|
Por que escolhi fazer um curso de licenciatura? perfil e motivação dos ingressantes da Unesp Why do i choose to do a "licenciatura in chemistry" course? unesp freshman profile and motivations |
Amadeu Moura BegoI,*; Tarso Bortolucci FerrariII
I. Departamento de Química Geral e Inorgânica, Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", 14800-060 Araraquara - SP, Brasil Recebido em 03/08/2017 *e-mail: amadeu@iq.unesp.br The present work aims to investigate the profile and motivation that led students to enroll in the undergraduate chemistry courses of the four Sao Paulo State University campuses. Case studies were carried out at each of the campuses and a comparative study was carried out in order to outline the theme in question. The quantitative data was analyzed by descriptive statistics and the qualitative data was analyzed by Content Analysis. It was found that the majority of the students are female aged between 17 and 19 years and came from public schools; they do not have jobs, and they are at an intermediate socioeconomic level. The vast majority of students chose the undergraduate degree in chemistry because of their interest in the large field of knowledge, along with the reputation and prestige of the university. It has also been identified that the graduates are led to teaching careers for essentially intrinsic motivations based on altruistic values; however, the majority does not choose to pursue a career in basic education. Faced with the scenario of possible "teacher blackout" in High Schools, these findings claim an urgent public educational policy that promotes an effective valuation of the teaching profession in Brazil. INTRODUÇAO Dados relativos a um dos últimos levantamentos realizados pelo Ministério da Educaçao (MEC) nos mostram que apenas 53,7% dos professores de química da rede pública de ensino na Educaçao Básica (EB) possuem a formaçao específica em licenciatura em química (LQ).1 Esses dados vao de encontro ao previsto no artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional que fixa como exigência o diploma de licenciatura na área de sua atuaçao como formaçao mínima para um professor lecionar na EB.2 De modo geral, a literatura acadêmico-científica vem apontando os aspectos que têm afastado os licenciandos da atuaçao como professor nas redes escolares públicas da EB, dentre os quais podemos citar a desvalorizaçao social do papel do professor e as péssimas condiçoes de trabalho tanto em termos de infraestrutura quanto salariais e de planos de carreira.3-5 Essas características citadas também têm incidido nas altas taxas de evasao dos cursos de licenciatura em todo país.5,6 Diante da realidade apontada, os problemas que se relacionam à atratividade da carreira docente para atuaçao na EB têm sido objeto de investigaçao de diversos trabalhos. Damasceno e colaboradores,3 ao abordarem a formaçao de professores de química na rede escolar pública de Goiás, mostram que entre 2003 e 2007 houve um aumento de 3 para 15% no número de docentes licenciados em química atuantes na EB. Esse aumento foi considerado insignificante pelos autores, em funçao do aumento considerável no número de cursos de LQ no mesmo período. Como consideraçoes acerca desse quadro, os autores afirmam que parte dos recém-licenciados acaba migrando para outras atividades com melhores condiçoes de trabalho e de salário. Sá e Santos,5 ao abordarem as motivaçoes para a carreira docente de licenciandos em química de uma universidade pública da Bahia no ano de 2010, identificaram três categorias que emergem dos discursos dos ingressantes - desvio bacharelizante da formaçao, estímulo do campo pedagógico e dicotomia discurso-açao dos formadores. Como resultado da análise do curso baiano, os autores apontam que a maioria dos alunos ingressa no curso de LQ por falta de outras oportunidades, o que acaba por favorecer o desvio do licenciado para outras áreas. Outro aspecto apontado se refere à pequena parcela de estudantes que ingressaram no curso exclusivamente para serem professores. Todavia, um fator da pesquisa muito interessante relaciona-se à identificaçao de uma parcela significativa de ingressantes que nao possuíam o intuito de serem professores, mas afirmaram se sentirem motivados ao exercício da profissao em funçao da influência positiva por parte de alguns docentes formadores, sobretudo de profissionais que atuam na área de ensino. Fato que, segundo os autores, pode ter impacto importante na reversao do quadro de desvio bacharelizante do curso e da migraçao dos licenciados para outras carreiras que nao a de professor da EB. Outro aspecto de alta relevância em relaçao à atratividade da docência se refere às motivaçoes pela procura dos cursos de licenciatura, uma vez que pode revelar os principais fatores acerca da valoraçao social da carreira de professor em nosso país. De acordo com Santos e Antunes,7 a motivaçao é um processo que orienta o ser humano a uma determinada açao, a qual pauta-se em um objetivo ou uma meta a ser alcançada. Pela inserçao do ser humano no meio social, pode-se considerar que a motivaçao nao parte apenas de princípios intrapessoais, mas também que o envolvimento com outras pessoas pode despertar novas metas e atitudes, ou seja, a motivaçao também é influenciada por fatores interpessoais. Por isso, a compreensao de processos motivacionais revela-se complexo e multifacetado, pois decorrem da integraçao de elementos inerentes ao próprio sujeito e também externos a ele. Com isso, Santos e Antunes afirmam que "a motivaçao do ser humano deve ser entendida na sua integralidade, mas percebida desde sua singularidade",7 isto é, o singular de cada pessoa é despertado tanto pela diversidade de fatores subjetivos como também pela diversidade contextual em que a mesma se insere. A motivaçao, portanto, pode ser teoricamente categorizada a partir de fatores intrínsecos e de fatores extrínsecos. A motivaçao intrínseca se relaciona essencialmente ao interesse individual e, por isso, pressupoe-se que surja de maneira espontânea no sujeito. Nesse sentido, Santos e Antunes afirmam que a atividade motivadora se torna um fim em si mesma.7 Já uma pessoa extrinsecamente motivada é aquela que executa uma tarefa por motivos de compensaçoes externas que podem ser, por exemplo, de ordem social. Cabe salientar que, segundo os autores, os motivos sociais possuem grande influência na açao dos indivíduos. Diante disso, as motivaçoes intrínsecas e extrínsecas se inter-relacionam e interatuam constantemente no processo motivacional de um indivíduo. Uma motivaçao extrínseca pode se revelar em uma nova motivaçao internalizada no sujeito, alterando ou se sobressaindo a uma motivaçao intrínseca. No contexto motivacional durante a formaçao inicial de professores de química para atuaçoes na EB, algumas pesquisas nos mostram que as motivaçoes intrínsecas se estendem no campo de valores altruístas referentes à profissao docente,3-5 como a predisposiçao ao ensino, a opçao por querer mudar o mundo e a opçao por gostar de crianças. Todas essas motivaçoes se relacionam com o professor em formaçao em relaçao a seu autoconceito, a sua identificaçao pessoal com a profissao, a seus interesses e habilidades, a sua maturidade e seus valores pessoais. Por