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Ozônio troposférico e compostos orgânicos voláteis em região impactada pela agroindústria canavieira Tropospheric ozone and volatile organic compounds on a region impacted by the sugarcane industry |
Ana Paula FranciscoI,*; Débora de Souza AlvimII; Luciana Vanni GattiIII; Célia Regina PesqueroI; Joao Vicente de AssunçaoI
IDepartamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 01246-904 São Paulo - SP, Brasil Recebido em 14/03/2016 *e-mail: ana.francisco@usp.br The purpose of this study was to evaluate the concentrations of tropospheric ozone and VOCs under the sugarcane agro-industry emissions in urban and rural areas of Araraquara, SP. The sampling was performed using active and passive air samplers during the sugarcane harvest and in the period between harvests in 2011 and 2012. Also, canisters were undertaken in 3 situations: during and after the burning of the cane plantations and in an urban area. Instrumental analysis was carried out using gas and ion chromatography. The highest VOC concentrations were found for toluene and d-limonene at the urban area and for ethene during the burning of sugarcane. Although sugarcane industry is an important emission source of ozone precursors, in this study the tropospheric ozone levels do not increased significantly under sugarcane agro-industry emissions. INTRODUÇAO O estado de Sao Paulo possui 51,7% da área cultivada com cana-de-açúcar no Brasil, representando cerca de cinco milhoes de hectares.1 Desse total, a área de cana colhida utilizando queima pré corte reduziu de 65,8% em 2006 para 27,4% em 2012 como resultado da substituiçao da colheita manual pela mecanizada.2 Segundo a Lei estadual N. 11.241/2002, a queima pré corte deve ser totalmente eliminada até 2031, porém o Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, um acordo firmado entre os produtores do setor sucroalcooleiro do estado de Sao Paulo, estabeleceu a eliminaçao da queima de cana até 2017.3 Estudos têm indicado que a emissao de poluentes da queima da cana pré corte é importante fonte para formaçao de ozônio,4-6 além de produzir efeitos nocivos na saúde da populaçao.7-9 No processo de queima da cana pré corte foram identificadas substâncias precursoras de ozônio, como compostos aromáticos, compostos carbonílicos, ácidos carboxílicos e óxidos de nitrogênio (NOx). Em estudo de Lopes,10 formaldeído e acetaldeído foram os carbonílicos mais abundantes em emissoes de queima da cana com concentraçoes entre 2,9 a 60 ppb; em termos de fator de emissao (quantidade de substância emitida por massa de cana queimada) a variaçao foi de 44,8 a 524 mg kg-1. Entre os aromáticos o benzeno predominou, seguido por tolueno, naftaleno, etilbenzeno, estireno e o,m,p-xilenos com fatores de emissao entre 0,29 e 16,5 mg kg-1.11 Da Rocha et al.12 identificaram os ácidos fórmico e acético em emissao de queima de cana em concentraçoes que variaram entre 360 e 4.230 ppb. Além desses COV, NOx foi encontrado em concentraçoes de 1 a 100 ppm em queima de canavial6,13 e pico de 38 ppm em experimento de queima da cana em laboratório.14 A queima do bagaço de cana-de-açúcar nas caldeiras das usinas de açúcar e álcool é outra importante fonte de emissao de poluentes do setor sucroalcooleiro, que está sob regulaçao. A Resoluçao CONAMA N. 382/2006 estabelece limites de emissao para material particulado, monóxido de carbono e NOx na queima do bagaço nas caldeiras. No licenciamento das usinas de açúcar e álcool, deve-se garantir que emissao máxima de NOx será de 350 mg (N m3)-1 e entre 1300 a 3250 mg (N m3)-1 para CO, dependendo da potência da caldeira. Além da queima de canaviais pré colheita e da queima do bagaço nas caldeiras, outras fontes de emissao de precursores de ozônio sao: frota de veículos automotores à diesel para plantio, manutençao dos canaviais, colheita mecanizada e transporte de cana por treminhoes e caminhoes, além de combustao e perdas evaporativas por exaustao de veículos leves e compostos orgânicos nao queimados em caldeiras.15 O impacto dos COV na formaçao do ozônio depende da reatividade e quantidade de cada composto e da concentraçao de NOx na atmosfera. Quando a concentraçao de NOx é moderadamente alta (NOx > 0,3 ppb), os COV tem papel dominante na formaçao de ozônio potencializada pela maior concentraçao e reatividade desses compostos.16,17 A reatividade dos hidrocarbonetos em relaçao à reaçao com o