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Educação


Introdução à físico-química orgânica utilizando um colorímetro artesanal - uma prática interdisciplinar
Introduction to physical organic chemistry using a homemade colorimeter - an interdisciplinary experiment

Valmir B. Silva; Elisa S. Orth*

Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná, CP 19081, 81531-990 Curitiba - PR, Brasil

Recebido em 01/07/2016
Aceito em 13/09/2016
Publicado na web em 12/10/2016

Endereço para correspondência

*e-mail: elisaorth@ufpr.br

RESUMO

Herein, we propose an interdisciplinary experiment for undergraduate course that involves concepts of organic and physical chemistry. Firstly, we propose the synthesis of three nitrophenyl acetates, varying the substituent position. Afterwards, we describe the construction of a homemade colorimeter using inexpensive materials and LED as both emission and detection dispositives. Finally, the colorimeter is used to follow the nucleophilic acyl transfer reactions catalyzed by imidazole under pseudo-first order conditions for the reactions of p-nitrophenyl, o-nitrophenyl and m-nitrophenyl acetate with imidazole. The substituent effect is correlated to the reactivity of the acetates, one of the benchmarks of a physical organic chemical approach. The effect of imidazole concentration is also evaluated. The proposed experiment is interesting because the students can thoroughly understand how a spectrophotometer works and since each student can construct their own colorimeter, they don't have to rely on any equipment infrastructure. Additionally they can correlate two important areas: organic and physical chemistry by using a kinetic study in the understanding of organic reactions. Indeed, physical organic chemistry is a field of increasing interest specially for elucidating mechanisms and introducing students to this interdisciplinary approach is interesting since several undergraduate concepts are covered.

Palavras-chave: homemade colorimeter; kinetic study, physical organic chemistry, substituent effect.

INTRODUÇAO

A físico-química orgânica é a área que correlaciona estrutura e reatividade em reaçoes orgânicas, aliando ferramentas da físico-química com a química orgânica.1 Essa interdisciplinaridade tem permeado importantes descobertas na elucidaçao mecanística de diversas reaçoes, no entanto essa área é pouco explorada nos currículos de graduaçao. Cada vez mais, a abordagem de inter-relacionar áreas da química tem se mostrado uma promissora aliada didática, o que atrelado ao fato que a área da físico-química orgânica "renasceu" no século XX, após sua quase decadência, corrobora a importância de apresentar esse assunto aos alunos de graduaçao.2 Nesse sentido, nós apresentamos um experimento interdisciplinar focado para cursos de graduaçao, com o objetivo de introduzir a físico-química orgânica através de um estudo cinético referente ao efeito do substituinte em reaçoes nucleofílicas de desacilaçao, utilizando um colorímetro artesanal.

Reaçoes nucleofílicas de desacilaçao de ésteres constituem uma interessante classe de reaçoes para uma abordagem físico-química orgânica, uma vez que a estrutura do éster e do nucleófilo afetam a velocidade da reaçao. Conforme ilustrado no Esquema 1, nessas reaçoes o nucleófilo ataca o centro eletrofílico do éster, podendo passar por um intermediário ou estado de transiçao (ET) tetraédrico, quando segue um mecanismo associativo ou concertado, respectivamente. Em seguida, ocorre a eliminaçao da base mais fraca ligada ao intermediário ou ET.3 Dessa forma, o pKa dos grupos abandonadores sao bons indícios da reatividade de ésteres nessa classe de reaçoes. Isso é, em geral, quanto menor o pKa do ácido conjugado do grupo abandonador, melhor grupo abandonador é. No caso do Esquema 1, como ROH tem pKa menor que RH (pKa ROH~16; pKa RH~ 50),4 espera-se a saída de RO- em contraste a R-. Por outro lado, quando os valores de pKa dos grupos abandonadores sao similares outros fatores devem ser levados em consideraçao para diferenciar a reatividade dos substratos, por exemplo, o efeito indutivo dos grupos próximos à carbonila.

