materiais com propriedades superiores quando comparadas às propriedades de cada componente polimérico individualmente. Kim et al.6 estudaram a mistura de amido e pululana para a produçao de filmes biodegradáveis, demonstrando que os filmes de amido se tornaram menos quebradiços com a presença da pululana na mistura. Trovatti et al.13 estudaram a incorporaçao de celulose bacteriana em filmes de pululana praparados por casting e observaram um aumento da estabilidade térmica dos filmes. Martins et al.16 e Almeida et al.17 estudaram a incorporaçao de celulose bacteriana a filmes de amido de milho e batata, respectivamente, e observaram um elevado potencial de aplicaçao para estes materiais, tanto na área de alimentos como na indústria farmacêutica. Nao há relatos na literatura sobre o estudo da mistura ternária de amido, pululana e celulose bacteriana. Diante disto, os objetivos do presente trabalho foram produzir filmes biodegradáveis à base de amido de mandioca, pululana e celulose bacteriana, e caracterizá-los quanto à sua microestrutura, propriedades mecânicas, térmicas e de barreira.
PARTE EXPERIMENTAL Materiais A goma pululana (massa molar = 200.000 Da) usada foi produzida pela Hayashibara (Okayama - Japao) e foi gentilmente cedida pelo Ingredion Brasil LTDA (Mogi-Guaçu - SP), o glicerol foi obtido da Synth (Sao Paulo - SP) e o amido de mandioca foi adquirido da Indemil Ltda (Paranavaí - PR). Para a produçao da celulose foi utilizado o microrganismo Gluconoacetobacter xylinum cultivado em meio Hestrin e Schramm modificado.18 A fermentaçao ocorreu por 10 d; a celulose foi formada como um filme na superfície do meio de cultivo, foi pinçada do meio e retirada, sendo posteriormente lavada com água destilada e tratada com soluçao de NaOH 0,1 mol L-1 por 24 h. Após intensa lavagem com água até atingir pH próximo à neutralidade, a celulose foi triturada em liquidificador até obtençao de um gel, e desta forma empregada na produçao dos filmes. Para o cálculo da massa de gel a ser adicionada às formulaçoes dos filmes foi realizada a determinaçao do teor de umidade do gel através de secagem em estufa a 105 °C até peso constante. Produçao dos filmes Os filmes foram produzidos por casting e os teores de amido, pululana e celulose bacteriana foram determinados em ensaios preliminares e estao descritos na Tabela 1. Foram preparados 500 mL de soluçao filmogênica na concentraçao de 3% (m/v), com a adiçao de 0,20 g de glicerol/ g de biopolímero como plastificante. O amido, pululana, celulose bacteriana (Tabela 1) e o glicerol foram homogeneizados em béquer de vidro com auxílio de água destilada fervente e bastao de vidro. A soluçao foi levada para banho-maria a 95 °C ± 5 °C, com agitaçao manual constante por 15 min. Após o preparo, a soluçao foi sonicada por 10 min sob temperatura ambiente para retirada de bolhas de ar. As soluçoes filmogênicas foram vertidas em placas de acrílico (0,35 g de soluçao filmogênica/cm2), que foram secadas em estufa com circulaçao e renovaçao de ar a 30 °C / 24 h para obtençao dos filmes. Após secagem, os filmes foram retirados das placas e condicionados sob umidade relativa (UR) de 58% em estufa incubadora tipo B.O.D. contendo soluçao saturada de brometo de sódio a 25 °C.
