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Óxidos metálicos derivados de materiais tipo hidrotalcitas contendo Ga3+ como catalisadores para síntese de biodiesel etílico Metal oxides from like-hydrotalcites materials modified with Ga3+ as catalysts for ethyl biodiesel synthesis |
Marcelo Mancini1; Adonis Coelho1; Olavo M. Perrone1; Joao C. Thomeo2; Mauricio Boscolo1,*
1. Departamento de Química e Ciências Ambientais, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, 15054-000 São José do Rio Preto - SP, Brasil Recebido em 23/09/2016 *e-mail: boscolo@ibilce.unesp.br Summary: The synthesis of like-hydrotalcites materials (layered double hydroxides - LDHs) with molecular formula MgxM3+y(CO3)(OH)16·4H2O in different ratios Mg2+/M3+ where M3+ is Al3+, Ga3+ or both was carried out by the coprecipitation method to be applied in the transesterification reactions for synthesis of ethyl biodiesel from soybean oil and ethanol. The reactions were processed for 12 hours at 120 ºC at a molar ratio oil/ethanol (1/20) with 20% (m/m) of the catalyst in relation to the oil mass, and the products were quantified by GC-FID. With the introduction of Ga3+ in the solid, some physicochemical characteristics of LDHs were kept based in the data from X-ray pattern diffraction (XRD), vibrational spectrometry (ATR-FTIR), and scanning electron microscopy (SEM), but changes from thermogravimetric analysis (TGA), superficial area (BET), and the acidity/basicity properties were observed. Typical hydrotalcite with Mg2+/M3+ = 3 was used as reference material and reach 45.1% of biodiesel conversion. Although the best conversion result (77.6%) was reached from the solid without Ga3+ and with Mg2+/M3+ ratio 4/1, there is an interesting correlation between the catalytic activities and the physicochemical properties of the solids with Ga3+ and their respective homologous materials as discussed in this work. INTRODUÇAO O biodiesel é um biocombustível composto por mistura de ésteres alquílicos produzidos a partir de álcoois de cadeias curtas, principalmente metanol e etanol, e glicerídeos graxos de origem vegetal ou animal,1 e reconhecidamente causa menos impacto ambiental que o petrodiesel. Dados divulgados em 2016 pelo Ministério de Minas e Energia indicam que as principais matérias-primas graxas empregadas no Brasil sao: óleo de soja (78%), gordura bovina (19%), óleo de algodao (2%), e outros óleos (0,9%).2 Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis),3 em 2008, a adiçao de 2% de biodiesel ao petro-diesel passou a ser obrigatória, aumentando para 4% em 2009, 5% em 2010 e 7% em 2014. A produçao nacional em 2015 atingiu 3,9 milhoes de litros, e o governo brasileiro autorizou o uso voluntário de até 20% de biodiesel em frotas privadas, consumidores rodoviários atendidos por ponto de abastecimento, e de 30% em transporte ferroviário, uso agrícola e industrial. Embora o uso de etanol seja menos frequente para a reaçao de transesterificaçao devido a sua higroscopicidade, o etanol é particularmente interessante para o Brasil em funçao da base industrial sucroalcooleira instalada e também pela baixa toxicidade deste álcool, comparada com a do metanol. A principal rota sintética comercial na produçao de biodiesel envolve a reaçao de transesterificaçao entre matéria graxa e metanol por catálise alcalina homogênea usando NaOH ou KOH como catalisadores, pois apresenta baixo custo e elevados rendimentos, além da reaçao ocorrer em condiçoes brandas de temperatura e sob pressao atmosférica.4 No entanto esta rota apresenta fatores negativos como o nao reaproveitamento do catalisador, produçao de grande volume de efluentes, necessidade de óleos com baixo teor de umidade e com teor total de ácidos graxos livres nao superior a 0,5% em peso para evitar a formaçao de sabao, o que dificulta o processo de purificaçao do produto final.5 Apesar de mais lenta e corrosiva, a catálise ácida homogênea também pode ser empregada na produçao de biodiesel em processos de esterificaçao e de transesterificaçao.6 Embora industrialmente ainda pouco usual, a catálise heterogênea para a síntese de biodiesel apresenta muitas vantagens como a reutilizaçao do catalisador, melhor qualidade do glicerol gerado e menor consumo de água na purificaçao do biodiesel em relaçao ao usado na catálise homogênea, reduzindo assim seu impacto ambiental. Entretanto, esta rota catalítica é lenta e