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Saponificação assistida por micro-ondas na extração de diterpenos em café arábica torrado Microwave assisted saponification for diterpenes extraction in roasted arabica coffee |
Mirelli Bianchin*; Fabio Yamashita; Marta de Toledo Benassi
Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Universidade Estadual de Londrina, 86057-970 Londrina - PR, Brasil Recebido em 07/05/2017 *e-mail: bianchin.mirelli@gmail.com The extraction of kahweol and cafestol involves saponification reaction. This step is important for the efficiency of the extraction as the diterpenes are susceptible to structural changes during hydrolysis. The microwave-assisted saponification has been successfully used in different matrices, but there is no previous report of the use of this technique in the saponification of diterpenes. Therefore, the effect of microwave-assisted saponification on the extraction of kahweol and cafestol in roasted coffee was evaluated. A 32 factorial experimental design was used in order to evaluate the effect of temperature (70, 80, and 90 ºC) and reaction time (4, 8, and 12 min). The quantification of diterpenes was performed by high-performance liquid chromatography and the results were compared to with those obtained by a method, which uses thermostatic bath for saponification. Temperature and time had a significant effect (p < 0.05) on diterpenes levels. For simultaneous saponification of kahweol and cafestol, the optimal reaction conditions were 80 ºC / 12 min. The use of microwave-assisted procedure lead to lower yields of kahweol (24%) and cafestol (35%) compared to reference method. However a significant reduction of reaction time (80%) was achieved, and the procedure also has the advantage of controlled process conditions and the possibility of extended scale. INTRODUÇAO O café é uma das bebidas mais populares do mundo e a produçao e comercializaçao do grao representa uma atividade econômica importante para muitos países, incluindo o Brasil, que é o maior produtor mundial de café e o segundo maior consumidor.1 As espécies de café mais importantes comercialmente sao o Coffea canephora Pierre ex A. Froehner e o Coffea arabica L. No Brasil, o café arábica representa 80% da produçao total de café.2 Os lipídios constituem uma das classes de compostos mais importantes no café e estao relacionados com a qualidade e as propriedades funcionais da bebida.3 Benefícios à saúde decorrentes do consumo moderado de café, como a reduçao da incidência de doenças crônico-degenerativas, têm sido reportados, assim como a correlaçao do consumo da bebida com a reduçao da taxa de mortalidade.4 A fraçao lipídica do café é composta principalmente por triacilgliceróis, esteróis e quantidades significativas de diterpenos com esqueleto do tipo caurano. O caveol (PubChem CID: 114778) e cafestol (PubChem CID: 108052) (Figura 1), principais representantes dos diterpenos no café, correspondem a 20% dos lipídios no grao e podem ser encontrados na forma livre ou esterificados com diferentes ácidos graxos, sendo a segunda forma a majoritária.5-7 O interesse por estes compostos é reportado em diferentes estudos que investigam desde a contribuiçao à saúde pelo consumo de bebidas de café até a aplicaçao como parâmetro de qualidade, para identificaçao de espécies de café em blends comerciais.8 Bioativos de importância pela reconhecida capacidade antioxidante e as propriedades anticarcinogênicas e anti-inflamatórias, tem sido ainda citada a aplicaçao de diterpenos em produtos cosméticos.8 Considerando a dificuldade de síntese dos diterpenos e a restrita disponibilidade de compra e o alto preço dos padroes comerciais, metodologias eficientes para extraçao desses compostos, que permitam posterior purificaçao, sao também de interesse.9