 


Esquema 1. Esquema geral para reaçoes de adiçao seguido de eliminaçao em ésteres

 

O experimento aqui proposto busca avaliar a reatividade dos acetatos de p-nitrofenila (APNF), o-nitrofenila (AONF) e m-nitrofenila (AMNF) nas reaçoes de catálise nucleofílica mediadas por imidazol. O imidazol é conhecido por ser um catalisador nucleofílico nas reaçoes com os ésteres de nitrofenila, sendo reativo apenas em sua forma neutra, onde o imidazol ataca o carbono da carbonila formando um intermediário acilado, seguido da sua hidrólise e regeneraçao do imidazol (Esquema 2).5,6 O intermediário tetraédrico apontado no Esquema 1 previsto pelo mecanismo associativo foi desconsiderado no Esquema 2, visto sua difícil detecçao. De fato, para a reaçao do imidazol com o APNF, é conhecido que a reaçao ocorre por um mecanismo de adiçao-eliminaçao (associativo) com a formaçao do intermediário tetraédrico seguido do intermediário acilado. Todavia, o intermediário tetraédrico é instável e rapidamente hidrolisado, nao sendo possível observar sua existência pelos estudos cinéticos. Já o intermediário acilado já foi observado por UV-vis sendo possível acompanhar sua cinética de formaçao e decomposiçao.6,7

 


Esquema 2. Mecanismo para a reaçao dos ésteres de nitrofenila catalisado por imidazol

 

Assim, além de acelerar a velocidade da reaçao, o imidazol nao é consumido, se comportando como um autêntico catalisador nucleofílico. O propósito do imidazol é promover a clivagem dos acetatos de nitrofenila para seus produtos nitrofenol e acetato, que sao os mesmos produtos da hidrólise espontânea desses ésteres. No entanto, essa hidrólise é desfavorável e sua reaçao é conhecidamente lenta em água pH ~7. Como o imidazol é um melhor nucleófilo que a água, a formaçao do intermediário com imidazol (Esquema 2) é mais favorável do que o respectivo com água (i.e. acetato). Em seguida, o acetato é facilmente obtido pela hidrólise do instável intermediário imidazólico, em contraste com a hidrólise do éster, visto o imidazol ser um bom grupo abandonador. Assim, os produtos da hidrólise dos ésteres podem ser obtidos utilizando o imidazol como catalisador nucleofílico. Vale ressaltar que o imidazol é um heterociclo bastante versátil com pKa do ácido conjugado ~7 e pode atuar como ácido, base ou nucleófilo. Como nucleófilo, apenas um nitrogênio do imidazol é nucleofílico, visto que o par de elétrons do outro nitrogênio está comprometido com a ressonância do anel (análogo ao pirrol).3

Com relaçao aos grupos abandonadores, nas reaçoes propostas no Esquema 2 (primeira etapa para formaçao do intermediário), o m-nitrofenol tem basicidade acentuadamente maior (MNF pKa = 8,10)8 ao passo que o p-nitrofenol (PNF) e o-nitrofenol (ONF) tem basicidade semelhante (PNF pKa = 7,15 e ONF pKa = 7,23).9 De tal modo, comparado ao CH3-, os nitrofenóis sao melhores grupos abandonadores, portanto, espera-se que os produtos MNF, PNF e ONF sejam formados. Assim, AMNF, APNF e AONF sao mais reativos que o acetato de fenila, visto que fenol tem pKa = 9,8 portanto sua saída é menos favorecida que o PNF, ONF ou MNF. O efeito retirador dos grupos nitro (por efeito indutivo e/ou ressonante) aumenta a eletroficilidade do éster, tornando-o mais suscetível ao ataque nucleofílico.10 Nesse contexto, espera-se que o AMNF seja menos reativo que o AONF e APNF, por seu grupo abandonador (MNF) possuir um pKa maior. Todavia, quando comparamos o PNF e ONF, seus pKa's semelhantes dificultam uma distinçao clara do melhor grupo abandonador, mas os resultados claramente mostram que APNF e AONF tem reatividades distintas. Para explicar isso, deve-se considerar o efeito do grupo retirador na posiçao orto, que tem efeito indutivo (além de efeito ressonante), que facilita a desacilaçao, deixando o centro eletrofílico mais reativo.5 Esses conceitos de reatividades sao fundamentais para entender reaçoes orgânicas e sao os pilares da físico-química orgânica