necessita ainda avançar no seu desenvolvimento para se posicionar como competitiva no setor industrial, principalmente quanto ao custo dos catalisadores. Vários materiais já foram estudados como catalisadores para produçao de biodiesel e dentre eles os óxidos mistos porosos (OMPs) formados pela calcinaçao de materiais tipo hidrotalcitas aparecerem como potencial alternativa.7-9 Hidrotalcitas (HTs) sao argilas aniônicas naturais classificadas como hidróxidos duplos lamelares (HDLs) que contém os cátions Mg2+ e Al3+ com fórmula geral [M2+1-xM3+x(OH)2] x+Am-x/m·nH2O, em que Am- sao ânions de carga m- intercalados entre as lamelas.10 Esta classe de material pode ser facilmente sintetizada e com baixo custo. A regiao interlamelar dos HDLs é também ocupada por moléculas de água,11 formando assim o empilhamento característico destes materiais, que podem apresentar cristais pequenos com alta área superfícial e alta estabilidade térmica.12 Seus óxidos obtidos por calcinaçao reúnem em suas superfícies sítios de caráter ácidos de Lewis e básicos de Brønsted-Lowry, fundamentais na ativaçao da carbonila dos glicerídeos e na formaçao de alcóxidos envolvidos nas reaçoes de transesterificaçao.13,14 A busca por novas composiçoes destes catalisadores envolve a substituiçao total ou parcial dos metais mais comuns das hidrotalcitas (Mg e Al) por outros de valências equivalentes, bem como a avaliaçao de suas propriedades catalíticas. O aumento da acidez de Lewis nos sítios catalíticos pode ser alcançado alterando pela substituiçao do alumínio por gálio. O íon Ga3+ tem raio maior que o Al3+ (0,62 Å contra 0,57 Å), mas também é mais eletronegativo (1,81 contra 1,61). Ambos os óxidos (Al2O3 e Ga2O3) sao anfóteros, evidenciado pela a adsorçao de CO215 e de aminas.16,17 Esta característica é essencial para que possam ser empregados como catalisadores em reaçoes de transesterificaçao, como descrito na Figura 1. Porém, o óxido de gálio, ao contrário da alumina, é solúvel em soluçoes concentradas de amônia, indicando assim um caráter mais ácido que a alumina.
Figura 1. Reaçao de transesterificaçao sobre a superfície de um óxido metálico anfótero
Embora GaCl3 seja a fonte de Ga3+ mais econômica, poucos trabalhos foram publicados empregando este sal na síntese de hidrotalcitas devido a sua alta reatividade com a água, sendo entao necessário a utilizaçao de soluçoes alcoólicas anidras para sua dissoluçao, juntamente com os demais metais a serem coprecipitados. A proposta deste estudo foi sintetizar e caracterizar HDLs com a substituiçao parcial e total de Al3+ por Ga3+ em diferentes razoes molares Mg2+/M3+, bem como avaliar as atividades catalíticas de seus respectivos óxidos em reaçoes de transesterificaçao de óleo de soja com etanol.
PARTE EXPERIMENTAL Síntese dos óxidos catalisadores A composiçao dos catalisadores foi estabelecida em diferentes razoes molares dos íons metálicos Mg2+/M3+ (3/1; 4/1 e 5/1), sendo que M3+ compreende a soma dos íons Al3+ e Ga3+ nas proporçoes respectivas 1:0; 1:1 e 0:1. Soluçoes metanólicas anidras contendo Mg(NO3)2·6H2O, Al(NO3)3·9H2O e GaCl3 nas proporçoes mencionadas foram gotejadas lentamente em soluçao aquosa contendo Na2CO3 na concentraçao molar equivalente a 20% dos íons M3+ sob agitaçao constante a 60 ºC e pH controlado entre 9 e 10 por adiçao contínua de soluçao 4,0 mol L-1 de NaOH. Ao fim da precipitaçao, o sistema foi mantido em agitaçao por 72 horas para nucleaçao e amadurecimento dos cristais. Os sólidos formados foram separados por filtraçao, lavados até pH 7 e secos a 100 ºC por 12 horas. A calcinaçao foi conduzida a 450 ºC por 4 h ao ar9,18 e, ao final, os óxidos mistos resultantes foram triturados, peneirados e a fraçao menor que 150 mesh foi empregada como catalisador nas reaçoes de transesterificaçao. Caracterizaçao estrutural dos HDLs e de seus OMPs. A cristalinidade dos HDLs e OMPs foi determinada por difratometria de raios X (XRD) em um difratômetro Rigaku® Miniflex 300 operando em 15 kV. As amostras foram submetidas à radiaçao CuKα (λ= 1,54 Å) em um intervalo angular de 5 a 70º com variaçao de 2θ por minuto. Os índices de Miller (003) e (110) foram utilizados para calcular os parâmetros de rede, em que α corresponde à média da distância dos cátions das camadas da estrutura dos compostos (α = 2d110) e c é à distância interlamelar (c = 3d003). Este cálculo é aplicável se a reflexao (001) for nítida. No entanto, se