Figura 1. Estruturas químicas do caveol e cafestol
A maior proporçao dos diterpenos do café encontra-se na forma esterificada, assim, para a extraçao de caveol e cafestol é necessário que ocorra uma etapa de hidrólise, como a saponificaçao ou a metanólise para a obtençao dos diterpenos livres.10,11 Nos métodos que utilizam a saponificaçao, o tempo da reaçao varia de 1 a 4 h, o que torna o processo exaustivo e limitado. Portanto, é importante desenvolver novas metodologias para extraçao de caveol e cafestol, para a posterior aplicaçao destes compostos em potencial. A literatura reporta duas abordagens para separaçao de diterpenos em café: a extraçao prévia dos lipídios seguida de saponificaçao,5,12-14 ou metanólise,10,15 com posterior separaçao dos compostos ou a saponificaçao direta seguida de separaçao com solvente orgânico.16-22 Dias et al.,18 estudando extraçao de diterpenos de café, reportaram uma maior eficiência da saponificaçao à quente (em banho à 80 ºC, 1 h) comparativamente a saponificaçao à frio e a extraçao (Soxhlet ou Bligh & Dyer) seguida de saponificaçao à quente. A utilizaçao de aquecimento em banho térmico apresenta limitaçoes quando há o interesse em adaptar procedimentos de um método analítico18 para uma extraçao em maior escala. Uma ampliaçao da proporçao amostra/solvente aumentaria ainda mais o tempo da reaçao de saponificaçao e restringiria a utilizaçao do aquecimento convencional, devido às zonas irregulares de aquecimento que sao formadas durante a transferência de calor por conduçao e convecçao.23 Além disto, o caveol e o cafestol apresentam sensibilidade a ácidos, bases e oxidantes, a qual está relacionada à presença do anel furano.24,25 Portanto, o controle da etapa de saponificaçao é muito importante, uma vez que durante a hidrólise os compostos ficam susceptíveis à mudanças na estrutura,6,15 assim, condiçoes de estresse como variaçoes de temperatura devem ser evitadas.10 Como alternativa aos métodos convencionais de aquecimento, a utilizaçao do aquecimento por irradiaçao de micro-ondas é considerada uma técnica promissora por permitir a extraçao de diferentes compostos e melhorar processos químicos.26-28 Entre as vantagens do uso de micro-ondas em reaçoes químicas em relaçao ao aquecimento convencional destacam-se a reduçao no tempo e aumento da taxa de reaçao, o aumento do rendimento e da seletividade e o menor consumo de energia, permitindo realizar transformaçoes mais seguras, com menor produçao de resíduos e em um maior número de amostras.29,30 O emprego de uma reaçao de saponificaçao mais eficiente, e em maior escala, poderia viabilizar a extraçao de diterpenos da matriz de café torrado, permitindo seu posterior uso em produtos de alimentos ou farmacêuticos, ou, após purificaçao, como padroes analíticos. Nao há informaçoes na literatura sobre o uso da energia de micro-ondas na reaçao de saponificaçao para extraçao de diterpenos. Assim, este trabalho teve como objetivo estudar os efeitos dos parâmetros de tempo e temperatura na saponificaçao assistida por micro-ondas para extraçao de caveol e cafestol em café torrado. A eficiência do processo de saponificaçao em micro-ondas foi verificada através do teor de caveol e cafestol extraído. Após a definiçao da melhor condiçao de processo, os resultados foram comparados aos obtidos utilizando como referência o método de saponificaçao em banho térmico.18
