JBCS



15:10, qui nov 21

Acesso Aberto/TP




Nota Técnica


Lixiviação ácida de baterias íon-lítio
Acidic leaching of li-ion batteries

Rafael Gundim SilvaI; Júlio Carlos AfonsoII,*; Claudio Fernando MahlerI

I. Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
II. Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-596 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 28/11/2017
Aceito em 06/02/2018
Publicado na web em 22/02/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: julio@iq.ufrj.br

RESUMO

This paper describes a route for recovering cobalt and lithium from spent Li-ion batteries via acidic leaching. Sulfuric, hydrochloric, hydrofluoric and formic acids were used as leachants. Hydrogen peroxide was added as reductant, except for formic acid since it is itself a reductant. Experiments were run at 25-40 °C for 1-3 h. Under the best optimal conditions, the leaching efficiency order was HCl ≈ HF > H2SO4 > HCOOH. Over 90 wt.% of cobalt and lithium were leached by the inorganic acids. The insoluble matter corresponds mainly to the carbon from the cathode. Co(II) was extracted with D2EHPA 16 vol.% diluted in n-hexane at pH ~5 (A/O ratio 1/1 vol/vol, one stage, 25 °C). Co(II) striping was possible using a dilute leachant (1-2 mol L-1 HCl or H2SO4, 4-5 mol L-1 HF or HCOOH). Lithium was isolated from the raffinate by precipitation as carbonate or phosphate.

Palavras-chave: lithium-ion battery; metals recovery; solvent extraction; cobalt; lithium.

INTRODUÇAO

As baterias de íon-lítio por apresentarem uma elevada densidade de energia, vida útil longa, massa reduzida, taxa de descarga baixa e menor toxicidade em relaçao a outros tipos de baterias (níquel-cádmio, níquel hidreto metálico), sao hoje muito utilizadas em telefones celulares, câmeras fotográficas e outros equipamentos eletroeletrônicos (EEE) portáteis.1,2 O desenvolvimento de novas versoes tecnológicas desses equipamentos e a maior facilidade de acesso dos mesmos a mais camadas da populaçao levam a uma inevitável elevaçao da produçao e do consumo de EEE e, consequentemente, de suas baterias. Mais de 60% do mercado da energia potátil é hoje preenchido por baterias de íon-lítio.3-6 Suas características o colocam na dianteira do desenvolvimento de veículos híbridos e elétricos.6-8

Essas baterias apresentam em sua composiçao um ânodo, um cátodo, coletores de corrente, um separador, um eletrólito, um invólucro externo e peças de vedaçao. O ânodo é composto de grafite, lítio, carbono e fluoreto de polivinilideno (PVDF), que fixa os demais componentes ao coletor de corrente, que é uma lâmina de cobre; o eletrólito é tipicamente hexafluorfosfato de lítio (LiPF6) em solvente orgânico, normalmente carbonato de etileno (CE), carbonato de dietila (DEC), carbonato de dimetila (DMC) ou misturas deles. O separador é feito de polipropileno (PP) ou polietileno (PE). O cátodo é feito de carbono (grafita), um óxido misto contendo lítio e cobalto (como o LiCoO2, que detém ~40% do mercado6) e PVDF, que fixa os componentes ao coletor de corrente do cátodo, que é uma lâmina de alumínio. Hoje, cerca de 25% do cobalto produzido no mundo se destina à manufatura de baterias.8 A expansao do mercado de EEE portáteis pressiona o preço desse metal nos mercados internacionais.9,10 Além disso, devido a problemas relacionados à disponibilidade de cobalto (as principais fontes primárias se localizam em regioes de forte instabilidade geopolítica) e ainda para permitir uma operçao mais segura em temperaturas mais elevadas que a ambiente, parte desse elemento no óxido misto do catodo vem sendo substituída por outros metais mais baratos (níquel, ferro, manganês).6,8,11,12

