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Revisão


Remediação de solos contaminados por processos fenton: uma revisão crítica
Fenton remediation of contaminated soils: a critical review

Alecsandra dos Santos; Graziela da Silva Costa; Patricio Peralta-Zamora*

Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná, CP 19081, 81531-980 Curitiba - PR, Brasil

Recebido em 20/05/2016
Aceito em 27/09/2016
Publicado na web em 02/11/2016

Endereço para correspondência

*e-mail: zamora@ufpr.br

RESUMO

The remediation of contaminated soils is probably one of the biggest environmental challenges, mainly due to the complex dynamics of the pollutants in this medium. Among a variety of treatment alternatives proposed for the in-situ remediation of contaminated soils, Fenton processes appear as the most cost-effective, particularly when catalyzed by native iron oxides. However, both the efficiency of the Fenton process and its effect on the treated soil, are largely dependent of the treatment conditions and the main characteristics of the soil, which implies the nonexistence of universal procedures. In this work, the use of Fenton processes in soil remediation routines is critically evaluated, emphasizing aspects related to the degradation efficiency, the influence of the soil properties, the degradation mechanisms and the impacts on the treated soil.

Palavras-chave: soil remediation; Fenton process; mineral iron.

INTRODUÇAO

A remediaçao de solos contaminados provavelmente representa um dos maiores desafios na área ambiental, nao apenas em funçao da usual complexidade das matrizes de solo, mas principalmente em razao da complexa dinâmica dos poluentes nos ambientes contaminados.1 Em razao desta complexidade e da elevada frequência com que episódios de contaminaçao do solo sao verificados, muitas tecnologias de tratamento tem sido propostas nas últimas décadas, incluindo alternativas simples de tratamento in-situ, como sistemas fundamentados em atenuaçao natural e sistemas onerosos e complexos fundamentados em processos ex-situ, como tratamento térmico em plasma.

Dentro do contexto das novas tecnologias é possível destacar os processos de oxidaçao avançada (POAs), como os processos Fenton, que têm demonstrado elevada eficiência de degradaçao frente a inúmeros poluentes ambientais tóxicos e recalcitrantes,2 inclusive em matrizes de solo.3 Particularmente relevante se mostram os estudos de remediaçao de solos contaminados por hidrocarbonetos derivados de petróleo, os quais, apresentando toxicidade para a populaçao microbiana do solo, dificilmente podem ser degradados por processos biológicos naturais.1 Nos últimos anos, também destacam importantes aplicaçoes do processo Fenton na remediaçao de solos contaminados por hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, poluentes que se mostram resistentes à degradaçao microbiana e que sao considerados prioritários pela agência de proteçao ambiental dos Estados Unidos.

Em geral, a eficiência de degradaçao dos processos Fenton é dependente de algumas características do solo, natureza e concentraçao das formas minerais de ferro e da concentraçao de matéria orgânica. Assim, nao existem condiçoes universais que permitam a mesma eficiência de degradaçao em solos de natureza diferente. Por outro lado, as reaçoes Fenton podem impactar de forma negativa a qualidade do solo submetido a tratamento e do entorno, destacando a degradaçao da matéria orgânica e de consórcios microbianos e a lixiviaçao de metais e de subprodutos de degradaçao.

Em funçao destas últimas observaçoes, o presente trabalho objetiva a realizaçao de uma análise crítica sobre a aplicaçao de processos Fenton na remediaçao de solos contaminados por derivados de petróleo, enfatizando, nao apenas os aspectos relacionados com a eficiência de degradaçao, mas também os impactos negativos que a sua aplicaçao pode envolver.

