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14:19, qui nov 21

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Artigo


Como obter nanopartículas de ouro usando suco de limão?
How to obtain gold nanoparticles from lemon juice?

Mariana F. Coura; Guilherme Arroyos; Lilian Cherubin Correia; Regina C. G. Frem*

Departamento de Química Geral e Inorgânica, Instituto de Química de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, 14800-060 Araraquara - SP, Brasil

Recebido em 13/12/2017
Aceito em 01/02/2018
Publicado na web em 22/02/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: rcgfrem@iq.unesp.br

RESUMO

This article refers about a green method for the preparation of gold nanoparticles using juice from four types of lemon (Tahiti, Key lime, Sicilian and Rangpur). The approach is based on a classic synthesis of nanoparticles using sodium citrate as reducing agent, since all these lemon varieties have citric acid in their compositions. Several characterization techniques demonstrated the efficacy of the method for obtaining red colloidal solutions (nanoparticles in the order of 5-25 nm). The importance of this attempt to make environmentally friendly synthesis of gold nanoparticles is linked to the several applications of these nanomaterials, the most important being biomedicine, catalysis, electronics, biochemical sensing and imaging.

Palavras-chave: gold nanoparticles; lemon; natural reducing agents; green synthesis.


INTRODUÇAO

Nanopartículas sao partículas que existem em uma escala nanométrica com tamanhos de até 100 nm em pelo menos uma dimensao.1,2 Materiais constituídos por pequenas partículas sempre foram de grande interesse para a humanidade. O conceito de átomo é conhecido desde a Antiguidade, em que era definido como uma partícula extremamente pequena (e até entao, indivisível) formadora da matéria.3 Atualmente, sabe-se que os átomos possuem tamanho na ordem de 10-12 a 10-10 m. Nestas escalas, devido aos efeitos quânticos, os materiais podem apresentar propriedades físicas e químicas únicas, tais como homogeneidade (tamanho e forma) de partícula, condutância térmica, resistência à oxidaçao, além de propriedades ópticas, elétricas e magnéticas especiais. Por essa razao, principalmente a partir do início da década de 2000, a nanotecnologia tem se incorporado em diversas áreas do conhecimento tais como tecnologia da informaçao, fotônica, plasmônica, biomedicina, energia, catálise, entre outras.4-12 No que se refere, por exemplo, a pesquisas de aplicaçao na área médica, incluindo tratamento via hipertermia de alguns tipos de câncer,13 a intençao é tornar os procedimentos mais baratos, mais fáceis de serem administrados e também mais seguros. Sob esse ponto de vista, têm surgido importantes trabalhos quanto a avaliaçao da toxicidade destes materiais em escala nanométrica, levando ao desenvolvimento da área chamada nanotoxicologia.14,15

Dentro do universo das partículas nanometálicas, as nanopartículas de ouro foram as primeiras a serem descobertas, provavelmente pelo fato de poderem ser preparadas com muita facilidade. O ouro é um metal de grande importância histórica devido ao seu alto valor agregado e sua beleza associada. Além disso, devido a suas propriedades químicas de metal nobre, é utilizado em eletrônica e na área médica (em próteses, por exemplo). Em sua forma nanométrica, o ouro coloidal apresenta uma coloraçao vermelha/violeta, propriedade essa que foi utilizada na Roma Antiga para a confecçao de vidros.16 Pesquisas recentes envolvendo nanopartículas de ouro buscam aplicá-las principalmente na área médica, devido à sua excelente biocompatibilidade. Além de ser relativamente inerte, o ouro nanoparticulado apresenta propriedades características de nanomateriais, tais como elevada razao área superficial por volume de soluçao, propriedades ópticas e eletrônicas únicas e facilidade de modificaçao de sua superfície.17 Além disso, o diâmetro reduzido desses materiais facilita a sua entrada no interior das células, possibilitando uma série de diagnósticos, imageamentos e tratamentos intracelulares.18 Diversos compostos podem ser incorporados às partículas de ouro agregando propriedades específicas destes compostos no material.19 Por essa razao, nanopartículas de ouro, modificadas ou nao, possuem aplicaçao em diversas áreas como óptica, eletrônica, magnética e catálise.20-25