Caracterizaçao dos filmes Espessura A espessura dos filmes foi determinada utilizando um micrômetro manual Mitutoyo (Sao Paulo - Brasil) com resoluçao de 1 µm. Foram realizadas mediçoes em três pontos distintos de cada corpo de prova, e a espessura foi tomada como a média aritmética das mediçoes em seis corpos de prova de cada formulaçao de filme. Microscopia de força atômica (AFM) A análise por microscopia de força atômica foi realizada em microscópio de Força Atômica NanoSurf FlexAFM (Liestal-Suíça). As análises foram conduzidas em ar e as imagens obtidas em modo contato intermitente, utilizando agulhas de silício (Tap150AI-G). A varredura foi feita na frequência de oscilaçao livre da haste e com diferentes amplitudes, dependendo da estabilidade e do contraste obtido. O set point foi fixado em 30-50% da amplitude de oscilaçao livre. A imagem da topografia foi analisada usando o programa Gwyddion 2.19 para obtençao dos parâmetros de altura média dos picos e rugosidade. Foram utilizados os valores de rugosidade quadrática média (RMS), definida como o desvio padrao dos valores de elevaçao z, dentro da área determinada. Calorimetria exploratória diferencial (DSC) As análises de calorimetria exploratória diferencial (DSC) foram realizadas em um calorímetro Shimadzu DSC 60. As amostras foram secadas em estufa com circulaçao de ar (Marconi, Brasil) a 40 °C por 12 h e mantidas em dessecador com CaCl2 por 7 d. Cerca de 3,0 mg de amostra foram colocados em recipientes de platina hermeticamente fechados, que foram aquecidos de 30 °C a 350 °C, com taxa de aquecimento de 5 °C min-1, em corrida dupla, sempre após resfriamento com nitrogênio líquido, em atmosfera inerte (50 mL min-1 de N2). Análise termogravimétrica (TGA) A análise termogravimétrica foi realizada em um analisador (TGA 50-Shimadzu), em uma atmosfera de nitrogênio (50 mL min-1). As amostras foram aquecidas de 0 a 600 °C, com taxa de aquecimento de 10 °C min-1. A partir das curvas de porcentagem de massa em funçao da temperatura foram calculados os parâmetros de Tmax (temperatura de degradaçao na taxa de perda máxima) e T90 (temperatura em que a amostra mantém 90% da sua massa residual). Espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FT-IR) As amostras foram secadas em estufa com circulaçao e renovaçao de ar (Marconi, Brasil) a 40 °C por 12 h. Em seguida foram pulverizadas e mantidas em dessecador contendo CaCl2 por 7 d. Após esse período, as amostras foram adicionadas de KBr (brometo de potássio) e submetidas à alta pressao para a produçao de pastilhas. Realizaram-se os espectros de FT-IR em espectrofotômetro de infravermelho com transformada de Fourier (FT-IR) Shimadzu IR Prestige - 21 (Japao). As análises foram realizadas na regiao do infravermelho médio com transformada de Fourier abrangendo a faixa espectral de 4000 a 400 cm-1, com resoluçao de 4 cm-1 e 100 varreduras de cada amostra. Propriedades mecânicas As propriedades mecânicas foram analisadas através da utilizaçao de um texturômetro da marca Brookfield modelo CT3 (Estados Unidos).19 Corpos de prova (100 mm x 25 mm) foram condicionados sob umidade relativa (UR) de 58% por 48 h a 25 °C. Foram analisados 7 corpos de prova de cada amostra, que foram ajustados às garras de traçao do equipamento a uma distância inicial de 50 mm e tracionadas com uma velocidade de 0,8 mm s-1. As propriedades determinadas foram resistência máxima à traçao na ruptura (MPa) e elongaçao (%). Solubilidade em água As amostras (3 cm x 3 cm) foram secadas em estufa com circulaçao e renovaçao de ar a 60 °C por 24 h e pesadas (peso inicial em