Os aspectos abordados acima podem ser avaliados por estudos cinéticos com métodos experimentais que acompanham a concentraçao (de reagentes, intermediários e/ou produtos) em funçao do tempo. Para isso, sao frequentemente utilizados pHmetros, condutivímetros, cromatógrafos ou espectrofotômetros. O uso de espectrofotômetros UV-VIS é bastante conhecido, para os quais existem diversos experimentos descritos em livros didáticos e revistas especializadas, que em geral exigem um mínimo de infraestrutura de equipamentos.11-14 Os espectrofotômetros sao por muitas vezes tratados como "caixas-mágicas" onde uma amostra é inserida e um resultado é obtido sem que fique claro como o equipamento gerou o resultado.15 Assim, a construçao de equipamentos de baixo-custo pode fazer uma dupla-funçao no processo de ensino e aprendizagem. Primeiro, elucidando como funciona um equipamento "por dentro", permitindo a discussao de aspectos técnicos sobre como gerar e melhorar a qualidade dos dados obtidos. Segundo, como ferramenta de acesso a esses equipamentos que frequentemente nao existem, nao funcionam ou têm seu uso restringido devido à grande quantidade de estudantes, uma vez que em geral os laboratórios de ensino possuem 1-2 espectrofotômetro(s).

Dessa forma, o objetivo desse trabalho é apresentar um experimento interdisciplinar para cursos de graduaçao em Química com objetivo de introduzir a físico-química orgânica através do estudo cinético de reaçoes a fim de avaliar o efeito de substituinte na reatividade. Nesse experimento, o aluno utilizará várias áreas da química, i.e., química orgânica, físico-química e físico-química orgânica, pois irá sintetizar os ésteres, construir seu próprio colorímetro artesanal de baixo custo utilizando diodos emissores de luz (LED) para acompanhar as reaçoes, realizar os estudos cinéticos e por fim interpretar os resultados associando reatividade com estrutura. Assim, o aluno aprenderá diversos conceitos: (i) funcionamento de espectrofotômetros; (ii) estudo cinético de reaçoes sob condiçoes de pseudo-primeira ordem; (iii) elucidaçao mecanística de reaçoes nucleofílicas de desacilaçao e efeito do substituinte; e (iv) catálise nucleofílica. O experimento proposto foi aplicado com sucesso em uma turma de graduaçao em Química do quarto ano.

 

PARTE EXPERIMENTAL

O roteiro proposto para os alunos está apresentado no material suplementar, divididos em três partes que foram planejados para três aulas com duraçao de duas horas cada: (i) síntese dos acetatos de nitrofenila; (ii) construçao do colorímetro artesanal e (iii) estudo físico-químico orgânico. Abaixo está descrito resumidamente os reagentes e materiais necessários, as sínteses, a construçao do colorímetro artesanal, a validaçao do colorímetro através de uma curva de calibraçao e, por fim, o estudo cinético de reaçoes de desacilaçao com imidazol utilizando o colorímetro.

Reagentes e materiais necessários

Os materiais necessários incluem LED alto brilho de cor azul, fios com conector macho e fêmea para protoboard, fonte de energia (5v ~ 9v), espuma rígida, estilete, resistores (100 ohm), fita adesiva, cubetas de acrílico, frasco com tampa e rosca, barra magnética, funil de separaçao, provetas, micropipetas automáticas (20 µL), pipetas volumétricas e graduadas (5 mL) e cronômetro. Os reagentes necessários sao PNF, ONF, MNF, anidrido acético, perclorato de zinco hexahidratado, sulfato de sódio, hidróxido de sódio, imidazol, acetonitrila, éter etílico e água destilada. Como os alunos irao construir seu próprio colorímetro ("equipamento"), os equipamentos necessários para o experimento proposto serao o multímetro para medidas do colorímetro, agitador magnético, evaporador rotativo e medidor de ponto de fusao para a caracterizaçao dos ésteres.

