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Seleção de espécies do gênero Penicillium produtoras de lipase ligada ao micélio para aplicação em hidrólise de óleos vegetais Screening of species from the genus Penicillium producing cell bound lipases to be applied in the vegetable oil hydrolysis |
Braz S. Marotti1; Daniela V. Cortez1; Daniel B. Gonçalves2; Heizir F. de Castro1,*
1. Departamento de Engenharia Química, Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, 12.602-810 Lorena - SP, Brasil Recebido em 16/09/2016 *e-mail: heizir@dequi.eel.usp.br Ten species of Penicillium genus isolated from different habitats were evaluated as mycelium bound lipase producers to be used in the hydrolysis of vegetable oils. Using olive oil as an inducer three species (P. italicum AT4421, P. janthinellum CCT3162 and P. purpurogenum AT2008) were able to produce lipases having high mycelium bound activities (>150 U g-1) and were further characterized in relation to their biochemical and kinetic properties and specificity using vegetable oils having majority fatty acids composition in C12:0 (coconut); C16:0 (palm); C18:1 (canola) and C18:1 (soybean). All the three lipases could enrich the medium with fatty acids according to their respective selectivity and the reaction hydrolysis was found to enhance at least three folds under ultrasonic irradiations. For P. purpurogenum lipase the highest hydrolysis degree (66.8 ± 0.2%) was attained with coconut oil. Both P. italicum and P. janthinellum lipases showed high selectivity for canola oil, resulting in hydrolysis degrees of 79.9 ± 0.5% and 63.5 ± 0.6%, respectively. Analysis of the hydrolysates confirmed that the majority of the fatty acids released by P. italicum and P. janthinellum lipases was composed by oleic acid, and P. purpurogenum lipase the hydrolysate contained approximately 50% of lauric acid. INTRODUÇAO Desde sua identificaçao em 1930, as lipases ainda despertam grande interesse em diversos segmentos industriais. Segundo Daiha et al.,1 há uma projeçao de crescimento anual na demanda mundial por estas enzimas estimada em 6,2%, atingindo US$ 345 milhoes em 2017. Este aumento na aplicaçao industrial de lipases tem motivado pesquisas para o isolamento e triagem de novas fontes microbianas desta enzima. As lipases (glicerol éster hidrolases EC 3.1.1.3) fazem parte da classe das hidrolases que atuam em ligaçoes éster-carboxílicas e nao requerem cofator. A funçao biológica primordial destas enzimas é catalisar a hidrólise de triacilgliceróis, entretanto, em condiçoes em que a disponibilidade de água no meio é reduzida, a maioria é capaz de catalisar reaçoes reversas como esterificaçao e transesterificaçao (interesterificaçao, alcoólise e acidólise), entre outras.2,3 Essa versatilidade e adaptabilidade em diferentes solventes tem resultado no uso difundido das lipases em diversas aplicaçoes industriais,4,5 incluindo formulaçao de detergentes, fabricaçao de aditivos alimentares, controle de pitch na indústria de papel e biocatalisadores para transformaçao de óleos e gorduras da indústria oleoquímica, como hidrólise de óleos vegetais.2 A hidrólise enzimática de óleos vegetais é uma alternativa ao processo químico que busca superar os inconvenientes da rota convencional (elevadas condiçoes de temperatura 250 oC e pressao 4,83 mPa), visando fornecer produtos com baixo custo energético por meio da conduçao da reaçao em condiçoes mais amenas de temperatura e pressao.6 A maioria das lipases utilizada em aplicaçoes biotecnológicas é obtida por cultivo de microrganismos e geralmente sao produtos extracelulares. Entretanto, sob determinadas condiçoes, diversos microrganismos possuem a habilidade de reter a enzima lipase no interior das células ou na membrana celular, como por exemplo, alguns fungos filamentosos, que apresentam atividade lipolítica ligada ao micélio.3 Neste aspecto, a utilizaçao de células íntegras (whole cells) em estado estacionário (resting cells) pode ser considerada como importante alternativa para a transformaçao de óleos. Além disto, a célula íntegra pode ser usada como suporte, evitando as etapas de extraçao, isolamento e purificaçao das enzimas de interesse, as quais sao normalmente trabalhosas e contribuem para tornar o processo oneroso.7 No caso especifico da síntese de biocombustível (biodiesel), a utilizaçao direta do micélio como biocatalisador é uma abordagem promissora, que favorece a reduçao do custo global do processo.8,9 Entre os microrganismos produtores de lipase, os fungos filamentosos pertencentes às várias espécies dos gêneros Aspergillus, Rhizopus, Penicillium, Mucor e Trichoderma sao descritos como potenciais produtores de lipases ligadas ao micélio, podendo ser isolados de amostras de solos, fezes de animais, partes de plantas e a partir de frutos.3 Para o presente trabalho, o enfoque foi direcionado para o gênero Penicillum, considerado bom produtor de lipase, contando com aproximadamente 30 espécies já relatadas na literatura com habilidade de produzir esta enzima com diferentes propriedades e especificidades.10 Adicionalmente, enzimas como Lipase G Amano 50 produzida pela espécie P. camemberti e lipase R® Amano produzida pela espécie P. roqueforti estao disponíveis comercialmente, encontrando diversas aplicaçoes em biocatálise.11,12 Entretanto, ainda sao escassos os trabalhos de pesquisa que reportam o uso de lipases de Penicillium, na forma de células íntegras, como biocatalisadores. Lima et al.,13 por exemplo, demonstraram a potencialidade de aplicaçao de células íntegras de P. citrinum imobilizadas em poliuretano para mediar reaçoes de hidrólise de óleos vegetais ricos em ácidos graxos poli-insaturados, como óleo de soja. Para o desenvolvimento deste estudo foram avaliadas dez espécies do gênero Penicillium quanto ao potencial de produçao de lipases ligadas ao micélio visando sua posterior utilizaçao na produçao de concentrados de ácidos graxos livres a partir de diferentes óleos vegetais. As espécies foram isoladas no campus da Universidade Federal de Viçosa (Minas Gerais) a partir de diferentes habitats e algumas delas avaliadas quanto à atividade de pectinase,14 entretanto, ainda nao foram exploradas como fonte de produçao de lipases. Além de P. citrinum, P. camembertii e P. oxalicum, dentre outras conhecidas como fontes de lipase, três espécies produtoras de hidrolases, mas sem relato de potencial para produçao de lipases, também foram estudadas (P. italicum, P. janthinellum, P. purpurogenum). As lipases selecionadas foram caracterizadas quanto às propriedades bioquímicas e cinéticas e aplicadas na hidrólise de óleos vegetais contendo diferentes composiçoes em ácidos graxos, o que permitiu determinar a especificidade das lipases em relaçao aos ácidos graxos. Aliada ao benefício do uso de biocatalisador, a ultrassonicaçao em baixa frequência (10-60 kHz) tem sido utilizada como uma forma de acelerar a velocidade de reaçoes, por exemplo, pelo aumento da miscibilidade entre os reagentes (emulsao de líquidos imiscíveis) e a reduçao nas limitaçoes de transferência de massa.15,16 Ao promover uma melhor homogeneizaçao do meio reacional composto por fases distintas, em detrimento de elevada agitaçao mecânica, a irradiaçao ultrassônica auxilia na formaçao de maior área interfacial óleo/água, requisito essencial para atividade plena da lipase.17,18 Baseando-se em dados da literatura que sugerem o favorecimento do grau de hidrólise de óleos vegetais por lipases de diferentes fontes, em reaçao assistida pela irradiaçao ultrassônica,15,19,20 no presente estudo foi também avaliado o efeito deste sistema que proporciona estabilidade do meio emulsificado, sobre o processo de hidrólise dos óleos vegetais específicos para a atuaçao de cada lipase selecionada.
