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Comparações entre medições em tempo real da pCO2 aquática com estimativas indiretas em dois estuários tropicais contrastantes: o estuário eutrofizado da Baía de Guanabara (RJ) e o estuário oligotrófico do Rio São Francisco (AL) Comparisons between real-time pCO2 measurements with indirect estimates in two contrasting brazilian estuaries: the eutrophic Guanabara Bay (RJ) and the oligotrophic São Francisco River Estuary (AL) |
Luiz C. Cotovicz Jr.I,II,*,#; Bruno G. LibardoniI,II,#; Nilva BrandiniI,#; Bastiaan A. KnoppersI,#; Gwenaël AbrilI,II,#
IInstituto de Química, Universidade Federal Fluminense, Outeiro São João Batista s/n, 24020015, Niterói - RJ, Brasil Recebido em 30/04/2016 *e-mail: lccjunior@id.uff.br Carbon dioxide (CO2) fluxes from aquatic systems are generally derived from the gradient in the partial pressure of CO2 (pCO2) between air and surface waters. In this study, we compare real-time measurements of water pCO2 using an equilibrator and non-dispersive infrared gas detector, with calculations based on pH and total alkalinity (TA) in two contrasting Brazilian estuaries: Guanabara Bay (Rio de Janeiro) and the Sao Francisco River Estuary (Alagoas). In Guanabara Bay, the measured and calculated values showed an excellent agreement (R2 = 0.95, p < 0.0001), without significant statistical differences between the two methods. In the Sao Francisco River Estuary, where the entire gradient from freshwaters to seawater could be sampled, important overestimates were found for the calculated pCO2. The overestimation was on average 71%, and reached up to 737%. This large bias in pCO2 calculation was verified at low pH and TA concentrations in freshwaters (pH < 7.5; TA < 700 µmol kg-1) possibly due to the contribution of organic alkalinity, lowering the buffer capacity of the carbonate system. As such, direct measurements of pCO2 should be considered as a priority for CO2 studies conducted in estuarine systems, particularly tropical systems where physical and biological processes are prone to significant spatial and temporal variability. INTRODUÇAO O dióxido de carbono (CO2) é o principal gás do efeito estufa e tem a maior contribuiçao no aquecimento do sistema climático global.1 Os níveis atuais alarmantes das concentraçoes atmosféricas de CO2 e as taxas de aumento das emissoes antropogênicas ao longo das últimas décadas alertam a importância da identificaçao, quantificaçao e monitoramento das fontes e sumidouros de dióxido de carbono.2 O recente processo de acidificaçao dos oceanos, que também é atribuído ao aumento das concentraçoes de CO2 atmosférico,3 reforça a importância dos estudos da dinâmica desse gás, tanto no oceano aberto quanto em ecossistemas costeiros. Além disso, publicaçoes recentes relataram o aumento da acidificaçao costeira como resultado da hipóxia e anóxia em águas costeiras em funçao de estágios avançados da eutrofizaçao, especialmente em ambientes impactados por atividades antropogênicas.4-6 Os oceanos abertos sao importantes sumidouros de CO2 atmosférico com fluxos na interface água-atmosfera bem quantificados,7 enquanto águas costeiras estao sujeitas a maiores incertezas devido à elevada heterogeneidade espacial e temporal, diferentes tipologias geomorfológicas e hidrológicas (estuários dominados por águas fluviais, dominados pelo mar, com regimes de maré, ondas e ventos diferenciados).8-10 Outro aspecto a ser considerado é a menor disponibilidade de informaçoes sobre estuários tropicais em comparaçao aos estuários temperados e boreais. Para o estabelecimento de estimativas mais precisas e confiáveis nos balanços de CO2 e sua dinâmica na regiao costeira e oceânica, fazem-se necessários levantamentos de alta qualidade e quantidade nas mediçoes da pressao parcial do CO2 (pCO2) nas águas, uma vez que o gradiente da pCO2 na interface água-atmosfera é um dos componentes do cálculo dos fluxos. Caso contrário, os balanços globais e regionais de carbono podem ser superestimados ou subestimados. Um grande número de publicaçoes sobre os níveis aquáticos da pCO2 e os fluxos de CO2 na interface água-atmosfera foram conduzidos com amostragens discretas, com quantificaçoes da pCO2 derivadas indiretamente mediante cálculo de um dos pares do sistema carbonato. O sistema carbonato inclui o pH da água do mar, a alcalinidade total (AT), o carbono inorgânico dissolvido (CID) e a pressao parcial do CO2 na água (pCO2).11 Ainda nao existe um consenso de quais parâmetros combinados sao os ideais para os cálculos do sistema carbonato, e isso se reflete em um número diversificado de abordagens indiretas.11,12 Em ecossistemas fluviais e estuarinos, na maioria dos casos o cálculo da pCO2 é realizado com base nos valores de pH e AT da água.13,14 Entretanto, análises e estudos de alta qualidade do pH da água do mar nao sao triviais, e essa é considerada uma das áreas mais desafiadoras da oceanografia química.11 Mediçoes de alta qualidade do pH e do sistema carbonato também sao essenciais para o estudo dos efeitos da acidificaçao dos oceanos na biota marinha. Os cálculos da pCO2 sao altamente sensíveis a pequenas mudanças