isso, essas motivaçoes estao atreladas às características da personalidade da pessoa. Já as motivaçoes extrínsecas que despertam ou nao os licenciandos ao exercício da docência sao, principalmente, influenciadas por aspectos de ordem socioeconômica que abrangem questoes relativas a perspectivas de emprego e renda e à taxa de retorno da profissao e seu prestígio social. Entretanto, cabe dizer que, dependendo do nível socioeconômico do estudante, esse fator pode influenciar de maneira distinta na escolha pela carreira docente, como mostrado no trabalho de Gatti e colaboradores.8 De acordo com os autores, estudantes de nível socioeconômico mais baixo tendem a encarar as condiçoes salariais da profissao docente como possibilidade de ascensao social ao contrário dos estudantes de nível socioeconômico mais elevado. Outros aspectos como o estímulo por meio dos discursos dos professores formadores e os componentes curriculares dos cursos de licenciaturas também podem influenciar na escolha pela profissao.5 Diante dessa temática, vale ressaltar que, já em 2007, o relatório produzido pela Comissao Especial instituída no âmbito da Câmara de Educaçao Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educaçao (CNE) para estudar medidas que visassem a superar o déficit docente no Ensino Médio (EM), alertou que, caso medidas emergenciais e estruturais nao fossem tomadas, o Brasil estaria ameaçado a sofrer um "apagao docente no EM", sobretudo nas áreas de ciências exatas e da natureza. O relatório apresentado pelo MEC apontou que havia uma necessidade no país de cerca de 235 mil professores para o EM, dos quais 10% somente para a área de Química.9 Todavia, em que pese a relevância do tema e de seu quadro emergencial, Gatti e colaboradores afirmam que,8 no Brasil, a questao da atratividade da carreira docente nao tem sido alvo de sistemáticas pesquisas acadêmico-científicas. Isso corrobora a afirmaçao de Sá e Santos de que investigaçoes similares às conduzidas por eles seriam muito importantes em funçao de possibilitar um panorama empírico-analítico mais amplo das particularidades que determinam a carência de professores de química em diferentes locais e dos problemas generalizados que dizem respeito a essa carência em todo o país,5 objetivando contribuir para a implementaçao de políticas públicas que reduzam esses problemas de atratividade. Nesse sentido, temos realizado nos últimos anos investigaçoes sobre as motivaçoes dos ingressantes nos quatro diferentes cursos de LQ da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp). Essas investigaçoes foram conduzidas por meio de estudos de caso nos campi de Araraquara, Bauru, Presidente Prudente e Sao José do Rio Preto.10-14 Como decorrência dessas investigaçoes, o objetivo desse trabalho é analisar aproximaçoes e afastamentos entre as motivaçoes que conduziram os estudantes a ingressarem nos diferentes cursos de LQ da Unesp, a fim de traçar um panorama da temática em questao em relaçao a uma das três mais importantes universidades estaduais públicas paulistas.
COLETA DE INFORMAÇOES E ANALISE DOS DADOS Caracterizaçao dos cursos de química da Unesp Nessa seçao apresenta-se as principais características dos quatro cursos de LQ da Unesp. O curso de LQ do Instituto de Química da Unesp - campus de Araraquara (IQ/CAr) - é o mais antigo, tendo iniciado suas turmas em 1991 nos moldes do parecer do Conselho Federal de Educaçao (CFE 297/62) com duraçao de 5 anos e oferecendo anualmente 30 vagas no período noturno. Até 2006, o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) em Araraquara era o mesmo para as modalidades de Bacharelado em Química e LQ.15 A mudança no PPC de 2006 decorreu das exigências para as "Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formaçao de Professores da Educaçao Básica, em nível superior, curso de Licenciatura de graduaçao plena", segundo parecer do Conselho Nacional da Educaçao CNE/CP 01/2002.16 De acordo com o PPC, o licenciado formado pelo IQ/CAr pode lecionar a disciplina de Química no EM e no ensino fundamental (EF), além de poder atuar no setor produtivo exercendo as mesmas atividades que um bacharel em Química. O curso de graduaçao em LQ da Faculdade de Ciências (FC) da Unesp, campus Bauru, foi implementado no ano de 2002. Em 2012 o curso foi reestruturado, passando a oferecer Licenciatura em Química e Bacharelado em Química Ambiental Tecnológica. Tal mudança foi justificada no PPC como uma forma de formar profissionais qualificados com uma "ampla e sólida base conceitual na área de química e nas especificidades" das modalidades oferecidas.17 O tempo de duraçao do curso é de 5 anos e sao oferecidas 40 vagas no período noturno. A entrada para o vestibular em ambas as modalidades - licenciatura e bacharelado - é única e os alunos cursam as disciplinas comuns até o fim do segundo ano do curso, podendo posteriormente, optar pela dupla habilitaçao ou por apenas uma das duas modalidades oferecidas. Segundo o PPC, o licenciado formado pode lecionar a disciplina de Química no EF e EM e também atuar no setor produtivo junto às empresas do ramo químico. O PPC está em congruência às exigências da Resoluçao CNE/CP 1/2002. Na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Unesp, campus Presidente Prudente, o curso de LQ foi implementado em 2003 com duraçao de 5 anos, oferecendo 40 vagas anuais no período noturno. O licenciado formado na FCT pode lecionar a disciplina de Química no EM e pode atuar também no setor produtivo em empresas de ramo químico, assim como um bacharel em Química.18 A competência formal explicitada no PPC para dar crédito à atuaçao no ramo químico ao profissional licenciado é a Resoluçao Normativa do Conselho Federal de Química (CFQ) nº 36 de 25/04/1974 que confere atribuiçoes aos profissionais de química elencando atividades aos profissionais da modalidade de licenciatura. O PPC nao deixou explícito a data de sua implementaçao, apenas a data de publicaçao da Resoluçao Unesp de novembro de 2007, que aprovou a estrutura curricular do curso. Além disso, o PPC também nao citou as resoluçoes e deliberaçoes do CNE e CEE as quais deveria estar fundamentado. O curso de Bacharelado em Química Ambiental da Unesp de Sao José do Rio Preto foi implementado em 2003, tendo sido reestruturado no ano de 2012 e passando a receber o nome de curso de Graduaçao em Química com as modalidades de Bacharelado em Química Ambiental e LQ. A forma de ingresso no vestibular é unificada, sendo que somente no segundo ano do curso os discentes optam pela modalidade que desejam cursar. O tempo de duraçao do curso é de 4 anos, sendo oferecidas 50 vagas anuais no período diurno. De acordo com o PPC, os formados na modalidade de licenciatura podem optar tanto por trabalhar na área de ensino na EB como químicos na área ambiental.19 O PPC é comum para os cursos de bacharelado e licenciatura atendendo às resoluçoes CNE/CP 9/2001 e CNE/CP 2/2002. Procedimentos metodológicos Considerando os diferentes cursos e o contexto desta pesquisa, definiu-se como problema a seguinte questao: quais as aproximaçoes e afastamentos entre as motivaçoes que conduziram estudantes a ingressarem nos diferentes cursos de licenciatura em química da Unesp? Como desdobramento da questao central e de forma a