Síntese dos ésteres

Os ésteres APNF, AMNF e AONF foram sintetizados de acordo com a metodologia descrita na literatura.16 Em um frasco com tampa e rosca foram adicionados 2,5 mmol de anidrido acético (de preferência destilado), 2,5 mmol de PNF, MNF ou ONF (para síntese do APNF, AMNF e AONF, respectivamente) e 0,025 mmol de perclorato de zinco hexahidratado. A soluçao foi deixada sob agitaçao magnética por 10 minutos e em seguida foram adicionados 10 mL de água destilada. Posteriormente, realizou-se três extraçoes com 15 mL de éter etílico. A fase orgânica foi lavada (3x) com soluçao de hidróxido de sódio (125 mmol L-1) para a neutralizaçao do ácido acético presente. A fase orgânica foi seca com sulfato de sódio, filtrada e concentrada em um evaporador rotativo (de preferência sob pressao reduzida). Os sólidos obtidos possuem cor amarelo pálido e seu ponto de fusao (PF) foi determinado em um equipamento de ponto de fusao digital. Para APNF PF= 77º- 79 ºC (lit:78 º-79 ºC),17 AONF PF= 34º-37 ºC (lit: 38 ºC)18 e AMNF PF= 49º-52 ºC (lit: 53º-54 ºC).19

Construçao do colorímetro

Inicialmente, para construçao do colorímetro deve-se montar um suporte, no qual foi utilizada uma peça de espuma rígida, porém, outros materiais podem ser utilizados. O suporte terá os LEDs emissor/receptor e o encaixe para apoiar a cubeta. A sequência de cortes na espuma, juntamente às dimensoes do suporte, está apresentada na Figura 1.

 


Figura 1. Montagem do suporte do colorímetro. A = Bloco retangular inicial, B = Corte central, C = Segundo corte central para acomodaçao dos LEDs e D = Vista de cima do suporte e corte quadrado para a acomodaçao da cubeta

 

Para a montagem da fonte de radiaçao sao necessários 1 LED azul, dois fios para protoboard com entradas fêmeas, uma fonte de energia (5 v ~ 9 v) e um resistor (100 Ω). O LED apresenta uma "perna" mais comprida que a outra, referente ao polo positivo. Os fios, o resistor e o LED podem ser obtidos em lojas especializadas ou em lixo eletrônico, barateando ainda mais a montagem. A fonte de energia utilizada foi um carregador de celular, porém carregadores de outros equipamentos como telefones sem-fio, balanças, impressoras ou baterias comuns podem ser utilizados. Com o suporte montado, o LED foi encaixado. Nas pernas do LED os fios foram conectados, onde no fio ligado ao polo positivo o resistor foi preso e por fim conectados à fonte de energia de acordo com a Figura 2. Para a montagem do detector foi utilizado outro LED azul, dois fios para protoboard com entradas fêmeas e um multímetro com pontas de prova na forma de "jacarés". O LED detector foi posicionado alinhadamente ao LED emissor, os fios conectados às pernas do LED e suas respectivas pontas foram conectadas às pontas de prova do multímetro. A Figura 2 apresenta uma foto do sistema construído e a disposiçao dos componentes.

 


Figura 2. Foto do colorímetro construído e esquema da sua montagem

 

Validaçao do colorímetro através de curva de calibraçao

Para validar o uso do colorímetro construído, realizou-se uma curva de calibraçao com PNF para verificar a linearidade do perfil de absorbância (convertido a partir de dados da diferença de potencial, ddp, vide infra) vs concentraçao, bem como obter a absortividade molar e relacionar com a literatura. Inicialmente, mediu-se a ddp no LED detector utilizando o multímetro, com 100% de transmitância (colorímetro com a cubeta com 3mL de água), ddp100%, e 0% de transmitância (objeto opaco bloqueando totalmente a passagem de luz), ddp0%. Foram entao medidas as ddps das soluçoes de PNF nas concentraçoes 1,0x10-6, 1,0x10-5, 3,0x10-5 e 5,0x10-5 mol L-1 em meio básico (pH = 10). A medida de ddp100% e ddp0% é importante para a calibraçao do colorímetro, pois corresponde à máxima e mínima transmitância possível e também corrige a contribuiçao de eventual radiaçao externa. Uma calibraçao análoga é feita em alguns equipamentos comerciais, justificando a necessidade dessas medidas.