nos valores do pH, dessa forma, a análise necessita ser extremamente exata. Diversos protocolos de análise e escalas diferentes do pH tem sido utilizados, dificultando a comparaçao dos resultados.15 Além disso, a abordagem discreta na amostragem muitas vezes nao identifica processos que atuam em escalas espaciais pequenas, que sao comuns nos ambientes costeiros.16 Um estudo recente publicado na literatura revelou até 30% de discrepância entre os valores da pCO2 derivados através dos diferentes pares do sistema carbonato em testes laboratoriais (AT-CID; AT-pH; CID-pH).12 Também, outro estudo apontou importantes superestimativas no cálculo da pCO2 em funçao do pH e da AT em águas doces, com baixa AT e ricas em material orgânico que contribui significativamente na AT, diminuindo a capacidade de tamponamento do sistema carbonato.17 Portanto, o monitoramento contínuo e direto da pCO2 utilizando técnicas de equilibraçao acopladas com sensores de detecçao na regiao do infravermelho (non-dispersive infrared gas analyzer, NDIR) sao reconhecidos como os melhores procedimentos analíticos de detecçao desse gás.11,16,17 Diversos tipos de sistemas de equilibraçao têm sido propostos para as mediçoes contínuas e diretas da pCO2 aquática, mas um grande número de sistemas apresentam lento tempo de resposta, que podem variar entre 2 e 20 minutos.16,18 Aguas costeiras apresentam geralmente elevada turbidez e dinâmica temporal e espacial elevadas, onde as trocas de CO2 sao frequentemente rápidas, entao o tempo de resposta nas mediçoes deve ser igualmente rápido, de modo a englobar esses importantes processos de curta escala. Assim, dois critérios fundamentais devem ser levados em consideraçao para o design de equilibradores em sistemas costeiros: 1) deve ter um tempo de resposta rápido porque variabilidades espaciais e temporais podem ser importantes em estuários; 2) devem ser robustos e permitir altos níveis de turbidez sem riscos de entupimento pelo material particulado presente na água.16 Um tipo específico de equilibrador (marble equilibrator) foi proposto por Frankignoulle et al.,16 com adaptaçoes realizadas por Abril et al.19 Esse sistema de equilibraçao da pCO2 entre as fases gasosa e líquida do equilibrador foi originalmente desenvolvido para mediçoes de CO2 em águas estuarinas de elevada turbidez, sendo posteriormente aplicado com sucesso em diversos tipos de ecossistemas costeiros (estuários, lagunas e plumas de rios) e de água doce (rios, lagos e reservatórios). Esse equilibrador também já foi utilizado no oceano aberto.20 Em um experimento que comparou seis tipos de equilibradores (marble equilibrator, shower head exchanger, passive hydrophobic tubular membrane, e três tipos de membrane contactors), Santos et al.,18 mostraram que o marble equilibrator teve o menor tempo de equilibraçao principalmente por permitir alta velocidade do fluxo de água, sendo um equilibrador ideal para estudos de CO2 em regioes costeiras.16,18,21 Além disso, a turbidez das águas pode causar outras limitaçoes em equilibradores. Por exemplo, Bakker et al.,22 reportaram frequentes entupimentos do sistema amostrando águas com floraçoes fitoplanctônicas utilizando equilibrador do tipo "shower-head", justamente quando as mediçoes sao de particular interesse. Poucos estudos foram direcionados em ambientes estuarinos para a comparaçao dos valores da pCO2 medida com a pCO2 calculada. Frankignoulle e Borges,23 no estuário Scheldt, Bélgica, encontraram excelente correlaçao entre mediçoes diretas e indiretas em águas com elevado pH e AT. Em outro estudo, conduzido nas águas do estuário Hudson, Estados Unidos, os autores encontraram 15% de discrepância entre os valores da pCO2 medidos e calculados, porém sem detectar predominância de superestimativas ou subestimativas.24 Na costa do Brasil, as primeiras mediçoes diretas da pCO2 aquática e cálculos dos fluxos de CO2 foram conduzidos por Ito et al.,25 na regiao sudeste da plataforma continental brasileira. Entretanto, estudos publicados em estuários sobre estimativas da pCO2 e fluxos de CO2 foram conduzidos de maneira discreta e indireta (mediante valores de pH e AT),13,14 exceto em um trabalho recente realizado nas águas eutróficas da Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, com mediçoes diretas da pCO2.26 No presente estudo, o equilibrador do tipo marble equilibrator foi utilizado para o levantamento direto da pCO2 aquática e comparaçao com estimativas indiretas (a partir dos valores do pH e AT) em dois sistemas estuarinos tropicais contrastantes: a Baía de Guanabara (RJ) e o Estuário do Rio Sao Francisco (AL). O primeiro sistema, dominado por águas de elevada salinidade, é considerado um dos mais impactados e eutrofizados estuários do mundo. O segundo sistema é um estuário do tipo deltaico, dominado pelas águas oligotróficas do Rio Sao Francisco. Ambos os sistemas apresentam elevadas variaçoes nas suas propriedades físico-químicas, e podem ilustrar a aplicaçao dessa técnica. Uma descriçao ilustrativa do sistema de mediçao é apresentada, além de testes laboratoriais do tempo de resposta e comparaçoes entre estimativas diretas e indiretas nos estuários.