operacionalizar o processo de coleta e tratamento de informaçoes, propôs-se as seguintes questoes de pesquisa: i) que fatores foram responsáveis pela escolha da Universidade e como se relacionam com o nível socioeconômico dos ingressantes?; ii) que fatores foram responsáveis pela escolha do curso?; iii) quais as expectativas dos licenciandos acerca de suas carreiras profissionais?; iv) qual a percepçao dos licenciandos acerca da profissao docente? Para a consecuçao desses objetivos, realizou-se uma pesquisa empírica nao-experimental e de caráter qualiquantitativo a fim de se interpretar determinada realidade social, porém sem a realizaçao de manipulaçao e o isolamento de variáveis experimentais.20 Os dados quantitativos foram tratados por meio dos princípios da estatística descritiva e permitiram a organizaçao dos gráficos e tabelas acerca do perfil dos graduandos no ano de 2013.21 Para a análise de dados qualitativos junto aos questionários em cada um dos estudos de caso foram utilizados os procedimentos da Análise de Conteúdo propostos por Bardin.22 Os primeiros dados coletados em 2013 resultaram em estudos de cada um dos casos separadamente, sendo estes apresentados na forma de diversos trabalhos em congressos da área até o ano de 2016.10-14 A presente investigaçao é, portanto, decorrente dos estudos anteriores, buscando o confronto dos dados obtidos em cada um dos casos a fim de analisar suas aproximaçoes e afastamentos. Flick,23 ao abordar os desenhos básicos de uma pesquisa, apresenta as diferenças entre um estudo de caso e um estudo comparativo. Para o autor, no estudo de caso, a questao mais relevante consiste em definir o caso e seus limitantes, os quais sao guiados pelo problema de pesquisa e suas respectivas questoes. Já no estudo comparativo o autor afirma que as questoes mais relevantes se referem à definiçao da dimensao da comparaçao e a como o pesquisador levará em consideraçao o contexto dos casos no estudo que irá realizar. A partir dessas consideraçoes, essa pesquisa tem o desenho de um "Estudo Comparativo" de diferentes casos, quais sejam, as motivaçoes dos estudantes nos quatros diferentes cursos de LQ da Unesp. Esse estudo comparativo decorre do levantamento de informaçoes obtidas por meio do questionário elaborado por Sgarbosa e colaboradores.14 O questionário apresenta 36 itens divididos em 3 grandes blocos de investigaçao. O primeiro bloco contém questoes que permitiram a caracterizaçao dos ingressantes e de seu nível socioeconômico (NSE). O segundo bloco visava levantar informaçoes acerca dos principais fatores que influenciaram os estudantes a ingressarem nos diferentes cursos de LQ na Unesp. Por fim, o terceiro bloco objetivava coletar informaçoes sobre as expectativas dos licenciandos para atuarem na carreira docente e também suas percepçoes sobre o trabalho do professor no tocante a sua importância social e a sua valorizaçao profissional. No total, 139 estudantes responderam ao questionário no segundo semestre do ano de 2013. Com exceçao do campus de S. J. do Rio Preto, todos os estudantes que responderam ao questionário estavam no primeiro ano do curso. Em S. J. do Rio Preto, os respondentes eram alunos do segundo ano, representando 47 alunos no total, os quais 18 ainda nao haviam optado pela modalidade, 20 optaram pela modalidade de Bacharelado em Química Ambiental e somente 9 haviam optado pela modalidade de LQ. Cabe sublinhar que somente os alunos (9) que optaram pela modalidade de LQ no curso de S. J. do Rio Preto foram considerados nesta pesquisa, além disso nao foi realizada a aplicaçao do questionário aos alunos que deveriam estar no 3º ano do curso de Bauru e optado pela LQ, pois, obviamente, os alunos ainda nao haviam finalizado o 2º ano. Os campi de Araraquara, Bauru e Presidente Prudente tiveram, respectivamente, 29, 30 e 33 alunos pesquisados. A fim de se respeitar o sigilo e a confidencialidade dos estudantes, realizou-se um processo de anonimizaçao por meio da atribuiçao de códigos com a(s) letra(s) inicial(is) da cidade acompanhado por uma numeraçao que variava de acordo com o número de respondentes em cada campus.
RESULTADOS E DISCUSSAO Caracterizando os licenciandos - faixa etária, gênero, formaçao básica, atuaçao profissional e nível socioeconômico Como pode ser visto nos dados da Tabela 1, a maioria dos licenciandos é do sexo feminino, totalizando 59,4%. O caso mais expressivo é em S. J. do Rio Preto, já que a quantidade de mulheres que optaram pela modalidade de licenciatura representa 88,9%. A mesma predominância de gênero em cursos de licenciatura foi encontrada na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), na Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).4,5,24
Esses dados indicam um fato bastante interessante concernente à questao da feminizaçao da carreira docente. Em âmbito nacional, para Gatti e colaboradores, esse fato "coloca a questao de gênero em nosso contexto social como um dos fatores intervenientes"8 nas motivaçoes e escolhas pela docência. Situaçao semelhante também se detecta internacional e historicamente. Em sua análise, Montero ressalta que o ensino,25 sobretudo os níveis mais baixos da EB, tem sido considerado socialmente como uma atividade (ideal) para as mulheres, por associaçoes às características consideradas femininas - afetividade, sensibilidade, intuiçao etc. - e pelos papéis exercidos pelas mulheres na vida familiar. Além disso, a pesquisadora alerta sobre a "estreita ligaçao entre as formas de organizaçao social e o gênero que produziram uma extensa e persistente opressao feminina".25 Devido a estas e outras circunstâncias históricas e culturalmente instituídas, pode-se associar a feminizaçao no ensino com a desvalorizaçao remuneratória do trabalho docente e, consequentemente, atratividade dos cursos de licenciatura quando comparada com outros cursos de exatas de maior prestígio social, como, por exemplo, os cursos de engenharia, que sao majoritariamente frequentados por homens.26,27 Em relaçao à idade, 59,6% dos respondentes apontaram ter entre 17 e 19 anos remetendo à constataçao de que a maioria teve ingresso imediato no vestibular logo após a conclusao do EM (Tabela 1). O caso do campus de S. J. do Rio Preto, em que a maior parte respondeu ter idade igual ou superior a 20 anos, deve-se ao fato dos entrevistados serem os únicos pesquisados a estarem no segundo ano de graduaçao. A Figura 1 mostra, em termos percentuais, a rede de ensino frequentada pelos licenciandos dos quatro campi. Dos respondentes, o número de licenciandos que estudaram integralmente em escolas públicas durante a EB é de 46,5%, enquanto apenas 25,7% dos alunos estudaram somente em escolas particulares durante a EB. Já o restante, ou iniciaram em escolas públicas e mudaram para escolas particulares (19,8%) ou iniciaram em escolas particulares e se transferiram para as públicas (7,9%). O único campus no qual a maioria nao é proveniente da escola pública foi o de Bauru, no qual há mais ingressantes provenientes de escolas particulares. Esse dado vai de encontro ao fato de Bauru possuir o menor índice de NSE baixo, além de possuir o número mais elevado de ingressantes com NSE alto, corroborando o fato de a maioria dos alunos serem provenientes da rede privada de ensino.