Em contrapartida ao consumo crescente, grandes quantidades de resíduos de EEE vêm sendo produzidas devido à obsolescência (perceptiva e programada). Segundo a GSMA (Group Managed Service Accounts) da UNU (United Nations University),13 aproximadamente 189 mil t de telefones celulares foram descartados em todo o mundo em 2014, dos quais cerca de 17 mil t na América Latina. O total de lixo eletrônico produzido em 2014 no mundo foi de 3.904 mil t. Isto significa que a fraçao correspondente a telefones celulares representa menos de 5% da massa total do lixo eletrônico produzido em todo o mundo. Apesar disso, as baterias presentes nesses aparelhos sao um sério problema ambiental se descartadas de forma inadequada, pois apresentam concentraçoes elevadas de metais perigosos além de eletrólitos.13 Por outro lado, tais baterias contêm teores consideráveis de metais de alto valor agregado (lítio, cobalto e mesmo outros como cobre, níquel e manganês), frequentemente superando aqueles existentes em fontes primárias.1,6-8,12

A reciclagem de baterias de íon-lítio é uma soluçao tanto para eliminar os riscos ambientais decorrentes de seu descarte inadequado como para recuperar seus componentes de valor agregado. Porém, as rotas de processamento desenvolvidas até o presente momento possuem entraves como elevado consumo energético, emprego de reagentes tóxicos e/ou corrosivos, geraçao de grande quantidade de resíduos finais e recuperaçao apenas moderada de metais como cobalto e lítio.1,2,9,14-16

A maior parte dos processos descritos na literatura envolve lixiviaçao dos componentes eletroativos (catodo, anodo e eletrólito) por um meio ácido contendo um agente redutor para permitir a reduçao de Co(III) a Co(II), estável e solúvel em meio aquoso ácido. O meio ácido normalmente é inorgânico forte (principalmente H2SO4),7,8,17,18 mas ácidos orgânicos vem sendo igualmente testados por suas propriedades complexantes em um meio menos corrosivo.7,11,16 O redutor é, frequentemente, H2O2. Outros redutores como sulfitos, ozônio e carboidratos também vêm sendo testados.7,16

Aparentemente nao há mençao ao uso de ácido fluorídrico. O íon fluoreto é uma base muito forte e forma complexos muito estáveis com cátions contendo configuraçoes de gás nobre (os ácidos duros) como Al3+ e Fe3+.19,20 Esse ânion também pode precipitar certos cátions (como Li+, Mg2+ e Ca2+) que nao sao normalmente precipitados pelos ácidos usuais. Essas propriedades sao relevantes na medida em que a etapa de separaçao dos elementos lixiviados é impactada. Esse ácido já foi testado com sucesso no processamento hidrometalúrgico de catalisadores e pilhas Zn-MnO2.21-23

Ao contrário de diversos ácidos carboxílicos usados como complexantes (cítrico, málico, succínico, tartárico, oxálico),2,16 o ácido fórmico parece nao ter sido testado. Tal como o ácido oxálico, o mais simples dos ácidos monocarboxílicos alifáticos é um poderoso agente redutor, mas nao precipita íons metálicos como no caso do oxalato.19,20 Dessa forma, esse ácido pode desempenhar um duplo papel, como lixiviante e redutor.23 Sua decomposiçao em presença de ar ou oxidantes (CO2 + H2O) nao produz resíduos. Ele já foi reconhecido como um reagente versátil e renovável para sínteses e processos químicos.24

O cobalto é frequentemente isolado por precipitaçao, por exemplo, como oxalato (CoC2O4), eletrodeposiçao ou extraçao líquido-líquido.10,16,17 Dada a possibilidade da presença de manganês e/ou níquel no óxido misto com lítio, esta última técnica se revela particularmente eficaz. O ácido bis-2-etil-hexilfosfórico (D2EHPA) serve para separar manganês de cobalto em pH ~3.5 em meio de ácido sulfúrico.10 Este mesmo extratante pode separar cobalto de níquel em meio sulfúrico ou clorídrico de menor acidez.25 PC88A (hidrogeno 2-etil-hexilfosfonato de 2-etil-hexila) e Cyanex 272 (ácido bis-2,4,4-trimetilpentilfosfínico) sao também usados para isolamento do cobalto em meio ácido (clorídrico/sulfúrico).10,12