Em geral, há duas estratégias distintas para a obtençao de nanomateriais, top-down e bottom-up. Os métodos top-down consistem na remoçao de matéria de estruturas originalmente maiores (material bulk) para obter a nanoestrutura desejada. Por outro lado, no princípio bottom-up, os componentes do material presentes inicialmente em escala atômica, se auto organizam nos materiais nanoestruturados.26 Particularmente no que diz respeito a preparaçao de nanopartículas de ouro, as técnicas bottom-up sao mais usuais, englobando diversos métodos físicos (uso de ultrassom de alta frequência, por exemplo)27 e químicos.28,29 No entanto, o tamanho, a morfologia, a estabilidade e a funcionalidade da superfície das nanopartículas dependem nao só do método de síntese empregado como também das condiçoes experimentais (concentraçao do íon metálico, velocidade de reduçao, temperatura, uso e concentraçao de agentes estabilizantes, etc.).30-32 Entre os métodos químicos, a maioria usa o ácido cloroáurico, [HAuCl4], como fonte de íons Au(III) e diversos agentes redutores como citrato de sódio (método de Turkevich),33 borohidreto de sódio (métodos de Brust e de Martin),34,35 hidroquinona,36 entre outros.37,38 Nanopartículas de ouro também podem ser formadas pela reduçao química dos íons metálicos no interior de micelas (ou micelas reversas) formadas por surfactantes e usadas como nanoreatores. Adicionalmente, na síntese micelar, o surfactante também auxilia na estabilizaçao das nanopartículas formadas.39

Como grande parte das aplicaçoes das nanopartículas de ouro concentra-se na área biomédica, é imprescindível que haja um conhecimento e um controle da sua toxicidade no organismo humano.40 Enquanto a nanotoxicologia trata do potencial dano causado pelas nanopartículas, os métodos químicos para a sua preparaçao podem deixar alguns resíduos tóxicos no meio reacional ou adsorvidos na superfície. O precursor ácido cloroáurico, por exemplo, é um ácido extremamente forte e corrosivo, sendo entao necessário que ele seja consumido por completo. No que diz respeito aos agentes redutores comumente usados, o borohidreto de sódio é um redutor muito forte e extremamente tóxico para as células. A hidroquinona, por sua vez, é um composto já utilizado na medicina como clareador de pele, mas, no entanto, é suspeita de ser carcinogênica.41 Dentro desse contexto, o método de Turkevich seria o mais recomendado,42 visto que o citrato de sódio nao é tóxico e é até mesmo utilizado como aditivo em alimentos.

Visando o uso de técnicas de preparaçao ambientalmente compatíveis,43 nanopartículas de ouro têm sido obtidas via biossíntese usando materiais naturais como extrato de plantas, microrganismos (bactérias, fungos, algas) e biomoléculas (enzimas, por exemplo).44-51 E sob essa perspectiva, surgiu entao a ideia de utilizar extratos de limao (gênero Citrus) e suas variedades por serem ricos em ácido cítrico (por essa razao, compoem a família das chamadas frutas cítricas). Sendo assim, a proposta desse trabalho consistiu em utilizar o suco dessas frutas na síntese de nanopartículas de ouro, em substituiçao ao citrato de sódio usado por Turkevich. As espécies de limao mais conhecidas no Brasil sao limao taiti (Citrus x latifolia), limao siciliano (Citrus x limon), limao cravo (Citrus x limonia) e limao galego (Citrus x aurantiifolia). Uma das vantagens em utilizá-las na síntese das nanopartículas é o seu baixo custo e alta disponibilidade, sendo que todas as variedades sao amplamente cultivadas no Brasil, dependendo das características da regiao e da época do ano.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Baseando-se nos princípios da química verde, foi desenvolvido nesse trabalho um método para sintetizar nanopartículas de ouro usando o ácido cítrico presente no limao como redutor de íons Au(III). Foi investigada também a influência da concentraçao dos reagentes e da natureza do composto metálico de partida no tamanho das nanopartículas obtidas. Além disso, os diferentes tipos de limao foram empregados para observar se haveria alguma diferença nas nanopartículas de ouro obtidas e a quantidade de ácido cítrico em cada um dos sucos foi determinada por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE-DAD). Em todos os casos, toda a vidraria foi lavada com água régia (1 HNO3:3 HCl), a fim de garantir que possíveis impurezas fossem removidas (procedimento realizado por 10 minutos, na capela do laboratório). Em seguida, retirou-se a soluçao de água régia e lavou-se várias vezes essas vidarias com água destilada.