os picos forem um tanto largos, c pode ser mais bem determinado pela média da posiçao dos picos de difraçao correspondentes a planos (003) e (006), de acordo com a fórmula c = 3/(2d003 + 2d006) para uma célula unitária hexagonal.12-19 O tamanho do cristalito do óxido foi calculado a partir da linha de difraçao em 62,5º referente ao (113), usando a equaçao de Scherrer (Equaçao 1). Em que D é o tamanho médio dos cristalitos (nm); k é o fator de forma (K = 0,9); λ é o comprimento de onda de radiaçao CuKα (0,154 nm); β é a largura do pico à meia altura, depois de subtrair a linha de alargamento instrumental em radianos e θ é o ângulo de difraçao.9 Os espectros vibracionais de 4000 a 400 cm-1 foram adquiridos em um espectrofotômetro PerkinElmer® Spectrum Two acoplado a um sistema de reflexao total atenuada (ATR-FTIR). A decomposiçao térmica dos HDLs e as determinaçoes de basicidade e acidez da superfície dos óxidos foram estudadas por termogravimetria, utilizando equipamento PerkinElmer TGA 4000 empregando cadinhos de cerâmica. Para a decomposiçao térmica foi utilizado isoterma de 1 min em 90 ºC e aquecimento de 15 ºC min-1 até 450 ºC sob atmosfera dinâmica de N2 (20 mL min-1). A basicidade do material (expressa em mmol de CO2 adsorvido por grama de material) foi determinada submetendo os óxidos à atmosfera dinâmica de CO2 (99,9%) (20 mL min-1) em isoterma de 70 ºC durante 5 min, até o equilíbrio de adsorçao ser estabelecido.15 Para a determinaçao da acidez da superfície (expressa em mmol de n-butilamina adsorvida por grama de material) os materiais foram submetidos à atmosfera dinâmica de N2 saturado com vapor de n-butilamina (20 mL min-1) em isoterma de 120 ºC por 10 min, até o equilíbrio de adsorçao ser estabelecido.16,17 As características morfológicas dos materiais sintetizados foram comparadas por microscopía eletrônica de varredura (SEM) utilizando microscópio Zeiss® Leo 435VPi® (15 kV). A composiçao atômica dos óxidos foi determinada microscópio Leo 440 por energia dispersiva de raios X (EDX) em um analisador multicanal modelo DSM 960. A medida da área superficial específica foi determinada a partir da isoterma de adsorçao de nitrogênio a -196 ºC em um analisador de área superficial Micromeritics® Gemini VII 2390 - pela equaçao de Brunauer, Emmet e Teller (BET). As reaçoes de transesterificaçao foram conduzidas com razao molar óleo/etanol de 1:20 e com 20% (massa/massa) de catalisador em relaçao ao óleo a 120 ºC em sistema fechado de 15 mL e com pressao auto-gerada sob agitaçao constante por 12 h. O biodiesel produzido foi rotoevaporado sob vácuo e centrifugado para separaçao do catalisador. A quantificaçao dos ésteres graxos etílicos foi realizada por cromatografia em fase gasosa com detecçao por ionizaçao de chama (GC-FID) em cromatógrafo PerkinElmer Clarus 480 acoplado à coluna capilar Agilent® J&W Biodiesel EN14103 (30 m; 0,32 mm e 0,25 µm).20 Um µL de cada amostra previamente diluída 50 vezes em hexano foi injetado com divisao de fluxo no injetor de 1:30, tendo N2 como gás de arraste (1,0 mL min-1). A programaçao térmica do forno da coluna foi de 60 a 200 ºC com taxa de aquecimento 10 ºC min-1 e com posterior aumento para 240 ºC com taxa de aquecimento de 5 ºC min-1. Os blocos do injetor e do detector foram mantidos em 250 ºC. Os cromatogramas foram coletados no software PerkinElmer TotalChrom Navigator. A quantificaçao dos ésteres foi baseada em curvas analíticas utilizando os ésteres etílicos (linoleato, oleato, palmitato e estearato de etila) como padroes analíticos nas concentraçoes de 0,005; 0,01; 0,05; 0,1; 0,25 e 0,5 mg mL-1, contendo 4 µg mL-1 de heptadecanoato de metila como padrao interno (Sigma-Aldrich® ≥99%) em cada amostra (Figura 1S, material suplementar). O rendimento (R) foi obtido de acordo com proposto por Urioste et al.,21 e definido como a massa total de ésteres obtidos (Mt) em relaçao à massa teórica esperada (Me), podendo ser expresso pela Equaçao 2. Em que: Ca é a concentraçao de ácido graxo; Mi a massa inicial de óleo utilizado; MMe a massa molar do éster; e MMa a massa molar do ácido graxo. Foi efetuado estudo de reuso para os melhores catalisadores e ao final de cada ciclo de reaçao os sólidos foram separados da micela reacional por centrifugaçao a 6000 rpm durante 10 minutos, lavados com acetona, secos e recalcinados a 450 ºC para entao serem reutilizados nas mesmas condiçoes reacionais.