PARTE EXPERIMENTAL Area de estudo A Baía de Guanabara (Figura 1a) é uma baía costeira tropical localizada na costa sudeste do Brasil (22º41 - 22º58 S e 43º02 - 43º18 W). Tem área superficial de 384 km2, profundidade média de 5,7 m e volume de água estimado em 1870 x 106 m3.27 A baía é governada por um regime de micromarés com variaçao média de 0,7 m.27 O clima é tropical úmido, com verao quente e úmido (período entre Outubro e Março) e inverno mais frio e seco (Abril a Novembro).28 O clima é caracterizado pela massa de ar Equatorial continental durante o verao, e massa de ar Tropical durante o restante do ano, com passagens frequentes de frentes polares principalmente durante inverno.29 As precipitaçoes acumuladas anuais variam entre 1220 - 1800 mm ano-1.29 A média anual da descarga de água doce para a baía é de 100 ± 59 m3 s-1, e varia de aproximadamente 40 m3 s-1 no inverno a 190 m3 s-1 no verao. A baixa descarga de água fluvial comparada com o volume de água da baía que participa na circulaçao gravitacional resulta em uma forte predominância de condiçoes salinas nas águas.27 A Baía de Guanabara tem sofrido com a intensa influência antropogênica ao longo dos últimos 50 anos. Atualmente, mais de 7 milhoes de pessoas vivem no seu entorno, e como consequência da acumulaçao a longo prazo do descarte de esgoto doméstico ao longo do seu curso, as águas sao classificadas como eutróficas, e hipertróficas em algumas localidades, com floraçoes densas de fitoplâncton ocorrendo ao longo de todo o ano.26,30
Figura 1. Mapas das áreas de estudos contempladas na presente pesquisa. A Figura 1a apresenta a Baía de Guanabara (RJ) com as linhas isobatimétricas (de 10 e 20 m) e os pontos de amostragens. A Figura 1b representa o sistema estuarino do Rio Sao Francisco (SE/AL), com os referentes pontos amostrados
O estuário do Rio Sao Francisco (Figura 1b) está localizado na regiao Nordeste (SE/AL) do Brasil (10º15 - 10º33 S e 36º24 - 36º36 W). O Rio Sao Francisco, em descarga de água, é o segundo maior rio do Brasil. A bacia hidrográfica do Rio Sao Francisco cobre aproximadamente 639210 km2 e corresponde à mais extensa bacia hidrográfica dentro do território brasileiro.31 O domínio climático do estuário é classificado como quente e úmido.32 A precipitaçao acumulada anual no estuário do Sao Francisco varia entre 1.250 mm e 1.500 mm, sendo a estaçao chuvosa verificada entre os meses de maio a julho.33 Desde 1950, o rio vem sofrendo intensas modificaçoes ao longo de suas margens, principalmente com a construçao de barragens na forma de cascata, que controlam aproximadamente 98% da bacia de drenagem. As construçoes das barragens ao longo das margens do rio modificaram a hidrodinâmica, e atualmente a vazao é regular e constante de aproximadamente 2000 m3 s-1.34 A profundidade do estuário é variável, com média de aproximadamente 3 m. A zona costeira onde está inserido o estuário apresenta regime de mesomares semidiurnas. Os níveis baixos de clorofila a e nutrientes nas águas do estuário evidenciam as condiçoes oligotróficas.31,34 Procedimentos de amostragens A campanha amostral na Baía de Guanabara foi realizada entre abril de 2014 e abril de 2015, totalizando 9 campanhas amostrais.26 Na regiao do baixo Rio Sao Francisco, um total de 3 campanhas de amostragem foram realizadas, em agosto de 2014 e março e julho de 2015 (Figura 1). Em todas as campanhas, os procedimentos de amostragens consistiram em varreduras espaciais com o auxílio de embarcaçoes de pequeno a médio porte (média de 6 tripulantes por campanha) para mediçoes contínuas e em tempo real da pCO2, salinidade, temperatura, oxigênio dissolvido (OD), fluorescência, pH e posiçao geográfica, todos os parâmetros medidos e gravados com frequência de 1 minuto. Nas amostragens da Baía de Guanabara, uma bomba de água submersível (bomba de sucçao submersa CIBR 12V) foi acoplada na parte lateral da embarcaçao de modo a prover água em sub-superfície (0,5 m de profundidade) continuamente para o sistema de mediçao, com energia alimentada por baterias do tipo automotivas de 60 Ah. Nas amostragens do Rio Sao Francisco, a água foi provida para a embarcaçao através de uma bomba de porao disponível na própria embarcaçao, alimentada com bateria automotiva de 150 Ah e coleta de água a aproximadamente 0,5 m de profundidade. Essa profundidade de amostragem em sub-superfície é representativa da camada de água que realiza trocas gasosas na interface água-atmosfera, assumindo que até 0,5 m de profundidade a água é bem misturada. Além disso, caso a bomba esteja fixada a profundidades menores que 0,5 m existe a possibilidade de contato da bomba com o ar atmosférico (devido aos movimentos laterais da embarcaçao), prejudicando a qualidade das mediçoes. Amostragens discretas para AT e clorofila a foram coletadas em aproximadamente 20 estaçoes em cada campanha amostral (Figuras 1a e 1b). As amostras de água foram retiradas em sub-superficie (0,5 m de profundidade) com o auxílio de uma garrafa Niskin (3 L) e acondicionadas (colocadas a frio e no escuro) para posterior análise em laboratório. Em maio de 2013 também foi realizada uma amostragem de 25 horas em uma estaçao fixa localizada próxima à desembocadura da Baía de Guanabara de modo a testar potencialidades do sistema contínuo de mediçao para o monitoramento das variaçoes diuturnas dos parâmetros considerados nesse estudo. Procedimentos analíticos A alcalinidade total (AT) foi determinada em 100 mL de amostras de água filtradas com filtros GF/F. A técnica de análise foi