Figura 1. Escolarizaçao básica dos estudantes nos cursos de licenciatura nos diferentes campi (valores em %)
Outro fator analisado se refere à inserçao dos licenciandos no mercado de trabalho enquanto cursam a faculdade (Tabela 1). No momento da entrevista, um total de 75,2% dos entrevistados afirmou nao trabalhar, fato que mostra uma importante mudança da tendência do perfil dos alunos que ingressam nos cursos de licenciatura das Instituiçoes de Ensino Superior (IES) brasileiras quando comparado com os dados da década de 1990, em que a maioria dos estudantes era formada de trabalhadores.28 Inclusive esse perfil de alunos nao trabalhadores se mantém nos cursos de LQ noturnos. Em relaçao ao perfil dos licenciandos que trabalham, a maioria é constituída de alunos provenientes de escolas públicas (62,5%) com mais de 20 anos de idade (52%). Quando questionados do porquê trabalham, do total de entrevistados de todos os campi, 63,6% afirmaram que exercem suas funçoes para serem independentes e 27,3% por necessidades de ajudar a família. Na cidade de Araraquara, prevaleceu a necessidade de se ajudar a família em detrimento da independência financeira, fator este que se liga diretamente ao fato dos alunos serem provenientes de classes menos favorecidas. Com as informaçoes coletadas, foi construído um indicador de NSE com base nos critérios de pontuaçao definidos por Gatti e colaboradores.8 A classificaçao ocorreu em funçao da pontuaçao total atingida por cada entrevistado de acordo com os seguintes intervalos: i) até 10 pontos: NSE baixo; ii) entre 11 e 20 pontos: NSE intermediário; iii) acima de 20 pontos: NSE alto. Como resultado (Tabela 1), percebe-se que a maioria dos licenciandos se enquadra no NSE intermediário, totalizando 64,4% ante 24,7% com NSE alto e 10,9% com NSE baixo. Ao se analisar cada campus separadamente, percebemos que o de Araraquara é o que tem a menor quantidade de alunos que se encaixam no NSE alto, sendo apenas 1 dos 29 que responderam o questionário. O campus com menor quantidade de estudantes com NSE baixo é o de Bauru, com apenas 1 dos 30 ingressantes respondentes. O fato do número de ingressantes com NSE alto no campus de Araraquara ser distinto dos demais se correlaciona com a escolarizaçao dos pais desses alunos. A partir dos dados da Tabela 1, observa-se que os valores das porcentagens de pais e maes com escolaridade de nível superior se aproxima com os percentuais de alunos com NSE alto dos campi de Bauru, Presidente Prudente e S. J. do Rio Preto, diferindo-se do campus de Araraquara que possui um reduzido valor de pais e maes com grau superior de escolaridade. Já o maior percentual de ingressantes com NSE baixo em Presidente Prudente, aliado ao fato de ser o campus que apresenta o maior índice de trabalhadores dentre os estudantes, pode ser justificado ao se confrontar tais dados com os obtidos junto à Fundaçao Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). Esses dados mostram que a regiao administrativa de Presidente Prudente, dentre as regioes que compoem cada campi aqui estudados, é a que possui o maior percentual de domicílios com famílias com renda per capita de até ½ ou ¼ de salário mínimo, representando 26,4% da populaçao total, distante 5,2 pontos percentuais da segunda regiao com pior índice que é a de Bauru. Motivaçoes dos licenciandos para a escolha acadêmica e expectativas profissionais O segundo bloco de questoes envolve informaçoes acerca dos principais fatores que influenciaram os estudantes a ingressarem no curso de LQ. Um número significativo de licenciandos (65,3%) dos quatros campi respondeu que se submeteu a outros exames vestibulares além daqueles no qual foram aprovados. O único campus que contribuiu de maneira oposta a este resultado foi o de S. J. do Rio Preto, no qual 66,7% dos entrevistados afirmaram terem se submetido apenas ao vestibular no qual foram aprovados. Ao serem questionados sobre se o curso atual havia sido a primeira opçao no vestibular, nos campi de Araraquara, Bauru e Presidente Prudente, a média daqueles que afirmam que suas primeiras opçoes foram cursos de LQ é igual a 77,2%. Com isso, pode-se inferir que, nos três campi, a maioria dos estudantes que se submeteu a outros exames vestibulares optou por prestar o curso de LQ também em outros vestibulares. Os 26 sujeitos dos quatro campi, que afirmaram nao ser o curso atual a primeira opçao, apontaram profissoes que nao se relacionam ao exercício da docência como suas primeiras opçoes, das quais, em sua maioria, sao nas áreas das engenharias. Entretanto, no campus de S. J. do Rio Preto 55,5% dos discentes afirmaram que o curso de LQ nao havia sido a primeira opçao (Figura 2). Esse dado é preocupante, pois os respondentes desse campus sao alunos do segundo ano do curso que já haviam optado pela modalidade de licenciatura. Nesse sentido, cabe-nos refletir sobre a escolha da profissao docente como sendo, muitas vezes, a "mais viável", por motivos que perpassam desde o ingresso na Universidade até a inserçao no mercado de trabalho. Rabelo expressa essa situaçao como uma opçao pela docência por falta de oportunidade,29 na qual os licenciandos sao movidos por motivaçoes extrínsecas.
Figura 2. Respostas, em porcentagem, sobre se o curso atual é a primeira opçao dos ingressantes
A próxima questao do questionário fornecia algumas opçoes aos estudantes sobre os principais motivos que os fizeram se matricular no curso, dentre as quais os sujeitos escolheram como resposta, em sua maioria (68,5%), o fato de gostarem do curso e pela reputaçao da universidade. Apenas 14,3% dos sujeitos afirmaram ter se matriculado no curso atual pelo fato de a universidade ser pública e ser localizada na cidade em que residiam, outros 7,6% afirmam ter escolhido o curso em funçao de a universidade ser pública, 3,8% afirmaram que o curso de química havia sido o único curso em que haviam sido aprovados em universidade pública e 5,7% assinalaram motivos diversos. Esses dados apontam para a questao de que um fator de grande influência para a escolha do curso de graduaçao pelos estudantes foi o prestígio das universidades públicas paulistas. De fato, as universidades públicas paulistas gozam de grande reputaçao social e têm seus cursos amplamente procurados por parcela significativa dos estudantes concluintes do EM, haja vista que, por exemplo, no ano de 2016, a Unesp apresentou seu maior índice histórico de inscritos no exame vestibular.30 Esses dados revelam que as motivaçoes dos ingressantes nao relacionaram exclusivamente a fatores extrínsecos de ordem socioeconômica, como a necessidade da universidade ser pública e/ou estar na cidade em que os estudantes residiam. Quando questionados sobre o que mais influenciou na escolha pelo curso, 88,1% declararam que decidiram se matricular no curso de química por opinioes próprias e por pretensoes profissionais. 5,0% apontaram que foram influenciados por opinioes de amigos e familiares e outros 2,0% afirmaram que a opiniao dos pais foi o que mais influenciou para a matrícula no curso. 5% dos sujeitos declaram motivos diversos. Em outra questao foi solicitado que os respondentes apontassem se sabiam a diferença profissional entre um bacharel e um licenciado em química e que especificassem as atribuiçoes profissionais das duas carreiras. Três categorias foram levantadas a partir da análise das respostas obtidas pelos pesquisadores, sendo estas: sabe a diferença, sabe parcialmente a diferença e nao sabe ou nao justificou. A Figura 3 mostra os resultados obtidos para cada campus.
