JBCS



15:30, qui nov 21

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Assuntos Gerais


A Química Ambiental no Brasil nos 40 anos da SBQ
Environmental Chemistry in Brazil in 40 years in the SBQ

Maria C. Canela1,*; Anne H. Fostier2; Marco T. Grassi3

1Laboratório de Ciências Químicas, Centro de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil.
2Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, 13083-970 Campinas - SP, Brasil.
3Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná, 81531-980 Curitiba - PR, Brasil.

Recebido em 02/04/2016
aceito em 11/05/2017

Endereço para correspondência

*e-mail: mccanela@gmail.com, mccanela@uenf.br

RESUMO

This paper aims to present an overview of the ongoing of the Brazilian environmental chemistry over the last forty years inserted in the context of the Brazilian Chemical Society (SBQ). Initially, a brief history presents the main milestones and premise of its "birth" in the 1980s, as well as the set of major actions taken within the SBQ to consolidate and strengthen this area of research. Then, in a separated approach between atmosphere, hydrosphere and lithosphere, we present the evolution of the main topics covered in Environmental Chemistry in Brazil, as well as the contribution of the chemists in the interdisciplinary scenario that constitutes this area. Finally, an overview of the evolution of the teaching of Environmental Chemistry in Brazil is presented.

Palavras-chave: environmental chemistry, atmosphere, hydrosphere, lithosphere

HISTORICO DA QUIMICA AMBIENTAL NO BRASIL

No Brasil, a Química Ambiental se desenvolveu a partir de um vínculo estreito com a Química Analítica, que se consolidou com base em uma escola consolidada e tradicional, com uma visao clássica sobre seu papel e voltada, em primeira instância, para o desenvolvimento de protocolos analíticos e elucidaçao de problemas estabelecidos dentro do laboratório. Portanto, boa parte dos primeiros químicos ambientais tinha uma forte ligaçao com a Química Analítica e eram poucos aqueles com experiência em trabalhos de campo e amostragem ambiental. Nos anos 1980, a pesquisa em Química Ambiental conduzida em nosso país tinha como base o monitoramento de espécies químicas presentes na hidrosfera, atmosfera e biota.1 Existem documentos evidenciando a escassez de atividades de pesquisa dedicadas ao estudo da reatividade química e comportamento de poluentes nao apenas nos três compartimentos mencionados anteriormente, mas igualmente em suas interfaces.2 Estas circunstâncias resultaram em um desenvolvimento mais lento da Química Ambiental brasileira, quando comparada com a de outros países, especialmente os desenvolvidos. Nao obstante estes aspectos, nos dias atuais a Química Ambiental ocupa posiçao de destaque no cenário científico nacional, tendo igualmente alcançado projeçao internacional. Vários eventos científicos também têm contribuído para isso, tais como as Reunioes Anuais da Sociedade Brasileira de Química, SBQ, os Encontros Nacionais de Química Analítica (ENQA), o Congresso Brasileiro de Química Ambiental, posteriormente denominado International Environmental Chemistry Congress in Brazil, além dos Encontros Nacionais de Química Ambiental (ENQAmb), entre outros. Estes eventos têm representado um importante fórum de discussao, inclusive relacionada aos desafios e perspectivas da Química Ambiental no Brasil. Outros fatores relevantes foram a criaçao da Divisao de Química Ambiental da SBQ em 1994 e a formaçao de um expressivo número de pesquisadores oriundos dos grupos que se consolidaram nos anos 80 e 90. Estes pesquisadores lideram hoje grupos atuantes distribuídos em todo o território nacional. Também deve ser citada a criaçao da disciplina Química Ambiental, que passou a integrar a grade curricular dos cursos de graduaçao em Química no Brasil a partir dos anos 1990 e 2000.3 Programas governamentais como os Institutos do Milênio e, mais recentemente, o dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) também têm contribuído para este desenvolvimento, especialmente em funçao da possibilidade concreta de financiamento para o estabelecimento de redes de pesquisa. Nesse contexto pelo menos três institutos podem ser destacados, sendo eles o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Energia e Ambiente (INCT-E&A), o Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Transferência de Materiais Continente-Oceano (INCT-TMOcean), com forte atuaçao de pesquisadores atuantes na área de química.