Preparo das soluçoes redutoras

O suco dos limoes (taiti, siciliano, cravo e galego) foi extraído e peneirado, utilizando uma peneira de cozinha, para separaçao das sementes e polpa. Após extraçao e peneiramento dos sucos dos limoes, as diferentes suspensoes obtidas foram colocadas em eppendorfs e centrifugadas por 10 minutos a 13000 rpm. Com o auxílio de uma pipeta de Pasteur, separou-se cuidadosamente o sobrenadante do filtrado. Os sobrenadantes foram imediatamente submetidos à filtraçao a vácuo, seguida pelo ajuste do pH de ~2,2 para 6,2 - 8,0, utilizando NaOH 1,0 mol L-1.

Utilizando excesso de precursor metálico

Foram separados quatro erlenmeyers de 125 mL, dentro dos quais foi colocado 50,0 mL de uma soluçao de ácido cloroáurico de concentraçao 1,0 x 10-3 mol L-1. O sistema foi aquecido a aproximadamente 100 °C, sob agitaçao. Em seguida, após decorridos 5 minutos, desligou-se o aquecimento mantendo-se apenas a agitaçao e adicionou-se 10,0 mL do extrato dos limoes, um em cada erlenmeyer distinto. Aproximadamente um minuto após a adiçao do suco, observou-se alteraçao de cor, passando de amarelo claro (cor original da soluçao de HAuCl4) para vermelho escuro. Após 5 minutos, desligou-se a agitaçao e observou-se as soluçoes contra a luz para verificar se as mesmas ainda eram translúcidas. Para posterior confirmaçao, incidiu-se um laser de cor verde através das nanopartículas para verificar se era possível observar sua trajetória através da amostra (efeito Tyndall), confirmando que a substância sintetizada era um coloide. Esses nanomateriais metálicos foram armazenadas sob baixa temperatura, para aumentar o seu tempo de duraçao. As nanopartículas de ouro assim preparadas foram caracterizadas por espectroscopia de absorçao na regiao UV-Vis e microscopia eletrônica.

Utilizando excesso de redutor

Para realizar a síntese das nanopartículas de ouro, com o auxílio de uma pipeta graduada, colocou-se 2,0 mL de uma soluçao de HAuCl4 aproximadamente 10-3 mol L-1 em um béquer de 10 mL. O sistema foi agitado e aquecido até uma temperatura de 100 °C, por 5 minutos. Desligou-se o aquecimento, mantendo-se a agitaçao, e adicionou-se 5,0 mL do suco dos limoes. Foi observada rapidamente uma mudança na coloraçao da soluçao, passando de amarelada, característica da soluçao de ácido cloroáurico, para avermelhada, confirmando a obtençao das partículas metálicas em escala nanométrica. Manteve-se a reaçao por aproximadamente 10 minutos. Após o término de cada reaçao, as soluçoes coloidais contendo as nanopartículas de ouro foram armazenadas sob refrigeraçao.

Usando ouro metálico como precursor

Nesse experimento, partiu-se de uma pequena placa de ouro metálico (0,2444 g) para a produçao do ácido cloroáurico. O metal foi dissolvido aos poucos em HCl concentrado (2,68 mL) e HNO3 concentrado (0,465 mL), a 90 °C, em uma capela para a eliminaçao dos gases tóxicos. A dissoluçao completa da placa foi observada após 45 minutos de reaçao, obtendo-se uma soluçao concentrada (de cor alaranjada) de HAuCl4 como produto final. Através da estequiometria da reaçao representada na equaçao (1), foi possível estimar a concentraçao da soluçao de HAuCl4 obtida a partir da massa inicial de ouro metálico e do volume final presente no béquer.

Diluiu-se, entao, a soluçao precursora obtida até alcançar a concentraçao de 1,0 x 10-3 mol L-1 e realizou-se a síntese das nanopartículas de ouro usando excesso do redutor químico (vide procedimento anterior) e o limao taiti, devido a sua maior disponibilidade. Novamente, observou-se uma alteraçao praticamente instantânea na cor da soluçao de amarelo para vermelho intenso.