radical OH segue a seguinte ordem:17 alcenos com ligaçoes duplas (e.g. 2-metil-2-buteno), d-limoneno > di e trimetil aromáticos (o,m,p-xilenos; 1,2,4-trimetilbenzeno; 1,3,5-trimetilbenzeno > tolueno, benzeno, eteno > CO, etano, acetileno > metano. De acordo com Lopes,10 o formaldeído e acetaldeído foram os carbonílicos emitidos na queima de cana com maior potencial de contribuiçao para formaçao de ozônio. Apesar da agroindústria canavieira apresentar diversas fontes de emissao de precursores de ozônio, existe escassez de trabalhos sobre a influência dessa atividade nas concentraçoes de ozônio troposférico e seus precursores. Em Araraquara, município localizado na maior regiao produtora de cana-de-açúcar do estado de Sao Paulo,1 existem importantes estudos que avaliaram a concentraçao de NOx,6,18 ozônio6,19 e compostos carbonílicos da queima pré corte,10 entretanto, os níveis de ozônio e COV ainda nao foram avaliados conjuntamente nessa regiao. Por isso, considerando a iminente mudança do cenário de emissoes atmosféricas da agroindústria canavieira no Estado de Sao Paulo e seu potencial de emissao de poluentes atmosféricos, o objetivo deste estudo foi de avaliar as concentraçoes de ozônio troposférico e Compostos Orgânicos Voláteis em área com influência de emissoes da agroindústria de cana-de-açúcar.
PARTE EXPERIMENTAL Area de estudo O estudo ocorreu em áreas urbana e rural de Araraquara, SP (Latitude: 21º47'41"S Longitude: 48º10'34"W). Esse município está situado em regiao produtora de cana-de-açúcar, onde o clima é o tropical de altitude, com inverno seco e verao chuvoso, apresentando temperatura média mensal superior a 18 ºC.20 Na regiao sudeste do Brasil, o período de safra de cana-de-açúcar ocorre, normalmente, entre maio e outubro, com pico de produçao entre julho e setembro. Em área urbana foram selecionados 6 pontos mostrados na Figura 1a, dois pontos localizados em área central: SESA e CETESB e mais 4 locais sendo um ao norte, um ao sul, a leste e oeste destes pontos.
Figura 1. Mapa indicando locais de amostragem na cidade de Araraquara, SP. SESA corresponde ao Serviço Especial de Saúde de Araraquara, e CETESB corresponde a estaçao automática de qualidade do ar da Companhia Ambiental do Estado de Sao Paulo. Fig. 1a: distribuiçao de seis pontos de coleta na área urbana. Fig 1b: localizaçao dos três pontos em área rural, ponto de coleta urbano (SESA) e os focos de queimadas registrados durante as coletas com canisters na safra de cana-de-açúcar
Em área rural foram selecionados 3 pontos próximos aos canaviais durante a queima pré-corte como mostra a Figura 1b. Material de coleta Ozônio: Foram utilizados coletores passivos da Ogawa®, compostos por uma cobertura de PVC e um corpo cilíndrico de teflon (2 cm de diâmetro x 3 cm) contendo em cada extremidade um filtro de fibra de quartzo de 14 mm de diâmetro. Estes filtros foram preparados em laboratório, sendo impregnados com soluçao de nitrito de sódio em pH alcalino de acordo com Campos et al.21 Cada amostra é composta por um par de filtros. COV: Foram utilizados dois tipos de coletores de COV: tubos Tenax-GR da Supelco® com eficiência na adsorçao de hidrocarbonetos a partir de C6 e canister (fornecidos pela Rasmussen®) para coleta de COV <C4. Os tubos de aço inox de Tenax-GR possuem 1,7 cm de comprimento e 0,181 cm2 de área da seçao transversal e sao empacotados com óxido de 2,6-difenil-p-fenileno com 23% de carbono grafitizado.22 Foram utilizados canisters de aço Inox com volume de 6 L. Antes das coletas, os tubos de Tenax GR foram limpos utilizando dessorvedor térmico (Perkin Elmer modelo Turbo Matrix 350) em temperatura de 290 ºC sob fluxo de Hélio de 100 mL min-1 por 30 minutos. Após o tratamento térmico, os tubos foram vedados com tampas de latao e anilhas de Teflon, revestidos com papel alumínio e armazenados em recipiente contendo carvao ativado em refrigerador. Os canisters foram submetidos a um sistema automático de limpeza (Xontech U.S.A.) com ciclos alternados de vácuo e vapor d'água, ambos com aquecimento de 120 ºC e, ao final, mantido em alto-vácuo. Amostragem Amostragem em área urbana foi realizada em seis campanhas que aconteceram uma vez por mês, sendo três durante o período da safra de cana-de-açúcar (julho, agosto e setembro de 2011) e três durante período de entressafra (dezembro/2011, janeiro e fevereiro/2012). As condiçoes meteorológicas dos períodos de amostragem apresentam-se na Tabela 1.