 

CENARIO DE ESTUDO DA QUIMICA AMBIENTAL NO BRASIL

Para contemplar o cenário das pesquisas em Química Ambiental no Brasil, decidimos dividir os estudos em hidrosfera, atmosfera e litosfera, embora estes compartimentos sejam integrados e nao haja um mais importante que o outro e tampouco podem ser vistos separadamente. Além disso, este texto nao tem a pretensao de fazer uma revisao exaustiva das publicaçoes nestas áreas dentro da Química Ambiental, mas sim de apresentar um panorama da evoluçao e dos temas que foram e estao sendo estudados nestes 40 anos da Sociedade Brasileira de Química, apresentando exemplos de alguns destes trabalhos.

Atmosfera

O estudo da química atmosférica no Brasil é muito mais antigo do que podemos imaginar. Segundo relatam Marques e Filgueiras,4 ela começou a ser estudada no Brasil com uma perspectiva ambiental na metade do século XVIII e início do século XIX, por um médico chamado José Pinto de Azeredo. Azeredo estudou medicina na Universidade de Edimburgo em 1786, onde redigiu uma memória sobre os efeitos do CO2, chamado antigamente de ar fixo, sobre o sistema nervoso. Marques e Filgueiras4 destacam que este trabalho foi pioneiro tanto no hemisfério ocidental, como no mundo, ao colocar a química à serviço da determinaçao da qualidade do ar e mostrar a preocupaçao ambiental com o ar que respiramos.

Dentro da mesma perspectiva de análises químicas para avaliaçao da qualidade do ar, a CETESB (Companhia Ambiental do Estado de Sao Paulo) iniciou o monitoramento da qualidade do ar em 1972, medindo diariamente os níveis de dióxido de enxofre (SO2) e fumaça preta, na regiao Metropolitana de Sao Paulo. No início da década de 1980, a companhia ampliou o número de parâmetros a serem medidos, automatizou as medidas e estudos específicos começaram a ser realizados com a Universidade de Sao Paulo (USP), iniciando estudos de fontes, mecanismos de formaçao e reaçoes na atmosfera.5

Os trabalhos relacionados à química atmosférica, nao só da cidade de Sao Paulo, começaram a aparecer a partir da década de 1980 e sempre foram trabalhos interdisciplinares, onde estavam envolvidos tanto químicos, como físicos, biólogos, meteorologistas, agrônomos, engenheiros e médicos. Em 1981, Trindade e colaboradores6 publicaram um estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro sobre a presença de onze metais em material particulado em suspensao coletado em diferentes locais da cidade de 1975 a 1978. O Grupo para Estudos da Poluiçao do Ar da USP realizou estudos de 1980 a 1982, tanto em áreas naturais na Amazônia e Goiás, como também estudaram partículas finas e grossas de aerossóis naturais (na reserva da Juréia) e urbanos de várias capitais brasileiras (Vitória, Salvador, Porto Alegre, Sao Paulo e Belo Horizonte).7,8 Muitos estudos estavam centrados na presença de metais tóxicos na atmosfera e que poderiam causar danos à saúde humana. Alguns trabalhos como os de Carvalho e colaboradores9,10 foram realizados por químicos em parceria com pesquisadores de departamentos de medicina. Estudos de metais na atmosfera também foram realizados na Amazônia, principalmente devido a utilizaçao de mercúrio na extraçao de ouro.11,12 Também foi na década de 1980 que foram publicados os primeiros trabalhos de aldeídos na atmosfera nas cidades brasileiras, principalmente devido ao aumento na utilizaçao de álcool como combustível após o Proálcool em 1975.13,14 O trabalho de Tanner e colaboradores,15 além de aldeídos, também estudou a presença de nitrato de peroxiacetila (PAN) e nitratos orgânicos na atmosfera urbana da cidade do Rio de Janeiro. Neste mesmo período aparecem os primeiros trabalhos com hidrocarbonetos policíclicos aromáticos no Brasil.

Finalmente em termos históricos, pesquisadores brasileiros juntamente com a NASA (U.S. National Aeronautics and Space Administration) realizaram o primeiro estudo de grandes dimensoes no Brasil chamado ABLE-2 (Amazon Boundary Layer Experiment) que tinha como objetivo analisar aerossóis e gases naturais biogênicos na atmosfera Amazônica durante as estaçoes de seca16,17 e posteriormente foi criado o ABLE-2B (1987) para estaçoes úmidas.18

Após 40 anos de Sociedade Brasileira de Química, o que pode ser visto é que os trabalhos em Química Atmosférica envolvem diferentes grupos de pesquisa, na maior parte das vezes interdisciplinares, e que mesmo antes da criaçao da Divisao de Química Ambiental vários pesquisadores destes grupos já atuavam dentro da Divisao de Química Analítica, contribuindo em um primeiro momento para que as ferramentas analíticas pudessem ser usadas a favor dos estudos ambientais da química atmosférica no Brasil.19-25