baseada na titulaçao clássica de Gran,35 utilizando um sistema de titulaçao automático (Metler Toledo Mod. T50). A reprodutibilidade do método foi ± 3 µmol kg−1 (n = 7). A acurácia estimada das mediçoes foi de aproximadamente ± 7 µmol kg-1 de acordo com material de referência certificado para alcalinidade (CRM provido por A.G. Dickson, da Scripps Institution of Oceanography). Análises de clorofila a foram quantificadas segundo procedimentos descritos em Strickland e Parsons,36 utilizando o material contido nos filtros GF/F. As mediçoes contínuas de temperatura, salinidade, clorofila a e OD foram realizadas com o auxílio de uma multisonda YSI® 6600 V2, devidamente calibrada e inserida em uma estrutura acrílica customizada com fluxo de água corrente. A calibraçao do sensor óptico de OD foi realizada através do valor de saturaçao atmosférica (acurácia ± 3%). O sensor da salinidade foi calibrado com material certificado de condutividade (acurácia ± 0,1 na escala prática de salinidade). Os valores de temperatura do termômetro da multisonda foram confrontados com valores de outros dois termômetros (acurácia ± 0,1 ºC). A calibraçao do sensor de fluorescência foi realizada utilizando água deionizada como valor de base. Posteriormente, os valores de fluorescência foram correlacionados com as análises discretas de clorofila a a fim de derivar um fator de correçao.26 O pH foi medido continuamente e também discretamente com um pHmetro WTW 3310, equipado com um eletrodo Sentrix 41 e termômetro. A calibraçao do eletrodo de pH foi feita da forma "three-point standard", mediante valores certificados de pH de 4,01, 7,00 e 10,01 da marca WTW, de acordo com a escala da National Institute of Standards and Technology (NIST), antes e após cada amostragem. A precisao estimada das mediçoes de pH foi da ordem de 0,01. A pCO2 foi medida pela técnica da equilibraçao na qual um fluxo contínuo de água (1-2 L min−1) é bombeado para o sistema e segue a partir do topo do equilibrador para a base, enquanto um fluxo contínuo de ar segue na direçao contrária, da base para o topo (1 L min−1).16,19,37 A Figura 2 mostra detalhes do equilibrador e do sistema contínuo de mediçao, que foi adaptado de prévios trabalhos.16,19 O principal objetivo dessa técnica é alcançar rapidamente o equilíbrio na transferência do gás entre a fase gasosa e a fase líquida dentro do sistema de mediçao. O equilibrador consiste em um tubo de acrílico (diâmetro de 8 cm, altura de 1 m), preenchido com bolas de gude (marbles). A presença das bolas de gude diminui o volume interno do equilibrador para aproximadamente 0,6 L, por outro lado promove o aumento da área superficial de troca para aproximadamente 1,4 m2. O ar no sistema é seco utilizando drierite antes de passar por um detector de gás na regiao do infravermelho (NDIR, LICOR®, Tipo LI-820). A distância do percurso entre a tomada de água e o ponto da medida analítica foi de aproximadamente 1,5 m. As diferenças na temperatura da água no local de coleta e no aparelho de mediçao foram menores que 0,2 ºC, ou seja, nao houve perda e/ou ganho significativo de calor dentro do sistema durante a mediçao. Antes e após cada amostragem, o instrumento foi calibrado utilizando 3 misturas de gases padrao com concentraçoes conhecidas de CO2 (410, 1007 e 5035 ppmv). N2 passando por soda lime foi utilizado para o estabelecimento do nível 0 do NDIR, e entao a mistura de 1007 ppmv foi utilizada para a calibraçao. Os outros dois padroes (410 e 5035 ppmv) foram utilizados para verificar a linearidade do sinal. A precisao e a acurácia das mediçoes da pCO2 foram da ordem de 3 e 5 ppmv, respectivamente.
Figura 2. Desenho esquemático mostrando o sistema de mediçao contínuo (ver no texto explicaçoes detalhadas). Figura adaptada de Frankignoulle et al.16
Testes de desempenho do equilibrador foram conduzidos em laboratório para determinar o tempo de resposta do sistema em funçao de mudanças abruptas nos valores da pCO2. Esses testes foram realizados adicionando quantidades de 0,2, 0,5, 1 e 3 mL de HCl 0,1N em um sistema de circulaçao de água de torneira com valores aproximados de alcalinidade de 0,451 mmol kg-1, pH de 7,5 (escala NIST) e temperatura de 25 ºC. Os procedimentos laboratoriais foram adaptados do trabalho de Frankignoulle et al.16 Adicionando ácido na água, uma certa quantidade da alcalinidade será neutralizada, produzindo imediatamente CO2 dissolvido no volume de água, que rapidamente se equilibra dentro do sistema. A entrada e a saída de água do sistema ficaram dentro de um mesmo recipiente contendo aproximadamente 15 L de água. Cálculos do sistema carbonato e estatística O cálculo da pCO2 foi realizado através dos valores medidos de AT e pH. Foram utilizadas as constantes de dissociaçao do ácido carbônico de acordo com Mehrbach et al.,38 reformuladas por Dickson e Millero,39 a constante de acidez do borato segundo Lee et al.,40 e o coeficiente de solubilidade do CO2 de Weiss.41 Todos os cálculos do sistema carbonato foram realizados no programa CO2calc® 1.2.9.42 Foi aplicado o teste estatístico de Shapiro-Wilk para testar a normalidade dos dados. Como os resultados nao apresentaram distribuiçao normal foi aplicado o teste pareado de Wilcoxon para testar a diferença entre médias. Regressoes lineares simples foram calculadas para comparar a pCO2 medida pelo sistema online de mediçao com a pCO2 calculada com base nos valores de pH e AT, com verificaçao do desvio da reta 1:1. O programa GraphPad Prism® 6.0 foi utilizado para os cálculos estatísticos.