base seca). Foram entao mergulhadas em erlenmeyers de 250 mL contendo 80 mL de água destilada, fechados com folha de alumínio e agitados lentamente por 24 h a 25 °C em incubadora orbital. Após este período, as amostras foram removidas e secadas em estufa com circulaçao e renovaçao de ar (60 °C por 24 h) para determinar a massa do material que nao foi solubilizado (peso final). A solubilidade foi expressa pela porcentagem de material seco solubilizado.20 As análises foram realizadas em triplicata. Permeabilidade ao vapor de água A permeabilidade ao vapor de água foi determinada pelo método gravimétrico sob temperatura de 25 °C.21 Corpos de prova de cada amostra foram fixados na abertura circular (diâmetro de 60 mm) da cápsula de permeabilidade, com o emprego de graxa de silicone, para garantir que a migraçao de umidade ocorresse exclusivamente através do revestimento. Os ensaios foram feitos no gradiente (Δ) de umidade relativa (UR): (Δ = 0-75% UR) - com a cápsula de permeabilidade preenchida com cloreto de cálcio anidro (0% UR) e o dessecador contendo soluçao saturada de cloreto de sódio (75% UR). As cápsulas foram pesadas após 4 h de estabilizaçao do sistema, com posteriores pesagens a cada 1 h por um período total de 24 h. O ganho de massa de cada cápsula foi plotado em funçao do tempo, e a taxa de permeabilidade ao vapor de água (TPermA) calculada como o coeficiente angular da reta obtida. A permeabilidade foi calculada de acordo com a equaçao (1): em que PermA é a permeabilidade ao vapor de água (g m-1 s-1 Pa-1), a TPermA é a taxa de permeabilidade ao vapor de água (g/m2s), e é a espessura do filme, Ps é a pressao de saturaçao do vapor de água sob 25 °C, URd e URc sao as umidades relativas no dessecador e na cápsula, respectivamente. As análises foram realizadas em triplicata. Análise estatística A análise estatística dos resultados obtidos foi realizada utilizando o programa computacional Statistica versao 7 (Statsoft, Oklahoma, EUA). Foi realizado teste de Tukey (nível de significância de 5%) para comparaçao das médias.
RESULTADOS E DISCUSSAO CARACTERIZAÇAO DOS FILMES Foram obtidos filmes com boa aparência, facilmente removíveis das placas, sem a presença de bolhas ou rachaduras, indicativo de que a concentraçao de sólidos na soluçao filmogênica (3% m/v) empregada para a produçao dos filmes foi adequada. É importante ressaltar que filmes preparados com a goma pululana pura sao preparados com concentraçoes de sólidos bem maiores, entre 10 e 15% (m/v),6,7 e que filmes de amido de mandioca sao preparados com concentraçoes entre 2 e 3% (m/v).2,3,22 De acordo com Kim et al.,6 pastas de goma pululana em concentraçoes de 20% (m/v) apresentam viscosidade a 95 °C similar às pastas de amido 5% (m/v), na mesma temperatura. Portanto, a mistura de amido e pululana é vantajosa nao apenas pelo menor custo do amido, mas porque quando estes dois biopolímeros sao empregados em mistura, pode-se empregar uma quantidade muito menor de pululana para a produçao dos filmes. Microscopia de força atômica (AFM) Na Figura 1 estao apresentadas as imagens topográficas obtidas por AFM da superfície dos filmes produzidos e seus respectivos perfis de altura. Pode-se observar que há alteraçao da superfície dos filmes em funçao das quantidades de pululana ou celulose bacteriana adicionadas. A adiçao de 25% de pululana à matriz de amido (amostra AM-P25, Figura 1B) aumentou a rugosidade do filme e, de maneira distinta, quando adicionaram-se 50% de pululana ao amido (amostra AM-P50, Figura 1C) foi obtida uma superfície mais regular, homogênea e com baixa rugosidade.