Os estudos de poluentes atmosféricos em ambientes externos realizados no Brasil estao centrados em gases inorgânicos, aerossóis, material particulado e reaçoes na atmosfera e sao realizados nas grandes cidades, evidentemente devido ao maior índice de contaminaçao por veículos automotores e maior concentraçao de indústrias. Regioes metropolitanas como Rio de Janeiro, Sao Paulo e Salvador têm sido as mais estudadas, embora outras cidades como Cubatao, Londrina, Sao José dos Campos, Araraquara, Belo Horizonte, Florianópolis, Manaus, etc. também tem sido objeto de estudo devido à baixa qualidade do ar e/ou localizaçao de grupos de pesquisa que trabalham próximos a estas cidades. A atmosfera de algumas cidades e sua vizinhança tem sido também estudada devido a poluiçao gerada pela queima de cana-de-açúcar ou mesmo pela atividade de mineraçao.

Nestes casos, os poluentes mais estudados sao SO2, NOX, O3, NH3, hidrocarbonetos e material particulado (PTS, MP10 e MP2,5), além da análise química das precipitaçoes. A maior parte destes trabalhos visa identificar nao apenas a quantidade do poluente, mas suas fontes, especiaçao, efeitos que os mesmos causam, localizaçao geográfica e condiçoes climáticas, mostrando que só a presença ou nao de determinado poluente nao é o único fator que interfere na má qualidade do ar.26-31 Muitos desses trabalhos fazem uma análise ambiental de dados já coletados por estaçoes meteorológicas de órgaos ambientais estaduais ou mesmo municipais.26-29 Estudos químicos de precipitaçoes em ambientes impactados também têm sido importantes para avaliar a contaminaçao atmosférica, reaçoes químicas e fontes de contaminaçao.32-36 Em se tratando de regiao metropolitana, há muitos estudos que buscam relacionar a composiçao química do poluente aos efeitos tóxicos à saúde humana, embora poucos tem a participaçao de químicos.37-41

A utilizaçao de álcool como combustível, o aumento de emissoes veiculares e também queima de biomassa fizeram com que diversos grupos de pesquisa de química ambiental começassem a trabalhar nao só com compostos inorgânicos, mas também com compostos orgânicos voláteis (COV) e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos associados ou nao ao material particulado.36,42-45 A presença dos COV na atmosfera, incentivou estudos fotoquímicos, especiaçao e reaçoes formadoras de compostos secundários. Os principais COV encontrados em atmosferas externas sao o formaldeído e o acetaldeído43,46,47, seguido por hidrocarbonetos aromáticos, como BTEX (benzeno, tolueno, etil-benzeno e xilenos) e isoprenos.48-50

Finalmente, a associaçao de compostos orgânicos ao material particulado é um tema bastante explorado, já que estes materiais funcionam como transportadores desses compostos, carregando-os para áreas remotas. Vários grupos têm caracterizado estes materiais, tanto em grandes cidades,51-53 como na regiao agrícola, uma vez que a liberaçao e composiçao do material particulado torna possível traçar fontes da queima de biomassa.54,55

No que diz respeito à Amazônia, a partir de 1995, foi criado no Brasil, o Programa LBA (Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), gerenciado pelo MCTI e coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA, com a participaçao de 280 instituiçoes nacionais e estrangeiras, com a participaçao de vários pesquisadores brasileiros e estrangeiros (físicos, químicos, biólogos, meteorológicos, etc.). Na questao atmosférica, os pesquisadores têm estudado desde os principais gases do efeito estufa, a interferência na atmosfera das regioes alagadas, compostos orgânicos voláteis (COV) da floresta e interaçao com a poluiçao das cidades e a ciclagem de nitrogênio.56-58 Ainda sobre a Amazônia, dentro do LBA, em 2014 foi lançado o programa de pesquisa GoAmazon (Green Ocean Amazon Experiment) que integra também a comunidade de química ambiental e tem como objetivo desenvolver as pesquisas relacionadas com a dinâmica da floresta e sua interaçao com a atmosfera através de experimentos e modelos climáticos. Observa-se, portanto, que os trabalhos em química ambiental desenvolvidos na Amazônia, devido à complexidade do espaço e interface, sao sempre realizados por uma rede de pesquisadores, na maior parte das vezes bastante interdisciplinar.58-63