Acompanhamento cinético

Inicialmente mediu-se ddp100% e ddp0% conforme explicado acima. Em quatro cubetas, foram adicionadas 3 mL de cada soluçao imidazol com as concentraçoes de 4,0 x10-2, 3,2 x10-2, 2,4 x10-2 e 1,6 x10-2 mol L-1. Cada reaçao iniciou com a adiçao de 20 µL da soluçao estoque do acetato (APNF, AONF ou AMNF 5x10-3 mol L-1 em acetonitrila) e o cronômetro foi acionado. A ddp foi medida a partir do início da reaçao, com intervalos de 10 segundos nos primeiros 2 minutos e após com intervalo de 1 minuto, até a ddp ficar constante. Para fins de ilustraçao, as reaçoes com imidazol mais concentrado (4,0 x10-2 mol L-1), i.e. mais rápidas, foram acompanhados por 4, 6 e 10 min para AONF, APNF e AMNF, respectivamente. Já nas reaçoes com imidazol menos concentrado (1,6 x10-2 mol L-1), i.e. mais lentas, acompanhou-se por 9, 13 e 17 min para AONF, APNF e AMNF, respectivamente. No final, foram acompanhadas 12 reaçoes diferentes. O material suplementar apresenta uma tabela completa como guia do que deve ser medido.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Colorímetro: construçao e validaçao

O colorímetro tem o objetivo de substituir um espectrofotômetro comercial e para isso é necessário que ele seja capaz de, em essência, fazer as mesmas funçoes. Os espectrofotômetros comerciais tem como fonte de radiaçao lâmpadas de deutério e tungstênio e um prisma ou grade de difraçao para separar a radiaçao em seus comprimentos de onda constituintes. O equipamento aqui descrito é constituído por dois circuitos, um emissor de luz e outro receptor, funcionando como um detector. A Figura 3 mostra a disposiçao dos componentes para os dois circuitos. Os LEDs atuam como fonte de radiaçao e como seletor de comprimento de onda. Eles sao construídos com materiais semicondutores e por isso apresentam band-gap definido em uma pequena faixa de comprimento de onda. Assim, a escolha da cor do LED para a montagem do colorímetro determina a faixa do comprimento de onda emitido na radiaçao luminosa.20 Para os nitrofenóis avaliados nesse experimento que apresentam seus máximos de absorçao próximos a 400 nm (Figura 4B), o LED de cor azul, dentre as opçoes comerciais, se mostra como ideal pois seu máximo de emissao é aproximadamente 430 nm (linha azul tracejada mostrada na Figura 4B).

 


Figura 3. Esquema do colorímetro

 

 


Figura 4. (A) Curva de calibraçao do PNF com o colorímetro e (B) Espectros do ONF, MNF e PNF. Linha azul tracejada corresponde a emissao do LED azul

 

O detector do colorímetro é constituído por um LED, sendo que o multímetro faz o papel de interface entre o equipamento e a geraçao dos dados. Os LEDs, quando submetidos a uma tensao, geram radiaçao e, por outro lado, quando a radiaçao incide sobre eles ocorre o inverso, a radiaçao é transformada em tensao, podendo ser medida com o auxílio de um multímetro. Dessa forma, quando colocamos uma substância que absorve no comprimento de onda do LED emissor, parte da radiaçao é absorvida e a quantidade de luz que passa pela cubeta decai, diminuindo a tensao no LED detector. Assim, podemos relacionar a quantidade de luz que sai do LED emissor com a ddp gerada no LED detector. Podemos ainda relacionar a ddp medida com absorbância pela Equaçao 1 e 2, onde I = radiaçao transmitida, I0 = radiaçao da fonte, ddp(a) = ddp da amostra, ddp0% = ddp medida com 0% de transmitância, ddp100% = ddp medida com 100% de transmitância, A=absorbância, ε = absortividade molar, c = concentraçao e l = caminho ótico (em geral 1 cm).15 Assim, podemos obter perfis cinéticos clássicos de absorbância vs tempo através de medidas de ddp em funçao do tempo.

Para evidenciar o perfil linear de absorbância vs concentraçao previstos pela Lei de Lambert-Beer (eq. 2) usando o colorímetro artesanal, como observado em espectrofotômetros usuais, foi construída uma curva de calibraçao para PNF. A Figura 4 mostra os espectros UV-Vis do PNF, ONF e MNF em meio básico (pH 10) obtidos utilizando um espectrofotômetro comercial (Perkin Elmer lambda 650), na qual a linha tracejada representa a emissao do LED azul. A Figura 4A apresenta a curva de calibraçao obtida com PNF utilizando o colorímetro artesanal, corroborando o comportamento esperado, com um bom coeficiente de correlaçao (r² = 0,99) e mostrando que o colorímetro tem resposta linear na faixa de concentraçao estudada. O valor de absortividade molar obtido pelo coeficiente angular dessa reta 6447,54 L mol-1 cm-1 (± 144,47) é menor que os valores apresentados na literatura (18380 L mol-1 cm-1),21 e já era esperado, uma vez que a radiaçao emitida pelo LED difere do comprimento de onda onde a absorçao do PNF é máxima (~405 nm). Vale ressaltar que as medidas foram feitas em pH 10 para garantir que PNF estivesse desprotonado (pKa~7,1). Isso porque a banda de absorçao máxima é deslocada de 317 nm para 405 nm e a absortividade molar é maior para espécie aniônica, garantindo medidas de absorbância maiores, i.e. maior ddp, diminuindo o erro das medidas.