Neste trabalho foi investigada a eficiência da utilizaçao de meio ácido fraco (fluorídrico, fórmico) comparado a um de ácido forte (sulfúrico, clorídrico) na presença de um agente redutor (peróxido de hidrogênio, exceto no caso do ácido fórmico, pois ele também é agente redutor) no processamento dos componentes eletroativos (catodo, anodo e eletrólito) de baterias íon-lítio oriundas de aparelhos celulares, sob condiçoes experimentais brandas. O emprego de ácidos fracos (mas com propriedades complexantes ou redutoras) é uma novidade em relaçao aos processos relatados na literatura, normalmente baseados em ácidos inorgânicos fortes. O lixiviado, após separaçao do resíduo insolúvel, foi submetido a procedimento de extraçao líquido-líquido para a recuperaçao do cobalto e de precipitaçao para o lítio.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais

Foram utilizadas neste estudo 50 baterias de íon-lítio empregadas em telefones celulares de três fabricantes distintos, produzidos entre 2010 e 2014. As baterias foram descarregadas e colocadas em uma câmara de refrigeraçao a 5 °C. Após esse procedimento, as baterias foram abertas manualmente em uma capela sob exaustao. A blindagem de aço foi retirada e colocada em sistema de vácuo por 20 min para remoçao e condensaçao do solvente nao aquoso presente. Após esse procedimento, procedeu-se à separaçao do catodo e do anodo das lâminas, realizada por vibraçao mecânica e raspagem cuidadosa do pó. As massas dos componentes eletroativos combinados (catodo, anodo e eletrólito) foram determinadas por meio de uma balança analítica. A Figura 1 ilustra a massa de componentes eletroativos após eliminaçao do solvente e separaçao manual.

 


Figura 1. Componentes eletroativos isolados após eliminaçao do solvente nao aquoso e raspagem manual

 

Lixiviaçao ácida

Os procedimentos foram realizados em batelada em béqueres de teflon providos de agitador magnético. A razao volume de soluçao/massa de componentes eletroativos (mL g-1) foi fixada em 10. As lixiviaçoes foram realizadas com um dos ácidos a seguir: H2SO4, (49% m/m, ~9 mol L-1) HCl (37% m/m, ~12 mol L-1), HF (40% m/m, ~20 mol L-1) e HCOOH (88% m/m, ~20 mol L-1), todos proanalisi, e usados sem purificaçao adicional. Os ácidos foram diluídos com igual volume de H2O2 30% m/m (~10 mol L-1). No caso do ácido fórmico, também agente redutor, a diluiçao foi feita com água destilada. O manuseio dos ácidos (especialmente HF) e do H2O2 foi realizado usando equipamentos de proteçao pessoal adequados em uma capela com exaustao.

A temperatura inicial foi 25 °C. Após a adiçao da massa de componentes eletroativos, a temperatura aumentou 10-15 °C após cerca de 1 h na presença de H2O2. A temperatura diminuiu para 28-30 °C ao final dos experimentos. Nenhum efeito térmico foi observado quando o ácido fórmico foi o lixiviante. Nesse caso, seus experimentos foram paulatinamente aquecidos em placa agitadora-aquecedora durante 1 h até ~ 40 °C, após o que a temperatura foi reduzida gradativamente para ~30 °C ao final da experiência.

As seguintes equaçoes descrevem as reaçoes propostas envolvendo o cobalto e o lítio, com valores de ΔG0 a 30 °C (303 K):26

Todos os valores de ΔG0 sao negativos. Segue-se que as reaçoes ocorrem com elevada probabilidade na direçao dos produtos previstos na faixa de temperatura deste trabalho. As reaçoes 2, 3 e 5 já foram constatadas em diversos trabalhos da literatura.2,3,7,18

O tempo da reaçao foi variado (1-3 h). A agitaçao foi fixada em 200 rpm. A massa insolúvel foi separada do lixiviado por filtraçao sob vácuo. Depois de lavada com água destilada até teste negativo para Co(II)19,20 (10 mL g-1), ela foi seca em estufa a 150 °C por 3 h, resfriada em dessecador, pesada em balança analítica e calcinada em mufla sob fluxo de ar a 600 °C por 5 h para eliminaçao de carbono e demais componentes voláteis. A cinza foi resfriada na própria mufla e depois pesada. A reprodutibilidade da lixiviaçao foi determinada como sendo cerca de ± 4%.