Finalmente, a química atmosférica de ambientes confinados vem também sendo explorada por químicos brasileiros, embora em menor intensidade que os ambientes externos. Segundo Brickus e Aquino Neto,64 o estudo da qualidade do ar em ambientes confinados começou no Brasil na década de 1990, com químicos, microbiologistas, engenheiros, arquitetos e toxicologistas. Os compostos mais analisados sao o CO2, CO, compostos orgânicos voláteis e semi-voláteis totais e alguns especiados, material particulado, radônio e microrganismos. Grosjean, Miguel e Tavares65 realizaram um estudo pioneiro no Brasil em que mediram a presença de compostos carbonilados dentro de ambientes internos e observaram que as concentraçoes destes compostos nestes ambientes eram tao altas quanto as externas, sendo influenciada pelo tráfego de veículos e utilizaçao de etanol como combustível. Mais tarde, outros trabalhos avaliaram a presença de poluentes orgânicos e inorgânicos na atmosfera de edifícios, escritórios, restaurantes e hotéis na regiao Sudeste do Brasil66-68 e observaram a presença de vários destes poluentes acima do limite estabelecido internacionalmente. Vários estudos envolvendo a poluiçao atmosférica em ambientes confinados no Brasil, com apresentaçao em várias Reunioes Anuais da SBQ, também foram reportados por Gioda e Aquino Neto69 em uma revisao publicada em 2003. Estudos mais sistemáticos foram realizados posteriormente, incluindo a análise de formaldeído e acetaldeído,70,71 além de compostos orgânicos voláteis totais e especiaçao (principalmente de benzeno, tolueno, etil-benzeno e xileno (BTEX)) e material particulado em diferentes espaços.72-74 Os locais mais estudados têm sido escolas,75,76 hospitais,71 gráficas,77 residências para idosos,74 bancos e escritórios,78 estacionamentos e túneis.79,80

Hidrosfera

Um dos primeiros trabalhos brasileiros associados à presença de espécies químicas em ambientes aquáticos data de 1972, onde resíduos de pesticidas clorados, especialmente de BHC e DDT foram encontrados em amostras de águas destinadas ao consumo humano no estado de Sao Paulo.81 Mais adiante, em 1979, os níveis de mercúrio total foram determinados em amostras de água e peixes coletadas no Estuário de Sao Vicente, igualmente em Sao Paulo.82 Nas duas décadas seguintes publicaçoes envolvendo o mercúrio cresceram em número no país, especialmente em funçao do seu uso indiscriminado no garimpo do ouro, nas regioes centro-oeste e norte do Brasil. Pfeiffer e colaboradores83 avaliaram a presença de mercúrio em águas, sedimentos e peixes em regioes de garimpo, em Rondônia, e encontraram concentraçoes elevadas deste elemento em algumas espécies de peixes, com valores superiores em até cinco vezes aos recomendados para consumo humano. Outras publicaçoes abordam a distribuiçao do Hg entre a coluna de água, o sedimento e a biota em uma área de garimpo em Poconé,84 Poconé e Alta Floresta85 (MT) e nos reservatórios de usinas hidrelétricas no Pará.86 Em 1997, Lacerda publica artigo de revisao avaliando a evoluçao da contaminaçao por mercúrio no Brasil, com ênfase para as fontes industriais e garimpo do ouro.87 Outros autores realizaram estudos no estado do Amapá, no extremo norte do Brasil, determinando os níveis de mercúrio na populaçao e em amostras ambientais e estudando os fluxos deste elemento em uma bacia localizada em área de floresta natural e em área utilizada na mineraçao de Mn.88,89 Fadini e colaboradores90 avaliaram as fontes e o ciclo do mercúrio na bacia do Rio Negro e, a despeito das elevadas concentraçoes encontradas em rios, lagos, no solo e na precipitaçao total, concluíram que a principal contribuiçao para com o enriquecimento do Hg na regiao é a sua lixiviaçao a partir do solo.90 Lacerda e colaboradores haviam chegado a conclusoes similares a partir de estudos realizados na regiao do Rio Madeira.91 Aspectos relacionados a fontes e ciclo do mercúrio, assim como aos processos envolvendo sua metilaçao, também foram e têm sido avaliados em outras regioes do país, com destaque para o Rio de Janeiro, além da própria regiao amazônica.91,92

Ao longo dos últimos 40 anos, outras espécies metálicas tais como cádmio, cobre, chumbo, cromo e zinco, entre outros, também têm sido estudadas, em corpos de água doce e estuários, com especial destaque para suas respectivas fontes,93,94 distribuiçao, biodisponibilidade e destino.95-102 Outro elemento de interesse do ponto de vista ambiental e de saúde pública é o arsênio, que tem sido estudado em águas doces, estuarinas, sedimentos, águas de abastecimento público e mesmo em humanos.103-112