 

CONTAMINAÇAO DO SOLO POR DERIVADOS DE PETROLEO

Nas últimas décadas a poluiçao causada por derivados de petróleo tem sido bastante frequente, principalmente em decorrência de vazamentos, derrames e acidentes durante a exploraçao, refinamento, transporte e operaçoes de armazenamento e distribuiçao,4 o que representa uma fonte contínua de contaminaçao dos solos e dos sistemas hídricos, com reflexos negativos nos ecossistemas envolvidos e na saúde humana.5

Geralmente, as espécies químicas que exigem maior preocupaçao ambiental nos episódios de contaminaçao do solo por derivados de petróleo sao benzeno, tolueno, etilbenzeno e os isômeros do xileno. Estas espécies, coletivamente chamadas de BTEXs, correspondem à fraçao mais tóxica e de maior mobilidade no solo,4,6 sendo preferencialmente monitoradas nos casos de contaminaçao e durante os processos de remediaçao. Estes contaminantes sao considerados substâncias perigosas, por serem depressores do sistema nervoso central e por causarem leucemia quando em exposiçoes crônicas.7 Além dos BTEXs, outros grupos de hidrocarbonetos podem ser monitorados nos casos de contaminaçao, incluindo hidrocarbonetos totais de petróleo (HTPs), hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e compostos orgânicos voláteis (COVs), todos de reconhecida toxicidade e persistência no meio ambiente.4

A contaminaçao do solo por compostos orgânicos é um processo complexo, comandado por diversos fatores que dependem da natureza química dos contaminantes e das propriedades físico-químicas do solo. Assim, no caso particular dos hidrocarbonetos de petróleo, processos de volatilizaçao favorecem a eliminaçao das espécies mais voláteis, processos de sorçao comandam a retençao de espécies mais hidrofóbicas, enquanto que a solubilizaçao favorece a lixiviaçao de espécies de maior polaridade relativa (ver ilustraçao em Figura 1).

 


Figura 1. Representaçao esquemática da dinâmica dos hidrocarbonetos no solo contaminado

 

No solo, os hidrocarbonetos alifáticos podem ser parcial ou totalmente degradados, graças à açao de consórcios microbianos formados por bactérias e fungos. Por sua vez, espécies aromáticas mostram maior resistência frente a processos de bioatenuaçao natural, principalmente quando na presença de etanol, em razao da degradaçao preferencial deste aditivo.8

Remediaçao de solos contaminados

A remediaçao de solos contaminados por compostos orgânicos é um desafio complexo, principalmente em razao da solubilidade relativamente baixa dos poluentes, da sua retençao por adsorçao nos componentes do solo e do limitado acesso dos micro-organismos para ocorrência de processos de biodegradaçao.5,9 Em decorrência destas características, processos de bioatenuaçao natural apresentam escassa aplicaçao, o que tem servido de incentivo para a proposta de vários procedimentos alternativos, incluindo sistemas de remediaçao in-situ, caracterizados pelo tratamento no próprio local da contaminaçao, e sistemas ex-situ, em que o solo contaminado é previamente removido do local.10 Uma ilustraçao que representa algumas alternativas de tratamento in-situ e ex-situ é apresentada na Figura 2.

 


Figura 2. Ilustraçao de sistemas in-situ e ex-situ para tratamento de solos contaminados

 

Em geral, tratamentos ex-situ permitem eficiente e uniforme remediaçao dos solos contaminados, em tempos relativamente curtos. Em contrapartida, a necessidade de remover e transportar o solo contaminado até a unidade de tratamento encarece o processo, o que representa uma das grandes desvantagens deste tipo de proposta.11 Várias técnicas ex-situ têm sido propostas para a remediaçao de solos contaminados por poluentes orgânicos, recorrendo-se a processos biológicos, físicos e químicos. Dentre os processos biológicos se destacam sistemas de biopilhas e landfarming,12 enquanto que dentre os processos físicos se destacam processos de dessorçao térmica.13 Os processos químicos oferecem uma grande gama de alternativas, envolvendo processos simples, como extraçao dos contaminantes por lavagem,14 ou de maior complexidade, como sistemas de oxidaçao química mediada por agentes como peróxido de hidrogênio, ozônio e permanganato.15