PARTE EXPERIMENTAL Microrganismos As espécies de Penicillium foram isoladas de diferentes habitats no campus da Universidade Federal de Viçosa (Viçosa-MG) pelo Dr. James J. Muchovej do Departamento de Fitopatologia e identificadas/catalogadas no Banco de Culturas do Laboratório de Processos Biotecnológicos e Purificaçao de Macromoléculas da Universidade Federal de Sao Joao del Rei, Campus Centro Oeste (Divinópolis-MG). Para este estudo, foram avaliados: P. janthinellum CCT3162, P. chrysogenum PC2006, P. camemberti AT4461, P. charlesi AT4752, P. oxallicum RT1778, P. italicum AT4421, P. brevicompactum AT4457, P. citrinum CCT3281, P. purpurogenum AT2008 e P. roqueforti AT0062. Os fungos foram conservados em tubos de ensaio contendo meio BDA (Batata Dextrose Agar - Difco) sob refrigeraçao a 4 °C, sendo repicados a cada dois meses. Reagentes Para o presente estudo foram utilizados peptona da marca Himedia®, nitrato de sódio P.A. e sulfato de magnésio hepta-hidratado P.A., ambos da marca Vetec®. Acetona P.A. (99,5% de pureza), ácido nítrico (65% pureza), hidróxido de potássio (85% de pureza) e ácido fosfórico (85% de pureza) foram adquiridos da Cromoline®. Fosfato de potássio monobásico anidro P.A., clorofórmio (99,8% de pureza) e ácido acético glacial P.A. (99,7% de pureza), adquiridos da marca Synth® e trifluoreto de boro em soluçao de metanol (10%), da Fluka Analytical®. Como fonte de carbono para crescimento dos fungos foi utilizado azeite de oliva da marca Carbonell® adquirido em mercado local. Os óleos vegetais avaliados nas reaçoes de hidrólise foram adquiridos de diversos fornecedores, sendo o óleo de coco (Frescoco®), o óleo de canola (Purilev®) e o óleo de soja (Soya®) provenientes de mercados locais, o óleo de palma foi gentilmente doado pela Agropalma (Companhia Refinadora da Amazônia) e o óleo de macaúba (polpa) foi adquirido da Associaçao de Pequenos Trabalhadores Rurais de Riacho D'antas. As composiçoes dos óleos vegetais sao apresentadas na Tabela 1.
Seleçao das espécies de Penicillium produtoras de lipase ligada ao micélio Os cultivos foram realizados em frascos Erlenmeyer de 250 mL contendo 100 mL de meio composto por peptona (70 g L-1), NaNO3 (1 g L-1), KH2PO4 (1 g L-1), MgSO4.7H2O (0,5 g L-1), sendo todos previamente autoclavados a 121 °C por 15 min, e como fonte de carbono, foi utilizado óleo de oliva (30 g L-1), o qual foi adicionado posteriormente ao meio sob condiçoes assépticas.9 Os frascos foram inoculados com aproximadamente 1x106 esporos, determinados por contagem em câmara de Neubauer, e em seguida, incubados por 72 h a 30 °C sob agitaçao orbital a 180 rpm. Ao final do cultivo, a biomassa foi separada do meio por filtraçao a vácuo, sendo, em seguida, lavada com água para remoçao de compostos residuais solúveis e acetona para remoçao do azeite remanescente. A umidade da biomassa foi aferida diretamente em uma balança de secagem acoplada com lâmpada de infravermelho (Marte ID 50) até obtençao de massa constante. Como controle negativo, foi preparado frasco Erlenmeyer de 250 mL contendo 100 mL de meio de cultivo ausente de esporos, o qual foi incubado nas mesmas condiçoes utilizadas para a obtençao das biomassas. Nesta etapa foram quantificadas a concentraçao celular, em termos de grama de biomassa formada (base seca) por litro de meio, e as atividades hidrolíticas da biomassa (lipase ligada ao micélio) e do caldo fermentado (lipase extracelular), determinadas pelo método de hidrólise do azeite de oliva, de acordo com metodologia descrita por Carvalho et al.8 Todos os ensaios foram realizados em triplicata. Determinaçao das propriedades bioquímicas e cinéticas das lipases ligadas ao micélio das espécies de Penicillium selecionadas As propriedades bioquímicas e cinéticas das lipases das espécies selecionadas na etapa anterior foram determinadas adotando o método de dosagem de atividade hidrolítica,24 verificando a influência do pH (tampao fosfato 100 mmol L-1 em pH na faixa de 5,5 a 8,0), temperatura (30 a 60 ºC) e concentraçao de substrato (10 a 60% de azeite de oliva, correspondendo a concentraçoes em ácidos graxos variando entre 372 a 2232 mmol L-1). A atividade hidrolítica de cada lipase foi quantificada nesses substratos, de acordo com o método de hidrólise do azeite de oliva, nas condiçoes de pH e temperatura previamente estabelecidas. As constantes cinéticas de Michaelis-Menten (Km) e a velocidades máxima de reaçao (Vmax) foram calculadas de acordo com o modelo proposto por Lineweaver-Burk, utilizando o software Origin Pro 8®. A estabilidade térmica das lipases ligadas ao micélio também foi avaliada, em termos da constante de inativaçao (kd) e do tempo de meia-vida (t1/2). Para estes ensaios, suspensoes constituídas por 0,1 g de biomassa (base seca) solubilizada em 5 mL de soluçao tampao fosfato (100 mmol L-1, pH 7,0) foram incubadas durante 150 min em banho termostatizado a 50 ºC, com retiradas de amostras a cada 30 min, seguidas do resfriamento imediato em banho