Figura 1. Imagens topográficas tridimensionais obtidas por AFM dos filmes produzidos (A) AM (filmes com 100% de amido), (B) AM-P25 (filmes com 75% de amido e 25% de pululana), (C) AM-P50 (filmes com 50% de amido e 50% de pululana), (D) AM-P25-CB1 (filmes com 74% de amido, 25% de pululana e 1% de celulose bacteriana), (E) AM-P50-CB1 (filmes com 49% de amido, 50% de pululana e 1% de celulose bacteriana)
A adiçao de celulose bacteriana resultou em efeitos distintos nas diferentes formulaçoes dos filmes; quando se adicionou 1% de celulose bacteriana à matriz polimérica de amido (74%) e pululana (25%) (amostra AM-P25-CB1, Figura 1D), a celulose bacteriana foi capaz de reduzir a rugosidade do filme quando este foi comparado com a amostra AM-P25 (Figura 1B). No entanto, quando se adicionou 1% de celulose bacteriana ao filme produzido com 49% de amido e 50% de pululana (amostra AM-P50-CB1, Figura 1E), observou-se um aumento da rugosidade do filme formado (Figura 1E) em comparaçao à amostra sem celulose. Neste filme (AM-P50-CB1), o perfil de altura e a rugosidade sao representativos somente da regiao demarcada com o círculo. Esses resultados sugerem interaçao entre os biopolímeros, uma vez que a substituiçao do amido por pululana ou celulose bacteriana originou filmes com diferentes superfícies e rugosidades, sendo que os filmes ficaram mais homogêneos nas blendas que no filme de amido puro. Calorimetria exploratória diferencial (DSC) Na Figura 2 estao apresentadas as curvas de DSC da segunda varredura dos filmes produzidos neste trabalho. No filme preparado apenas com amido e glicerol foram observados picos endotérmicos em 170, 211 e 293 °C, possivelmente relacionados à fusao da fraçao cristalina dos filmes (Figura 2). Durante o preparo dos filmes foram empregadas temperaturas superiores à temperatura de gelatinizaçao do amido de mandioca, que sofreu gelatinizaçao e ruptura da sua estrutura granular semicristalina nativa. No entanto, de acordo com Chang, Cheah e Seow,22 os picos endotérmicos observados em filmes de amido ocorrem em decorrência da recristalizaçao da amilose e/ou em menor extensao das fraçoes lineares da amilopectina durante a secagem dos filmes. Estes autores também observaram picos endotérmicos para filmes de amido de mandioca em temperaturas próximas às observadas neste trabalho, em 160-180 °C, 193-206 °C e 221-241 °C. De acordo com Bergo, Sobral e Prison,23 picos endotérmicos próximos de 200 °C podem estar relacionados à degradaçao térmica do amido, e estes picos sao deslocados para temperaturas acima dos 200 °C na presença do glicerol, como é o caso dos filmes estudados neste trabalho.
Figura 2. Curvas de DSC para as diferentes formulaçoes de filmes. AM (filmes com 100% de amido), AM-P25 (filmes com 75% de amido e 25% de pululana), AM-P50 (filmes com 50% de amido e 50% de pululana), AM-P25-CB1 (filmes com 74% de amido, 25% de pululana e 1% de celulose bacteriana), AM-P50-CB1 (filmes com 49% de amido, 50% de pululana e 1% de celulose bacteriana)
As amostras adicionadas de pululana (Figura 2), com ou sem a presença de celulose bacteriana, apresentaram dois picos endotérmicos nas faixas de temperatura 145-162 °C e 171-186 °C. Alguns autores24,25 relatam que a temperatura de fusao da pululana pura, de mesma massa molar e fabricante que a pululana empregada neste trabalho, está entre 95 e 115 °C, temperatura menor que as observadas para os filmes, indicando que a mistura da pululana com outros biopolímeros e com o glicerol aumentou a sua temperatura de fusao, o que pode ser um indicativo da interaçao entre os componentes do filme. Análise termogravimétrica (TGA) As curvas de TGA das amostras estao apresentadas na Figura 3 e os parâmetros de Tmax (temperatura de degradaçao na taxa de perda máxima) e T90 (temperatura onde a amostra mantém 90% da sua massa residual) obtidos a partir destas curvas estao apresentados na Tabela 2.