Quantificaçao do ácido cítrico

Sucos dos quatro diferentes tipos de limao (galego, cravo, siciliano e taiti) foram extraídos, peneirados, centrifugados (10 min, 13000 rpm) e filtrados. Os sobrenadantes foram, entao, diluídos em água ultrapura (Millipore, USA) na proporçao de 1:20. O método de padronizaçao externa foi realizado com padrao de referência de ácido cítrico (Supelco, Sigma Aldrich) a partir de diluiçoes sucessivas de uma soluçao estoque com análises cromatográficas em triplicata nos pontos 2000, 1000, 800, 600, 400, 200 µg mL-1. Tanto a curva de calibraçao quanto as amostras dos limoes foram analisadas em um cromatógrafo a líquido de alta eficiência com detector de arranjo de diodos (Ultimate 3000 RS, Dionex), em uma coluna analítica Synergi Hydro-RP C18 (150 x 4,6 mm, 4 µm, 80 Å, Phenomenex). As condiçoes cromatográficas foram: modo de eluiçao isocrático com tampao fosfato (fosfato de sódio monobásico e ácido fosfórico, pH=2,6) durante 10 minutos, 25 °C, temperatura de forno, 1,0 mL min-1 de vazao e 10 µL de volume de injeçao. Todas as detecçoes foram realizadas no comprimento de onda de 210 nm.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Utilizando excesso de precursor metálico

Através do método apresentado, foram obtidas soluçoes contendo nanopartículas de ouro, caracterizadas por espectroscopia de absorçao no UV-Vis e microscopia eletrônica de varredura. A Figura 1 ilustra os espectros eletrônicos, onde pode-se observar uma similaridade entre os perfis de absorçao registrados para as nanopartículas de ouro sintetizadas com as quatro variedades distintas de limao. Como pode ser observado na Figura 1, o máximo de absorçao de luz ocorre na regiao verde do espectro visível (~ 520 nm), enquanto luz vermelha (~ 700 nm) é refletida.

 


Figura 1. Espectros de absorçao UV-Vis das nanopartículas sintetizadas com os quatro tipos de limao usando excesso de precursor metálico. Uma fotografia de uma soluçao vermelha de nanopartículas de ouro foi inserida a título de ilustraçao

 

Essa banda de absorçao na regiao de 520 nm indica a formaçao de nanopartículas de ouro devido à excitaçao das vibraçoes de plasma de superfície e é característica de partículas de ouro monodispersas com tamanho entre 5 e 30 nm.52 Este fenômeno é conhecido como localized surface plasmon resonance (LSPR) e pode ser definido como a oscilaçao ressonante de elétrons livres na superfície de uma nanopartícula metálica em resposta ao campo elétrico oscilante da radiaçao eletromagnética.12

Imagens de microscopia eletrônica de varredura foram obtidas para as nanopartículas de ouro sintetizadas com o limao taiti e estao ilustradas na Figura 2. Observou-se uma considerável homogeneidade de forma (quase-esférica) e tamanho (19,9 a 23,4 nm) das partículas sintetizadas quando excesso do precursor metálico foi usado.

 


Figura 2. Imagem MEV-FEG das nanopartículas de ouro sintetizadas com o limao taiti usando excesso de precursor metálico

 

Duas questoes importantes podem ser levantadas nesse momento. A primeira delas é que o ânion citrato presente em quantidades similares (~5% do suco) nos quatro tipos de limao usados neste trabalho deve ser o responsável pela reduçao dos íons Au(III). De fato, apesar de os quatro tipos de limao apresentarem teores diferentes de ácido ascórbico (aproximadamente entre 57,52 e 34,50 mg/100 mL do suco)53 que também possui atividade antioxidante comprovada,54 isso nao afetou na obtençao das nanopartículas metálicas, o que leva à conclusao que o agente redutor deve tratar-se realmente do ácido cítrico. Além disso, como essa rota sintética utilizou uma menor quantidade desse redutor, foram produzidas partículas maiores em relaçao àquelas obtidas usando as duas outras rotas sintéticas (ver a seguir).

Utilizando excesso de redutor

Segundo Kimling et al.,55 altas concentraçoes de citrato estabilizam mais rapidamente nanopartículas de tamanhos menores. Dentro desse contexto, foi entao investigada a influência do aumento na quantidade de extrato de limao no tamanho das partículas formadas. De fato, como ilustram as Figuras 3a-d, a microscopia eletrônica de varredura realizada para as amostras obtidas com as variedades taiti, cravo, siciliano e galego, respectivamente, confirmou a formaçao, nesse caso, de partículas menores (da ordem de 5-10 nm) quando comparadas àquelas obtidas com excesso de precursor metálico (ver Figura 2).

 


Figura 3. Imagem MEV-FEG das AuNPs obtidas com excesso de a) limao taiti; b) limao cravo; c) limao siciliano; d) limao galego

 

Para a amostra obtida a partir de excesso de limao taiti, imagens de microscopia eletrônica de transmissao também foram obtidas e encontram-se ilustradas na Figura 4.