de gelo. Em seguida, as atividades residuais das lipases foram quantificadas pelo método de hidrólise do azeite de oliva a 37 °C em tampao fosfato (100 mmol L-1, pH 7,0). Os tempos de meia-vida foram calculados pelo método de ajuste exponencial.24 Reaçoes de hidrólise de óleos vegetais Nesta série de ensaios foram avaliados óleos vegetais contendo composiçao diferenciada em ácidos graxos, conforme descrito na Tabela 1. As lipases previamente selecionadas foram utilizadas para conduzir reaçoes de hidrólise de 50 mL do substrato contendo 25% dos diferentes óleos em soluçao tampao fostato (100 mmol L-1, pH 7,0). O substrato foi preparado pela adiçao direta do agente emulsificante goma arábica (3% m v-1) aos óleos e as reaçoes foram realizadas em reatores encamisados de 100 mL com agitaçao mecânica (300 rpm) a 40 oC por um período máximo de 24 h, empregando quantidade suficiente de micélio para resultar em atividade hidrolítica para atender a relaçao fixa de 400 unidades de atividade por grama de óleo. O monitoramento das reaçoes foi efetuado por retiradas periódicas de amostras de 0,5 g do meio reacional para determinaçao dos ácidos graxos liberados por titulaçao volumétrica com soluçao de KOH 0,020 mol L-1, utilizando fenolftaleína como indicador. Testes adicionais de hidrólise foram efetuados sob irradiaçao de ondas ultrassônicas utilizando apenas os óleos selecionados de acordo com a especificidade de cada lipase. Estes ensaios foram conduzidos em substratos contendo 25, 35 e 50% do óleo selecionado em frasco Erlenmeyer de 125 mL imerso em banho ultrassônico (Unique Ultrassonic Cleaner®) controlando o modulador de frequência em 40 kHz e potência de 132W por um período máximo de 8 h, mantendo também fixa a temperatura em 40 oC. Os ensaios foram efetuados em duplicatas. Separaçao e purificaçao do hidrolisado Ao hidrolisado obtido foram adicionados 90 mL de clorofórmio e 25 mL de ácido acético glacial, sob agitaçao por um período de 10 min. Em seguida, todo o meio reacional foi lavado com água destilada e posteriormente transferido para um funil de decantaçao para a separaçao das fases.21 A fase clorofórmica contendo ácidos graxos livres foi esterificada com metanol, segundo metodologia AOCS,25 utilizando como catalisador BF3. Métodos analíticos Atividade hidrolítica As atividades enzimáticas do micélio e dos filtrados foram determinadas pelo método de hidrólise do azeite de oliva, conforme metodologia descrita por Carvalho et al.8 O substrato foi preparado pela emulsao de 10 mL de azeite de oliva e 90 mL de goma arábica a 3% (m v-1). Em frascos Erlenmeyer de 125 mL foram adicionados 5 mL de substrato, 4 mL de soluçao tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0) e 0,1 g de biomassa (massa seca) ou 0,5 g do caldo fermentado. Os frascos foram incubados a 37 °C por 10 min, em banho termostatizado com agitaçao. Após o período de incubaçao, a reaçao foi interrompida pela adiçao de 10 mL de uma mistura de acetona, etanol (1:1). Os ácidos graxos liberados foram titulados com soluçao de KOH 0,020 mol L-1, utilizando fenolftaleína como indicador. Uma unidade de atividade foi definida como a quantidade de enzima que libera 1 µmol de ácido graxo por minuto de reaçao, nas condiçoes do ensaio. As atividades foram expressas em U g-1.8 Grau de hidrólise A concentraçao de ácidos graxos formados nas reaçoes de hidrólise foi determinada por titulaçao volumétrica da amostra com soluçao de KOH (0,020 mol L-1), utilizando fenolftaleína como indicador. O grau de hidrólise foi calculado, conforme expresso na Equaçao 1.26 Em que: Va = volume de KOH gasto pela amostra (mL); Vb = volume de KOH gasto pelo controle (mL); MKOH = molaridade do KOH utilizado (0,020 mol L-1); MM = massa molar média dos ácidos graxos no óleo vegetal avaliado (g mol-1), m = massa da amostra (g) e f = fraçao de óleo usada. Determinaçao dos ésteres de metila A composiçao em ácidos graxos foi determinada como ésteres metílicos de ácidos graxos (FAME) empregando cromatografia gasosa, segundo método oficial Ce 1-62 da American Oil Chemists' Society (AOCS, 2004). A análise foi realizada em cromatógrafo Varian CP 3800 equipado com um auto-injector (CP 8410) e um detector de ionizaçao de chama (FID). As condiçoes utilizadas foram: coluna capilar TR FAME (30 m de comprimento, 0,25 mm de diâmetro interno e 0,25 µm de espessura), gás de hélio como fase móvel a uma taxa de fluxo de 1,0 mL/min e injeçao de amostra de 1 µL. A temperatura do forno foi mantida a 50 °C durante 1 min, aumentada para 150 °C a 15 °C/min, seguido do aumento para 180 °C a 2 °C/min e depois para 250 °C a 15 °C/min e mantida durante 5 min. As temperaturas do detector e do injetor foram ajustadas a 250 e 200 °C, respectivamente. A identificaçao dos ésteres metílicos foi realizada comparando-se os tempos de retençao com padroes FAME (Sigma) e a quantificaçao foi realizada por normalizaçao de áreas calculadas pelo software Galaxie Chomatography Data System version 1.9.