Por outro lado, os processos in-situ costumam apresentar um menor custo de tratamento, em razao de nao haver a necessidade de remoçao e transporte. Contudo, características como longo período de tratamento e nao uniformidade na eficiência de remediaçao representam importantes desvantagens deste tipo de alternativa. Alternativas para tratamento in-situ sao usualmente fundamentadas em processos físicos que objetivam a remoçao de espécies voláteis, como extraçao de vapor16 e injeçao de ar (soil venting ou air sparging),17 ou em processos biológicos fundamentados em atenuaçao natural, com ou sem estimulaçao.18 Processos químicos costumam envolver sistemas de extraçao por lavagem, usualmente utilizando surfactantes,19 e processos de oxidaçao fundamentados no uso de agentes como persulfato.20

Seja em funçao do alto custo dos sistemas ex-situ, do caráter nao destrutivo dos processos físicos aplicados in-situ ou da extrema vagarosidade dos sistemas de bioatenuaçao, principalmente na degradaçao de poluentes resistentes, a necessidade de novas alternativas de tratamento se mostra evidente. Dentro do contexto das novas tecnologias é possível destacar os processos de oxidaçao avançada fundamentados em processos Fenton, que têm demonstrado elevada eficiência de degradaçao frente a inúmeros poluentes ambientais tóxicos e recalcitrantes.

 

PROCESSOS DE OXIDAÇAO AVANÇADA (POAS)

Os POAs sao fundamentados na geraçao de espécies radicalares, principalmente radical hidroxila (OH•), que apresenta uma elevada capacidade de degradaçao oxidativa e reage com uma extensa variedade de compostos orgânicos promovendo, na maioria dos casos, a sua completa mineralizaçao.21

Tratam-se de versáteis alternativas de tratamento, em funçao do radical hidroxila viabilizar a substituiçao eletrofílica em compostos aromáticos, a adiçao eletrofílica em alcenos e a abstraçao de hidrogênio em alcanos.3 A versatilidade dos POAs também é reforçada pelo fato de que os radicais hidroxila podem ser gerados por diferentes processos homogêneos e heterogêneos, irradiados ou nao, normalmente envolvendo o uso de oxidantes relativamente econômicos, como ozônio, peróxido de hidrogênio (H2O2) e reagente de Fenton, entre outros.21,22

Processos Fenton

O processo Fenton convencional baseia-se na geraçao de radicais hidroxila, a partir da decomposiçao de peróxido de hidrogênio catalisada por íons ferrosos (Equaçao 1).22,23 As reaçoes Fenton também podem ser catalisadas por íons férricos, dando lugar a processos denominados Fenton-like. Embora cineticamente mais desfavorecida, esta reaçao leva à geraçao de radical hidroperoxila (HO2•) e Fe2+ (Equaçao 2), espécie, esta última, que desencadeia o processo Fenton tradicional representado na Equaçao 1.22-25 Assim, processos Fenton catalisados por Fe2+ se mostram mais eficientes na presença de baixas concentraçoes de peróxido, enquanto que processos mediados por Fe3+ sao favorecidos com o uso de concentraçoes mais elevadas.3

Dentre as principais vantagens dos processos Fenton é possível mencionar a elevada capacidade de degradaçao frente a inúmeros substratos considerados resistentes, a simplicidade operacional permitida pela ocorrência de reaçoes em meio homogêneo e a baixa toxicidade dos reagentes envolvidos no processo.

Processos Fenton aplicados na remediaçao de solos

O emprego de reaçoes Fenton para remediaçao de solos começou em 1990, quando Watts e colaboradores relataram a degradaçao de pentaclorofenol com o uso de peróxido de hidrogênio e sais ferrosos.26 Desde entao, os processos Fenton vêm sendo amplamente empregados para a remediaçao de solos contaminados com diversos poluentes, particularmente hidrocarbonetos derivados de petróleo.6,27,28

Em geral, o uso de formas solúveis de ferro (II) permite uma eficiente degradaçao de poluentes. Entretanto, as reaçoes devem ser realizadas em meio ácido (pH 2 a 3), de maneira a se evitar a precipitaçao de óxidos férricos que apresentam menor capacidade de catálise3 e que tendem a reduzir a permeabilidade do solo.28 Desta forma, é usual o uso de soluçoes aquosas de ácido sulfúrico, que permitem manter as formas iônicas de ferro em soluçao, mas que podem causar severo impacto ambiental.