Estudos cinéticos

Com o colorímetro devidamente validado com a curva de calibraçao e calibrado (mediçoes de 0% e 100% de transmitância), foi realizado o acompanhamento cinético das reaçoes do imidazol com os acetatos APNF, AONF e AMNF. As reaçoes apresentadas no Esquema 3 foram acompanhadas pelo aparecimento do produto PNF, ONF e MNF para APNF, AONF e AMNF, respectivamente.

 


Esquema 3. Reaçoes acompanhadas utilizando o colorímetro artesanal

 

As reaçoes foram estudadas sob condiçoes de pseudo-primeira ordem, pois as concentraçoes de imidazol foram muito maiores que as do éster. Assim, a lei de velocidade de segunda ordem (equaçao 3) se reduz a uma lei de primeira ordem (equaçao 4), em que v = velocidade, k2 = constante de velocidade de segunda ordem, [Éster] = concentraçao dos éster, [Imidazol] = concentraçao de imidazol e kobs = constante de velocidade observada de primeira ordem.

O estudo cinético proposto descreve o acompanhamento dos produtos fenolatos das reaçoes do Esquema 3, sendo que a lei integrada para formaçao de produto para reaçao de primeira ordem é descrita pela equaçao 6, onde [P]t = concentraçao do produto em determinado tempo, [P] = concentraçao do produto no infinito, kobs = constante de velocidade observada de primeira ordem e t = tempo. Para correlacionar a concentraçao de produto com a absorbância, combina-se a equaçao 6 com a lei de Lambert-Beer, levando à equaçao 7, em que A ∞ = absorbância no infinito e At = absorbância em determinado tempo. Essa equaçao descreve os perfis de absorbância vs tempo, tipicamente obtidos, apresentados na Figura 5. A equaçao 8 é a equaçao linearizada da equaçao 7, ou seja, ao plotar valores de ln(A ∞ - At) e t no eixo y e x, respectivamente, obtém-se um perfil linear que confirma o comportamento de primeira ordem e o coeficiente angular fornece kobs. Para validar o uso do colorímetro artesanal para o acompanhamento cinético, tem-se, na Figura 5, o perfil cinético obtido utilizando o colorímetro artesanal e um equipamento comercial (espectrofotômetro UV-Vis) para reaçao do AONF com imidazol (0,015 mol L-1). Os valores de kobs obtidos para os perfis apresentados na Figura 5 foram similares (obtidos por ajuste nao-linear, Eq. 7), evidenciando que o colorímetro artesanal pode substituir com segurança o espectrofotômetro comercial no acompanhamento cinético das reaçoes.

 


Figura 5. Dados de absorbância vs tempo para a reaçao do AONF com imidazol (0,015 mol L-1) acompanhadas com (A) colorímetro artesanal proposto e (B) espectrofotômetro comercial. Linhas vermelhas correspondem ao ajuste com a equaçao 7

 

Os perfis cinéticos obtidos utilizando o colorímetro artesanal para as reaçoes propostas com diferentes concentraçoes de imidazol estao apresentados na Figura 6A, 6C e 6E, na forma linear (Eq. 8). Observa-se que todas a reaçoes seguiram um perfil de primeira ordem com relaçao ao produto fenolato (consequentemente também para o reagente acetato). O efeito da concentraçao do imidazol pode ser observado na Figura 6B, 6D e 6F através de um perfil linear que está de acordo com a equaçao 5, evidenciado que a reaçao é de primeira ordem em relaçao ao imidazol. Apesar do imidazol estar em excesso, aumentar a concentraçao dele, aumenta kobs, tornando a reaçao mais rápida. Através dos perfis da Figura 6B, 6D e 6F foram obtidos as constantes de segunda ordem (k2) pelo coeficiente angular, que é a forma mais comum de representar constantes de velocidade nucleofílicas, pois pondera o efeito da concentraçao do nucleófilo (reagente em excesso).