 


Figura 4. Imagens TEM das AuNPs obtidas com excesso de limao taiti

 

Como pode ser visto na Figura 4, o método conduziu a formaçao de partículas com boa homogeneidade de forma e tamanho. Além disso, com uma maior aproximaçao, foi possível observar até mesmo alguns planos cristalográficos do retículo cristalino cúbico de face centrada associados ao ouro metálico.56

Visando calcular o rendimento da síntese bem como comprovar que se tratava de fato de uma condiçao reacional na qual excesso de agente redutor estava presente, análises de ouro foram realizadas via espectrofotometria de absorçao atômica (ContrAA 300 da AnalytikJena). Considerando o fato de que nosso grupo de pesquisa atua na área de Química de Coordenaçao, com ênfase nas Metal-Organic Frameworks (MOFs)57 e a grande dificuldade em separar as nanopartículas da soluçao via centrifugaçao, o material poroso ZIF-858 foi usado com sucesso para esse fim. Desse modo, foi possível determinar a quantidade de íons Au(III) restantes na soluçao (1,75 x 10-6 mol L-1). Sabendo que a quantidade de íons Au(III) presentes originalmente na soluçao de partida era de 1,47 x 10-3 mol L-1, uma eficiência de reduçao de 99,9% foi alcançada, o que confirma de fato que o redutor está em excesso nesse caso.

Portanto, embora o tamanho das nanopartículas esteja mais diretamente relacionado a processos de nucleaçao/crescimento, a quantidade do estabilizante citrato (agente redutor) afetou o tamanho das partículas de ouro, tendo sido formadas partículas menores quando uma maior quantidade de suco foi usada.29

A Figura 5 ilustra os espectros eletrônicos das soluçoes coloidais obtidas a partir da interaçao de íons Au(III) com excesso de redutor preparado a partir das quatro variedades de limao.

 


Figura 5. Espectros de absorçao UV-Vis das nanopartículas sintetizadas com os quatro tipos de limao usando excesso de redutor

 

Como pode ser notado na Figura 5, a presença das nanopartículas metálicas pode ser comprovada pela banda larga cujo máximo de absorçao encontra-se aproximadamente em 518 nm em todos os casos, característico de nanopartículas entre 5 e 10 nm, em concordância com os resultados de microscopia.52 No entanto, quando se analisa os espectros na regiao do UV, alguns deslocamentos referentes ao suco cítrico, presente em maior quantidade nesse caso, sao observadas. Por essa razao, espectros eletrônicos dos extratos foram obtidos e estao apresentados na Figura 6. De fato, os diferentes tipos de limao contêm diversos compostos orgânicos cujos grupos cromóforos absorvem nessa regiao do espectro eletromagnético.59 A Tabela 1 resume os dados espectroscópicos das amostras de limao, antes e após a adiçao do precursor de ouro.

 


Figura 6. Espectros de absorçao UV-Vis dos extratos dos quatro tipos de limao

 

 

 

Usando ouro metálico como precursor

Devido ao alto custo e baixa disponibilidade do precursor metálico utilizado (HAuCl4), desenvolveu-se nessa etapa do trabalho uma metodologia alternativa que envolveu o uso de ouro metálico para a síntese das nanopartículas. Sendo assim, ácido cloroáurico foi produzido (ver Figura 7) a partir da dissoluçao de uma pequena argola de uma corrente fina de ouro por uma mistura de ácidos clorídrico e nítrico. A Figura 7 também mostra o espectro eletrônico das nanopartículas sintetizadas, usando excesso de limao taiti.

 


Figura 7. Espectro de absorçao UV-Vis das nanopartículas sintetizadas a partir de ouro metálico usando excesso de limao taiti

 

Como ilustrado na Figura 7, além das bandas correspondentes a absorçoes dos componentes do limao (201 e 364 nm), pode ser observada uma banda no visível (522 nm), exatamente na mesma regiao onde aparece a absorçao do material preparado com ácido cloroáurico.

Cabe destacar que em todos os experimentos realizados nesse trabalho, o pH foi ajustado para valores entre 6,2 - 8,0. Sabendo que os valores de pKa do ácido cítrico sao, respectivamente, pKa1 = 3,1; pKa2 = 4,5 e pKa3 = 5,8,60 pode-se afirmar que ele está presente no meio reacional na forma do ânion citrato, atuando, portanto, como agente redutor na produçao das nanopartículas vermelhas de ouro metálico. Esse resultado é importante tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental, uma vez que houve uma reduçao considerável no consumo de hidróxido de sódio, tendo sido possível entao a obtençao das AuNPs no pH próximo ao do solvente utilizado (água).