RESULTADOS E DISCUSSAO Teste de desempenho do sistema de equilibraçao e comparaçoes com outros estudos As adiçoes de ácido durante os testes do tempo de resposta do sistema aumentaram os valores da pCO2 da água, como esperado. A Tabela 1 sumariza os resultados dos testes do tempo de resposta (ou tempo de equilibraçao). Normalmente, o cálculo do tempo de equilibraçao desses tipos de sistemas sao realizados através das curvas exponenciais de aumento ou diminuiçao dos valores de pCO2, ou considerando a estabilizaçao dos valores da pCO2 de acordo com o coeficiente de variaçao.43,44 Nesse trabalho, o tempo de equilibraçao foi definido como o tempo necessário para se atingir a estabilizaçao nos valores de pCO2 após a adiçao de HCl. O valor final da pCO2 foi estabelecido quando a variaçao dos valores da pCO2 foi menor que 1% do coeficiente de variaçao durante um período de 2 min.44 O tempo de equilibraçao 90% (T 90%) foi considerado o tempo total necessário para se atingir 90% da faixa de variaçao dos valores da pCO2 (ΔpCO2 = pCO2 final - pCO2 inicial).18
Os tempos necessários para se atingir 90% (T 90%) da faixa de variaçao da pCO2 ficaram entre 4,7 e 6,4 min, para adiçoes ácidas variando entre 0,2 e 3 mL de HCl 0,1 N. O tempo de equilibraçao para variaçoes de ΔpCO2 de 834, 4188 e 11799 ppmv foram equivalentes (diferença de apenas 20 s, aproximadamente). A exceçao foi após a adiçao de 3 mL de ácido, quando a ΔpCO2 foi de aproximadamente 77000 ppmv e o tempo de equilibraçao consideravelmente maior (aproximadamente 2 min). Entretanto, concentraçoes dessa magnitude nao foram verificadas em sistemas estuarinos.8 A Figura 3 apresenta exemplos das variaçoes da pCO2 em funçao do tempo (nessa figura apresentam-se exemplos para adiçoes de HCl de 0,5 e 1 mL). Os tempos de 90% de equilibraçao estao indicados no gráfico.
Figura 3. Variaçao da pCO2 em funçao do tempo para os testes do tempo de resposta. A curva em cinza representa o tempo de equilibraçao após adiçao de 0,5 mL de de HCl 0,1 N, e a curva em preto representa o tempo de equilibraçao após adiçao de 1 mL de HCl 0,1 N
O tempo de equilibraçao de 90%, que apresentou média 4,6 min, é suficientemente rápido para pesquisas envolvendo a dinâmica do CO2 em regioes costeiras, e ideal para compreender as escalas temporais que atuam em estuários, como as variaçoes sazonais e guiadas pelas marés, assim como a própria variaçao espacial dos sistemas.9,45 As diferenças nos tempos de equilibraçao (T = 90%) para ΔpCO2 entre 834 e 11799 ppmv foram menores que 20 s, reforçando o bom, constante e linear tempo de resposta do sistema frente a mudanças abruptas nos valores da pCO2. Uma das vantagens do presente sistema é permitir uma rápida velocidade de troca de gás entre as fases gasosa e líquida dentro do equilibrador,16 atingindo o equilíbrio mais rápido que outros equilibradores disponíveis no mercado.18 As variáveis que definem o tempo de equilibraçao da transferência gasosa entre as fases gasosa e líquida em um equilibrador incluem a área superficial de troca, o coeficiente de transferência, a pressao, o coeficiente de solubilidade, o volume da fase gasosa, o volume da fase líquida e a velocidade do fluxo de água.43,46-48 O tempo de resposta atingido pelo presente sistema está de acordo com os valores encontrados por Santos et al.,18 que utilizou um sistema similar de equilibraçao. Os resultados também estao em bom acordo com aqueles de Abril et al.,19 que reportaram estabilizaçao de valores entre 2-4 min, em um teste realizado em águas de reservatório. Os resultados de Gulzow et al.,46 também mostraram tempo de equilibraçao próximo a 4 min utilizando um sistema similar acoplado a um espectroscópio de cavidade (ICOS) para detecçao do CO2. Entretanto, os resultados do tempo de equilibraçao do sistema testado no presente estudo mostraram valores mais elevados que aqueles reportados por Frankignoulle et al.,16 para águas estuarinas. Como ambos os sistemas de equilibraçao foram similares, a diferença pode ser explicada pela variaçao na velocidade do fluxo de água, pois a vazao de água no presente trabalho (1-2 L min-1) foi menor que a vazao reportada por Frankignoulle et al.,16 (3 L min-1). Um recente trabalho quantificou qual a influência da velocidade do fluxo de água sobre o tempo de resposta do equilibrador do tipo marble.43 Os autores testaram fluxos de água variando entre 1,5 L min-1 e 9 L min-1. Os resultados se ajustaram em uma equaçao polinomial inversa de primeira ordem, ou seja, quanto maior a velocidade do fluxo de água menor é o tempo necessário para a equilibraçao. O tempo de resposta mais rápido (2 minutos) foi atingido quando o fluxo de água foi máximo (9 L min-1), corroborando com trabalhos prévios e reforçando a influência preponderante da velocidade do fluxo de água sobre o tempo de resposta. Outros fatores também podem contribuir em menor grau para o tempo de resposta do sistema, incluindo a temperatura e a salinidade, que podem alterar a solubilidade, o coeficiente de difusividade e a viscosidade da água.47 Diferenças entre os valores de pCO2 calculados e medidos na Baía de Guanabara e no estuário do Rio Sao Francisco A comparaçao dos valores calculados e medidos da pCO2 na Baía de Guanabara e no estuário do Rio Sao Francisco é apresentada na Figura 4 e na Tabela 2, que também contém os resultados dos parâmetros físico-químicos das águas dos estuários. Para a Baía de Guanabara, os valores medidos e calculados foram altamente correlacionados (Y = 1,084*X - 27,71; R2 = 0,95; p < 0,001; n = 174), enquanto para o estuário do Rio Sao Francisco a correlaçao foi menor (Y = 1,596*X + 802,1; R2 = 0,51; p < 0,001; n = 63). Para a Baía de Guanabara, o valor médio da pCO2 medido foi 418 ± 431 ppmv e o calculado foi 421 ± 452 ppmv. O teste pareado de Wilcoxon mostrou que a diferença nao foi estatisticamente significativa (p > 0,05). Para o estuário do Rio Sao Francisco, o valor médio da pCO2 medido foi 1469 ± 2949 ppmv e o calculado foi 3147 ± 6583 ppmv. O teste de Wilcoxon mostrou haver diferenças significativas entre os valores medidos e calculados (p < 0,01). De uma maneira geral, os valores calculados da pCO2 foram superestimados no estuário do Rio Sao Francisco.