Procedimentos para extraçao líquido-líquido do Co(II)

Todos os experimentos foram conduzidos (em triplicata) a 25 °C. A razao entre as fases aquosa (lixiviado) e orgânica (A/O) foi estabelecida em 1 vol/vol. Acido bis-2-etil-hexilfosfórico (D2EHPA) foi empregado como extratante para Co(II). A concentraçao variou de 3 a 25% vol. e o diluente foi o n-hexano. O pH do lixiviado foi ajustado mediante adiçao de NaOH 6 mol L-1. O sistema foi agitado por 10 min e depois deixado em repouso para a separaçao das fases. Um aspecto da fase orgânica após a extraçao do cobalto é visto na Figura 2. A forte coloraçao azul da fase orgânica facilita o controle visual e o andamento da extraçao do Co(II).

 


Figura 2. Extraçao do Co(II) por D2EHPA 6% vol. em querosene. A cor azul corresponde a íons Co2+ sem água em sua esfera de coordenaçao

 

A eficiência da extraçao pode ser calculada com base na concentraçao de Co(II) no lixiviado e no rafinado (supondo que nao haja contraçao ou expansao dessa fase líquida), conforme a equaçao (6):

em que E é a eficiência de lixiviaçao, C1 é a concentraçao do metal no lixiviado, e C2 é a concentraçao do metal no rafinado.27

A remoçao do cobalto da fase orgânica foi ensaiada com o mesmo ácido da lixívia correspondente em concentraçoes variadas. As condiçoes experimentais foram as mesmas aplicadas ao processo de extraçao do metal do lixiviado.

Isolamento do lítio

Ao rafinado, incolor, ajustou-se o pH em ~7 mediante adiçao de soluçao de NaOH 6 mol L-1. Formou-se um precipitado gelatinoso esverdeado, que foi filtrado sob vácuo. Ao filtrado foi adicionada uma soluçao de um ânion precipitante do cátion Li+: Na2CO3 (3 mol L-1) ou K3PO4 (1 mol L-1). A adiçao foi feita gota a gota, sob agitaçao (200 rpm), à temperatura ambiente (K3PO4) ou a temperaturas próximas de 100 °C (Na2CO3), pois a solubilidade do sal Li2CO3 em água é mínima em temperaturas mais elevadas.19,27,28

Os precipitados foram filtrados e lavados com soluçao diluída de carbonato de amônio (0.01 mol L-1) ou fosfato de amônio (0.05 moL L-1), secos a 150 °C por 3 h e pesados.

Métodos analíticos

As medidas de pH foram feitas com um eletrodo de vidro combinado a um eletrodo de referência Ag/AgCl (Orion 2AI3-JG). Os metais em soluçao foram analisados por absorçao atômica (Perkin Elmer AAS 3300). A técnica de fluorescência de raios-X (FRX) foi empregada no caso de amostras sólidas (RIGAKU K-1800, 20 mA e 40 kV). Curvas de calibraçao foram estabelecidas para cobre, níquel, alumínio, fósforo, cobalto e lítio, onde as concentraçoes das soluçoes-padrao variaram de 0,1 a 10 g L-1.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Composiçao das baterias

A Tabela 1 apresenta a composiçao media das baterias de íon-lítio estudadas. A massa eletroativa (anodo, catodo e eletrólito) corresponde a 40% da massa total da bateria. Os dados de FRX dessa massa assinalam a presença de cobalto (40%) e lítio (12%) como os metais mais abundantes. Isso fornece um teor médio de 16% m/m de cobalto e 4.8% m/m de lítio nas baterias em estudo. Outros elementos, identificados em pequenas quantidades, foram alumínio, cobre (ambos decorrentes da esfoliaçao das lâminas), cálcio, níquel e fósforo; este último sugere que o eletrólito é o hexafluorofosfato de lítio (LiPF6). O solvente nao aquoso condensado após remoçao a vácuo representa aproximadamente 4,5% m/m da composiçao da pilha. Os dados de composiçao apresentados estao de acordo com os valores relatados na literatura.10,16,28,29

 

 