Quantificaçao do ácido cítrico

A avaliaçao da curva analítica foi realizada de acordo com algumas diretrizes da RDC Nº 166/2017 (ANVISA),61 sendo possível assegurar que figuras de mérito como linearidade, seletividade, limite de detecçao (LD = 3S/R), limite de quantificaçao (LOQ = 10S/R) e precisao fossem avaliadas. Para linearidade, a análise da variância (ANOVA) e do coeficiente de correlaçao (R = 0,99) a um nível de significância de 5% permitiram a constataçao da homocedasticidade da regressao. A precisao em nível de repetitividade apresentou porcentagem do coeficiente de variaçao (% CV) inferior a 4 para todas as réplicas da curva analítica.

Na Figura 8, é possível observar os cromatogramas obtidos para os quatro tipos de limao, nos quais pode-se notar uma composiçao muito semelhante entre os metabólitos constituintes dos diferentes limoes, diferindo apenas na intensidade do sinal no tempo de retençao do ácido cítrico (tR= 5,5 min).

 


Figura 8. Cromatogramas referentes aos limoes a) siciliano, b) taiti, c) cravo, d) galego e e) padrao de ácido cítrico

 

Com a regressao linear construída (y = 0,015x + 0,116, em que a variável x é referente à área do pico do ácido cítrico e y é concentraçao), foi possível estimar a concentraçao desse ácido em cada tipo de limao pela área adquirida nos cromatogramas. Portanto, as concentraçoes obtidas de ácido cítrico nos limoes estao indicadas na Tabela 2.

 

 

CONCLUSAO

Pelo fato de nanopartículas de ouro serem úteis para uma gama de aplicaçoes, seria muito importante que fosse desenvolvido um método simples para produzi-las em um curto intervalo de tempo, que fosse de baixo custo e envolvesse preferencialmente substâncias de baixa toxicidade. Sendo assim, o principal resultado desse trabalho foi a utilizaçao com sucesso de um método verde que permitiu a obtençao de partículas de ouro muito pequenas com distribuiçao homogênea que fosse viável econômica e ambientalmente. Sabe-se que para acontecer a formaçao dessas partículas, os valores dos potenciais padrao de reduçao (E°) irao determinar os reagentes necessários para a reaçao. Isso significa que a alteraçao da energia livre (ΔG°) na reaçao deve ser negativa (ou que o ΔE° > 0). Portanto, para que os íons Au3+ sejam reduzidos à Au0 (E° = +1,40 V), torna-se necessário a adiçao de um agente redutor, no caso, o extrato do limao, que apresenta até quase 7% de ácido cítrico (E° = −0,180 V). A utilizaçao dos extratos de qualquer um dos tipos de limao usados (taiti, cravo, siciliano, galego) serviu indistintamente tanto para a reduçao dos íons Au(III) quanto para a estabilizaçao das soluçoes coloidais, evitando a aglomeraçao das partículas metálicas. Os procedimentos desenvolvidos substituíram, entao, o uso de agentes redutores tóxicos por extratos de diferentes tipos de limao, que quando em altas concentraçoes, conduziram à formaçao de partículas muito pequenas da ordem de 5-10 nm. Além disso, as reaçoes sao reprodutíveis, processam-se quase que instantaneamente e ocorrem em valores de pH próximos ao da água, utilizada como solvente (reduzindo, portanto, a quantidade de NaOH necessária para o ajuste da basicidade do meio). A parte final do trabalho consistiu na produçao do precursor ácido cloroáurico a partir da dissoluçao ácida de um pequeno pedaço de ouro metálico. Essa alternativa apresenta a vantagem de tornar a síntese mais acessível, já que a facilidade de acesso ao ouro metálico é muito maior do que ao ácido cloroáurico. Cabe destacar que os principais resultados apresentados nesse artigo poderao servir nao só como subsídios para a obtençao de nanopartículas de ouro em laboratórios de pesquisa de forma rápida, limpa e eficiente, como também para a implantaçao futura de processos industriais visando a produçao em massa desse material.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao doutorando Tiago Varao do Departamento de Química Analítica pelas análises quantitativas de ouro, ao Laboratório de Microscopia Avançada do Instituto de Química de Araraquara - UNESP (LMA-IQ) pela disponibilidade de utilizaçao dos microscópios eletrônicos e ao CNPq, à FAPESP e à CAPES pelo apoio financeiro.

 

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