RESULTADOS E DISCUSSAO Seleçao dos fungos produtores de lipase ligada ao micélio O trabalho experimental foi inicialmente direcionado à seleçao das espécies do gênero Penicillium com maior potencial de produzir lipase ligada ao micélio. A Tabela 2 apresenta os valores médios de biomassa formada (base seca) e das atividades hidrolíticas. De maneira geral, todos os fungos apresentaram crescimento regular ao final de 72 h, nas condiçoes de cultivo utilizadas, alcançando concentraçoes de biomassa variando entre 4,8 ± 1,4 a 34,1 ± 2,7 g L-1 (base seca), correspondendo aos fungos P. oxalicum e P. italicum, respectivamente. As espécies P. chrysogenum, P. roqueforti e P. charlesi apresentaram crescimento celular similares, alcançando valores máximos da ordem de 16 g L-1.
Em relaçao à atividade de lipase a partir da biomassa, foi observada uma ampla faixa de variaçao dentre as espécies avaliadas, além disto, os baixos valores de atividade nos filtrados (≤ 28 U g-1) sugerem que as condiçoes avaliadas permitiram a retençao da atividade da lipase ligada ao micélio. O maior valor de atividade foi observado para P. italicum (≈200 U g-1) e o menor para P. oxallicum e P. chrysogenum (≈ 50 U g-1). Os resultados ainda mostram que as condiçoes experimentais avaliadas nao foram satisfatórias para o crescimento e a atividade hidrolítica para a espécie P. oxallicum. Ainda de acordo com a Tabela 2, verifica-se que as quatro espécies que apresentaram atividades hidrolíticas no micélio superiores a 170 U g-1, P. roqueforti (186,9 U g-1), P. janthinellum (171,1 U g-1), P. purpurogenum (170,3 U g-1) e P. italicum (199,3 U g-1), também forneceram baixos valores de atividade no filtrado (20 U g-1), resultando em relaçoes entre as atividades hidrolíticas do micélio e extracelular maiores que 7. Estas espécies foram consideradas como potencias fontes de lipase para dar sequência ao estudo, entretanto, a espécie P. roqueforti nao foi incluída em funçao de sua disponibilidade comercial.10 Além disso, nao existem relatos na literatura de produçao de lipases a partir das espécies P. janthinellum, P. italicum e P. purpurogenum, justificando a motivaçao desse estudo na busca de novas fontes potencias de lipases ligadas ao micélio. Propriedades bioquímicas e cinéticas das lipases ligadas ao micélio Influência das variáveis pH e temperatura sobre a atividade das lipases selecionadas A Figura 1 apresenta os perfis de atividade obtidos com a variaçao do pH do meio (A) e da temperatura de reaçao (B). Com relaçao a influência do pH, verifica-se inicialmente que nas condiçoes experimentais utilizadas, todas as enzimas apresentaram atividade máxima em pH 7,0 (Figura 1A). O aumento da acidez (pH < 7,0) do meio promoveu decréscimo da atividade com efeito mais pronunciado para as lipases de P. janthinellum e P. purpurogenum, entretanto, todas as enzimas retiveram cerca de 60% da atividade em pH 5,5 (≈ 115 U g-1). Ainda segundo a Figura 1A, nota-se que as lipases de P. italicum e de P. purpurogenum foram menos influenciadas pela elevaçao do pH (> 7,0) apresentando reduçao de aproximadamente 25 a 40%, respectivamente, em relaçao a atividade considerada como parâmetro referencial em pH 7,0 (P. italicum =197,3 ± 4,2 U g-1 e P. purpurogenum= 170,3 ± 8,5 U g-1).