 


Figura 6. Perfis cinéticos para reaçoes do (A) AONF (C) APNF e (E) AMNF com imidazol em diversas concentraçoes de imidazol e gráficos de kobs vs concentraçao do imidazol para (B) AONF (D) APNF e (F) AMNF

 

Vale ressaltar que, para as diferentes concentraçoes de imidazol, os valores de pH sao iguais a 9,9±0,1. Assim, é válido afirmar que, nas condiçoes reacionais propostas, o imidazol está na forma neutra mais reativa (vide supra) e ainda, que a reaçao nucleofílica catalisada é a reaçao que está sendo monitorada. Isso porque dado a baixa concentraçao de íons hidroxila (~10-4 mol L-1) aliada às pequenas constantes das reaçoes espontânea e alcalina (e.g. para APNF k0 = 1,1x10-5 s-1 e kOH = 1,0x10-4 mol-1 L s-1, respectivamente),22 assume-se que essas reaçoes nao contribuem significativamente para reaçao global nas condiçoes reacionais. Isso é, o tempo de meia vida das reaçoes com água (pH 7) e hidróxido (pH 10) sao 17,5 h e 26,7 meses, respectivamente, confirmando a pequena contribuiçao dessas reaçoes. Todos os resultados obtidos estao apresentados na Tabela 1.

 

 

Analisando os dados na Tabela 1 para os diferentes ésteres observa-se que as constantes k2 seguem AONF>APNF>AMNF (kobs segue mesma ordem nas diferentes concentraçoes) evidenciando o efeito do pKa do grupo de saída, onde AONF e APNF foram mais reativos que o AMNF, conforme esperado. De fato, a posiçao do substituinte nitro influencia de forma bastante acentuada a reatividade. No caso do AONF, tem-se um ataque nucleofilico mais suscetível devido ao efeito indutivo exercido sobre a carbonila, fato que é pouco perceptível para o APNF devido à maior distância entre o grupamento nitro e a carbonila. Quando a reatividade dos AONF e APNF é comparada ao acetato de fenila percebemos que os grupamentos nitro diminuem os pKas dos grupos abandonadores (nitrofenóis, vide supra) e que essa diferença afeta majoritariamente a reatividade sendo o acetato de fenila bem menos reativo (k2 = 0,0018 L mol-1 s-1 para reaçao com imidazol ).23 A Figura 7 apresenta um resumo do estudo realizado, onde tem-se uma relaçao da reatividade (k2) com a estrutura do éster e do seu grupo abandonador para levar a compreensao global dos efeitos. Assim, o grupo nitro é retirador de elétrons, o que torna o éster um melhor eletrófilo e diminui o pKa do grupo abandonador. Quanto maior esse pKa, pior o grupo abandonador, portanto o AMNF é o menos reativo. No AMNF tem-se apenas o efeito indutivo do grupo nitro, pois o efeito ressonante na posiçao meta nao afeta significativamente o éster. Já para o APNF, tem-se apenas o efeito retirador ressonante pois a contribuiçao do efeito indutivo é insignificante devido à distância do grupo retirador. Como o efeito ressonante é mais forte que o indutivo, APNF tem maior reatividade que AMNF. Por fim, o AONF se beneficia do efeito retirador ressonante e indutivo do grupo nitro, tornando-o mais reativo.

 


Figura 7. Resumo do estudo realizado e da compreensao dos efeitos avaliados

 