Coleta em área rural foi realizada nas três campanhas do período de safra de cana-de-açúcar. Coletas passivas dos COV ocorreram em paralelo com as coletas passivas de ozônio somente na área urbana. Os coletores ficaram expostos durante 4 dias consecutivos, entre segunda e sexta-feira. No ponto de coleta "CETESB", as amostras foram coletadas em duplicatas para ozônio e COV para verificaçao da precisao dos métodos utilizados. Além disso, foram avaliados os resultados obtidos com o coletor passivo de ozônio em relaçao aos do coletor ativo automático da estaçao de monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de Sao Paulo (CETESB). Coletas ativas dos COV foram realizadas apenas no ponto de coleta SESA (Figura 1). Foi utilizado amostrador sequencial Perkin Elmer modelo STS-25 equipado com bomba de sucçao da SKC - modelo 222-4, com fluxo médio de 46,76 ± 2,29 mL min-1. Foram coletados 24 tubos em cada campanha, com tempo de amostragem de 1 h para cada tubo, por um período de 24 h de amostragem. Coletas de COV com canisters foram realizadas nas três campanhas do período de safra de cana-de-açúcar em área rural e no ponto SESA (Figura 1 b). Na área rural foram coletadas amostras em período noturno em local próximo ao canavial durante a queima da palha (a partir das 20 h) e no mesmo local na manha seguinte após a queima (cerca de 8 h depois). Durante as coletas próximas aos canaviais, os canisters foram posicionados em direçao à pluma de emissao da queima e instalados a 1,5 m de altura do solo, 5 m de distância do canavial. As amostragens com canisters foram reguladas por um controlador de fluxo (Veriflo SC423XL) de 100 mL min-1, durante o período de 1 h, totalizando 6 L em cada amostra. No ponto SESA, coletas com canisters foram realizadas cerca de 7 h após a queima do canavial. No total, nove amostras foram coletadas com canisters. As amostras foram armazenadas e transportadas em temperatura de ~4 ºC com exceçao dos canisters. Brancos de campo foram utilizados durante o transporte, armazenamento e instalaçao dos coletores. Extraçao e análise das amostras Ozônio: Após o período de exposiçao, cada par de filtro do coletor Ogawa foi transferido para frasco contendo 5 mL de água ultrapura e submetido à agitaçao mecânica por 15 min. O extrato foi filtrado em membrana de 0,22 µm (Millipore®). Os íons nitrato, produto da reaçao entre o reagente de impregnaçao e o ozônio,18 foram analisados em cromatógrafo iônico (Metrohn Compact IC/ 761) equipado com coluna analítica Metrosep A Supp 5 (150 x 4 mm), eluente Na2CO3 (3,2 x 10-3 M)/NaHCO3 (1,0 x 10-3 mol L-1) e fluxo de 0,7 mL min-1. Detecçao foi obtida por detector de condutividade elétrica. Curva analítica foi preparada com concentraçoes que variaram entre 0,32 a 8,0 µg mL-1. Limite de quantificaçao do método foi de 0,08 ppm. COV: As amostras coletadas em tubos foram submetidas à dessorçao em dessorvedor térmico Turbo Matrix 350 Perkin-Elmer, acoplado em Cromatógrafo a Gás Agilent modelo 6890N/Espectrômetro de Massas Agilent modelo 5973. A dessorçao dos tubos foi a 250 ºC por 15 min a um fluxo de Helio (6.0 Bip) de 50 mL min-1, com pré-concentraçao em trap frio a -30 ºC seguido de aquecimento a 250 ºC em 7 s para injeçao no CG. A separaçao dos COV foi feita em coluna Elite 624 (6% cyanopropyl; 94% dimethylpolysiloxane) com 60 m de comprimento, 0,25 mm de diâmetro interno e 1,40 µm de espessura de filme. No espectrômetro de massas foram feitas análises com métodos SIM (Single Ion Monitoring) e SCAN simultâneos para quantificaçao e confirmaçao dos espectros. Curvas analíticas foram construídas com método SIM para 42 compostos em concentraçoes que