Figura 1. a) Influência do pH na atividade hidrolítica das lipases ligadas ao micélio de diferentes espécies do gênero Penicillium. As atividades foram determinadas em emulsao azeite de oliva (10%) a 37 °C e as atividades de P. italicum (197,3 ± 4,2 U g-1), P. janthinellum (171,1 ± 8,1 U g-1) e P. purpurogenum (170,3 ± 8,5 U g-1) foram consideradas como parâmetro referencial de 100%. b) Influência da temperatura na atividade hidrolítica das lipases ligadas ao micélio de diferentes espécies do gênero Penicillium. As atividades foram determinadas em emulsao azeite de oliva (10%) em tampao fosfato (pH 7,0), as atividades de P. italicum (199,3 ± 4,2 U g-1), P. janthinellum (194,3 ± 5,1 U g-1) e P. purpurogenum (186,0 ± 4,5 U g-1) foram consideradas como parâmetro referencial de 100%
A lipase de P. janthinellum, por outro lado, teve reduçao de atividade mais acentuada com a elevaçao da basicidade do meio da ordem de 65% em pH 8,0 em relaçao ao parâmetro referencial em pH 7,0 (P. janthinellum= 171,1 ± 8,1 U g-1). Os resultados do presente estudo sao similares aos obtidos por Costa e Peralta,27 referentes à produçao de lipase a partir do extrato livre de células de Penicillium wortmanii. Os autores observaram maior atividade catalítica de lipase na faixa de pH de 6,0 a 8,0, decrescendo em 50% com o aumento da acidez ou da basicidade do meio. Ao avaliarem o efeito do pH (4,5 a 9,0) sobre a atividade da lipase de P. citrinum em extrato livre de células,28 observaram máxima atuaçao em pH 7,0 com decréscimo quando utilizado pH abaixo ou acima deste valor. Entretanto, a imobilizaçao das células pode auxiliar na retençao da atividade hidrolítica ligada ao micélio com a alteraçao do pH do meio. Ao imobilizar micélios de P. citrinum em espuma de poliuretano, Lima et al.13 observaram atividade hidrolítica máxima em pH 8,0, com decréscimo de apenas 10% quando o pH do substrato foi alterado para 8,5. Em seu estudo, Maliszewska e Mastalerz28 observaram reduçao da atividade catalítica da lipase de P. citrinum em 20% quando o pH foi aumentado de 7,0 para 8,0 e em torno de 10% com o acréscimo do pH de 8,0 para 8,5. Tendo verificado que as atividades mais elevadas foram obtidas em pH 7,0, foram realizados ensaios para a determinaçao a influência da temperatura na atuaçao das enzimas (Figura 1B). Nota-se, nas condiçoes experimentais adotadas no presente estudo, que a lipase de P. italicum apresentou o valor mais elevado de atividade hidrolítica quando adotada a faixa de temperatura entre 40 a 45 °C. P. purpurogenum e P. janthinellum, por outro lado, apresentaram atividades máximas à 40 oC. Verifica-se ainda na Figura 1B que a lipase de P. italicum apresentou melhor atuaçao na faixa de temperatura avaliada, uma vez que o decréscimo da atividade catalítica (aproximadamente 10%) foi inferior ao demonstrado pelas demais espécies, as quais foram fortemente afetadas pelo aumento da temperatura de incubaçao superior a 40 °C (decréscimos superiores a 70%). A temperatura de 40 oC foi, portanto, selecionada para a atuaçao das lipases avaliadas nas próximas etapas deste estudo. Em seu estudo, Costa e Peralta27 verificaram que a lipase da espécie P. wortmani apresentou máxima atividade a 45 ºC, valor próximo ao observado no presente estudo, decrescendo em torno de 50% para temperaturas mais elevadas. Mais sensível à temperatura, a lipase de P. citrinum apresentou máxima atividade em 30 oC, com decréscimo de 10 e 80% quando a temperatura de incubaçao foi aumentada de 40 para 60 oC, respectivamente.28 Por outro lado, quando as células de P. citrinum foram imobilizadas em espuma de poliuretano, apresentaram atividade máxima a 35 °C, com decréscimo em torno de 15% com o aumento da temperatura para 45 °C.13 Constantes cinéticas A Figura 2 apresenta as curvas de saturaçao do substrato para as lipases das diferentes espécies, indicando que o aumento na concentraçao do substrato de 372 para 1116 mmol L-1 resultou em incrementos significativos nas velocidades de reaçao para todas as preparaçoes de lipase das espécies selecionadas.
Figura 2. Influência da concentraçao do substrato (azeite de oliva) na atuaçao das lipases ligadas ao micélio de P. italicum, P. janthinellum e P. purpurogenum. Condiçoes reacionais: 40 ºC, tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0), massa de micélio (0,1 g), 150 rpm e tempo reacional de 5 min
Ainda de acordo com a Figura 2, nota-se que para valores superiores a 1488 mmol L-1 em ácidos graxos, as atividades enzimáticas tornaram-se independentes da concentraçao do substrato, seguindo uma cinética do tipo Michaelis-Menten. Os valores de Km e Vmax foram entao determinados, sendo para lipase de P. italicum, 151,3 mmol L-1 e 539,1 µmol min-1, respectivamente, para a lipase de P. janthinellum, 123,6 mmol L-1 e 387,6 µmol min-1, respectivamente e para lipase de P. purpurogenum, 141,4 mmol L-1 e 493,8 µmol min-1, respectivamente. Estes resultados indicam similaridade das afinidades das lipases para o substrato azeite de oliva, que contém em sua composiçao 70% de ácido oleico. Estabilidade térmica As lipases de Penicillium sao descritas como instáveis termicamente. Desta forma, para permitir comparaçao com os dados descritos na literatura, foram efetuados testes para determinar o tempo de meia-vida a 50 oC das enzimas avaliadas, conforme metodologia descrita no item da parte experimental. Os perfis apresentados na Figura 3 indicam que todas as lipases apresentaram retençao de atividade superior a 90% nos primeiros 15 min e entre 50-60% após 60 min de incubaçao. Entretanto, após esse período, as atividades residuais das lipases decresceram proporcionalmente ao tempo de incubaçao.
Figura 3. Estabilidade térmica (50 ºC) das lipases ligadas ao micélio de P. italicum, P. janthinellum e P. purpurogenum. Condiçoes reacionais para determinaçao das atividades residuais: 37 ºC, tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0), massa de micélio (0,1 g) e agitaçao (150 rpm). As atividades de P. italicum (197,9 ± 1,9 U g-1), P. janthinellum (174,7 ± 5,5 U g-1) e P. purpurogenum (186,0 ± 4,5 U g-1) foram consideradas como parâmetro referencial de 100%
A reduçao mais elevada foi verificada para a lipase de P. italicum com inativaçao praticamente total (95%) em 150 min. Em relaçao às lipases das demais espécies, nota-se menor reduçao na atividade, revelando desativaçao térmica menos severa. A lipase de P. purpurogenum foi a que apresentou maior retençao de atividade hidrolítica (30%) ao final do tratamento térmico (150 min) quando comparada com as lipases de P. janthinellum e P. italicum, cujas atividades residuais foram inferiores a 15%. Com base nos resultados obtidos, foram determinadas as constantes de inativaçao térmica (kd) e o tempo de meia-vida (t1/2), para as três lipases selecionadas. A menor estabilidade térmica foi observada para lipase de P. italicum revelando valores de kd e t1/2 de 0,76 h-1 e 0,92 h, respectivamente. As lipases de P. janthinellum e P. purpurogenum forneceram valores de kd correspondentes à 0,62 e 0,57 h-1 e de t1/2 da ordem de 1,17 e 1,21 h, respectivamente. Esses resultados se comparam favoravelmente com os dados descritos na literatura para lipases microbianas, inclusive daquelas disponíveis comercialmente na forma livre, como por exemplo, Candida rugosa (Tipo VI-Sigma), que revelou tempo de meia-vida de 0,2 h a 50 °C.24 Hidrólise dos óleos vegetais pelas lipases ligadas ao micélio das espécies selecionadas Conforme descrito na Tabela 1 foram utilizados óleos vegetais com composiçao diferenciada em ácidos graxos como os ricos em ácido oleico (canola e macaúba), ácido láurico (coco), ácido palmítico (palma), e em ácido linoleico (soja). A Figura 4 apresenta a formaçao dos ácidos graxos durante os ensaios de hidrólise dos diferentes óleos vegetais pelas lipases ligadas ao micélio de P. italicum, P. janthinellum e P. purpurogenum (Figura 4A, B e C, respectivamente). Os experimentos foram realizados nas condiçoes reacionais previamente determinadas, e os resultados obtidos indicam que as hidrólises ocorreram em velocidade mais elevada nas primeiras 8 h de reaçao. A continuidade da reaçao por um período adicional de 18 h nao proporcionou incrementos expressivos na concentraçao de ácidos graxos formados, exceto na hidrólise do óleo de canola pela lipase de P. italicum (Figura 4A), na qual o aumento do tempo reacional favoreceu a formaçao do produto em cerca de 30%.