Dessa forma, o estudo cinético proposto permite relacionar reatividade (constante de velocidade) com estrutura (posiçao/natureza do substituinte) de forma bastante elegante, sendo estes aspectos os fundamentos da físico-química orgânica e o alicerce da elucidaçao mecanística das reaçoes químicas. A compreensao de catálise nucleofílica também é fundamental e, através do mecanismo proposto, o imidazol efetivamente é um catalisador, pois reage e, ao término, é regenerado (Esquema 2). A regeneraçao do imidazol nao pode ser distinguida cineticamente pelo experimento proposto, visto que ele está em excesso. No entanto, estudos anteriores confirmam esse caráter catalítico do imidazol, no qual foi possível acompanhar a regeneraçao do imidazol por ressonância magnética nuclear e espectrometria de massas.24 Esse aspecto mecanístico é fundamental para a discussao desse experimento e enriquece sua interdisciplinaridade, visto que esse papel catalítico do imidazol é conhecido em muitos sítios enzimáticos.6 Ainda, muitos conceitos cinéticos fundamentais foram abordados no experimento proposto. Um questionamento complementar que pode ser levantado: "qual seria a reatividade do acetato de 2,4-dinitrofenila em relaçao aos avaliados?". Nesse caso, o menor pKa do 2,4-dinitrofenol (~4), devido ao efeito retirador do segundo grupo nitro, torna-o um melhor grupo abandonador que PNF, ONF e MNF. Da mesma forma, ao substituir o grupo nitro por grupos doadores como metila, tornam o éster menos reativo, visto que o pKa do fenol correspondente é maior. O efeito de substituinte também pode ser avaliado na reatividade do nucleófilo, no entanto, apresenta efeito inverso do eletrófilo. Espera-se que grupos retiradores (e.g. nitro) diminuam a nucleofilicidade do imidazol, enquanto grupos doadores (e.g. metila) aumentem. Dentro dos conceitos cinéticos, pode-se questionar qual seria o perfil esperado se acompanhássemos o consumo de reagente. De fato, seria esperado também um perfil de primeira ordem, mas devido ao comprimento de onda de emissao do LED azul (~400 nm) nao seria possível acompanhar o consumo de reagente com o colorímetro proposto, que ocorre ~ 200 nm.

 

CONCLUSAO

O experimento proposto busca, inicialmente, através da construçao do colorímetro, desmistificar como funciona um equipamento de espectrofotometria "por dentro", oferecendo ao professor a oportunidade de discutir diversos conceitos químicos como a lei de Lambert-Beer junto a aspectos técnicos referentes aos equipamentos de forma geral. Além disso, o experimento proporciona o acesso a equipamentos por um baixo custo, pois os comerciais, de forma geral, sao caros e com quantidade limitada. Prevê-se que o custo do colorímetro artesanal seja ~R$10, podendo ser menor se forem reutilizados carregadores de celular como fonte e ainda sem contabilizar multímetro, que em geral tem-se maior disponibilidade nos laboratórios de ensino. Ainda, os alunos aplicam conceitos da química orgânica para sintetizar os ésteres por rotas simples e rápidas. Finalmente, o estudo cinético busca a discussao de aspectos fundamentais da estrutura e reatividade de compostos orgânicos proporcionando um estudo interdisciplinar que se utiliza da cinética como ferramenta para a compreensao de mecanismos de reaçoes orgânicas. Nessa parte, os alunos aplicam importantes fundamentos da cinética química como ordem de reaçao em relaçao ao diferentes reagentes, condiçoes de pseudo-n-ordem e constantes de velocidades para correlacionar com a reatividade. O acompanhamento de produto também nao é usual para alunos de graduaçao, visto que poucos livros didáticos apresentam a lei integrada para produtos, pois, em geral, só se avalia cinética em funçao do consumo de reagente. Ainda, eles aprendem o que é uma reaçao catalítica nucleofílica, promovida por muitas enzimas biológicas, mas muito difícil de mimetizar em reaçoes "simples" para estudar em laboratório. O experimento aqui proposto foi executado com êxito em uma turma de 4º ano do curso de química da UFPR, na qual os alunos demonstraram elevado interesse e participaçao, possivelmente devido à interdisciplinaridade do experimento que permite abordar e correlacionar diferentes áreas. Ainda, a abordagem físico-química orgânica foi novidade para maioria dos alunos, mas como eles já possuem o conhecimento teórico de química orgânica e físico-química necessários, eles conseguiram assimilar as ferramentas cinéticas propostas e sua importância.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

Os detalhes experimentais com fotos passo a passo para a montagem do colorímetro, roteiro proposto para o experimento e dados adicionais referentes aos estudos cinéticos estao descritos no material suplementar e estao disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

 

AGRADECIMENTOS

CNPq, CAPES, L'Oréal-UNESCO-ABC, Fundaçao Araucária e UFPR.

 

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