variaram de 5 a 200 µg mL-1. Os limites de quantificaçao para os COV variaram entre 0,09 e 5,3 ng/amostra. Alíquotas de amostras contidas nos Canisters foram injetadas no sistema de análise com pré-concentraçao criogênica em temperatura de -180 ºC seguida de aquecimento a 200 ºC (em 20 segundos) sob fluxo de gás de arraste (Hélio). Foram utilizados dois cromatógrafos para análise dos compostos. COV com quatro carbonos ou mais foram identificados e quantificados utilizando CG (VARIAN 3800/SATURN 2000), com coluna capilar DB-1 (60 m x 0,32 mm x 1 µm), acoplado aos detectores de espectrometria de massas e ionizaçao de chama (MS-FID) simultaneamente. Os COV entre C2-C3 foram analisados por CG (VARIAN 3800) com coluna PLOT (50 m x 0,53 mm x 10 µm) e detecçao por ionizaçao de chama. A curva analítica foi preparada a partir de padrao gasoso, produzido e certificado pela National Physical Laboratory (NPL, Teddington Middlesex, UK TW11 OLW), contendo mistura de COV precursores de ozônio da classe dos alcanos, alcenos, aromáticos e alcadienos em concentraçao de 10 ppbv. As concentraçoes das curvas analíticas foram produzidas utilizando um multicalibrador da Thermo Environmental Instruments Inc, modelo 146C, diluindo o padrao certificado em nitrogênio 5.0. As concentraçoes da curva analítica variaram de 0,92 a 9,83 g m-3 (ou 0,75 a 2,0 ppbv) considerando o composto de menor número de carbonos na mistura (etano) e o de maior número de carbonos (1,3,5-trimetilbenzeno). O limite de detecçao foi de 0,01 ppbv. Tratamento estatístico Estatística descritiva foi utilizada para calcular porcentagem, média e desvio-padrao dos níveis de COV e ozônio na atmosfera de estudo. A concordância entre as medidas do coletor passivo e ativo de ozônio foi avaliada utilizando o Coeficiente de Correlaçao Intraclasse (ICC) com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para avaliar a diferença entre as concentraçoes de ozônio dos seis pontos de coleta distribuídos na área urbana de Araraquara foi utilizada análise de variância (ANOVA) de um fator e teste t-student para comparar a diferença das médias de ozônio na safra e entressafra. Como as concentraçoes de COV (ativo e passivo) apresentaram distribuiçao nao-paramétrica foi aplicado o teste de Wilcoxon para verificar se existiu diferença entre os níveis desses poluentes na safra e entressafra (coleta ativa e passiva) e teste de Kurskal-Wallis para avaliar a diferença das médias de COV nos 6 pontos (coletor passivo). Análise de componentes principais (ACP) foi aplicada em dois conjuntos de dados: (1) concentraçoes de COV e ozônio da amostragem passiva e (2) concentraçoes de COV da amostragem ativa, ozônio, NO, NO2 e variáveis meteorológicas da estaçao automática da CETESB. O número de amostras (N) estatisticamente válidas para aplicaçao da ACP deve ser igual a N>30+(k+3)/2, onde k é o número de variáveis.23 As análises foram realizadas no software Programa R versao 3.1.3.24
RESULTADOS E DISCUSSOES Especiaçao dos COV na atmosfera estudada Os hidrocarbonetos identificados neste estudo pertencem à classe dos alcanos, alcenos, alcadienos e aromáticos, correspondendo compostos entre C2 - C10. A Tabela 2 apresenta concentraçoes médias dos COV identificados na safra e entressafra de cana-de-açúcar em amostras do coletor ativo. Verificou-se diferença estatisticamente significante nas concentraçoes de etilbenzeno, m,p-xileno, estireno, 1,3,5-trimetilbenzeno e 1,2,4-trimetilbenzeno entre safra e entressafra, p<0,05 (Tabela 2). As concentraçoes dos COV variaram entre 0,10 a 92 ppb e os compostos mais abundantes foram d-limoneno e tolueno, com médias de 30 e 1,8 ppb, respectivamente.