Figura 4. Formaçao dos ácidos graxos durante a hidrólise dos diferentes óleos vegetais pelas lipases ligadas ao micélio de P. italicum (A), P. janthinellum (B) e P. purpurogenum (C). Condiçoes reacionais: 40 ºC, tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0), substrato (25% óleo vegetal), 400 unidades de atividades por grama de óleo, agitaçao 300 rpm, tempo 24h. Os teores de ácidos graxos nos substratos no tempo inicial foram: canola (15,9 ± 0,5 mgKOH g-1); coco (2,0 ± 0,1 mgKOH g-1); macaúba (39,0 ± 0,2 mgKOH g-1); palma (16,8 ± 0,4 mgKOH g-1); soja (14,8 ± 0,1 mgKOH g-1)
A Figura 5 permite efetuar uma comparaçao dos graus de hidrólise dos óleos vegetais alcançados pela açao das lipases avaliadas no período de 8 h. Nota-se inicialmente, que a lipase de P. italicum foi mais efetiva na hidrólise do óleo de canola (53%), seguido pelos óleos de palma, macaúba e coco todos na faixa de 30 a 40%. O menor grau de hidrólise (20%) foi obtido para o óleo de soja, demonstrando seletividade desta lipase por óleos compostos por elevadas proporçoes de ácido oleico (canola), porém baixa especificidade para óleos ricos em ácido linolênico (soja). Outro fato importante envolvendo a lipase de P. italicum foi sua atuaçao distinta na utilizaçao dos óleos de canola e macaúba, apesar da similaridade da composiçao em ácidos graxos desses óleos (elevado teor de ácido oleico). Este comportamento pode ser atribuído ao grau de pureza dos óleos empregados, o qual interferiu na porcentagem inicial de ácidos livres no substrato. O óleo de canola de grau comercial alimentício apresenta baixo teor de acidez, enquanto o óleo de macaúba fornecido por empresa de pequeno porte apresenta elevado teor de ácido graxo livre. Desta forma, verifica-se que o óleo de macaúba em funçao da acidez inicial acarretou menor formaçao de ácidos graxos livres quando comparado ao canola.
Figura 5. Grau de hidrólise dos diferentes óleos vegetais (canola, coco, macaúba, palma, soja) pelas lipases ligadas ao micélio de P. italicum, P. janthinellum e P. purpurogenum. Condiçoes reacionais: 40 ºC, tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0), substrato (25% óleo vegetal), 400 unidades de atividades por grama de óleo, agitaçao 300 rpm, tempo 8h
Ao observar os resultados da hidrólise utilizando a lipase de P. janthinellum (Figura 5), nota-se que a enzima também foi capaz de hidrolisar todos os óleos vegetais testados, fornecendo graus de hidrólise variando entre 23 a 55%. Apesar de possuírem composiçoes distintas em ácidos graxos, os óleos de canola e palma, favoreceram a atuaçao desta lipase revelando graus de hidrólise mais elevados. Por outro lado, o menor grau de hidrólise foi alcançado utilizando óleo de coco como substrato, o qual possui elevada concentraçao de ácido láurico em sua composiçao. Ainda com relaçao à atuaçao de lipase de P. janthinellum, notam-se valores intermediários de graus de hidrólise a partir dos óleos de macaúba e soja (da ordem de 35 - 40%). Além disto, apesar da similaridade da composiçao do óleo de canola e macaúba (Tabela 1), a Figura 5 mostra que foram obtidos graus de hidrólise diferentes para estes substratos, em funçao da elevada acidez inicial do óleo de macaúba, sendo este fator relevante para a catálise, acarretando em menor atividade hidrolítica da enzima, como anteriormente constatado em relaçao as reaçoes catalisadas pela lipase P. italicum. A Figura 5 também apresenta os resultados de hidrólise dos óleos vegetais por lipase de P. purpurogenum. Observa-se que esta enzima apresentou melhor desempenho quando o óleo de coco foi utilizado, promovendo aproximadamente 50% de hidrólise do substrato. Estes resultados sugerem que a lipase de P. purpurogenum possui maior especificidade por óleos compostos por ácidos graxos saturados de cadeia média, como é o caso do óleo de coco, rico em ácido láurico. Por outro lado, é possível notar que esta enzima apresentou desempenho limitado para os outros óleos vegetais avaliados (grau de hidrólise < 23%). Segundo Padilha e Augusto-Ruiz,29 a presença de ligaçoes duplas carbono-carbono com configuraçao cis em ácidos graxos resulta em dobras nas cadeias e o grupo metil terminal dos ácidos graxos, fecha-se em direçao à ligaçao éster, o qual pode causar um obstáculo espacial para a atuaçao de algumas lipases. Esta configuraçao pode ser uma justificativa para explicar os baixos graus de hidrólise alcançados pela lipase P. purpurogenum em óleos vegetais contendo elevadas proporçoes de ácidos graxos insaturados. Os resultados obtidos sugerem, portanto, que as lipases das espécies P. italicum e P. janthinellum apresentaram maior especificidade para o óleo de canola contendo em sua composiçao, ácido oleico como componente majoritário. Por outro lado, a lipase da espécie P. purpurogenum demonstrou elevada especificidade apenas para o ácido láurico componente majoritário do óleo de coco. Efeito da irradiaçao de ondas ultrassônicas Selecionados os óleos vegetais específicos para a atuaçao de cada lipase, experimentos adicionais foram conduzidos visando avaliar o efeito da irradiaçao de ondas ultrassônicas no meio reacional sobre o grau de hidrólise, empregando banho de ultrassom. A combinaçao da irradiaçao por ondas ultrassônicas de baixa frequência e agitaçao mecânica pode tornar o processo mais eficiente, favorecendo a formaçao da área interfacial (óleo/água) e aumentando a difusao de substratos para os sítios ativos da enzima, resultando em elevadas conversoes em menor tempo.17,19,20 A Figura 6 (A-C) mostra os perfis de hidrólise nos ensaios realizados em reator encamisado (aquecimento convencional) e em frascos Erlenmeyer imersos em banho de ultrassom. Verifica-se para todas as lipases testadas que as curvas de progresso da hidrólise apresentaram comportamento distinto, com melhor desempenho observado para as reaçoes conduzidas sob irradiaçao ultrassônica.