Figura 4. Comparaçao entre os valores calculados e medidos da pCO2. A Figura 4a contém todos os resultados obtidos nessa comparaçao. A Figura 4b representa somente os pontos inseridos dentro do quadrado desenhado na Figura 4a
A correlaçao positiva entre os valores calculados e medidos na Baía de Guanabara indica que a pCO2 pode ser calculada com elevado grau de confiabilidade em ambientes estuarinos com águas de elevada salinidade (ausência de regiao estuarina com domínio de água doce). A correlaçao entre os valores medidos e calculados da pCO2 também foi elevada para o estuário do Rio Sao Francisco considerando apenas as amostras com salinidade maior que 1 (Y = 1.268*X - 128.6; R2 = 0,88; p < 0,001), reforçando a hipótese acima. Entretanto, a correlaçao entre valores calculados e medidos decai fortemente se sao considerados apenas os resultados das amostras com salinidade entre 0-1 (Y = 1.298*X + 2092; R2 = 0,46; p < 0,001), com valor médio da superestimativa da pCO2 calculada de 137%, atingido o valor extremo de 737%. Se os dados das salinidades entre 0-1 sao eliminados para o estuário do Rio Sao Francisco, a superestimativa decai fortemente, evidenciando que a problemática se concentra na regiao de água doce onde predominam baixos valores de pH e AT. A influência da matéria orgânica dissolvida sobre os valores da AT foi recentemente discutida na literatura.17 Esses autores afirmam que a matéria orgânica pode contribuir com uma expressiva fraçao da AT (formaçao da alcalinidade orgânica), levando a importantes erros nas estimativas da pCO2 se calculada mediante valores de pH e AT.49,50 Em alguns rios como o Amazonas e o Kongo, Abril et al.,17 reportaram significantes superestimativas da pCO2 calculada (> 50%) sob condiçoes de pH < 7 e AT < 1000 µmol L-1. Esses erros foram atribuídos à presença de alcalinidade orgânica em águas pobremente tamponadas pela alcalinidade carbonática. Essa problemática descrita por Abril et al.,17 pode ser uma possível explicaçao para as elevadas superestimativas da pCO2 encontradas nas amostras de água doce do Rio Sao Francisco, ou seja, a contribuiçao da alcalinidade orgânica e o baixo tamponamento do sistema carbonato. Enquanto no estuário do Rio Sao Francisco os erros parecem ser significantes somente na regiao de baixa salinidade (Figura 5), nao podemos excluir que em outros sistemas estuarinos (como aqueles influenciados por manguezais e marismas) a presença de ácidos orgânicos possa afetar os cálculos da pCO2 também em salinidades intermediárias. As Figuras 5a, 5b e 5c apresentam gráficos quantificando o erro do cálculo da pCO2, em porcentagem, em funçao da salinidade, pH e AT. De uma maneira geral, as maiores superestimativas foram verificadas na regiao entre 0-1 de salinidade, concomitantes com valores baixos de pH e AT. Dessa forma, os resultados sugerem que o cálculo da pCO2 nao pode ser realizado para regioes de água doce de estuários com pH < 7,5 e AT < 700 µmol kg-1. Segundo Abril et al.,17 nenhuma relaçao empírica pode ser derivada para corrigir o erro nos cálculos, assim nós corroboramos com os autores citados anteriormente de que a mediçao direta da pCO2 é essencial para a alta qualidade dos dados.
Figura 5. Comparaçao da superestimativa da pCO2 calculada entre os dois sistemas estuarinos. O gráfico 5a apresenta a superestimativa em funçao dos valores de pH; o gráfico 5b apresenta a superestimativa em funçao da AT; o gráfico 5c apresenta a superestimativa em funçao da salinidade
Em adiçao à problemática do cálculo da pCO2 descrita no parágrafo anterior, problemas nas mediçoes do pH também podem ser as causas de importantes discrepâncias entre os valores da pCO2 calculados e medidos. A Figura 6 apresenta os resultados teóricos da sensibilidade dos cálculos da pCO2 em funçao de um erro de 0,05 unidades no pH. Os erros foram estabelecidos para condiçoes típicas das águas da Baía de Guanabara (salinidade 30, temperatura 25 ºC, AT 2 mmol kg-1) e do estuário do Rio Sao Francisco (salinidade 10, temperatura 25 ºC, AT 1 mmol kg-1). As estimativas cobrem valores de pH entre 6 e 9. Por exemplo, para a Baía de Guanabara, em águas com salinidade média de 30, pH de 8,45 e AT de 2 mmol kg-1, um erro de 0,05 unidades (0,6%) no pH resulta em um erro de ± 16% no cálculo da pCO2. No estuário do Rio Sao Francisco, em águas com salinidade de 10, pH de 8,05, e AT de 1 mmol kg-1, um erro de 0,05 unidades (0,6%) no pH resulta em um erro de ± 13% na pCO2 calculada. Levando-se em conta que os cálculos dos fluxos de CO2 na interface água-atmosfera incluem o gradiente da pCO2 nessa interface, erros de apenas 0,05 nas mediçoes do pH podem levar a erros nos cálculos dos fluxos que passam de 20% em águas oligo-halinas a levemente meso-halinas.