Considerando as amostras da coleta passiva dos períodos de safra (N=18) e entressafra (N=18) nos 6 locais do estudo, foram encontrados os mesmos COV da amostragem ativa na amostragem passiva e diferença estatisticamente significativa entre safra e entressafra na quantidade dos seguintes COV acumulados nos tubos: benzeno, etilbenzeno, m,p-xileno e d-limoneno, sendo maiores na entressafra. A variaçao nas concentraçoes dos COV deve estar associada à diversidade de fontes de emissao (fontes fixas, móveis, sazonais), tempo de meia vida do COV na atmosfera e as condiçoes ambientais de dispersao dos poluentes.17 A distribuiçao espacial dos COV nos seis pontos de coleta nao apresentou diferença estatisticamente significante (p>0,05). Em geral, os veículos automotores sao a principal fonte de emissao de poluentes atmosféricos em ambiente urbano.17,25 Concentraçoes elevadas de tolueno, o-xileno e 1,2,4 trimetilbenzeno foram encontradas durante tráfego de veículos à gasolina,26 enquanto o etanol foi o composto mais abundante de emissao de veículos à álcool seguido por 1 e 2-propanol e aldeídos C4 - C9.27 O d-limoneno é um monoterpeno emitido naturalmente pela vegetaçao em significativas quantidades e possui relevante reatividade fotoquímica na atmosfera, está na classe 5 de reatividade, com tempo de meia vida na atmosfera menor do que 15 min.17 Na quantidade em que foi encontrado, provavelmente, resultou da emissao de indústria de citrosuco que processa laranja, alimento rico em d-limoneno, na área urbana de Araraquara, Na Tabela 3 apresentam-se concentraçoes totais de COV determinadas a partir da coleta com canisters em três situaçoes distintas. Pode-se observar que as amostras durante a queima apresentaram concentraçoes superiores ao pós-queima tanto no ambiente rural como urbano (Tabela 3). As amostras durante-queima e pós-queima/rural ocorreram no mesmo local, com intervalo de cerca de 8 h após a queima do canavial, por isso pode-se comparar essas amostras para identificar os principais COV de origem da queima da cana, como observado na Tabela 3.
O eteno foi o composto característico da queima de canaviais, pois em todas as amostras foi identificado em maiores concentraçoes, representando 51,7% do total de COV na situaçao durante a queima (Tabela 4). Depois do eteno, as concentraçoes de etano e propeno também foram expressivas, representando cerca de 10% cada um do total de COV (Tabela 4), em funçao da amostra de agosto, que apresentou a maior concentraçao total (Tabela 3). Os COV mais abundantes no pós-queima/rural foram tolueno (16%), 1,2,4-trimetilbenzeno (15%) e p,m-xileno (10%), em funçao, principalmente, das amostras de julho e agosto.