Por outro lado, o uso de ferro mineral aumenta a faixa operacional de pH, o que permite tratamentos sem necessidade de alterar as condiçoes naturais do solo.29 Adicionalmente, os óxidos férricos decompoem peróxido de hidrogênio de forma mais lenta, o que permite uma maior estabilidade e alcance do oxidante, favorecendo a degradaçao de contaminantes em zonas mais profundas.3,30

Processos Fenton fundamentados no uso de ferro mineral datam de 1991, ano em que Tyre, Watts e Muller31 demonstraram a excelente capacidade destas espécies como catalisadoras das reaçoes de Fenton, observando uma elevada eficiência na decomposiçao do peróxido de hidrogênio e na concomitante degradaçao de poluentes. Nos últimos anos, inúmeros estudos relatam a remediaçao de solos contaminados por processos Fenton-like catalisados por formas minerais de ferro, incluindo goethita (FeO(OH)), hematita (Fe2O3), magnetita (Fe3O4) e pirita (FeS2), dentre outras.32

Processos Fenton catalisados por minerais de ferro

O uso de ferro mineral como catalisador de processos Fenton tem sido abundantemente relatado na literatura, usualmente permitindo elevada eficiência na degradaçao de hidrocarbonetos associados à contaminaçao por combustíveis. Em 2002, por exemplo, Watts e colaboradores33 observaram uma maior eficiência das formas minerais de ferro na degradaçao de benzo(a)pireno, em relaçao a sistemas Fenton mediados por formas solúveis de Fe2+. Pereira, Marques e Pérez34 estudaram a remediaçao de solos argilosos contaminados por diesel, verificando uma elevada taxa de degradaçao dos processos Fenton catalisados pelas formas minerais de ferro (8% de goethita e 5% de hematita), assim como nenhuma melhora significativa nos processos em que houve adiçao de íons Fe2+.

Estudos similares realizados por Xu e colaboradores28 e Romero e colaboradores35, envolvendo a remediaçao de solos contaminados por diesel e fenol, respectivamente, confirmam a pouca influência da adiçao de formas solúveis de ferro na eficiência de degradaçao dos processos Fenton aplicados em solos com elevado teor de ferro mineral, assim como a significativa melhora provocada pelo uso de maiores concentraçoes de peróxido de hidrogênio.

De maneira geral, dois tipos de mecanismo de reaçao sao propostos para as reaçoes Fenton catalisadas por minerais de ferro (ex. goethita, FeIIIOOH). O primeiro, proposto por Haber e Weiss em 1934,36 pressupoe a dissoluçao preliminar do mineral, favorecida em meio ácido, com formaçao de formas solúveis de Fe (III) que iniciam reaçoes do tipo Fenton (Fenton-like, Eq. 2). O segundo, proposto por Lin e Gurol em 1998,37 corresponde a uma sequência de reaçoes heterogêneas que envolvem a complexaçao do peróxido de hidrogênio na superfície do mineral, a reduçao do Fe(III) a Fe(II) e a formaçao de radical hidroxila a partir de reaçoes Fenton heterogêneas (Figura 3).