EXPERIMENTAL A proposta da metodologia de saponificaçao em micro-ondas foi baseada e adaptada do método estabelecido por Dias et al.,18 que consiste na saponificaçao direta à quente da fraçao lipídica do café em banho termostático a 80 ºC durante 1 h, seguida da separaçao da fraçao insaponificável por separaçao líquido/líquido e quantificaçao dos diterpenos por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE). Reagentes e padroes Utilizou-se como reagentes para a etapa de saponificaçao: hidróxido de potássio (KOH) 85% (Synth, Diadema, Sao Paulo, Brasil) e etanol P.A. (Impex, Varginha, Minas Gerais, Brasil). Para a separaçao dos compostos e análise cromatográfica foram empregados terc-butil metil éter 99,5% (Sigma Aldrich, Steinheim, Alemanha), acetonitrila grau HPLC (Panreac, Barcelona, Espanha), água purificada (Sistema de purificaçao Milli-Q®, Millipore, Billerica, EUA) e padroes analíticos de caveol e cafestol (pureza >98%, Axxora, San Diego, EUA) certificados pela Alexis Biochemicals (Lausanne, Suíça). Material As amostras de café arábica torrado comercial em grao (Spresso Melitta, Avaré, Sao Paulo) foram caracterizadas quanto à granulometria e umidade. O café foi moído em moedor (moinho Krups GVX 2, China) até a granulometria de 16 mesh. A umidade (4,95 g 100 g-1) foi determinada em equipamento de infravermelho (OHAUS, Parsippany, EUA) à 105 ºC durante 7 min,18 e o resultado obtido foi utilizado para os cálculos do teor de caveol e cafestol em base seca. Métodos Reaçao de saponificaçao assistida por micro-ondas A reaçao de saponificaçao foi realizada em equipamento de micro-ondas (Ethos One, Milestone, Itália), sob agitaçao fixa a 700 W. Em frasco de Teflon, adicionou- se 10 mL de hidróxido de potássio (2,5 mol L-1) em etanol (96%) a 1,0 g de café torrado e moído. Optou-se em manter a proporçao original de 1:10 (m/v), utilizada por Dias et al.,18 mas ampliando-se a escala em cinco vezes. A reaçao de saponificaçao foi conduzida de acordo com as variaçoes das condiçoes de tempo e temperatura estipuladas pelo planejamento fatorial. O perfil de aquecimento consistiu em uma rampa de aquecimento linear. A temperatura desejada (70, 80 e 90 ºC) foi alcançada em 2 min e manteve-se durante o tempo de reaçao (4, 8 e 12 min), seguido de um tempo de exaustao de 2 min, no qual o interior do equipamento atinge 65 ± 3 ºC. O equipamento de micro-ondas foi operado em modo de controle de temperatura, monitorado por sensor infravermelho. Reaçao de saponificaçao em aquecimento convencional Para saponificaçao em banho utilizou-se o método de referência,18 no qual 200 mg de amostra e 2 mL de hidróxido de potássio (2,5 mol L-1) em etanol (96%) foram submetidos ao aquecimento (80 ºC) em banho termostatizado (MA 127/BO, Marconi, Piracicaba, Sao Paulo, Brasil) durante 1 h. Extraçao do caveol e cafestol e preparo das amostras A extraçao e o preparo das amostras foram realizados conforme descrito por Dias et al.18 Adaptaram-se os volumes de solvente devido a ampliaçao da escala em 5 vezes. Após a saponificaçao em micro-ondas, as amostras foram transferidas para tubos de centrífuga e adicionou-se 10 mL água destilada e 10 mL de terc-butil metil éter para a extraçao da fraçao insaponificável. Nas amostras saponificadas em banho, seguiu-se o mesmo procedimento, somente alterando o volume de 10 mL dos solventes para 2 mL. Em seguida, as amostras foram agitadas e centrifugadas (2 min a 3000 rpm) (Sovall SS-3, Ivan Sorvall, Nova Iorque, EUA). Para a coleta da fase orgânica, o processo de adiçao de solvente orgânico e centrifugaçao foi repetido três vezes. Após limpeza da fraçao insaponificável com água destilada (10-2 mL) o extrato orgânico foi coletado e o solvente evaporado em banho termostatizado a 70 °C (MA 127/BO, Marconi, Piracicaba, Sao Paulo, Brasil). O extrato foi ressuspendido em fase móvel, filtrado em membrana de PVDF Millex® 0,22 µm (Millipore, Sao Paulo, Brasil) e acondicionado em tubos vials. Análise cromatográfica Para quantificaçao dos diterpenos, utilizou-se Cromatógrafo Líquido de Alta Eficiência (Shimadzu, Kyoto, Japao), com bomba com gerenciador de solvente quaternário e desgaseificador (DGU 20 AS), auto amostrador (SIL20HT), válvula