Os COV identificados nas amostras pós-queima do ambiente urbano apresentaram concentraçoes entre 0,03 a 5,5 ppb. A contribuiçao relativa dos COV nessas amostras teve predominância do eteno (13%), seguida pelo butano (10%) e isopentano (9,0%), dados nao apresentados na tabela. O eteno pode ser um composto característico da queima da cana-de-açúcar entre os hidrocarbonetos identificados. Avaliaçao do coletor passivo A Figura 2 apresenta as concentraçoes de ozônio do coletor passivo Ogawa e ativo da estaçao automática da CETESB. O valor de ICC foi de 0,966 (IC95% 0,757 a 0,995) e a correlaçao entre coleta ativa e passiva foi de 0,951. Esses resultados mostram que apesar de valores relativamente maiores da coleta passiva em relaçao a ativa (Figura 2), a concordância e correlaçao entre esses amostradores é alta, corroborando outros estudos.28,29 Segundo Krupa e Legge,30 nitrito é o absorvente mais satisfatório para coleta passiva de ozônio na atmosfera comparado aos absorventes p-ATP (p-acetamidofenol), índigo carmine e DPE (1,2-bis(4-piridil)etileno). A soluçao de impregnaçao de nitrito contém componentes para garantir que a reaçao entre os íons nitrito e ozônio seja específica, pois essa reaçao é pH-dependente, ou seja, a taxa da reaçao aumenta com aumento do pH. Além disso, a alcalinidade da soluçao de impregnaçao elimina a interferência do peróxido de hidrogênio, importante oxidante atmosférico que reage com nitrito em pH < 7. Nas quantidades em que sao encontrados na atmosfera, outros agentes oxidantes, como dióxido de enxofre e nitrato peroxiacetílico (PAN), nao causam interferência na reaçao entre ozônio e nitrito.29
Figura 2. Concentraçoes de ozônio por amostragem ativa (da Cetesb) e passiva na cidade de Araraquara, SP
Perfil de ozônio troposférico na safra e entressafra de cana-de-açúcar Durante a safra de cana-de-açúcar, concentraçoes de ozônio variaram de 33,07 a 79,61 µg m-3, com média de 52,93 ± 12,39 µg m-3, e na entressafra de 22,23 a 89,56 µg m-3, com média de 52,61 ± 25,65 µg m-3. Na Figura 3 encontram-se os níveis de ozônio durante os períodos de amostragem ativa e passiva. A variaçao dessas concentraçoes é relativamente elevada, uma vez que a formaçao de ozônio troposférico depende das condiçoes meteorológicas, como radiaçao solar, e das concentraçoes de seus precursores.16 Por isso, pode-se observar grande variaçao nas médias de ozônio no período de estudo. Verificou-se maior pico de ozônio na entressafra (Figura 3b), porém as médias horárias de ozônio na safra foram maiores em comparaçao com a entressafra (Figura 3a). Análise de variância (ANOVA) de um fator considerando as médias de concentraçoes de ozônio nos seis pontos de coleta na cidade de Araraquara mostrou que nao houve diferença estatisticamente significativa na distribuiçao espacial de ozônio troposférico (p>0,05), ou seja, pode-se considerar que as concentraçoes de ozônio se distribuíram homogeneamente na atmosfera urbana de Araraquara. A partir disso, avaliou-se a diferença das médias de ozônio na safra e entressafra aplicando-se o teste t-student e verificou-se que nao existiu diferença estatisticamente significativa entre a safra e entressafra de cana-de-açúcar de 2011/12 (p>0,05). Embora a agroindústria de cana-de-açúcar contribua como fonte de emissao de precursores de ozônio, essas quantidades nao devem ser suficientes para causar aumento significativo desse poluente na safra comparada ao período de entressafra. Assim também concluíram Ziemke et al.31 sobre a associaçao direta entre queima de biomassa e concentraçoes de ozônio em regioes tropicais, com picos máximos em setembro e outubro, em 2004 e 2008, destacando que as emissoes de queima de biomassa sao importantes para a formaçao do ozônio, porém nao sao majoritárias.