Figura 6. Impacto do erro analítico de 0,05 unidades na mediçao do pH sobre o cálculo da pCO2. O gráfico apresenta resultados para condiçoes típicas das águas da Baía de Guanabara (salinidade 30, temperatura 25 °C, AT 2 mmol kg-1) e das águas do estuário do Rio Sao Francisco (salinidade 10, temperatura 25 °C, AT 1 mmol kg-1)
Exemplos das mediçoes em tempo real em estuários Para exemplificar a aplicaçao das mediçoes em escalas de pequenas variaçoes espaciais e temporais, a Figura 7 é apresentada com os resultados obtidos durante um fundeio de 25 horas na Baía de Guanabara. O traçado em preto no mapa indica o trajeto percorrido pela embarcaçao e a seta indica o sentido da rota. Ao lado direito do mapa da Baía de Guanabara é possível observar 6 gráficos contendo a variaçao espacial dos parâmetros ao longo do trajeto percorrido pela embarcaçao (parâmetro versus. Longitude), quando foi realizado um N amostral contendo 232 mediçoes (1 por minuto). Os gráficos 7a e 7b apresentam a variaçao dos valores da pCO2 e do OD (oxigênio dissolvido). As diminuiçoes nos valores de pCO2 concomitantes com aumentos nos valores de OD e clorofila a sao relacionados com as atividades fitoplanctônicas que consumiram o CO2 da água e liberaram OD através do processo da fotossíntese. Também nesses gráficos é possível observar a influência de plumas de rios poluídos (quando os valores de OD sao mais baixos e os valores de pCO2 sao mais altos). Esses resultados mostram que as variaçoes em curta escala espacial nao poderiam ser observadas com tanta precisao caso a amostragem fosse discreta e pontual (os valores da pCO2 alcançaram variaçoes além de 1500 ppmv em uma distância de apenas 300 m, aproximadamente). A velocidade de navegaçao da embarcaçao foi de aproximadamente 2,3 m s-1, configurando uma amostragem de alta resoluçao espacial (uma mediçao a cada 138 m, aproximadamente). Importante ressaltar que se os gradientes espaciais se tornam acentuados, é necessária a diminuiçao da velocidade de navegaçao em funçao do tempo de resposta do sistema de mediçao.
Figura 7. Exemplos da aplicaçao do sistema de mediçao contínuo na Baía de Guanabara (agosto de 2013). A linha em preto no mapa se refere à trajetória da embarcaçao. Os gráficos 7a, 7b, 7c, 7d, 7e, 7f se referem, respectivamente, aos valores da pCO2, OD, pH, clorofila a, salinidade e temperatura obtidos durante a trajetória da embarcaçao. A estrela em preto no mapa se refere à localizaçao do fundeio de 25 horas. O gráfico 7g apresenta as variaçoes diuturnas de pCO2 e OD e o gráfico 7h apresenta as variaçoes diuturnas da temperatura e salinidade, com os períodos de maré enchente (Ench.) e vazante (Vaz.). A parte sombreada representa o período noturno
Os gráficos das Figuras 7g e 7h apresentam resultados de um fundeio de 25 horas realizado próximo à desembocadura da baía. Nesses gráficos é possível ver que existem variaçoes diuturnas nas concentraçoes de OD e pCO2, entretanto nao foi possível indicar tendências de diminuiçao ou aumento da pCO2 com a variaçao da maré, ou diferenças entre o dia e a noite. Durante as primeiras horas da coleta, durante maré enchente, é possível notar diminuiçao da pCO2 e o aumento concomitante do OD, possivelmente relacionado com o processo de fotossíntese. Entretanto, após algumas horas, ainda durante maré enchente, a pCO2 começa a subir com a concomitante diminuiçao do OD, provavelmente relacionado com a intrusao de águas que estavam no mar adjacente à baía. Após esse período, nao foi possível visualizar tendências nas variaçoes dos dados. A correlaçao negativa entre OD e pCO2 (r = 0,71; p > 0,001; Teste de Spearman) corrobora a hipótese de que os processos de fotossíntese e respiraçao (controle biológico) explicam parcialmente a variaçao dos dados. Os valores da pCO2 sempre acima de 400 ppmv indicam que a regiao se comportou como fonte de CO2 para a atmosfera durante esse período. Maiores informaçoes sobre as concentraçoes e as trocas atmosféricas de CO2 na Baía de Guanabara podem ser encontradas em Cotovicz Jr. et al.,24 Esses autores mostraram que o setor mais externo da baía de Guanabara apresentou variaçao sazonal comportando-se como fonte de CO2 atmosférico no inverno (2,85 mmol m-2 h-1) e sumidouro no verao (-3,88 mmol m-2 h-1), relacionados com processos de fotossíntese e respiraçao pelas comunidades fitoplanctônicas. Considerando o balanço anual, a regiao externa foi considerada um leve sumidouro de CO2 (-0,51 mmol m-2 h-1).24 A faixa da variaçao da pCO2 durante o ciclo completo da maré realizado nesse fundeio foi de aproximadamente 90 ppmv, e menor que variaçoes reportadas na literatura relacionadas com variaçoes espaciais e diuturnas.24 Para o OD, é possível visualizar uma correlaçao