Figura 3. Classificaçao das respostas, em porcentagem, sobre a diferença entre as atribuiçoes de um bacharelado e de um licenciado
Observou-se, nessa questao, que os licenciandos que estudam nas cidades de Araraquara e de Presidente Prudente possuem maior discernimento quanto à diferença de atribuiçoes entre um licenciado e um bacharel, pois em ambos os campi a porcentagem destes representou mais do que 60%. Já nos campi de Bauru e S. J. do Rio Preto, 43,0% e 44,4% sabiam a diferença e 37,0% e 44,4% sabiam parcialmente a diferença, respectivamente, entre as duas modalidades de curso. Esse fato pode estar ligado à forma de ingresso unificada em ambos os campi em que os vestibulandos poderiam estar menos atentos a essas diferenças. Esse fato reclama açoes mais específicas e eficazes da Unesp no tocante à divulgaçao de seu exame vestibular e de seus cursos e modalidades. Contudo, pode-se afirmar que a maioria dos estudantes dos quatro campi optou por se matricular no curso de química com certa consciência sobre as atribuiçoes profissionais de um licenciado e de um bacharel. Conforme dados apresentados na Figura 4, a maior incidência de respostas dos estudantes dos quatro campi foi ter escolhido um curso de licenciatura por quererem ser professores. Araraquara apresentou a maior porcentagem (55%), seguida de S. J. do Rio Preto (44,4%), de Presidente Prudente (33,3%) e de Bauru (30%). As outras respostas se enquadram no fato do curso ser noturno, por possuir menor relaçao candidato/vaga, pela dupla habilitaçao licenciado/bacharel ou pelo fato da cidade nao oferecer curso de bacharelado em química, como é o caso de Presidente Prudente. O resultado obtido se distancia do que foi observado na UEPG,4 onde mais de 53% dos licenciandos apontaram ter escolhido licenciatura em funçao do fato de o curso ser noturno.
Figura 4. Categoria das respostas, em termos percentuais, sobre o porquê de ingressarem em licenciatura em química
Além de serem questionados sobre os motivos para terem entrando na licenciatura, os estudantes foram questionados especificamente se, uma vez matriculados no curso, pensavam em ser professores. De modo surpreendente, 100%; 89,7%; 83,7%; 81,8% dos estudantes de S. J. do Rio Preto, Araraquara, Bauru e Presidente Prudente afirmaram, respectivamente, que pensavam em ser professores. Esse aumento expressivo em relaçao aos dados apresentados na Figura 4, pode estar associado, por um lado, ao fato de que, assim como afirmam Milaré e Weinert,4 o desejo de ser professor nao é o principal motivo da escolha pela licenciatura, mas uma vez ingressos, a carreira docente se torna uma possibilidade a ser considerada entre os graduandos; por outro lado, pelo motivo de, como mostrado na Figura 5, os estudantes começarem a pretender atuar em outros níveis de ensino.
Figura 5. Categorias de respostas, em termos percentuais, sobre em qual nível de ensino o licenciando pretende atuar como professor
É interessante notar na Figura 5 que, com exceçao de Araraquara, a maioria absoluta dos estudantes, que afirmou pretender ser professor, nao tem pretensao de atuar exclusivamente na EB. A maior parte das respostas estao associadas à possibilidade de atuar como professor no Ensino Superior (ES), representando 26,7% das intençoes. Além disso, considerando-se toda a gama de respostas e somando-as, o ES apareceu em 73,2% das opçoes. Sobejamente, esse fato deve-se às melhores condiçoes de trabalho que se tem no ES diante da EB como, por exemplo, infraestrutura, salário e plano de carreira. Os autores Lüdke e Boing ressaltam que o processo de declínio do status da profissao docente na EB tem relaçao direta com a questao salarial e que esse desprestígio econômico gera,31 consequentemente, a diminuiçao da atratividade da carreira. Ao contrário do trabalho de Gatti e colaboradores,8 em que para muitos estudantes de baixo NSE a profissao docente na EB poderia representar ascensao social, o grupo de discentes investigados nessa pesquisa veem a possibilidade de ascensao social relacionada à atuaçao no ES ou ET e nao exclusivamente na EB. Depois de questionados sobre o nível de ensino que gostariam de atuar, os sujeitos que afirmaram querer ser professores de química responderam a uma questao sobre quais seriam as razoes para tal escolha. Por meio de análise de conteúdo das respostas dissertativas, foram obtidas cinco categorias de respostas, conforme apresentado no Quadro 1.
A partir dos resultados, percebe-se uma forte tendência nos quatro campi voltada à Categoria III, a qual representa respostas que se encaixam em valores altruístas, vocaçao e realizaçao pessoal, representando, na média, pouco mais de 75% do total de respostas. Nessa categoria o ofício de professor está relacionado à ideia de sacerdócio e missao e nao ao status de profissao, em que o sentimento de prazer e cumprimento de um dever moral, resultante do ato de ensinar ao próximo, acabaria, de algum modo, por compensar as adversidades encontradas no exercício do magistério, revelando certo grau de altruísmo para o ofício. Essa visao romantizada do ofício de professor, na qual o prazer pessoal é mais relevante do que as desvantagens, também foi identificada por Gatti e colaboradores.8 De acordo com os pesquisadores, para essa concepçao "pode-se lançar a hipótese de que os alunos enxergam a docência nao como profissao, mas como sacerdócio, uma missao em resposta a uma vocaçao".8 A Categoria IV foi a segunda mais frequente, cerca de 20% do total de respostas, e se refere às expectativas de emprego dos alunos. Percebe-se nessa categoria respostas que nao destacam a valorizaçao do profissional, mas sim o fato de ser um ofício que oportuniza os recém-formados a conquistarem empregos com maior facilidade devido à baixa procura e ao baixo número de trabalhadores na área. Em seu trabalho, Gatti e colaboradores destacam uma pesquisa que apontou uma possível explicaçao para a docência ter atraído mais mulheres do que homens.8 Segundo os pesquisadores, os homens, nas decisoes ocupacionais, sao mais sensíveis à possibilidade de carreira, enquanto as mulheres sao mais influenciadas pela possibilidade de salário imediato. Em concordância com a pesquisa, ao ser analisado o gênero de cada um dos respondentes da Categoria IV, podemos notar que 64,3% dos que se enquadraram nesse item sao do sexo feminino. Além disso, como mostrado na Figura 2, nessa categoria estao a maior parte dos licenciandos do campus de S. J. do Rio Preto em que o curso de LQ nao havia sido a primeira opçao. O resultado da pesquisa se torna ainda mais próximo ao se perceber que as respostas que apresentaram os termos "estabilidade", "falta de profissionais na área" e "emprego imediato" foram utilizados por 85,7% de respondentes do sexo feminino. Com efeito, a maior parte do grupo de estudantes pesquisado tem motivaçoes intrínsecas em relaçao ao exercício da docência associadas a valores altruístas e nao de status profissional. Por outro lado, um grupo de estudantes apresenta motivaçoes extrínsecas para serem professores, porém essas motivaçoes também nao se referem a fatores de status profissional e, sim, de possibilidade de renda imediata. Posteriormente, foram investigadas as concepçoes dos ingressantes sobre o trabalho docente. A partir das respostas, foram obtidas cinco categorias apresentadas no Quadro 2.