Figura 6. Perfis de hidrólises utilizando as lipases das espécies P. italicum e óleo de canola (A), P. janthinellum e óleo de canola (B) e P. purpurogenum e óleo de coco (C) sob aquecimento convencional (símbolo aberto) e irradiaçao ultrassônica (símbolo fechado). Condiçoes reacionais: 40 ºC, tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0), substrato (25% óleo vegetal), 400 unidades de atividades por grama de óleo, tempo 8h
Observa-se na Figura 6A que no sistema no sistema convencional a lipase de P. italicum forneceu graus de hidrólise de 56,1 ± 0,6%, enquanto no sistema em banho de ultrassom foram alcançados 79,9 ± 0,4%, o que corresponde a um incremento de 42% na formaçao de ácidos graxos livres, no mesmo período de raçao (8 h). Esses resultados corroboram com dados reportados por Liu et al.,30 que verificaram incrementos da ordem 35% na hidrólise de óleos vegetais utilizando lipases comerciais quando o sistema reacional foi irradiado com ondas ultrassônicas. A observaçao da Figura 6B indica a formaçao de 62,0 ± 0,6% em ácidos graxos livres pela açao da lipase de P. janthinellum após 5 h de reaçao sob irradiaçao ultrassônica, enquanto no sistema convencional foi alcançado apenas 40% de hidrólise no mesmo período, representando um incremento de aproximadamente 50% no grau de hidrólise e reduçao de 3 horas no tempo global da reaçao. Comparada à atuaçao da lipase de P. purpurogenum nos diferentes sistemas (Figura 6C), observa-se que em 6 h de reaçao o sistema irradiado com ondas ultrassônicas propiciou um aumento de 33% na produçao de ácidos graxos livres, e reduçao de 2 horas no processo de hidrólise. Esses resultados sao comparáveis aos obtidos por Waghmare e Rathod,20 os quais relataram aumento no rendimento e reduçao do tempo de reaçao na hidrólise enzimática do óleo residual de fritura usando Novozym® 435 em processo assistido por ultrassom em baixa frequência de irradiaçao. Segundo os autores, além de reduzir a barreira de transferência de massa, a turbulência física intensa produzida pela cavitaçao também pode auxiliar a reorganizar corretamente o domínio catalítico ativo da enzima com substrato e a liberar o produto formado da sua superfície da biomolécula, favorecendo, portanto, a velocidade total de reaçao. Desta forma, os resultados obtidos no presente estudo mostram que a aplicaçao de ondas ultrassônicas favoreceu as reaçoes de hidrólise dos óleos vegetais mediadas pelas lipases ligadas ao micélio, aumentando a velocidade das reaçoes e o grau de hidrólise, demonstrando ser um sistema eficiente para este tipo de aplicaçao. Efeito da concentraçao do substrato Estudos adicionais foram realizados para verificar a influência da concentraçao do substrato (25, 35, 50%) na atuaçao das lipases das espécies selecionadas (Figura 7A-C). A razao molar de substratos para uma reaçao de hidrólise é dada pela quantidade de água e óleo. Uma ativaçao interfacial é requerida pelas lipases para sua total atividade catalítica.31
Figura 7. Perfil da hidrólise do óleo de canola por lipase de P. italicum (A) e P. janthinellum (B) e do óleo de coco por lipase de P. purpurogenum (C), empregando diferentes proporçoes (óleo:água) em reaçao conduzida sob as seguintes condiçoes: irradiaçao ultrassônica a 40 °C, tampao fosfato de sódio (100 mmol L-1, pH 7,0), substrato (25, 35 e 50% óleo vegetal), 400 unidades de atividades por grama de óleo, agitaçao 300 rpm, tempo 8h
A Figura 7A mostra que a atuaçao da lipase de P. italicum foi visivelmente reduzida com o aumento da concentraçao do substrato para 35 e 50%. Em elevadas concentraçoes de óleo a reaçao de hidrólise é geralmente limitada, uma vez que ocorre o fenômeno de coalescência, agrupamento de várias partículas de óleo formando grandes gotas de óleo, o que reduz drasticamente a área da interface e, por conseguinte, a velocidade de reaçao.18,31 Este comportamento é comumente reportado na hidrólise de óleos vegetais catalisada por lipases e pode ser também explicado pela necessidade da adsorçao da enzima na interface lipídeo/água. Quanto menor a interface, menor será a quantidade de enzima adsorvida, acarretando velocidades de hidrólise mais baixas.18,32 Portanto, uma das principais dificuldades na compreensao do mecanismo da hidrólise é devido ao fato da atividade das lipases depender fortemente de como os substratos lipofílicos sao apresentados à enzima, isto é, das propriedades físicas da emulsao que é necessário estabelecer.31,33 Complicaçoes adicionais podem ocorrer a partir da mudança da área interfacial durante o curso da reaçao hidrolítica, devido, por exemplo, à formaçao de ácidos graxos livres. Consequentemente, as características físico-químicas do sistema emulsificado variam em funçao do tempo, resultando numa mudança da disponibilidade da interface pela enzima e de novos substratos.18,31 Em funçao da complexidade mencionada, a verdadeira cinética de lipases num sistema bifásico dinâmico ainda nao está completamente entendida, e depende das condiçoes reacionais, incluindo tipo e concentraçao de emulsificante.32,33 Para o propósito deste estudo, o desempenho das lipases das espécies