Nao obstante o artigo de Lara e Barreto,81 mencionado anteriormente como pioneiro no contexto ambiental, estudos envolvendo contaminantes orgânicos têm sido conduzidos em anos mais recentes, quando comparados àqueles envolvendo espécies metálicas, em ambientes aquáticos brasileiros. A presença de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) em amostras de chorume de um lixao em Niterói (RJ) foi registrada em 2002.113 Hidrocarbonetos aromáticos (HPA) e alifáticos (n-alcanos) têm sido determinados frequentemente em ambientes aquáticos doces e estuarinos, em todo o território nacional, com a aplicaçao de estratégias voltadas para a determinaçao das fontes de contaminaçao.114-130 Em outros casos, as determinaçoes de HPA têm sido realizadas visando a avaliaçao de alteraçoes em ecossistemas aquáticos, em particular nos sedimentos.129,131,132 Outras classes de contaminantes orgânicos, como os poluentes orgânicos persistentes (POP) também têm sido estudados em ambientes aquáticos. Entre os POP podem ser mencionados os compostos organoclorados, bifenilas policloradas (PCB), DDT e DDE, entre outros.133-140 Em artigo de revisao publicado em 2007 em Química Nova, Almeida e colaboradores apresentaram uma avaliaçao relacionada à presença de inúmeros contaminantes orgânicos, denominados substâncias tóxicas persistentes, tanto em matrizes ambientais (solos, sedimentos, água, ar e biota), quanto em matrizes tais como leite, sangue e cabelo humanos.141 Presentes até recentemente em tintas anti-incrustantes (de segunda geraçao) utilizadas em embarcaçoes, os compostos organoestânicos têm sido bastante avaliados em amostras de águas e sedimentos, principalmente em ambientes aquáticos estuarinos, por estarem inequivocamente relacionados ao imposex, fenômeno que consiste no surgimento de caracteres sexuais masculinos em fêmeas de neogastrópodes.142-152

Nos anos mais recentes tem havido um crescimento dos estudos envolvendo os contaminantes químicos emergentes, ou simplesmente contaminantes emergentes, em ambientes aquáticos, dados que estas substâncias, frequentemente presentes em águas naturais e de abastecimento público, assim como de sedimentos, entre outros, nao sao determinadas nos programas oficiais de monitoramento da qualidade da água. Muitas destas substâncias sao suspeitas de provocar interferência no sistema endócrino de organismos intactos, incluindo os seres humanos.153-158

Litosfera

A química do solo, nascida na segunda metade do século XIX, interessou-se tradicionalmente às reaçoes químicas que ocorrem em solos e afetam a nutriçao e o crescimento das plantas.159

Somente a partir da década de 1980, que a comunidade científica tomou ciência da dimensao dos problemas associados à poluiçao dos solos resultante de diversas atividades antrópicas (agrícolas, industriais e de mineraçao, deposiçao de resíduos sólidos, etc). Entre os principais poluentes de natureza orgânica ou inorgânica encontram-se nutrientes tais como nitrogênio e fósforo; metais e semi-metais tais como Cd, Cr, Hg, Pb e As; óleos e derivados; ácidos inorgânicos e elementos radioativos159. Além disso, um número cada vez maior de contaminantes emergentes incluindo pesticidas, fármacos, ou ainda nanopartículas manufaturadas vem aumentando esta lista ao longo dos anos.

Assim como em outros compartimentos, o entendimento das reaçoes químicas que sofrem estes contaminantes no solo constitui um ponto chave na previsao do seu destino e dos seus efeitos no ambiente. Entretanto, no caso do solo, devido à sua natureza trifásica (sólida/líquida/gasosa), a dinâmica e os mecanismos de contaminaçao, sao também intimamente ligados às condiçoes hidrológicas e pedo/geológicas.159,160 E isso explica provavelmente a alta multidisciplinaridade dos estudos inicialmente desenvolvidos em relaçao à contaminaçao dos solos, embora assim como para qualquer outro compartimento, tratando-se de Química Ambiental, uma abordagem interdisciplinar seja desejável.161

No Brasil, casos de poluiçao de solos e águas subterrâneas começaram a ser estudados a partir do meio da década de 1980162, mas é principalmente na década de 1990 que trabalhos começaram a ser publicados. Vários foram associados aos graves acidentes que resultaram em contaminaçao ambiental e humana tais como os casos de poluiçao por Cs-137 em Goiânia (GO),163,164 por hexaclorociclohexano em Duque de Caxias (RJ),165 ou ainda por compostos orgânicos voláteis em Porto Feliz.166 Estudos foram também desenvolvidos sobre metais provenientes da deposiçao de lodo de estaçao de tratamento de efluentes167,168 ou de resíduos sólidos industriais.169 Os riscos de poluiçao ambiental resultante da lixiviaçao dos rejeitos de mineraçao e da indústria de fundiçao começaram também a serem estudados neste período. Amaral e colaboradores170, por exemplo, estudaram os impactos ambientais dos rejeitos da mineraçao de Urânio iniciada em Poços de Caldas em 1982.