Figura 3. Curvas de TGA dos filmes. AM (filmes com 100% de amido), AM-P25 (filmes com 75% de amido e 25% de pululana), AM-P50 (filmes com 50% de amido e 50% de pululana), AM-P25-CB1 (filmes com 74% de amido, 25% de pululana e 1% de celulose bacteriana), AM-P50-CB1 (filmes com 49% de amido, 50% de pululana e 1% de celulose bacteriana)
Todas as amostras apresentaram picos de Tmax entre 336 e 339 °C e as amostras AM-P50 e AM-P25-CB1 apresentaram um segundo pico em 304 e 306 °C, respectivamente (Tabela 2). Foi relatado por outros autores que a Tmax de filmes de pululana puros é de 299 °C,12 enquanto que a Tmax de filmes de amido se localiza entre 250 e 350 °C.26 Pode-se perceber que os valores de Tmax observados para os filmes de amido estao muito próximos dos valores relatados para os filmes de pululana, e também dos valores encontrados neste trabalho. Pode-se observar que os valores de T90 de todas as amostras de filmes que possuem a mistura de amido e pululana foram mais elevados que o valor obtido para amostra com apenas amido (Tabela 2), e que a adiçao da celulose bacteriana também causou um incremento da T90 nas amostras, indicativo de que a adiçao de pululana e celulose bacteriana aumentou a estabilidade térmica dos filmes de amido, sugerindo boa compatibilidade entre os biopolímeros na formaçao da matriz polimérica.26 Martins et al.16 também relataram aumento da estabilidade térmica em flmes de amido com a adiçao de celulose bacteriana, e atribuiram este aumento à elevada estabilidade térmica da celulose, e ainda, à excelente compatibilidade entre amido e celulose. Espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FT-IR) Na Figura 4 estao apresentados os espectros de FT-IR dos filmes produzidos neste trabalho. A banda centrada em 3450 cm-1, observada em todas as amostras, pode ser atribuída ao estiramento das ligaçoes O-H,4,5 relacionado às ligaçoes de hidrogênio estabelecidas entre os componentes dos filmes. Pode-se observar (Figura 4) que todas as amostras adicionadas de pululana e celulose bacteriana apresentaram um aumento na intensidade desta banda quando comparadas ao filme produzido apenas com amido (AM), indicativo das interaçoes ocorridas entre os polímeros.
Figura 4. Espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FT-IR) dos filmes produzidos. (a) AM (filmes com 100% de amido), (b) AM-P25 (filmes com 75% de amido e 25% de pululana), (c) AM-P50 (filmes com 50% de amido e 50% de pululana), (d) AM-P25-CB1 (filmes com 74% de amido, 25% de pululana e 1% de celulose bacteriana), (e) AM-P50-CB1 (filmes com 49% de amido, 50% de pululana e 1% de celulose bacteriana)
A banda situada entre 2900 e 2850 cm-1 se refere às ligaçoes C-H4 e também está presente em todas as amostras. As bandas na regiao entre 1200 e 900 cm-1 está associada às ligaçoes C-O, C-C e vibraçoes C-O-H.27 Todas as formulaçoes apresentaram bandas em torno de 1654-1645 cm-1 que estao associadas à flexao angular do O-H nas moléculas de água,4 indicando a formaçao de interaçao da água com os componentes das formulaçoes (amido, pululana celulose bacteriana e glicerol). Todas os filmes, exceto o AM (produzido exclusivamente com amido), apresentaram banda característica em 932 cm-1, atribuída à presença de ligaçoes glicosídicas do tipo α (1→6), presentes na molécula de pululana.24 Todos os componentes dos filmes obtidos sao polissacarídeos de glicose, e o que diferencia estes polímeros sao os tipos de ligaçoes glicosídicas envolvidas para a formaçao das cadeias do polímero, portanto, os espectros obtidos sao bastante semelhantes entre si (Figura 4), mas comparando-se os espectros, podem ser observadas pequenas diferenças na forma e intensidade de algumas bandas, e isso se deve às interaçoes presentes nas misturas. Propriedades mecânicas As propriedades mecânicas das amostras estao apresentadas na Tabela 3, e pode-se observar que a resistência mecânica das amostras contendo amido, pululana e celulose bacteriana diminuiu significativamente quando comparada à dos filmes de amido puro (AM), no entanto, houve um aumento significativo da elongaçao das amostras com a adiçao de pululana e celulose bacteriana, sendo que os filmes mais flexíveis foram os obtidos com a mistura dos três biopolímeros (Tabela 3).