RESULTADOS E DISCUSSAO Na Figura 2 sao mostrados os padroes de difraçao de raios X dos HDLs sintetizados com seus respectivos índices de Miller iguais a 11,0º (003); 22,2º (006); 34,2º (012); 38,2º (015); 45,1º (018); 59,9º (110) e 61,1º (113), típicos para estruturas tipo hidrotalcita, segundo a base de dados do Joint Committee on Powder Diffraction Standards (JCPDS) - ficha cristalográfica JCPDS 22-700.12,22 A nao detecçao de picos atípicos revela pureza da fase cristalina e a completa incorporaçao dos íons Ga3+ na estrutura lamelar.
Figura 2. Padroes de difraçao dos HDLs sintetizados em diferentes razoes molares (Mg2+/M3+) com seus respectivos índices de Miller indicados
Os padroes de difraçao dos materiais após a calcinaçao a 450 ºC sao apresentados na Figura 3, na qual se observa a formaçao do periclásio (MgO) (JCPDS- 75-1525) em todas as formulaçoes,23,24 mas nao a formaçao de espinélio (Al2MgO3) em concordância com Pérez et al.,25 demonstrando elevado grau de amorfismo estrutural. Porém, nas amostras contendo gálio sao observadas fracas reflexoes em 2θ iguais a 31,0º; 35,0º; 58,0º e 65,0º correspondentes ao Ga2MgO4 (JCPDS 10-113),26 classificado como material tipo espinélio.27
Figura 3. Difratogramas dos OMPs com diferentes razoes molares (Mg2+/M3+)
Allmann,28 em 1968, determinou a estrutura da piroaurita Mg6Fe2(OH)16CO3∙4H2O, um hidróxido duplo lamelar classificado como argila natural e muito similar à hidrotalcita, e descreveu sua célula unitária hexagonal com a = 3,109 Å e c = 23,41 Å. Este material foi classificado como pertencente ao sistema cristalino romboédrico ou sistema cristalino trigonal. Na Tabela 1 sao apresentados os parâmetros cristalográficos de rede dos HDLs preparados muito similares aos da piroaurita, demonstrando que a estrutura lamelar foi formada em todos os sólidos sintetizados. Como esperado, com o aumento da razao molar (Mg2+/M3+) e/ou com a substituiçao parcial ou total do alumínio pelo gálio, os parâmetros a e c aumentaram em relaçao à hidrotalcita típica (3Mg/Al) devido à maior proporçao de alumínio nestes materiais, uma vez que apresenta o menor raio iônico destes íons, em ordem crescente, Al3+ (0,57 Å); Ga3+ (0,62 Å); Mg2+ (0,78 Å).
Devido ao grande raio iônico do Mg2+ é esperado que o tamanho dos cristalitos seja de fato maior nos materiais com elevadas razoes iônicas Mg2+/M3+, como é observado nos resultados. Entretanto, com a inserçao de gálio o tamanho dos cristalitos dos óxidos foi pouco alterado nas razoes iônicas iguais a 3 e 4, ao contrário do observado na razao iônica igual a 5, na qual houve aumento do tamanho cristalito com a inserçao do gálio. Os espectros de ATR-FTIR dos HDLs apresentam características do material tipo hidrotalcita,29 com banda forte e larga de νOH em torno de 3400 cm-1 resultante das moléculas de água presentes nas intercamadas e banda fraca de δOH em 1650 cm-1 (Figura 4).