Figura 3. Médias horárias de ozônio da coleta ativa (dados Cetesb) (em azul) e médias de ozônio de 4 dias (em vermelho) da coleta passiva na safra (a) e entressafra (b)
Em contraste com resultados deste estudo, Debaje e Kakade32 encontraram aumento de 11% nas concentraçoes de ozônio no período de moagem da cana-de-açúcar na India, atribuído ao aumento de precursores de ozônio em amostras coletadas próximas a indústria sucroalcooleira. No Brasil, foram identificados níveis de ozônio troposférico de até 80 ppb, ou cerca de 171 µg m-3, à 2 km de altura durante o período de queima da cana em setembro de 1988 em área rural no oeste do estado de Sao Paulo.33 A queima de biomassa da agroindústria sucroalcooleira tem sido apontada como umas das principais fontes de emissao atmosférica dessa atividade, porém é importante destacar que a atividade canavieira possui outras fontes de precursores de ozônio como veículos à diesel usados para transporte, colheita e plantio, queima do bagaço e palha de cana para geraçao de energia, etc. Além do mais, no estado de Sao Paulo a prática da queimada pré-colheita será eliminada em breve. A sazonalidade desempenha grande influência na variaçao das concentraçoes de ozônio, com máximas mensais no período de setembro a outubro em Araraquara.20 Tem-se observado máximas de ozônio no período conhecido como spring maximum,34 em que as condiçoes meteorológicas sao mais favoráveis à formaçao de ozônio. Em relaçao à agroindústria canavieira, as maiores emissoes ocorrem no período de julho a setembro na safra do Sudeste e, a partir de outubro, as atividades da safra da cana diminuem acompanhadas pelo período chuvoso. A safra 2011, em particular, encerrou-se no final de outubro por causa da baixa produtividade da cana. Análise de componentes principais Análise de componentes principais (ACP) foi realizada utilizando dois conjuntos de dados, o primeiro formado por 8 variáveis e 36 amostras, e o segundo por 17 variáveis e 144 amostras. Em ambas as análises foram retidos os componentes principais com variância > 5% e apenas os autovalores > 0,20 foram apresentados. A Tabela 5 apresenta a ACP do primeiro conjunto de dados, na qual a componente PC1 explica 70% de toda variância do conjunto e é caracterizada pelos COV que apresentam os maiores pesos. PC2 explica 13% da variância total e é caracterizada pelo d-limoneno, que apresentou alto peso. PC3 explica 12% da variância total e o ozônio apresenta o maior peso.
Na Tabela 6, a ACP foi aplicada ao conjunto de dados da coleta ativa. Além das concentraçoes de ozônio e COV, foram incluídas variáveis meteorológicas (VV, UR e temperatura) e concentraçoes de NO e NO2. A primeira componente principal (PC1') explicou 38,5% da variância dos dados e todos os COV apresentaram pesos negativos e equivalentes, como no primeiro conjunto de análise. Esses COV devem estar associados ao mesmo tipo de fonte de emissao. A segunda componente principal (PC2') explica 18,4% de toda variância dos dados e está associada à fotoquímica do ozônio, em que O3, NO, NO2 e temperatura apresentam os maiores pesos. A umidade relativa (UR) tem peso relativamente baixo nessa componente. PC3' explica 8,5% da variância total, em que d-limoneno e as variáveis meteorológicas apresentaram os maiores pesos, sendo que a temperatura tem a maior importância. PC4' está associada aos precursores de ozônio, NOx e etilbenzeno com pesos negativos e tolueno, 1,4-diclorobenzeno e d-limoneno com pesos positivos.
CONCLUSAO Durante o período deste estudo, as concentraçoes de ozônio troposférico na safra e entressafra de cana-de-açúcar nao apresentaram diferença significativa na atmosfera urbana de Araraquara. Esse fato nao descarta a contribuiçao dos precursores emitidos na agroindústria sucroalcooleira para a formaçao de ozônio, mas aponta que nao desempenham papel determinante para o aumento dos níveis desse poluente. A análise de componentes principais mostrou clara discriminaçao entre as concentraçoes de COV e a atividade fotoquímica de formaçao de ozônio e variáveis meteorológicas na área urbana de Araraquara. Além do mais, revelou que as concentraçoes de d-limoneno possui fonte de emissao distinta dos demais COV. Comparaçao entre os COV durante a queima e pós-queima/rural supoe que o eteno é o composto característico das queimas de cana-de-açúcar pré-corte.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a FAPESP (Fundaçao de Ampara à Pesquisa do Estado de Sao Paulo) pela concessao de uma bolsa de mestrado. Agradecemos à Profª. Dra. M. F. Andrade por disponibilizar o Laboratório de Análise dos Processos Atmosféricos (Lapat) IAG/USP para análise de ozônio e ao apoio técnico de R. Astolfo. Agradecemos o apoio institucional para o trabalho de campo do Serviço Especial de Saúde de Araraquara (SESA) e do Departamento de Saúde Ambiental, ambos da Faculdade de Saúde Pública da USP. Também agradecemos à CETESB de Araraquara pela autorizaçao para utilizaçao do espaço da estaçao automática de monitoramento da qualidade do ar da cidade e pelo respaldo para coleta de poluentes nas usinas de cana-de-açúcar.
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