positiva com a temperatura (r = 0,68; p > 0,001; Teste de Spearman). A temperatura e as concentraçoes de OD foram maiores durante o dia e relacionados com atividades fotossintéticas. A salinidade mostrou ser um parâmetro de menor importância tanto para variaçoes diuturnas do OD quanto da pCO2. Outros estudos mostraram a importância do monitoramento do CO2 em funçao de variaçoes diuturnas relacionadas com os processos de fotossíntese e respiraçao, e ao longo do ciclo de marés.51,52 O monitoramento das concentraçoes espaciais e temporais (sazonais, diuturnas) da pCO2 é necessário juntamente com levantamentos de parâmetros físico-químicos, meteorológicos e hidrodinâmicos, e o sistema de mediçao contínua pode abranger essas escalas como exemplificado nesse e em outros estudos.19,51,52
CONCLUSAO Os resultados indicam que para as águas salinas e eutrofizadas da Baía de Guanabara, as mediçoes contínuas e diretas da pCO2 apresentaram boa concordância com os resultados da pCO2 calculada. Entretanto, para o estuário do Rio Sao Francisco, a diferença entre os valores calculados e medidos da pCO2 foi alta e significativa, onde a pCO2 calculada foi superestimada, em média, 74%. Essa problemática foi visualizada somente nas regioes do estuário ainda influenciadas pela maré, e dominadas pela água doce onde predominam condiçoes de baixa AT e baixo pH. A superestimativa alcançou o valor extremo de 737%. Tais diferenças entre a pCO2 calculada e medida podem ocasionar importantes erros nos cálculos dos fluxos de CO2 nas regioes estuarinas. Dessa forma, os resultados sugerem que o cálculo da pCO2 nao deve ser realizado em regioes estuarinas com domínio de água doce, com pH < 7,5 e AT < 700 µmol kg-1. Uma possível explicaçao para essas importantes superestimativas é a contribuiçao da alcalinidade orgânica sobre a AT, diminuindo o poder tampao do sistema carbonato e ocasionando erros nos cálculos através dos valores de pH e AT. Porém, novos estudos devem ser conduzidos para um caráter mais conclusivo dessa hipótese. Os resultados das mediçoes em tempo real também demonstraram que existem importantes variaçoes de curta escala espacial e temporal nos valores da pCO2 em ambos os sistemas, reforçando a importância de mediçoes diretas e contínuas. A grande variabilidade da pCO2 entre dois estuários distintos, e mesmo espacial para cada um dos estuários, mostra que estudos de pCO2 na costa brasileira precisam ser intensificados para que se possa progressivamente modelar o comportamento da pCO2 em águas estuarinas do clima tropical úmido ao subtropical influenciados, ou nao, por atividades antrópicas ao longo da costa brasileira. Portanto, para cálculos mais precisos e fidedignos em se tratando dos estudos dos fluxos de CO2 em sistemas costeiros, se faz necessária a implementaçao de mediçoes diretas.
AGRADECIMENTOS Ao Programa Ciência Sem Fronteiras, Modalidade Pesquisador Visitante Especial (PVE), Edital No 61/2011/Linha 2, Processo CNPq-Pve No 401.726/2012-6, pelo financiamento da pesquisa e concedimento de bolsas PVE para o Dr. Gwenaël Abril e pós-doutorado para a Drª. Nilva Brandini. Dr. Bastiaan A. Knoppers é bolsista CNPq-PQ 1C (Proc. No. 304342/2014-9) UFF/RJ; MSc. Luiz C. Cotovicz Jr e Msc. Bruno G. Libardoni sao bolsistas de doutorado do CNPq. Ao Prof. Dr. Paulo Ricardo Petter Medeiros, Departamento de Geografia e Meio Ambiente, Laboratório de LABMAR/UFAL, pelo suporte logístico e científico durante as campanhas amostrais. Ao Projeto "Variabilidade climática, oceânica e antrópica na Baía da Guanabara: perspectiva comparativa em diversas escalas temporais", coordenado pelo Prof. Renato Campelo Cordeiro (UFF), pela disponibilizaçao de equipamentos de mediçoes. Ao técnico Dominique Poirier, do EPOC - Université de Bordeaux e à técnica Ludmila Costa, Lab. Biogeoquímica Marinha - Universidade Federal Fluminense, pelo suporte durante a etapa analítica. Agradecemos também aos três revisores anônimos desse artigo pelas correçoes e convenientes sugestoes. REFERENCIAS 1. Stocker, T. F.; Qin, D.; Plattner, G.-K.; Tignor, M.; Allen, S. K.; Boschung, J.; Nauels, A.; Xia, Y.; V. Bex, V.; Midgley, P. M.; IPCC, 2013: Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press: New York, 2013. 2. Le Quéré, C.; Raupach, M. R.; Canadell, J. G.; Marland, G.; Bopp, L.; Ciais, P.; Conway, T. J.; Doney, S. C.; Feely, R. A.; Foster, P.; Friedlingstein, P.; Gurney, K.; Houghton, R. A.; House, J. I.; Huntingford, C.; Levy, P. E.; Lomas, M. R.; Majkut, J.; Metzl, N.; Ometto, J. P.; Peters, G. P.; Prentice, I. C.; Randerson, J. T.; Running, S. W.; Sarmiento, J. L.; Schuster, U.; Sitch, S.; Takahashi, T.; Viovy, N.; van der Werf, G. 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