Figura 4. Espectros de ATR-FTIR dos HDLs sintetizados
A banda intensa entre 1350 e 1400 cm-1 é atribuída ao estiramento assimétrico ν3 de NO3- e CO32-. Bandas entre 400 a 1000 cm-1 sao atribuídas às vibraçoes de M-O e M-OH.30-33 Em alguns materiais as bandas das hidroxilas aparecem em menor intensidade, sugerindo que estejam interagindo com grupos vizinhos. O ombro entre 2900 e 3042 cm-1 é atribuído à ligaçao de hidrogênio entre H2O e o ânion carbonato (CO3-H2O).31,34-36 A curva TG do material 5:1 MgAlGa50% é mostrada como um exemplo na Figura 5 com indicaçoes dos pontos obtidos por DTG usados na determinaçao percentual de perda de massa no estudo de degradaçao térmica. O padrao de decomposiçao térmica dos HDLs é fortemente dependente da composiçao do material e do tipo de ânion incorporado no espaço interlamelar.37
Figura 5. Curva TG do material 5:1 MgAlGa50% e sua primeira derivada (DTG) com indicaçao dos eventos térmicos observados e os pontos de referência (onset e endset) usados nos cálculos de perda de massa
Normalmente o primeiro evento de decomposiçao térmica é observado entre 100 e 275 ºC e é atribuído à remoçao de água adsorvida na superfície dos cristais, seguida da remoçao de água interlamelar. O segundo evento térmico é observado entre 275 e 450 ºC e é referente à remoçao dos ânions OH- e CO32- da camada interlamelar.38 De acordo com dados apresentados na Figura 6 referentes à perda de massa de água no primeiro evento térmico é evidente que nos materiais preparados com proporçao iônica Mg2+/M3+ = 3 nao se observa mudança nos níveis de perda de água com a introduçao de Ga3+, permanecendo em torno de 12%, porém nos materiais com razoes Mg2+/M3+ iguais a 4 e 5 observa-se uma nítida dependência do teor de Mg e este efeito é intensificado com a inserçao de Ga3+ no material.
Figura 6. Perda de água no primeiro evento térmico da calcinaçao dos HDLs
No segundo evento térmico observou-se perda de massa média de 22% sem sofrer alteraçao significativa com o aumento da razao molar Mg2+/M3+ e com a inserçao de gálio resultante das altas temperaturas de decomposiçao do MgOH (350 ºC), MgCO3 (350-650 ºC), Al(OH)3 (300 ºC),9 e Ga(OH)3 (300-400 ºC).39 Algumas micrografias eletrônicas de varredura dos HDLs e de seus respectivos óxidos sao mostradas na Figura 7. Na Figura 7-A é visto o HDL (3:1MgAl) antes da secagem e pode-se observar uma superfície menos rugosa devido à presença de água incorporada por adsorçao, absorçao ou oclusao40 e ânions interlamelares. Após a secagem, o material exibe leve escamaçao devido à remoçao da água (Figura 7-B) e após o processo de calcinaçao apresenta alta porosidade devido às lacunas deixadas pela evoluçao do vapor de água e remoçao dos ânions (OH- e CO32-) (Figura 7-C).
Figura 7. Micrografias eletrônica de varredura (SEM) dos HDLs e OMPs, ampliaçao de 4,0 kX. A - 3:1MgAl - HDL (como precipitado); B - 3:1MgAl - HDL (secagem 100 ºC); C - 3:1MgAl - OMP (após decomposiçao térmica a 450 ºC); D - 5:1MgAlGa50% - OMP (após decomposiçao térmica a 450 ºC)
Resultado similar foi também registrado para o óxido OMP 5:1MgAlGa50% (Figura 7-D), no qual se observa maior número de microporos e elevada área superficial devido à formaçao de canais na estrutura do material.38 Entretanto, pode-se constatar que a área superficial específica diminuiu na razao molar Mg2+/M3+ igual a 3 com a inserçao de Ga3+, e nas razoes Mg2+/M3+ 4 e 5 este efeito foi intensificado (Tabela 2). A reduçao da área superficial está relacionada ao tamanho do cristalito. Apesar dos óxidos apresentarem reduçao em suas áreas superficiais específicas quando há modificaçao das razoes molares Mg2+/M3+ e inserçao de Ga3+, existe semelhança com os valores relatados na literatura. Birjega et al.12 obtiveram SBET entre 140 e 228 m2 g-1 utilizando elementos terras raras como modificadores de HDLs, Alvarez et al.41 obtiveram SBET entre 105 e 136 m2 g-1 em seus óxidos contendo gálio, e Hájek et al.9 conseguiram SBET entre 161 e 211 m2 g-1 variando a razao molar Mg2+/M3+ em HDLs.