De forma geral, filmes de amido sao quebradiços e apresentam baixa elongaçao, o que pode ser atribuído principalmente às interaçoes do tipo ligaçoes de hidrogênio estabelecidas entre as cadeias do polímero.3,4 Neste trabalho, a adiçao de pululana e celulose bacteriana possivelmente diminuiram as interaçoes entre as cadeias de amido, deixando os filmes mais flexíveis. Kim et al.6 também observaram que a adiçao de pululana em filmes de amido aumenta a elongaçao dos mesmos, e sugerem que a adiçao de pululana desfavorece as interaçoes amido-amido, resultando em filmes mais flexíveis. Solubilidade em água e permeabilidade ao vapor de água Os resultados da solubilidade em água e permeabilidade ao vapor estao expressos na Tabela 4, e a solubilidade e a permeabilidade nao foram significativamente afetadas com a adiçao de pululana às amostras (AM-P25 e AMP50). Apenas os filmes preparados com a adiçao de pululana (50%) e celulose bacteriana (AM-P25-CB1 e AM-P50-CB1) apresentaram valores significativamente menores de solubilidade, e a permeabilidade ao vapor de água foi significativamente menor apenas no filme AM-P50-CB1 (Tabela 4).
A celulose bacteriana possui a mesma fórmula química que a celulose vegetal, mas suas fibras em dimensoes nanométricas dao a este biopolímero propriedades especiais, como alta resistência mecânica e a possibilidade de inserçoes de materiais para obtençao de compósitos.28 Martins et al.16 relatam que a adiçao de celulose bacteriana (1 a 5%) a matrizes poliméricas de amido de milho resulta em materiais menos solúveis em água. Almeida et al.17 observaram decréscimo da solubilidade em filmes de amido de batata adicionado de celulose bacteriana. É possível que as dimensoes nanométricas das fibras de celulose bacteriana favoreçam as suas interaçoes com a matriz polimérica hidrofílica de amido e pululana, diminuindo assim a solubilidade e a permeabilidade ao vapor de água destes materiais.
CONCLUSAO Foram produzidos filmes de amido de mandioca com a adiçao de pululana e celulose bacteriana, que apresentaram boa aparência e homogeneidade. A adiçao de pululana e celulose bacteriana aumentou a estabilidade térmica dos filmes de amido e alterou a sua morfologia superficial. Os filmes das blendas ficaram mais homogêneos que o filme de amido puro, o que se refletiu também nas propriedades mecânicas: as amostras contendo pululana e celulose bacteriana se mostraram mais flexíveis. A adiçao de pululana (50%) e celulose bacteriana (1%) diminuiu a solubilidade e a permabilidade ao vapor de água dos filmes produzidos. Os filmes desenvolvidos neste trabalho foram produzidos com duas matérias-primas nobres e de elevado custo (pululana e celulose bacteriana) com o amido de mandioca, biopolímero de baixo custo e elevada disponibilidade. Além de melhores propriedades obtidas nas blendas dos três polímeros, a presença do amido favoreceu a formaçao de filmes com menor teor de sólidos na soluçao filmogênica e menor custo. Os resultados obtidos podem direcionar os filmes para a área farmacêutica, em especial como matriz polimérica para liberaçao controlada de fármacos em medicamentos, ou para incorporaçao de ativos para uso em cosméticos.
AGRADECIMENTOS Ao CNPq (auxílio financeiro), à Fundaçao Araucária pela Bolsa de IC e ao Laboratório de Espectroscopia (ESPEC) da Central Multiusuária de Laboratórios de Pesquisa da UEL pelas análises de microscopia de força atômica (AFM).