 


Figura 3. Representaçao de reaçoes Fenton homogêneas e heterogênea catalisada por formas minerais de ferro

 

Em geral, estima-se que os dois tipos de mecanismos podem ocorrer simultaneamente em sistemas catalisados por ferro mineral. Entretanto, admite-se que a presença de minerais amorfos, como ferrihidrita (Fe10O14(HO)2), favorece a ocorrência de processos homogêneos, em razao da maior solubilizaçao de ferro, enquanto que minerais cristalinos, como goethita, magnetita e hematita, promovem a catálise heterogênea, em razao da sua baixa solubilidade.38 Khan e Watts,39 por exemplo, estimaram que aproximadamente 94% da quantidade de percloroetileno é degradada por processos Fenton heterogêneos catalisados por goetita. Valores similares foram estimados por Chou e Huang,40 em estudos envolvendo a remediaçao de solos contaminados por ácido benzóico.

O tipo de reaçao também é determinado pelo pH do sistema. Quando as reaçoes sao conduzidas em meio ácido (pH 3,0) a dissoluçao dos minerais é favorecida, o que também favorece a ocorrência de processos Fenton homogêneos. Em meio neutro, a concentraçao de ferro solúvel é muito baixa, o que sugere a formaçao de radicais hidroxila por processos heterogêneos catalisados na superfície dos minerais.41

Finalmente, é importante salientar que as espécies radicalares formadas pela decomposiçao do peróxido de hidrogênio também podem ser diferentes quando a reaçao é catalisada por ferro solúvel ou ferro mineral. Teel e colaboradores, por exemplo,42 estudaram a degradaçao de tricloroetileno por processos Fenton catalisados por íons Fe2+ e goethita em pH 3,0 e 7,0. Os estudos permitiram observar que em pH 3 a degradaçao mediada por Fe2+ é devida basicamente a açao de radical hidroxila, enquanto que na presença de goethita uma parcela da ordem de 15% da degradaçao é devida a outras espécies radicalares, como O2- e HO2•. Em pH 7, o uso de goethita permite uma eficiente degradaçao de tricloroetileno, praticamente na ausência de radical hidroxila.

Fatores que influenciam a eficácia dos processos Fenton em solos

De modo geral, a eficácia do processo Fenton depende principalmente da concentraçao dos reagentes (Fe2+/Fe3+ e H2O2), parâmetros dos quais depende a efetividade global da reaçao,28 assim como de algumas características do solo, incluindo a forma mineral de ferro e a sua concentraçao, o teor de matéria orgânica e a presença de espécies inorgânicas.

A concentraçao dos reagentes é de fundamental importância, uma vez que a dosagem de peróxido de hidrogênio pode ser correlacionada com a eficiência global de degradaçao, enquanto que a concentraçao de ferro comanda aspectos cinéticos do processo.43 Entretanto, o excesso de ambos os reagentes pode comprometer a degradaçao dos contaminantes, uma vez que H2O2 e Fe2+ podem agir como sequestrantes de radical OH•, prejudicando a eficácia do processo.23,44

Quando aplicados no solo, os processos Fenton requerem maiores quantidades de peróxido de hidrogênio para garantir a mineralizaçao dos poluentes, em razao de alguns componentes do solo (ex. matéria orgânica) consumirem peróxido em reaçoes paralelas ou participarem em reaçoes de seqüestro de espécies radicalares.45 Assim, peróxido de hidrogênio é aplicado em elevadas concentraçoes, usualmente de 2 a 12 %, o que garante maiores taxas de degradaçao em funçao da formaçao de várias espécies ativas que contribuem com a mineralizaçao do contaminante,22 incluindo radical superóxido (O2-), radical hidroperoxila (HO2•) e o ânion hidroperóxido (HO2-).

Petigara e colaboradores46 estudaram a decomposiçao de peróxido de hidrogênio em solos e a consequente formaçao de radicais hidroxila. Os autores observam que em solos com elevado teor de matéria orgânica a concentraçao de peróxido de hidrogênio decai rapidamente, em funçao de reaçoes que nao sao produtivas em relaçao à geraçao de radical hidroxila. Assim, foi estimado que somente 10% do peróxido é decomposto para a formaçao de radicais hidroxila. Diferentemente, a decomposiçao do peróxido de hidrogênio em solos com baixo teor de matéria orgânica é lenta, o que favorece a formaçao de radical hidroxila.