Comportamento da lixiviaçao em presença de ácidos fortes e fracos

Os dados da Tabela 2 indicam que os ácidos fluorídrico e clorídrico apresentaram eficiências similares, enquanto os resultados com o ácido sulfúrico foram superiores aos obtidos com ácido fórmico. Para todos eles, o aumento do tempo teve um efeito positivo na lixiviaçao até 3 h. A lixiviaçao dos componentes eletroativos das baterias de íon-lítio atingiu o equilíbrio em tempo comparável aos estudos com as pilhas Zn-MnO2.13

 

 

Os ácidos apresentaram o seguinte desempenho para a lixiviaçao do cobalto e do lítio: HCl ≈ HF > H2SO4 > HCOOH. O desempenho dos ácidos fortes é comparável aos dados da literatura9,10,16 em condiçoes experimentais similares àquelas deste trabalho. Quanto aos ácidos fracos, o fluorídrico teve eficiência comparável ao HCl quanto à lixiviaçao dos dois elementos. Porém, há uma ressalva no caso do lítio. O percentual alto de lixiviaçao desse metal nos lixiviados em presença de HF deve ser atribuído à solubilidade do LiF em presença de excesso de HF devido à formaçao do composto LiHF2.19,20 O ácido fórmico, apesar de seu caráter redutor, foi o de pior desempenho entre todos.

A Tabela 3 apresenta as concentraçoes relativas das espécies lixiviadas (após adiçao das águas de lavagem ao lixiviado). As soluçoes têm cor avermelhada devido ao íon [Co(H2O)6]2+, exceto no caso do ácido fórmico, cuja cor é azul devido ao íon Co2+.30 Afora cobalto e lítio, os outros elementos identificados sao alumínio, níquel, cálcio e cobre (< 1 g L-1). Isso explica o precipitado formado quando se ajusta o pH antes da precipitaçao do lítio. As concentraçoes mostradas na Tabela 3 variaram principalmente em funçao do rendimento da lixiviaçao, pois a quantidade de água usada na lavagem foi muito parecida em todos os casos. A presença do níquel sugere uma substituiçao parcial do cobalto por este elemento no óxido duplo com lítio.6,8,11,12,16

 

 

Análise do resíduo insolúvel da lixiviaçao

A quantidade de resíduo insolúvel (Tabela 4) aumentou na ordem: HCl < H2SO4 < HF < HCOOH. Se levarmos em conta que o carbono seria o resíduo insolúvel esperado caso os metais fossem totalmente lixiviados (~310 mg g-1), os pequenos aumentos verificados para os ácidos fortes e o fluorídrico decorrem da presença de cobalto e lítio nao lixiviados. Isso se verifica de forma mais intensa para o ácido fórmico por conta de sua menor eficiência de lixiviaçao (Tabela 2).

 

 

Após calcinaçao, resultou uma cinza de cor azul decorrente da presença de cobalto. Tal como esperado, a massa de cinza aumentou na ordem HCl < H2SO4 < HF < HCOOH. A massa perdida se situou em 320 ± 10 mg, o que concorda com a massa de carbono presente na massa de componentes eletroativos processada (Tabela 1).

Extraçao líquido-líquido do cobalto

A Figura 3 apresenta as curvas de extraçao do Co(II) por D2EHPA em funçao do pH do lixiviado. A acidez tem papel marcante na extraçao do Co(II) por esse extratante. A fase orgânica somente começou a ficar azul (Figura 2) em pH a partir de 4. Mais de 99.5 % m/m do elemento foi extraído a partir de pH 5. O Ni(II) praticamente nao foi extraído (< 0.5 %); de fato, a ordem de extraçao preferencial do Co(II) sobre Ni(II) é conhecida na literatura.10,25 Os traços de Cu(II) existentes nos lixiviados também foram extraídos juntamente com o cobalto. Assim, esse elemento pode se constituir num interferente caso presente no lixiviado em concentraçoes consideráveis. Isso pode exigir uma etapa prévia de remoçao deste elemento por extraçao por extratantes do tipo oxima, altamente seletivos para Cu(II) em meio mais ácido31-33 do que para a extraçao do Co(II).