Como já ressaltado anteriormente, a corrida ao ouro na Amazônia, iniciada em 1975, começou a suscitar fortes preocupaçoes ambientais na década de 80, principalmente em relaçao à contaminaçao do ambiente por mercúrio. Entretanto, é somente na década de 90 que estudos ambientais começaram a reportar concentraçoes de Hg em solos da Amazônia171-173 e de outras regioes.174 Porém, a análise destes trabalhos revela que estes estudos foram principalmente desenvolvidos dentro da geociência, da agronomia ou mesmo da área da saúde, com baixa participaçao de químicos nos mesmos.

Por outro lado, no final dos anos 90, observa-se uma participaçao crescente dos Químicos em estudos sobre solos voltados para o estudo de processos que influem sobre a mobilidade dos poluentes (orgânicos e inorgânicos) neste compartimento175-177, sua biodisponibilidade,178 sua especiaçao química179, entre outros. Primeiros estudos sobre o ciclo biogeoquímica do Hg na regiao amazônica, foram também publicados nesta época,180 embora outros grupos já estavam pesquisando sobre a mesma problemática.90,181 Estudos sobre a caracterizaçao da matéria orgânica, em particular das substâncias húmicas, e sua importância no transporte de contaminantes em solos brasileiros começam também a serem desenvolvidos por ou em colaboraçao com químicos.182,183

Qualquer que seja o compartimento considerado, estudos sobre poluentes (presença, transporte, reaçoes químicas, etc) necessitam na maioria dos casos que os mesmos possam ser quantificados na matriz considerada. Dada a complexidade do solo e a baixa concentraçao de vários poluentes (µg kg-1, ng kg-1), a quantificaçao de substâncias neste meio leva a uma forte demanda de desenvolvimento de métodos analíticos, tanto na parte instrumental, quanto de preparo das amostras.184,185 Neste quesito a química ambiental como um todo, mais particularmente em relaçao ao estudo dos solos, deve um forte tributo à química analítica. De fato, ao longo dos últimos anos observa-se um número crescente de publicaçoes nas quais o desenvolvimento de métodos analíticos encontra-se perfeitamente integrado dentro do contexto ambiental. Embora longe de ser uma lista exaustiva, alguns trabalhos permitem exemplificar esta tendência internacional no contexto de estudos desenvolvidos sobre solos brasileiros166,179,182,184,186-191

Paralelamente à academia, agências ambientais de diferentes estados (Rio de Janeiro (FEEMA, atual INEA), Sao Paulo (CETESB) e Rio Grande do Sul (FEPAM) se mobilizaram para estabelecer métodos de avaliaçao de risco de sítios contaminados e de remediaçao dos mesmos.192 Este trabalho pioneiro por parte das agências teve continuaçao nos anos seguintes,193 e em conjunto com vários outros desenvolvidos por diferentes grupos de pesquisa, serviram de base para a elaboraçao, quase dez anos depois, da Resoluçao CONAMA 420/2009,194 a qual estabelece "critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas". Esta resoluçao inclui atualmente uma lista de 20 contaminantes inorgânicos e 55 orgânicos, para os quais valores limites em solos e água subterrânea foram fixados, baseados em avaliaçoes de riscos à saúde humana e ao meio ambiente.

Sabe-se, entretanto, que esta lista está longe de contemplar a totalidade das substâncias potencialmente tóxicas e susceptíveis de serem depositadas em solos. Além disso, inúmeras novas substâncias, de natureza xenobiótica ou nao, vem sendo comercializadas anualmente sem que suas interaçoes com o meio ambiente, e particularmente os solos, nem sua toxicidade sobre os organismos (macro e micro) tenham sido avaliadas.195 Estes, frequentemente denominados micro e nanopoluentes (em razao das suas concentraçoes ng ou µg kg-1 ou L-1) incluem, pesticidas, nanopartículas manufaturadas e fármacos, entre outros.196

Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos sobre estes contaminantes em solos de regioes temperadas sobre sua mobilidade e sua biodisponibilidade, destinados a modelar seu comportamento e prever a sua concentraçao e toxicidade em solos. Entretanto, em razao de diferenças fundamentais relativas à química dos solos de regioes tropicais e subtropicais (baixa atividade das argilas minerais, baixo teor de matéria orgânica, baixo pH, alto teor em óxido/hidróxidos de Fe) estes modelos sao raramente aplicáveis para solos destas regioes.197 Frente a este cenário, é, portanto, urgente que estudos sobre o comportamento de tais contaminantes sejam desenvolvidos em solos de regioes tropicais e subtropicais, tais como encontrados no Brasil. Tais estudos devem contemplar: 1) os mecanismos de interaçao entre o contaminante e o solo, os quais sao na maioria das vezes de natureza química, e dependem tanto das propriedades físico-químicas do contaminante, quanto das propriedades do solo; 2) sua degradabilidade, seja por processos biológicos, químicos, ou fotoquímicos. Por outro lado, como já ressaltado anteriormente, estudos desta natureza necessitam que métodos analíticos, os quais incluem métodos de extraçao e pré-concentraçao, sejam previamente desenvolvidos e devidamente validados.

 

A EVOLUÇAO NO ENSINO DE QUIMICA AMBIENTAL NO BRASIL NESTES 40 ANOS

O ensino de Química Ambiental no Brasil se iniciou nos fins da década de 1980 e o curso de Química do Instituto de Química da Unicamp foi o pioneiro ao oferecer uma disciplina chamada Química Ambiental, em 1987.198 A criaçao desta disciplina e uma ementa adequada para ela, já antecipava a Constituiçao de 1988, na qual institui que o Poder Público deve inserir na questao ambiental, a Educaçao Ambiental em todos os níveis de ensino. Embora fazer ou ensinar Educaçao Ambiental nao fosse o mesmo que ensinar Química Ambiental, neste momento há um impulso para que a comunidade química se volte aos processos químicos que ocorrem no ambiente, se ressalte a importância da química e os desequilíbrios que ele pode sofrer se nao houver um mínimo de cuidado e conhecimento deste ambiente. Conhecendo o ambiente quimicamente, seria muito natural ensinar Educaçao Ambiental e preparar profissionais capacitados para preservar o ambiente. Desde entao a Química Ambiental já era vista como uma disciplina Inter, Multidisciplinar e que deveria ser considerada de forma holística e integrada.3 No entanto, neste período nao havia material em português para o ensino de Química Ambiental e muito menos artigos ou material digital para auxiliar o aluno a aprender ou o professor a ensinar. Após a criaçao da Divisao de Química Ambiental (DAmb) em 1994, houve um workshop em 2001 durante a 24ª. Reuniao da Sociedade Brasileira de Química, com a finalidade de discutir o Ensino de Química Ambiental no Brasil e ressaltar a necessidade destes materiais.

Nos anos que se seguiram, a disciplina de Química Ambiental passou a ser considerada quase que obrigatória nos cursos de Química e Licenciatura em Química, principalmente após o reconhecimento da importância da questao ambiental na Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional (LDB 9394/96), onde se ressalta que o estudo do ambiente natural é fundamental para a educaçao básica, e a publicaçao dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio em 1999 que incluía a temática ambiental como um dos temas transversais no ensino.199

A partir daí, surgem os primeiros livros de Química Ambiental traduzidos para o português, a Química Nova na Escola publicou inúmeros artigos relacionados à Química Ambiental que enriquecem o ensino tanto na Educaçao Básica como Superior, além dos Cadernos Temáticos versando especialmente sobre vários temas de Química Ambiental. Três Cadernos já foram publicados200, sendo o primeiro chamado de Química Ambiental (no. 1, 2001), o segundo, Química, Vida e Ambiente (no.5, 2003) e finalmente o terceiro, Recursos Minerais, Agua e Meio Ambiente (no. 8, 2014). Materiais digitais também foram disponibilizados na forma de páginas de internet, jogos eletrônicos, objetos de aprendizagem, ressaltando a questao ambiental tanto para ensinar Química Ambiental, ou mesmo ensinar química através da Química Ambiental.