Adicionalmente, a matéria orgânica pode adsorver os contaminantes, diminuindo o acesso à açao do radical hidroxila, e, consequentemente, impedindo as reaçoes de oxidaçao. Assim, solos que apresentam menor teor de matéria orgânica podem ser tratados de forma mais eficiente, em comparaçao a solos com maior teor.47

Em solos com alto teor de carbonato a eficiência da degradaçao também é comprometida, porque os íons carbonato reagem com os radicais hidroxila, impedindo a oxidaçao do contaminante.3 Esta característica, típica de solos calcários, apresenta um inconveniente adicional, representado pelas dificuldades encontradas para diminuir o pH e favorecer o processo Fenton convencional. Nestes casos, entretanto, os processos podem ser aplicados na presença de quelatos de ferro, usualmente envolvendo o uso de ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA), ácido nitriloacético (NTA), ácido oxálico e ácido tartárico, o que permite eficiente degradaçao até em valores de pH próximos à neutralidade.

Em funçao da clara relaçao existente entre a eficiência do processo Fenton e as características do solo contaminado, a necessidade de estudos de tratabilidade é evidente. De acordo com observaçoes do ICTR (Interstate Technology & Regulatory Council, EUA),48 a realizaçao de estudos em escala de laboratório é de fundamental importância para garantir a eficácia dos processos em larga escala, principalmente em sistemas de tratamento in-situ fundamentados no uso de oxidantes químicos. Dentro deste contexto se recomenda a realizaçao de ensaios em escala piloto no próprio sitio contaminado (on-site), de maneira a permitir o desenho de um sistema de injeçao de agentes químicos que assegure uma distribuiçao uniforme no local contaminado, o desenho de um sistema de amostragem que permita avaliar a dispersao dos oxidantes e a eficiência do tratamento nas três dimensoes e a implementaçao de um sistema de monitoramento da água subterrânea.

Impactos causados no solo por processos Fenton

Como comentado anteriormente, a aplicaçao dos processos Fenton em solos requer elevadas concentraçoes de peróxido de hidrogênio, o que irremediavelmente acaba provocando impactos negativos na qualidade de solo. Dentre os impactos mais evidentes é possível destacar a destruiçao da matéria orgânica, a solubilizaçao de metais e a morte dos micro-organismos presentes no solo.

Diversos autores relatam o efeito dos processos Fenton na degradaçao da matéria orgânica. De acordo com observaçoes de Bissey, Smith e Watts,49 a destruiçao da matéria orgânica pelo processo Fenton é dependente do pH, sendo praticamente irrelevante em meio neutro. Resultado similar foi observado por Wang e colaboradores,50 que avaliaram a degradaçao da matéria orgânica em funçao da concentraçao de peróxido de hidrogênio. Neste caso, foi observado que a degradaçao é proporcional à concentraçao de peróxido, sem, no entanto, ultrapassar taxas de degradaçao da ordem de 20%. Em processos Fenton aplicados em solos acidificados (pH 3,0), taxas de degradaçao de matéria orgânica de até 80% foram observadas.51

As elevadas concentraçoes de peróxido de hidrogênio aplicadas na remediaçao do solo favorecem a formaçao de outras espécies radicalares, como radical superóxido (O2-) e hidroperoxila (HO2•), o que pode favorecer a dissoluçao de metais. De acordo com Monahan e colaboradores,52 o radical superóxido pode provocar a reduçao dos metais, promovendo a sua dissoluçao e lixiviaçao para os corpos hídricos, o que pode impossibilitar o uso da mesma para abastecimento público. Além disso, a degradaçao da matéria orgânica no solo também pode promover a solubilizaçao dos metais a ela associada.