 


Figura 3. Influência do pH do lixiviado na extraçao do Co(II) por D2EHPA 16% vol. em n-hexano (25 °C, A/O = 1 v/v, um estágio)

 

A extraçao do Co(II) segue a reaçao:34

Uma soluçao de D2EHPA 16% vol. em n-hexano foi suficiente para realizaçao da extraçao em um único estágio (Figura 4). Um resultado decorrente da reaçao 9 é o aumento da acidez do rafinado. Os dados experimentais indicam uma acidez mais elevada (pH ~4) em relaçao àquela do lixiviado quando o pH foi ajustado para ~5.

 


Figura 4. Influência da concentraçao de D2EHPA em n-hexano na extraçao do Co(II) em pH 5 (25 °C, A/O = 1 v/v)

 

A remoçao do cobalto da fase orgânica foi conduzida com soluçao diluída do ácido do lixiviante (Figura 5). Co(II) foi facilmente removido (> 99.5 %) em um estágio, sendo que os ácidos fortes exigiram concentraçoes mais baixas (1-2 mol L-1) do que os ácidos fracos (4-5 mol L-1). Concentraçoes mais elevadas devem ser evitadas para que nao ocorra emulsificaçao.

 


Figura 5. Exemplo da influência da natureza do ácido de reextraçao (forte/fraco) na remoçao do Co(II) da fase orgânica (A/O = 1 v/v, 25 °C, um estágio)

 

Precipitaçao do lítio

A Tabela 5 apresenta os dados comparativos aos dois métodos de precipitaçao testados. A base foi a determinaçao do lítio remanescente em soluçao, confrontando os resultados com a concentraçao nos lixiviados de origem (Tabela 3). Independentemente do ácido usado na lixívia, a precipitaçao do lítio como fosfato é mais efetiva por conta de sua menor solubilidade molar em relaçao ao carbonato. Mesmo este precipitado a ~100 °C teve uma recuperaçao de lítio inferior à do fosfato à temperatura do laboratório, apesar da lixiviaçao desse metal alcalino ter variado com o ácido (Tabelas 2 e 3). De qualquer modo, os rendimentos verificados sao bastante elevados; a vantagem de isolar o lítio como carbonato reside na labilidade deste, sendo facilmente convertido em outros sais por simples adiçao do ácido correspondente, sendo o carbonato eliminado como CO2.19,30 Os dados de FRX mostram, como esperado, que o cálcio é o principal contaminante (0.2 % m/m, visto que este elemento também precipita como carbonato ou fosfato.

 

 

A soluçao final contém, basicamente, o sal de sódio do ácido lixiviante. Mediante ajuste do pH correspondente à soluçao saturada do sal (NaCl, Na2SO4, HCOONa ou NaF), seguido de evaporaçao lenta, é possível isolar tais sais com pureza elevada,23 reduzindo com isso a geraçao de resíduos finais.

 

CONCLUSOES

A lixiviaçao de lítio e de cobalto de baterias de íon-lítio em meio de ácido fluorídrico mostrou desempenho comparável aos dos ácidos fortes tradicionalmente estudados na literatura (HCl e H2SO4), mas o ácido fórmico, apesar de seu caráter redutor, teve rendimento cerca de 15% inferior aos dos demais ácidos. O H2O2 é essencial para a boa conduçao do processo, sendo um melhor redutor do Co(III) do que o ácido fórmico. A fraçao insolúvel após as lixiviaçoes é majoritariamente composta por carbono (grafita) oriunda do catodo das baterias e dos metais nao lixiviados.

A extraçâo do Co(II) por D2EHPA é possível em pH fracamente ácido (~5) sem interferência do níquel e do lítio, mas o cobre pode se constituir num elemento interferente caso presente no lixiviado em concentraçoes consideráveis. A precipitaçao do lítio se mostrou mais efeitva e com menor consumo energético na forma de fosfato, embora o carbonato seja um sal mais versátil como ponto de partida para a produçao de outros compostos de lítio. Um pré-requisito para uma boa separaçao do lítio é o ajuste do pH de modo a remover metais como níquel e alumínio antes de sua precipitaçao.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, à CAPES e à FAPERJ pelo apoio financeiro. Ao Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) pelas análises de difraçao de raios-X. Ao Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) pelas análises de fluorescência de raios-X.

 

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