A partir dos dados do Quadro 2, percebe-se que a maior parte dos ingressantes, 70,3% do total de respostas, concebem o trabalho docente relacionado a valores altruístas. Logo em seguida, a segunda categoria com maior frequência, 38,6% das respostas, diz respeito a uma visao do trabalho do professor como desvalorizado profissionalmente e com baixo status social. 20,8% das respostas se inseriram na Categoria III, a qual aponta o trabalho docente como demasiadamente exaustivo. Adicionalmente, em contraposiçao à percepçao pessoal, no Quadro 3 se encontram as categorias de respostas identificadas para a concepçoes dos ingressantes acerca da visao da sociedade sobre o trabalho docente.
É bastante interessante notar que a maioria absoluta das respostas se inseriu na categoria em que se acredita que o trabalho do professor nao é valorizado, que nao há o devido reconhecimento social e profissional e que essa profissao é desrespeitada por pais, alunos, governantes e pela sociedade em geral. Isto é, a maior parte dos licenciandos têm a percepçao de que a sociedade vê o trabalho docente como uma profissao desvalorizada e pouco reconhecida. Inclusive em algumas respostas há até uma visao depreciativa do ofício, tais como: "um profissional que nao deu certo na vida", "profissionais vistos como coitados e que nao deram certo como bacharel", "além de ser uma profissao que serve de 'bico'". Nessa perspectiva, os estudantes foram questionados também sobre como seus pais reagiriam caso eles, após formados, decidissem exercer a profissao de professor. Para 54,4% dos alunos, seus pais apoiariam a decisao. Para 23,8% dos respondentes, os pais iriam reagir negativamente e, para os 21,8% restantes, seus pais reagiriam com neutralidade quanto a suas escolhas profissionais. Dentre as justificativas, pode-se citar o fato de terem um membro da família exercendo atividade docente, que contribuiu para a aprovaçao, como afirma a aluna A23: "Minha família apoiou, pois minha mae, por exemplo, é professora e ama o que faz". Outra resposta que se destaca é da aluna A21: "Todos me apoiariam grandemente, pois trata-se de uma área em que a satisfaçao pessoal conta muito mais do que a financeira (no Brasil)". Para ela a docência está relacionada, acima de tudo, à satisfaçao pessoal que compensa as adversidades vivenciadas na profissao. Nota-se aqui, novamente, o altruísmo identificado anteriormente na percepçao dos licenciandos acerca do trabalho docente. Por fim, de modo a se investigar o que os licenciandos pensavam sobre o salário dos professores, uma das questoes informava o piso salarial nacional definido em lei para o ano de 2014 para os professores da EB na rede pública - no qual o salário base passaria para R$ 2.135,64 - e solicitava que os estudantes discutissem se esse valor era bom e motivador para o início de carreira ou ruim e desestimulante.32 Mais de 60% dos respondentes afirmaram que consideravam esse salário como sendo um valor baixo e desestimulante para o ingresso na carreira. Massivamente, o campus de Araraquara contribuiu com mais de 75% dos alunos que optaram por essa alternativa. O campus de Bauru é o que apresentou o maior número de licenciandos que acham o salário reajustado bom para o início da carreira, com mais de 26% dos respondentes. Esses dados se relacionam com a preferência de grande parte dos estudantes de atuarem como professores no ES e/ou ET e nao na EB. A análise dos dados do Quadro 2 acerca das visoes dos ingressantes sobre o trabalho docente concorda com os resultados apresentados na Figura 6 no sentido de que o ofício do professor está muito mais relacionado a valores altruístas e à recompensa afetiva pelo bem ao próximo, em detrimento do status profissional e das condiçoes salariais e de carreira. Essas visoes sao corroboradas justamente pelas percepçoes dos mesmos ingressantes sobre como a sociedade concebe o trabalho dos professores (Quadro 3) e a percepçao de seus próprios pais. Uma vez que social e financeiramente o ofício docente é desvalorizado, sua atratividade se daria essencialmente em funçao do sentido de missao e possibilidade romântica de transformaçao da sociedade por meio da atuaçao heroica como professor, sendo que grande parte dos próprios ingressantes nao consideram o piso salarial legal da profissao razoável. Esse fato reforça a motivaçao dos licenciandos para o ingresso na carreira por fatores fortemente intrínsecos.
Figura 6. Categorias das respostas, em termos percentuais, referentes à escolha da carreira pelos ingressantes
De fato, algumas notícias trazem em destaque o desprestígio salarial da profissao docente.33,34 A partir de dados coletados em pesquisas realizadas, as notícias apontam que o salário médio do professor equivale à metade do salário de um profissional com o mesmo nível de formaçao. Além disso, os noticiários alertam sobre o fato de mais de dez estados brasileiros nao pagarem o piso mínimo determinado pelo MEC. Ademais, dados da Organizaçao de Cooperaçao e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que para ser professor no Brasil você deve trabalhar mais e ganhar menos do que em diversos outros países do mundo, o que acaba gerando desmotivaçao para a atuaçao profissional.