injetora (LC20AT) com alça de amostragem, forno para coluna (CTO 20A), detector UV/Vis (SPDM20A), interface e sistema de dados controlado pelo software LC solution. A análise cromatográfica foi adaptada de Dias et al.18 e Mori et al.22 Utilizou-se uma coluna Kinetex 2.6 µm C18 (150 mm x 4,6 mm) (Phenomenex, Torrance, EUA), eluiçao isocrática com fase móvel na proporçao de 3:2 de água e acetonitrila, vazao de 0,4 mL min-1, volume de injeçao de 0,400 µL e detecçao a 230 nm (cafestol) e 290 nm (caveol). A temperatura da coluna foi mantida a 55 °C e o tempo de eluiçao foi 30 min. A injeçao das amostras foi feita em triplicata e a identificaçao dos compostos foi realizada com base nos tempos de retençao dos padroes e espectro no UV/Vis (Material Suplementar, Figura 1S). A quantificaçao foi feita por padronizaçao externa utilizando padroes comerciais, construindo-se curvas analíticas de 7 pontos, em triplicata, na faixa de 30 a 200 µg mL-1 (R2 ≥ 0,99, p < 0,001). O teor dos diterpenos foi expresso em base seca (bs). Delineamento experimental e análise dos resultados Para a etapa de saponificaçao em micro-ondas, utilizou-se como delineamento experimental um planejamento fatorial completo 32, totalizando 9 ensaios (Tabela 1), que foram conduzidos de forma aleatória. As extraçoes foram realizadas em triplicata. Como variáveis independentes foram estudadas a temperatura (X1) e tempo (X2), e como variáveis dependentes (y), o teor de caveol e cafestol. Os níveis escolhidos para tempo de reaçao (4, 8 e 12 min) foram baseados na literatura,15,31,32 e para temperatura (70, 80 e 90 ºC), definiu-se como o ponto central (80 °C) a temperatura proposta na metodologia de referência.18
Os resultados obtidos pelo planejamento foram analisados utilizando o software StatisticaTM Version 7 (Statsoft, Tulsa, EUA),33 gerando um modelo polinomial de segunda ordem (Equaçao 1). em que B1, B2, correspondem aos coeficientes de regressao linear, B11, B22, os coeficientes de regressao quadrática, B12, a interaçao entre os coeficientes lineares do modelo, B1B22 e B11 B2 as interaçoes entre termos lineares e quadráticos e B11B22 as interaçoes entre termos quadráticos. Os efeitos lineares e quadráticos dos fatores e suas interaçoes foram estudados para cada composto, utilizando análise de variância (ANOVA) ao nível de 95% de confiança. A funçao desejabilidade foi empregada para maximizar conjuntamente os teores dos diterpenos utilizando o software StatisticaTM Version 7 (Statsoft, Tulsa, EUA).33 Após definir a melhor condiçao de saponificaçao em micro-ondas, os teores de caveol e cafestol foram comparados aos obtidos por saponificaçao em banho térmico utilizando o método de referência.18 Para complementar a informaçao sobre a influência do tempo na saponificaçao, realizou-se um estudo do perfil do teor de diterpenos obtido na melhor temperatura de saponificaçao em funçao do tempo de reaçao. Para a etapa utilizando micro-ondas, empregaram-se os tempos de 4, 8, 12, 16, 20 e 24 min, e para o banho convencional, 5, 10, 20, 40, 60, 80 e 100 min.
RESULTADOS E DISCUSSAO Conforme o delineamento experimental, os teores de caveol e cafestol obtidos por CLAE após saponificaçao em micro-ondas variaram de 314 a 474 mg 100 g-1 e de 250 a 373 mg 100 g-1, respectivamente (Tabela 1). Para a saponificaçao conduzida em banho, utilizada como método de referência, foi obtido teor de caveol de 629 mg 100 g-1 e de cafestol de 582 mg 100 g-1; esses valores encontram-se na faixa descrita na literatura para café arábica brasileiro.11,34-36 Através da tabela de efeitos (Tabela 2), observa-se que a temperatura e o tempo sao parâmetros importantes, mas que exercem influência diferente sobre cada composto. As tabelas de ANOVA correspondentes estao disponíveis no Material Suplementar (Tabelas 1S e 2S).