A aplicaçao de processos Fenton também pode causar a morte dos micro-organismos presentes no solo. Em estudo realizado por Fergusson e colaboradores53 foi observada uma reduçao da flora microbiana até níveis nao detectáveis, por conta da aplicaçao de processos Fenton durante três dias. De acordo com os autores, a destruiçao de flora microbiana pode ter sido causada pelas fortes condiçoes oxidantes, pela elevaçao da temperatura (por ser um processo exotérmico) ou pela requerida diminuiçao do pH para maior eficiência no processo de degradaçao.

Adicionalmente, Sirguei e colaboradores54 avaliaram a toxicidade de solos submetidos à remediaçao por Processos Fenton, utilizando bioensaio fundamentado na germinaçao de sementes de azevém. Os resultados mostraram que a germinaçao nao foi comprometida no solo submetido ao tratamento Fenton. Resultados similares foram relatados por Pardo e colaboradores,55 em estudos de toxicidade fundamentados no uso de Vibrio fischeri no resíduo aquoso formado após o tratamento de um solo contaminado com etilbenzeno.

Laurent e colaboradores56 observaram que após o tratamento Fenton a fertilidade do solo foi afetada, principalmente em funçao da diminuiçao do pH que acaba prejudicando o crescimento das plantas. Outro efeito observado foi a diminuiçao da capacidade de troca catiônica do solo, a qual está ligada diretamente com a disposiçao de íons que sao essenciais para a fertilidade do solo.

A aplicaçao dos processos Fenton também pode favorecer a lixiviaçao dos contaminantes e dos subprodutos formados. De acordo com Watts e colaboradores,57 o processo de degradaçao no solo é comandado por processos de dessorçao-oxidaçao. Desta forma, se a dessorçao do contaminante ocorre mais rapidamente que a sua oxidaçao, a lixiviaçao destes compostos para os corpos hídricos é favorecida.

A Figura 4 ilustra os principais processos que podem ser esperados em um solo contaminado submetido a processos Fenton. Inicialmente (A), o contaminante entra em contato com a matriz de solo, interagindo de forma que depende da sua natureza e da própria natureza do solo. Em geral, espécies mais hidrofílicas podem ser lixiviadas, enquanto que espécies mais hidrofóbicas podem ser retidas por sorçao. Os contaminantes também podem ser degradados pela flora microbiana, com a formaçao de subprodutos que lixiviam ou ficam retidos, de acordo com a sua natureza. Durante a remediaçao por processos Fenton (B), espécies radicalares muito reativas sao formadas, o que poderá permitir a degradaçao dos poluentes retidos no solo. Em um processo ideal (C), o substrato será degradado formando subprodutos de menor toxicidade, que poderao lixiviar sem grande risco, ou de maior toxicidade, que poderao ser retidos por sorçao. Em uma condiçao menos favorável (D), o processo Fenton pode degradar parcialmente os poluentes do solo, produzindo subprodutos de maior toxicidade que lixiviam. Adicionalmente, a matéria orgânica natural pode ser degradada, e as formas minerais do solo podem ser dissolvidas, o que pode implicar na desestruturaçao do solo e na lixiviaçao de íons metálicos.

 


Figura 4. Ilustraçao dos processos que podem ocorrer durante o tratamento de solos contaminados por processos Fenton

 

Adicionalmente, é importante salientar que a reaçao Fenton pode ser fortemente exotérmica, principalmente com o uso de H2O2 em concentraçoes superiores a 10%,58 o que provoca significativo aumento da temperatura, violenta liberaçao de gás e eventual liberaçao de compostos voláteis.

Por outro lado, é também importante mencionar que o peróxido de hidrogênio é classificado como produto "perigoso", principalmente em funçao das suas propriedades corrosivas, o que obriga a implementaçao de boas práticas de transporte, manuseio e armazenagem.