REFERENCIAS 1. Aider, M.; Food Sci. Technol. 2010, 43, 837. 2. Mali, S.; Grossmann, M. V. E.; García, M. A.; Martino, M. M.; Zaritzky, N. E.; J. Food Eng. 2006, 55, 453. 3. Mali, S.; Sakanaka, L.; Yamashita, F.; Grossmann, M. V. E.; Carbohydr. Polym. 2005, 60, 283. 4. Seligra, P. G.; Jaramillo, C. M.; Famá, L.; Goyanes, S.; Carbohydr. Polym. 2016, 138, 66. 5. Melo, C. P. B.; Grossmann, M. V. E.; Yamashita, F.; Youssef, E. Y.; Dall'Antônia, L. H.; Mali, S.; J. Polym. Environ. 2011, 19, 739. 6. Kim, J.; Choi, Y.; Kim, S. R. B.; Lim, S.; Food Hydrocolloid. 2014, 41, 140. 7. Pattanayaiying, R.; H-Kittikun, A.; Cutter, C. N.; Lebens-Wiss Technol. 2015, 63, 1110. 8. Wu, J.; Zhong, F.; Li, Y.; Shoemaker, F. F.; Xia, W.; Food Hydrocolloid. 2013, 30, 82. 9. Tong, Q.; Xiao, Q.; Lim, L.; Food Res Int. 2008, 41, 1007. 10. Xiao, Q.; Lim, L. T.; Tong, Q.; Carbohyd. Polym. 2012, 87, 1689. 11. Kristo, E.; Biliaderis, C. G.; Food Hydrocolloid. 2006, 20, 1057. 12. Trovatti, E.; Fernandes, S. C. M.; Rubatat, L.; Perez, D. S.; Freire, C. S. R.; Silvestre, A. J. D.; Neto, C. P.; Compos. Sci. Technol. 2012, 72, 1556. 13. Trovatti, E.; Fernandes, S. C. M.; Rubatat, L.; Perez, D. S.; Freire, C. S. R.; Silvestre, A. J. D.; Neto, C. P.; Cellulose 2012, 19, 729. 14. Silva, A.; Nievola, L. M.; Tischer, C. A.; Mali, S.; Faria-Tischer, P. C. S.; J. Appl. Polym. Sci. 2013, 130, 3043. 15. Klemm, D.; Heublein, B.; Fink, H. P.; Bohn, A.; Angew Chem., Int. Ed. Engl. 2005, 30, 3358. 16. Martins, I. M. G.; Magina, S. P.; Oliveira, L.; Freire, C. S. R.; Silvestre, A. J. D.; Pascoal-Neto, C.; Gandini, A.; Compos. Sci. Technol. 2009, 69, 2163. 17. Almeida, D. M.; Woiciechowski, A. L.; Wosiacki, G.; Prestes, R. A.; Pinheiro, L. A.; Polímeros 2013, 23, 538. 18. Hestrin, S.; Schramm, M.; Biochem. J. 1954, 58, 345. 19. ASTM F882-91. 2000. Standard test methods for seal strength of flexible barrier materials. 20. Gontard, N.; Guilbert, S.; Cuq, J. L.; J. Food Sci. 1992, 53, 206. 21. ASTM E-96-00. 2000. Standart test methods for water vapor transmission of material. 22. Chang, P.; Cheah, P. B.; Seow, C. C.; J. Food Sci. 2000, 65, 445. 23. Bergo, P.; Sobral, P. J. A.; Prison, J. M.; J. Food Process. Preserv. 2010, 34, 401. 24. Karim, M. R.; Islam, M. S.; J. Nanomater. 2011, 2011, 1. 25. Jung, S. W.; Jeong, Y.; Kim, S. H.; Int. J. Pharm. 2003, 254, 109. 26. Pelissari, F. M.; Grossmann, M. V. E.; Yamashita, F.; Pineda, E. A. G.; J. Agric. Food Chem. 2009, 57, 7499. 27. Marques, P. T.; Lima, A. M. F.; Bianco, G.; Laurindo, J. B.; Borsali, R.; De Meins, J.; Soldi, V.; Polym. Degrad. Stab. 2006, 91, 726. 28. Donini, I. A. N.; Salvi, D. T. B.; Fukumoto, F. K.; Lustri, W. R.; Barud, H. S.; Marchetto, R.; Messaddeq, Y.; Ribeiro, S. J. L.; Eclet. Quim. 2010, 35, 165. |
On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
Qu�mica Nova
Publica��es da Sociedade Brasileira de Qu�mica
Caixa Postal: 26037
05513-970 S�o Paulo - SP
Tel/Fax: +55.11.3032.2299/+55.11.3814.3602
Free access