Com base nos fatores significativos (p < 0,05) gerou-se o modelo matemático que descreve o efeito da temperatura (X1) e do tempo (X2) sobre a extraçao de caveol e cafestol (Equaçoes 2 e 3) na reaçao de saponificaçao em micro-ondas. Obtiveram-se coeficientes de determinaçao (R²) de 0,94 para a extraçao do caveol e de 0,91 para o cafestol, indicando boa qualidade no ajuste dos dois modelos. Para o caveol, constatou-se que a temperatura (termo linear) e o tempo (termo linear e quadrático) exerceram efeito positivo; para o cafestol, o tempo (termo linear) também apresentou efeito positivo (p < 0,05), porém a temperatura nao teve efeito significativo (p > 0,05) (Tabela 2, Eq. 2 e 3). As demais interaçoes, para ambos os compostos, apresentaram efeito negativo, o que sugere a presença de uma faixa satisfatória de estudo, na qual atinge-se o máximo do teor de caveol e cafestol, seguido de reduçao, devido à formaçao de pontos de inflexao (Tabela 2, Equaçao 2 e 3, Figura 2). Esse comportamento demonstra que o tempo e a temperatura sao parâmetros importantes para a reaçao de saponificaçao e que as interaçoes entre eles sao limitantes no processo.
Figura 2. Superfícies de resposta para teores de caveol (A) e cafestol (B) obtidos por saponificaçao em micro-ondas sob diferentes condiçoes de temperatura e tempo
Observou-se que para o caveol e cafestol a regiao ótima de saponificaçao (Figuras 2A e 2B) ocorreu próximo ao tempo em nível superior (12 min) e em temperatura próxima ao ponto central (80 ºC). Para cafestol a temperatura de 80 ºC foi a melhor, independentemente do tempo de reaçao. Para o caveol, a utilizaçao de tempos próximos ao ponto central necessita do uso de temperaturas mais elevadas (>80 ºC). Para os dois compostos, observou-se efeito positivo com aumento da temperatura até 80 ºC. Em temperaturas mais elevadas ocorre a diminuiçao da tensao superficial e da viscosidade do solvente, o que facilita a penetraçao do solvente na matriz e favorece o rompimento celular, permitindo que os compostos fiquem mais disponíveis para extraçao.37 Com o uso de temperaturas menores que 80 ºC, mesmo por tempos prolongados, nao foi observada a mesma eficiência, indicando que essas condiçoes provavelmente nao sao suficientes para saponificar os ésteres de ácidos graxos diterpênicos. No entanto, a utilizaçao de temperaturas superiores a 80 ºC também nao apresentou bons resultados, com reduçao do rendimento dos dois diterpenos. Embora os diterpenos tenham relativa estabilidade até mesmo a processos agressivos como o de torra,38 durante a reaçao de saponificaçao estes compostos ficam suscetíveis a mudanças na estrutura, podendo ser degradados.15 Além disto, Chartier et al.39 descrevem que a hidrólise é uma etapa crítica devido à sensibilidade do radical furano, e que essa sensibilidade está relacionada aos processos de aquecimento normalmente usados para obter os diterpenos. O método de saponificaçao a quente desenvolvido por Dias et al.18 foi baseado no trabalho de Urgert et al.16, que propuseram a saponificaçao de café torrado a 80 ºC durante uma hora, porém a relaçao entre a reaçao de