Embora os processos sejam tao complexos quanto os da química radicalar e da própria matriz de solo, estima-se que os processos Fenton permitam uma boa relaçao custo/benefício, o que faz com que esta tecnologia de remediaçao venha sendo cada vez mais utilizada em processos de remediaçao de solos. No entanto, é importante salientar que a eficiência do processo, os mecanismos de degradaçao envolvidos e o seu impacto no solo sao absolutamente dependentes das características da matriz de solo e das condiçoes em que o processo Fenton é aplicado, o que torna imprescindível a realizaçao de estudos que permitam elucidar este tipo de relaçao.

Tratamento Fenton de solos brasileiros

De acordo com o Sistema Brasileiro de Classificaçao de Solos existem aproximadamente treze tipos de solos no Brasil, incluindo latossolos argilosos ricos em minerais de ferro e espodossolos arenosos com baixo teor de ferro e, em alguns casos, com elevada concentraçao de matéria orgânica. Em funçao da já comentada forte relaçao existente entre a eficiência/impacto do tratamento Fenton e as principais características do solo, é fácil imaginar que a grande diversidade de solos do território brasileiro impeça o estabelecimento de uma fórmula genérica de tratamento.

Até onde foi possível investigar, poucos trabalhos foram publicados acerca do tratamento de solos brasileiros por processos Fenton, apesar da técnica já ser oferecida comercialmente como alternativa de remediaçao. Grande parte destes trabalhos envolve o uso de latossolos, o que se mostra coerente, em razao deste tipo de solo representar aproximadamente 60% do território brasileiro e da regiao Amazônica.59

Pereira e colaboradores,34 por exemplo, avaliaram a degradaçao de HPAs em um latossolo vermelho por processos Fenton. Em funçao da elevada concentraçao de ferro nativo (258 g kg-1), representada principalmente por hematita e goetita, o processo mostrou elevada eficiência de degradaçao, sem a necessidade de suplementaçao com formas solúveis de ferro. Entretanto, a cinética menos favorecida dos processos mediados por óxidos de ferro faz com que sejam necessários tempos de reaçao significativamente maiores aos praticados em processos catalisados por ferro solúvel. Por sua vez, Villa e colaboradores51 avaliaram a degradaçao de diesel em um solo franco, contendo concentraçoes equivalentes de areia (41%) e silte (47%), assim como baixa concentraçao de argila (12%). Aplicando o tratamento na forma de lama (pH 3) foi observada a degradaçao de aproximadamente 80% da concentraçao inicial de diesel, utilizando elevadas concentraçoes de FeSO4 (12 mmol L-1) e H2O2 (7-10 mol L-1). Nestas condiçoes também foi observada importante degradaçao da matéria orgânica do solo (aproximadamente 80%), assim como a lixiviaçao de metais (ex. Zn e Cu).

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

Em razao da favorável relaçao custo/benefício, os processos Fenton vêm sendo rotineiramente utilizados na remediaçao de solos contaminados, usualmente permitindo eficiente degradaçao de poluentes resistentes. Entretanto, a eficiência de degradaçao é dependente das características do solo e das condiçoes em que o processo é aplicado, o que faz com que nao existam fórmulas milagrosas passíveis de aplicaçao universal. Desta forma, cada aplicaçao deve ser precedida de uma adequada caracterizaçao do sítio contaminado, de maneira a permitir a identificaçao e quantificaçao das formas minerais de ferro e a identificaçao de espécies químicas que prejudicam a eficiência do processo, consumindo peróxido de hidrogênio o sequestrando formas radicalares (ex. matéria orgânica e carbonatos).

Deste ponto de vista, a concentraçao de peróxido de hidrogênio representa um parâmetro crítico, do qual depende a eficiência e o impacto do processo Fenton. Em alguns casos a eficiência poderá ser melhorada com o aumento na concentraçao deste oxidante, enquanto em outros, o aumento da concentraçao poderá acarretar um evidente impacto no solo, sem significativas melhoras na eficiência do processo.

Assim, o processo Fenton representa uma excelente alternativa para remediaçao de solos contaminados, desde que as condiçoes de tratamento sejam compatíveis com as principais características do solo em questao.

 

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