Nos sólidos sem gálio nao houve grande variaçao na razao acidez/basicidade da superfície, porém com a inserçao de Ga3+ observou-se aumento nesses valores, com exceçao dos óxidos 4:1MgAlGa50% e 5:1MgGa100% (Tabela 2). Os rendimentos na síntese de biodiesel (Tabela 2) sao mais elevados quando sao empregados sólidos sintetizados com razoes iônicas Mg2+/M3+ maiores e com a inserçao de Ga3+, atingindo valores similares aos descritos na literatura para biodiesel metílico. Macala et al.42 doparam óxidos de MgAl com 5 e 10% de gálio utilizados na transesterificaçao de óleo de soja e atingiram rendimentos de 40 e 80%, respectivamente, e Hájek et al.9 alcançaram 78% de conversao de óleo de canola empregando óxidos de MgAl em diferentes razoes molares. Os dois óxidos com melhor rendimento catalítico (4:1 MgAl e 5:1 MgAlGa50%) foram submetidos a 4 ciclos reacionais a fim de conhecer suas estabilidades e capacidades de reutilizaçao. Os rendimentos de biodiesel etílico obtidos após o reuso dos catalisados sao mostrados na Figura 8.
Figura 8. Rendimento de biodiesel etílico após sucessivos ciclos de reaçao
A capacidade catalítica de ambos os óxidos foi reduzida após cada ciclo de reuso. Empregando o óxido 5:1 MgAlGa50%, o rendimento catalítico foi aproximadamente 18% menor no primeiro reuso em relaçao ao rendimento inicial, enquanto que o óxido 4:1 MgAl perdeu aproximadamente 10% de sua atividade. Ao final do terceiro reuso ambos os óxidos perderam aproximadamente 30% de suas capacidades catalíticas iniciais. A análise por espectroscopia de raios X por dispersao em energia (EDX) do catalisador 4:1 MgAl resultou em teores de 67,2 % de O; 24,6% de Mg e 6,2% de Al com relaçao Mg2+/M3+ = 4,0. Para o óxido catalisador 5:1 MgAlGa50% obteve-se 62,9 % de O; 31,9% de Mg; 2,9% de Al e 2,4% de Ga, com relaçao Mg2+/M3+ = 6,0.
CONCLUSAO Importantes observaçoes foram feitas com a substituiçao parcial ou completa do Al pelo Ga na preparaçao de hidróxidos duplos lamelares tipo hidrotalcita como precursores de óxidos catalisadores para síntese de biodiesel etílico. A presença de gálio e o aumento na razao molar Mg2+/M3+ nesses materiais resultou em aumento do tamanho dos cristalitos com consequente diminuiçao na área superficial específica, bem como diminuiçao na capacidade de adsorçao de CO2 e n-butilamina, respectivamente, nos sítios básicos e ácidos da superfície dos materiais. O aumento da razao molar entre os íons de diferentes cargas (2+/3+) torna a superfície dos óxidos mais alcalina, mas os materiais que contém gálio sao mais ácidos que seus análogos. Em menores razoes Mg2+/M3+ a presença de gálio desativa o catalisador, mas em geral a inserçao de gálio e o aumento da razao iônica Mg2+/M3+ tende a contribuir para a elevaçao do rendimento de produçao de biodiesel de 45,1% obtido com o catalisador de referência 3:1MgAl para 75,5%, quando o material 5:1 MgAlGa50% é empregado. Apenas um dos materiais catalisadores sem gálio (4:1MgAl) apresentou bom rendimento de biodiesel (77,6%).
MATERIAL SUPLEMENTAR O Cromatograma GC-FID dos produtos da reaçao utilizando o óxido 5:1MgAlGa50% pode ser encontrado no Material Suplementar, disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, em arquivo PDF, com acesso livre.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro dentro da Chamada MCTI/CNPq N º 40/2013 - Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovaçao voltados para a Cadeia Produtiva do Biodiesel (Processo 380762/2016-1) e à FAPESP (Processo 2013/23886-4) a partir do programa BIOEN. Os autores também agradecem a Lucy Rose M. O. Moreira e ao Prof. Cícero W. B. Bezerra da UFMA pelas análises de EDX.
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