saponificaçao e a temperatura específica de 80 ºC nao é reportada. Chartier et al.39 verificaram que a melhor condiçao de transesterificaçao para obtençao de caveol e cafestol em óleo de café arábica verde ocorreu na temperatura de 70 ºC. Oigman et al.10 descrevem que para obtençao dos diterpenos em óleo de café arábica verde por reaçao de metanólise em micro-ondas, a melhor temperatura foi de 100 ºC. Desta forma verifica-se que, para a separaçao dos diterpenos dos ésteres de ácidos graxos, a temperatura ótima depende do tipo de reaçao e do tipo de processo utilizado. Observou-se que o efeito da temperatura foi maior para a extraçao do caveol que para a do cafestol, provavelmente devido a diferenças na estrutura dos compostos. Oigman et al.10 e Chartier et al.39 reportam que em reaçoes de hidrólise, dependo das condiçoes, ambos os diterpenos sao afetados, porém o impacto sob caveol é maior do que sobre o cafestol. O cromatograma correspondente à saponificaçao a 80 ºC em micro-ondas (Figura 3A) mostra um perfil similar ao obtido por saponificaçao em banho (Figura 3B) na mesma temperatura. Apesar do aquecimento em micro-ondas ter ocorrido mais rapidamente, nao foram observados picos de interferentes/produtos de degradaçao. Oigman et al.10 e Tsukui et al.15 na extraçao de diterpenos por metanólise e Liu et al.40 na extraçao de trigonelina, ácido nicotínico e cafeína em café arábica também nao observaram formaçao de interferentes nas amostras submetidas a irradiaçao por micro-ondas.
Figura 3. Cromatogramas dos diterpenos, caveol e cafestol, em café arábica torrado obtidos após a saponificaçao em micro-ondas (80 ºC/12 min) (A) e em banho térmico (80 ºC/60 min) (B). Detecçao: 230 nm. Picos: caveol (1) e cafestol (2)
Considerando o interesse em maximizar a extraçao conjunta dos diterpenos, utilizou-se a funçao de desejabilidade global, uma técnica de otimizaçao simultânea, que indicou que a melhor condiçao de saponificaçao ocorreu em 80 ºC durante 12 min (Figura 4). Nessa condiçao, foram obtidos teores de caveol e cafestol de 474 ± 16 e 373 ± 14 mg 100 g-1, respectivamente (Tabela 1). De acordo com os perfis de desejabilidade de tempo e temperatura (Figura 4), é possível observar que a temperatura foi otimizada, uma vez que temperaturas acima ou abaixo de 80 °C diminuem a quantidade extraída tanto de caveol quanto de cafestol. Entretanto, o aumento do tempo de processo poderia aumentar o conteúdo de diterpenos, pois 12 min foi o tempo máximo utilizado no planejamento fatorial, apesar da tendência ser de estabilizaçao próximo a 12 min.
Figura 4. Desejabilidade para caveol e cafestol obtidos por saponificaçao em micro-ondas e determinados por CLAE
Para isto estudou-se o perfil de saponificaçao em micro-ondas para cada composto (Figura 5A), fixando-se a temperatura da reaçao em 80 ºC e variando-se o tempo de 4 até 24 min. Para fins comparativos, estudou-se o perfil de saponificaçao em banho térmico, na mesma temperatura, variando-se o tempo de 5 a 100 min (Figura 5B). Observou-se comportamento similar para os dois compostos, tanto no tratamento por micro-ondas quanto em banho térmico.