CONCLUSAO Portanto, no ano de 2013, a análise dos dados apresentados indica diversas aproximaçoes e poucos afastamentos no perfil dos ingressantes dos cursos de LQ da Unesp que, com pequenas diferenças, é formado por grande parte dos alunos entre 17 e 19 anos, que nao trabalham, oriundos da rede pública de ensino, de famílias cujos pais nao possuem ES e com NSE intermediário. Ademais, a maior parte dos ingressantes era do sexo feminino. Os dados da Unesp concordam tanto com os obtidos no trabalho de Gatti e colaboradores,8 no qual o perfil socioeconômico daqueles que escolhem o magistério, em sua maioria, é formado por estudantes de classes econômicas menos abastadas, quanto com os dados do Exame Nacional do Ensino Médio,35 segundo os quais os licenciandos sao alunos provenientes do sistema público de ensino. No tocante à diversidade étnica e racial, a maior parte dos ingressantes se autodeclara de cor branca, com baixo percentual de pardos e negros. Esse quadro se repete em vários outros cursos e em várias outras universidades. Vale sublinhar que a Unesp vem implantando gradativamente políticas de reservas de vagas e, por isso, seria interessante acompanhar o comportamento desse cenário nos próximos anos. Em que pese o fato de terem prestado outros vestibulares, a maioria dos estudantes escolheu um curso da Unesp como primeira opçao, por ter interesse na grande área do conhecimento e pela reputaçao e prestígio da universidade, por suas próprias opinioes e pretensoes profissionais e, no geral, sabendo a diferença entre um bacharel e um licenciado. Considerando esses aspectos, é possível afirmar que o grupo de alunos investigado possuía motivaçoes predominantemente intrínsecas e nao motivaçoes extrínsecas. Esse resultado é oposto ao encontrado por Sá e Santos para o curso de LQ da Bahia5, no qual os estudantes ingressaram principalmente por falta de outras oportunidades, ou seja, por fatores extrínsecos. O único afastamento identificado foi no curso de S. J. do Rio Preto em que a maioria, a despeito de ter optado em cursar a modalidade de licenciatura e nao a de bacharelado, afirmou que o curso de LQ nao havia sido a primeira opçao no exame vestibular. Dado bastante preocupante que revela a questao de, muitas vezes, a escolha da profissao docente ser feita em funçao de ser a que se apresenta a mais viável no momento para os estudantes, com possibilidade de emprego imediato. Ao contrário de diversos outros estudos,3-5 grande parte dos estudantes pesquisados declarou que a opçao pela LQ se deu, no geral, por quererem ser professores. Contudo, apesar de ter uma percepçao positiva e possuir a pretensao de exercer a profissao docente, a maior parte dos licenciandos nao vislumbra a atuaçao necessariamente na EB em funçao de seu baixo status sociocultural e da projeçao de condiçoes difíceis de desenvolvimento do trabalho e, inclusive, considera que o baixo valor do piso salarial nacional definido em lei é um fator desestimulante para uma possível atuaçao. Se, no geral, os estudantes que ascendem ao ES público e ingressam nos cursos de licenciatura nao anseiam em atuar como professores da EB, os indícios de "apagao docente no EM", sobretudo nas áreas de ciências exatas e da natureza, apontado pelo relatório produzido em 2007 pela Comissao Especial instituída no âmbito da Câmara de Educaçao Básica,9 começam a se concretizar em nosso país. Essa falta de interesse pela profissao de professor da EB se torna ainda mais preocupante quando confrontada com os dados divulgados, em 2015, no relatório da OCDE, por meio do Programa Internacional de Avaliaçao de Estudantes (PISA - sigla em inglês - Programme for International Student Assessment), em que nenhum dos jovens brasileiros de 15 anos pesquisados afirmaram ter a intençao de serem professores da rede básica. Adicionalmente, os resultados dos relatórios de 2005 e 2006 da OCDE, que indicavam a escassez de docentes nos países componentes da organizaçao, mostram que, no Brasil, sao apresentadas evidências de que o número de aposentadorias tende a superar o número de formandos nos próximos anos, haja vista que cerca de 40% estao mais próximos da aposentadoria que do início de carreira.8 Esse cenário reclama extrema atençao por parte de nossos governantes e por pesquisadores da área, pois se o quadro atual nao se reverter, em poucos anos podemos nao ter mais professores com formaçao específica em nível superior para lecionarem na EB. Para os quatro campi da Unesp foram identificadas visoes romantizadas, vocacionais e altruístas acerca do trabalho docente, em que as recompensas afetivas e idealistas derivadas da atuaçao têm mais importância do que a valorizaçao profissional, financeira e social. Inclusive os fatores altruístas, vocacionais e de realizaçao pessoal foram os de maior incidência nas respostas dos ingressantes sobre os motivos para serem professores. Como efeito, foi possível constatar que, no que tange à atratividade da carreira docente, as motivaçoes dos ingressantes nos cursos de LQ da Unesp, no ano de 2013, inserem-se no campo dos fatores intrínsecos, com pequenas motivaçoes inseridas em fatores extrínsecos, como perspectiva de incremento de renda e no NSE, taxa de retorno e status relacionado à profissao. Esse fato associado às diversas oportunidades oferecidas por renomadas instituiçoes de pesquisa na área específica de Química, tais como bolsas de iniciaçao científica, estágios em indústrias químicas da regiao e possibilidade de ingresso em programa de pós-graduaçao, pode influenciar consideravelmente durante os cinco anos de graduaçao desses estudantes. Cabe destacar que os PPC das licenciaturas de todos os campi da Unesp preveem a possibilidade de exercício das atividades de um bacharel em Química mesmo para os licenciandos. Inclusive nos campi em que há a opçao, um dos fatores expressivos de motivaçao para ingresso no curso foi justamente a possibilidade de dupla habilitaçao (bacharelado e licenciatura). Como ressaltado por Lippe e Bastos,36 os cursos de formaçao inicial de professores sao tratados de uma maneira muito "acadêmica", em que as disciplinas específicas sao sobrepostas às disciplinas pedagógicas, ocasionando uma série de deficiências na formaçao do profissional e também na compreensao dos licenciandos quanto aos saberes necessários à profissao de professor. Diante de tais deficiências os professores em formaçao, ao iniciarem seus estágios supervisionados e lidarem com uma realidade do ofício bastante difícil e com diversas dificuldades, podem nao saber enfrentá-las, causando a sensaçao de que as disciplinas pedagógicas de nada servem para sua formaçao e/ou que a realidade cotidiana das escolas da EB é inamovível, contribuindo, assim, para o desinteresse pelo magistério.36 Adicionalmente, os estudantes passam a conhecer melhor as condiçoes de elevadas cargas horárias de trabalho, com atuaçao em diversas escolas com turnos variados, recorrentes na vida de diversos professores com o intuito de melhores condiçoes salariais. Considerando que as motivaçoes se relacionam com o autoconceito, a identificaçao com a profissao, à maturidade e aos valores pessoais, 3-7 todos os fatores anteriores associados ao próprio amadurecimento desses estudantes e às expectativas próprias de formandos acerca do futuro profissional, das projeçoes de estabilidade financeira e crescimento profissional, podem ser elementos potencializadores pela opçao de nao atuarem como professores de Química na EB, sobretudo, na rede pública de ensino. Diante do cenário de possível "apagao docente no Ensino Médio", resta-nos a constataçao de que uma política pública educacional que promova uma verdadeira e efetiva valorizaçao e consolidaçao da profissao docente se faz premente. Profissao com um plano de carreira atrativo financeiramente e com condiçoes de trabalho minimamente adequadas, para que possa atrair cada vez mais estudantes, menos em funçao de valores estritamente altruístas intrínsecos do que em funçao de vislumbrar seguir uma carreira reconhecida e valorizada social e financeiramente. Com efeito, cabe sublinhar que, nesse processo de consolidaçao da profissao docente, as IES ocupam posiçao fulcral, uma vez que atuam de modo mais agudo na formaçao inicial de professores, podendo, como mostrado por Sá e Santos,5 influenciar significativamente na constituiçao das identidades docentes dos licenciandos, em especial os formadores ligados ao ensino de química, o que pode estimulá-los a ingressarem na carreira docente. Como corolário, os cursos de licenciatura das IES públicas têm grande responsabilidade social no que diz respeito à possibilidade da formaçao de futuros profissionais com uma concepçao mais adequada acerca do trabalho docente enquanto ofício feito de saberes profissionais,37 bem como pelo compromisso social e engajamento político pela reivindicaçao do status profissional ao ofício de professor, que implica em seu reconhecimento social e econômico.