Com o avanço na formaçao de doutores e mestres na área de Química Ambiental, houve um aumento também dos cursos de graduaçao em Química Ambiental. Na graduaçao, o MEC mantém em atividade, 7 cursos de Química Ambiental no Brasil, sendo 2 de caráter tecnológico e os demais de bacharelado, sendo que dois deles sao de bacharel em Química com ênfase em Química Ambiental e sao oferecidos pela USP. Dos 7 cursos, 2 sao oferecidos por instituiçoes privadas.201 Embora os cursos de química ambiental sejam fruto dos próprios associados da Sociedade Brasileira de Química, a sua interdisciplinaridade fez com que houvesse um aumento de cursos de graduaçao em Ciências Ambientais, os quais muitas vezes estao ligados a outras áreas que nao a Química. No MEC, estao cadastrados 8 cursos em Ciências Ambientais e 1 em Ciências Biológicas com ênfase em Ciências Ambientais. Na pós-graduaçao, nao há programas denominados diretamente de Química Ambiental. Geralmente, a Química Ambiental encontra-se como disciplina integrada em programas de Química, sendo que o único que tem ao menos como área básica é a UNESP (campus Sao José do Rio Preto), cadastrado como Análise de traços e Química Ambiental.202 O número de mestrados na área de conhecimento de Ciências Ambientais em funcionamento em 2017 é de 84 e de doutorado é de 42, tendo também 37 cursos de mestrado profissional. Os inúmeros químicos com formaçao na área de Química Ambiental estao atuando nestes diversos cursos pelo Brasil.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

Falar da atuaçao dos Químicos no Ambiente nao é tarefa simples, pois o alcance é tao grande que ultrapassa muito a fronteira do que foi relatado neste artigo, no qual procurou-se dar ênfase aos processos químicos que ocorrem nos diferentes compartimentos ambientais, por meio de influências antrópicas ou nao. Porém, há que se ressaltar que muitos Químicos Ambientais têm tido papel importante na minimizaçao dos efeitos de diferentes espécies químicas presentes no ambiente, nao só com a identificaçao dos problemas ambientais, mas também na produçao de tecnologias para o tratamento de diferentes poluentes em águas, solos e atmosferas. A atuaçao dos Químicos Ambientais no Brasil também tem sido importante nas alteraçoes e mudanças de legislaçoes vigentes ou mesmo nos cuidados com o ambiente após a detecçao e avaliaçao ambiental envolvendo determinados contaminantes. Porém nao menos importante, é a atuaçao de químicos em temas relacionados à Energia, onde os estudos sobre impactos da matriz energética atual, os trabalhos de utilizaçao de energias renováveis, eficiência energética e a grande preocupaçao com as mudanças climáticas, nao se completa sem a atuaçao de químicos preparados para estes temas.

Cabe ainda ressaltar alguns dos desafios que a Química Ambiental no Brasil vem enfrentando. Observa-se, por exemplo, que um grande número de dados e de estudos já permite ter informaçoes consistentes sobre as fontes, as transformaçoes e o destino de vários poluentes em ambientes de regioes temperadas, pelo menos para alguns já estudados de longa data como metais, nutrientes e alguns pesticidas. Porém, no Brasil, informaçoes quantitativas sobre fontes sao ainda frequentemente escassas ou de difícil acesso. Além disso, o número de estudos sobre os impactos dos fatores ambientais específicos de regioes tropicais e subtropicais (temperatura, pluviometria, natureza dos solos, intensidade da radiaçao solar, etc.) sobre a transformaçao das substâncias químicas nos diferentes compartimentos é muitas vezes limitado. O desafio vem crescendo quando se consideram os contaminantes emergentes para os quais nem sempre se tem ainda conhecimento completo das suas propriedades físico-químicas e sobre sua reatividade, como no caso das nanopartículas manufaturadas. Como ressaltado anteriormente, a presença destas substâncias em concentraçoes na escala micro ou nano, constitui um outro amplo desafio para estudos ambientais. Neste contexto, acreditamos que a organizaçao de redes temáticas em escala nacional ou regionais incluindo químicos e pesquisadores de outras áreas com a finalidade de garantir a interdisciplinaridade necessária, deve permitir um avanço significativo da Química Ambiental no Brasil.

Na perspectiva do ensino e do estudo da Química Ambiental é importante ressaltar que esta disciplina nao tem como objetivo ensinar apenas o que é poluiçao antrópica e seus efeitos, mas fazer com que o estudante tenha conhecimento dos processos químicos que ocorrem no ambiente ao seu redor, e que os mesmos nao podem ser vistos de forma isolada e sem integraçao com o passado, presente e futuro.

Por fim, com base em todo o exposto neste artigo, é possível afirmar que a Química Ambiental brasileira vem sendo desenvolvida com suficiente abrangência e profundidade, com qualidade, e buscando cada vez a tao almejada internacionalizaçao, contribuindo decisiva e concretamente para a construçao do conhecimento e igualmente para a formaçao de recursos humanos, em uma área carente e frequentemente negligenciada pelo Estado, de maneira geral.

 

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