Figura 5. Perfil da concentraçao de caveol e cafestol obtidos por saponificaçao em micro-ondas (A) e em banho térmico (B) a 80 ºC em funçao do tempo de reaçao
O uso de tempos superiores a 12 min nao foi eficiente para a saponificaçao em micro-ondas, havendo decréscimo no teor dos diterpenos em tempos mais prolongados. Em processos extrativos, durante o aquecimento por micro-ondas, devido à temperatura e à pressao altamente localizadas, ocorre migraçao seletiva de compostos a uma taxa mais rápida,27,41 porém, embora as ondas eletromagnéticas sejam distribuídas uniformemente em funçao do aumento da temperatura reacional, em sistemas heterogêneos pode ocorrer o fenômeno de hot spots.42,43 Este fenômeno consiste na formaçao de zonas irregulares de aquecimento, que podem estar relacionadas com a degradaçao dos compostos. Chen et al.44 observaram que, mesmo em temperaturas fixas, tempos mais prolongados de irradiaçao das micro-ondas provocaram a degradaçao de saponinas. Comparando-se os perfis das reaçoes de saponificaçao em micro-ondas (Figura 5A) e em banho térmico (Figura 5B), verificou-se que em ambos os casos há um aumento do conteúdo de caveol e cafestol até o tempo ótimo de reaçao (12 min para micro-ondas, 60 min para banho), seguido da reduçao dos diterpenos. A reduçao do tempo de reaçao verificado para a saponificaçao em micro-ondas deve-se a uma maior taxa de extraçao em comparaçao a reaçao em banho termostático (Material Suplementar, Figura 2S). O tempo teve maior influência para reaçao conduzida em banho térmico do que para a reaçao em micro-ondas (Figura 5B). Aproximadamente 80% a mais dos diterpenos foram obtidos em 60 minutos do que em 40 minutos de reaçao. O tempo ótimo (60 min) de processo corrobora com o preconizado por Dias et al.18 Com relaçao à eficiência do processo, menores teores de caveol e cafestol foram obtidos pela reaçao de saponificaçao em micro-ondas (24% e 35%, respectivamente) comparativamente ao método de saponificaçao em banho. O menor rendimento, notadamente do cafestol, pode estar associado a uma menor eficiência no processo de saponificaçao ou a degradaçao térmica do composto. Destaca-se, no entanto, que houve reduçao significativa do tempo (1/5 em relaçao ao aquecimento convencional), e que o processo em micro-ondas permitiu uma ampliaçao expressiva de escala (5 vezes). Segundo Zhou et al.,30 reaçoes químicas conduzidas em micro-ondas ocorrem mais rapidamente devido à reduçao da energia de ativaçao da reaçao. Souza et al.45 também descrevem que na saponificaçao por micro-ondas para obtençao de colesterol e óxidos de colesterol em camarao houve reduçao do tempo (75%) em relaçao ao método de saponificaçao a frio.
CONCLUSAO A temperatura e o tempo influenciaram significativamente a reaçao de saponificaçao por micro-ondas para extraçao de caveol e cafestol em café arábica torrado. A melhor condiçao ocorreu a 80 ºC durante 12 min. Utilizando a saponificaçao em micro-ondas obteve-se menor rendimento dos diterpenos, mas houve reduçao expressiva do tempo de processo em comparaçao a reaçao conduzida em banho térmico, sendo possível a ampliaçao da escala para extraçao com maior massa de amostra. A técnica de reaçao de saponificaçao em micro-ondas foi aplicada com sucesso, podendo ser considerada uma alternativa interessante para extraçao acelerada de diterpenos de café torrado.
MATERIAL SUPLEMENTAR No material suplementar de livre acesso, disponível em http://quimicanova.sbq. org.br, constam os espectros de UV-vis do caveol e cafestol (Figura 1S), o gráfico de taxa de extraçao para saponificaçao em micro-ondas e em banho térmico (Figura 2S), e as Tabelas 1S e 2S exibem o resultado da Análise de Variância (Anova) para o modelo polinomial de segunda ordem que descreve a significância da temperatura e do tempo na reaçao de saponificaçao por micro-ondas para extraçao de caveol e cafestol em café arábica torrado.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte financeiro, ao Departamento de Química da Universidade Estadual de Londrina, em especial a equipe do Laboratório DIA (Laboratório de Desenvolvimento de Instrumentaçao e Automaçao Analítica), a Profa. Dra. Suzana Lucy Nixdorf, a Dra. Alexandra Maffei Monteiro e ao Prof. Dr. César Tarley pela disponibilizaçao dos equipamentos.
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