REFERENCIAS 1. http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2015/notas_sobre_o_censo_da_educacao_superior_2014.pdf, acessada em novembro de 2017. 2. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm, acessada em novembro de 2017. 3. Damasceno, D.; Godinho, M. S.; Soares, M. H. F. B.; De Oliveira, A. E. A.; Quim Nova 2011, 34, 1666. 4. Milaré, T.; Weinert, P. L.; Quim. Nova 2016, 39, 522. 5. Sá, C. S. S.; Santos, W. L. P.; Quim. Nova 2016, 39, 104. 6. Mazzetto, S. E.; Bravo, C. C.; Carneiro, S.; Quim. Nova 2002, 25, 1204. 7. Santos, B. S.; Antunes, D. D.; Revista Educaçao 2007, 1(61), 149. 8. Gatti, B. A.; Tartuce, G. L. B. P.; Nunes, M. M. R.; Almeida, P. C. A. (coord.); In Estudos e Pesquisas Educacionais, nº1, Fundaçao Victor Civita: Sao Paulo, 2010, pp. 139-210. 9. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/escassez1.pdf, acessada em novembro de 2017. 10. Agostini, G.; Sgarbosa, E. C.; Bego, A. M.; Oliveira, O. M. M. F.; Anais do XVII Encontro Nacional de Ensino de Química, Ouro Preto, Brasil, 2014. 11. Agostini, G.; Sgarbosa, E. C.; Marques, J. A. C.; Silva, L. V.; Bego, A. M.; Anais do XIII Evento de Educaçao em Química, Araraquara, Brasil, 2015. 12. Bego, A. M.; Agostini, G.; Sgarbosa, E. C.; Silva L. V.; Marques, J. A. C.; Anais do III Congresso Nacional de Formaçao de Professores e do XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formaçao de Educadores, Sao Paulo, Brasil, 2016. 13. Silva, L. V.; Agostini, G.; Sgarbosa, E. C.; Marques, J. A. C.; Bego, A. M.; Anais do V Congresso Brasileiro de Educaçao, Bauru, Brasil, 2015. 14. Sgarbosa, E. C.; Agostini, G.; Marques, J. A. C.; Silva, L. V.; Julio, W. R.; Bego, A. M.; Oliveira, M. M. F. Anais do XII Evento de Educaçao em Química, Araraquara, Brasil, 2014. 15. http://www.iq.unesp.br/Home/graduacao/projeto-pedagogico-lic.pdf, acessada em novembro de 2017. 16. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf, acessada em novembro de 2017. 17. http://www.fc.unesp.br/Home/Departamentos/quimica201/projeto-politico-pedagogico-quimica.pdf, acessada em novembro de 2017. 18. http://www.fct.unesp.br/Home/Graduacao/Quimica/projeto-pedagogico_quimicafct_unesp.pdf, acessada em novembro de 2017. 19. http://www.ibilce.unesp.br/Home/Graduacao450/QuimicaAmbiental/iii---projeto-pedagogico-quimica-unesp-sjrp-v0-p1-46.pdf, acessada em novembro de 2017. 20. Moreira, D. A.; O método fenomenológico na pesquisa, 1ª ed., Pioneira Thomson: Sao Paulo, 2002. 21. Bussab, W. O.; Morettin, P. A.; Estatística Básica, 6ª ed., Saraiva: Sao Paulo, 2009. 22. Bardin, L.; Análise de conteúdo, Ediçoes 70: Lisboa, 2001. 23. Flick, U.; Desenho da pesquisa qualitativa, 1ª ed., Bookman: Porto Alegre, 2009. 24. Francisco Jr., W. E.; Paternele, W. S.; Yamashita, M. A.; Quim. Nova Esc. 2009, 31, 113. 25. Montero, L.; A construçao do conhecimento profissional docente, 1ª ed., Editora Piaget: Porto Alegre, 2001. 26. Tozzi, M. J.; Tozzi, A. R.; Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de Educaçao em Engenharia, Fortaleza, Brasil, 2010. 27. Watanabe F. Y.; Francisco, C. A.; França, C. A.; Ogashawara, O. A.; Revista Eletrônica Engenharia Viva 2015, 1, 51. 28. Vianna, J. F.; Aydos, M. C.; Siqueira, O. S.; Quim. Nova 1997, 20, 213. 29. Rabelo, A. O.; Revista Lusófona de Educaçao 2010, 15, 163. 30. http://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/unesp-tem-recorde-de-inscritos-para-o-vestibular-2016/, acessado em novembro de 2017. 31. Ludke, M.; Boing, L. A.; Educaçao & Sociedade 2004, 25, 1159. 32. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&&, acessado em novembro de 2017. 33. http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/06/professor-com-nivel-superior-ganha-metade-do-que-outros-graduados.html, acessada em novembro de 2017. 34. http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/30594/no-brasil-salario-de-professor-e-metade-do-que-recebem-outros-profissionais, acessada em novembro de 2017. 35. http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-divulga-resultados-do-enem-2008/21206, acessada em novembro de 2017. 36. Lippe, E. M. O.; Bastos, F.; Formaçao de professores e práticas pedagógicas no ensino de ciências, 1ª ed., Escrituras Editora: Sao Paulo, 2008, cap. 4. 37. Gauthier, C.; Martineau, S.; Desbiens, J. F.; Malo, A.; Simard, D.; Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente, 1ª ed., Unijuí: Ijuí, 1998. |
On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
Qu�mica Nova
Publica��es da Sociedade Brasileira de Qu�mica
Caixa Postal: 26037
05513-970 S�o Paulo - SP
Tel/Fax: +55.11.3032.2299/+55.11.3814.3602
Free access