selecionadas foi analisado somente quanto a influência da proporçao de óleo contida na emulsao, considerando que a irradiaçao ultrassonora facilita a manutençao da interface lipídeo/água.17 Em relaçao à lipase da espécie P. janthinellum (Figura 7B) nota-se comportamento similar, ou seja, 25% de óleo foi a concentraçao na qual houve maior formaçao de ácidos graxos livres, entretanto, o efeito negativo do aumento da concentraçao do substrato foi menos acentuado do que o observado para a lipase de P. italicum. Verifica-se, ainda, que utilizando 50% de óleo a saturaçao da enzima pelo substrato ocorreu em 5 h, fornecendo, desta forma, 39,2 ± 0,2% de grau de hidrólise, sendo este valor inferior ao obtido quando utilizada a concentraçao de 35% em 7 h de reaçao (49,6 ± 0,8%). Na atuaçao da lipase de P. purpurogenum na hidrólise do óleo de coco (Figura 7C), verifica-se que, para concentraçoes mais elevadas do substrato (35 e 50%), a velocidade inicial de reaçao foi afetada inicialmente, entretanto, com o progresso da reaçao foram obtidos valores similares de ácidos graxos livres, correspondendo ao grau de hidrólise de 30%. Os resultados obtidos nesta série de ensaios indicam comportamentos similares das lipases em relaçao ao efeito da concentraçao do substrato, sendo constatado que a porcentagem de 25% de óleo forneceu graus de hidrólises mais elevados, enquanto proporçoes mais elevadas (35 e 50%) influenciaram negativamente a atividade hidrolítica das três lipases avaliadas. Cavalcanti-Oliveira et al.34 demonstraram que na hidrólise de óleo de soja catalisada por lipase comercial de Thermomyces lanuginosus em diferentes concentraçoes de substrato, a enzima foi também influenciada negativamente para substratos contendo proporçoes mais elevadas de óleo. Segundo Chua et al.,35 a inibiçao pelo substrato pode ocorrer em diferentes concentraçoes dependendo da fonte de lipase, da natureza do óleo e das condiçoes de reaçao. De maneira geral, há vários registros na literatura indicando que o aumento da proporçao de água do meio reacional (reduçao da proporçao de óleo) pode favorecer incrementos da atividade devido à melhor conformaçao enzimática e maior área de interface.36,37 Quantificaçao dos produtos de hidrólise Os produtos de hidrólise dos óleos de canola pela atuaçao das lipases de P. italicum e P. janthinellum e do óleo de coco pela lipase P. purpurogenum foram analisados por cromatografia gasosa e os resultados estao apresentados na Tabela 3. Em termos de concentrados de ácidos graxos livres, ambas as lipases das espécies P. italicum e P. janthinellum foram capazes de enriquecer o meio hidrolisado com ácidos graxos insaturados provenientes do óleo de canola. A lipase da espécie P. italicum forneceu 79% de material hidrolisado e desse valor aproximadamente 68% foram ácidos graxos poli-insaturados (C18:1 e C18:2), enquanto a lipase da espécie P. janthinellum foi capaz de hidrolisar 63% do óleo de canola, e 53% do material hidrolisado foi composto também pelos mesmos ácidos graxos poli-insaturados. A lipase de espécie P. italicum, por outro lado, promoveu a maior liberaçao do ácido oleico (C18:1) para o meio reacional (49%) em relaçao a lipase de P. janthinellum (37%).
A Tabela 3 ainda mostra que entre as lipases selecionadas, a de P. purpurogenum forneceu resultado distinto, tendo hidrolisado preferencialmente de ácidos graxos saturados, presentes no óleo de coco. É possível observar que dos 66% dos ácidos graxos liberados por esta lipase 53% sao compostos de ácidos graxos saturados (C12:0, C14:0, C16:0), tendo como componente majoritário o ácido láurico (34%), seguido por ácido mirístico com 14%.
CONCLUSAO As espécies do gênero Penicillium descritas neste trabalho sao fontes promissoras de lipase ligada ao micélio, que podem ser aplicadas em reaçoes de hidrólise de óleos vegetais saturados ou insaturados, dependendo da espécie selecionada. Potenciais aplicaçoes deste procedimento sao as reaçoes de hidrólises de óleos vegetais para obtençao de concentrados de ácidos graxos de alto valor agregado (ômega 6), pré-tratamento de efluentes da indústria alimentícia, e uma alternativa na utilizaçao em reaçoes de hidroesterificaçao para produçao de biocombustíveis utilizando matérias-primas de baixa qualidade. Entretanto, estudos adicionais sao ainda necessários visando estabelecer para cada óleo vegetal as condiçoes que favorecem o alcance de elevados graus de hidrólise, sendo recomendado para esse propósito a metodologia de superfície de resposta. Cabe ainda destacar que o trabalho experimental descrito neste estudo foi conduzido empregando lipases ligadas ao micélio na forma livre (biomassa com elevada atividade hidrolítica), entretanto, algumas aplicaçoes dessas lipases podem requerer o uso na forma imobilizada em suporte adequado, como poliuretano. Esta forma alternativa de biocatalisador pode ser muito útil para conduçao de reaçoes em reatores de leito fixo operando em fluxo contínuo.
AGRADECIMENTOS A CAPES (Coordenaçao de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pelo apoio financeiro.
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