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Revisão


Os lantanídeos nas redes metalorgânicas: uma nova classe de materiais porosos
Lanthanoids in the metal-organic frameworks: a new class of porous materials

Ayla R. B. S. GalaçoI; Juliana F. LimaII; Osvaldo A. SerraI,III,*

I. Departamento de Química, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Av. Bandeirantes, 3900, 14040-901 Ribeirão Preto - SP, Brasil
II. Departamento de Química Geral e Inorgânica, Instituto de Química, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, 20550-900 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
III. Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, Av. dos Estados, 5001, 09210-580 Santo André - SP, Brasil

Recebido em 01/02/2018
Aceito em 21/02/2018
Publicado na web em 21/03/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: osaserra@usp.br

RESUMO

Lanthanoid organic frameworks (LOFs) stand out as an important class of functional materials. The possibility to employ a great range of metals and ligands lead to the formation of varied and highly porous structures, with diverse applications. The presence of lanthanoid ions favours the improvement of the optical, magnetic and redox properties of MOFs. This review aims to demonstrate the state of the art of LOFs, emphasizing the chemical properties of trivalent lanthanoid ions and the carboxylic based-ligands used in their construction, as well as the main characterization methods and outstanding applications as gas storage, permanent magnets, catalysis, luminescence, drug delivery and so on.

Palavras-chave: rare earths; MOFs; LOFs; lanthanoids; multifunctional materials.

INTRODUÇAO

Introduçao às redes metalorgânicas (MOFs)

Os polímeros de coordenaçao, conhecidos hoje como MOFs (do termo em inglês metal-organic frameworks), sao sistemas formados por unidades primárias de construçao, as quais sao constituídas por íons metálicos e os ligantes orgânicos polidentados que interagem por meio de ligaçoes de coordenaçao.1,2 A descoberta dos primeiros compostos denominados à época como "polímeros de coordenaçao" foi atribuída a Tomic, que em 1965 publicou o primeiro trabalho sobre este novo tipo de material.3 Os compostos sintetizados eram constituídos por ácidos carboxílicos aromáticos e íons metálicos, tais como zinco, ferro e níquel, os quais apresentavam como principal característica elevada estabilidade térmica. No mesmo ano, Biondi e seus colaboradores relataram o composto tricianometaneto de cobre(II), tendo-o classificado como material polimérico cristalino.4

A pesquisa sobre polímeros de coordenaçao começou a aumentar consideravelmente a partir do início dos anos 90. Até meados dessa década a investigaçao e desenvolvimento eram centrados principalmente em dois tipos de materiais porosos, as zeólitas (sólidos porosos inorgânicos) e os carvoes ativados. Estes novos materiais porosos, as MOFs, termo inicialmente cunhado por Yaghi5 em 1995, têm atraído atençao tanto no campo da pesquisa acadêmica quanto no tecnológico devido suas aplicaçoes em armazenamento de gases, separaçao, imas permanentes, luminescência, catálise heterogênea, sensores químicos, drug-delivery, imagem biomédica, entre outros.6-9

Os materiais porosos possuem grande área superficial que os tornam capazes de adsorverem pequenas moléculas ou íons em seu interior. Eles apresentam como os clássicos materiais porosos (ex. carbono ativado, sílica-gel, zeólitas e sílicas mesoporosas), características relevantes como tamanho uniforme do poro e grande área superficial interna.

O volume de trabalhos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais na área que envolve o desenvolvimento de novas redes metalorgânicas, polímeros de coordenaçao ou MOFs têm sofrido um crescimento exponencial, como apresentado na Figura 1. Isso se deve à versatilidade dos materiais sintetizados a partir da vasta gama de metais e ligantes disponíveis. As MOFs fazem parte de uma das classes de materiais recentes da química supramolecular e a grande motivaçao dos grupos de investigaçao deste tema é o desenvolvimento de novas estruturas que possuam características específicas que lhes permitam, por sua vez, ter uma ampla gama de aplicabilidade.

 


Figura 1. Número de publicaçoes científicas com o termo "metal-organic frameworks" presentes em "tópicos" até 2015. Construído a partir da ISI Web of Science

 

A síntese das MOFs acontece por um processo de automontagem,10 que pode ser pensado como um "jogo de construçao", evidenciado na Figura 2. A maior dificuldade consiste na escolha dos espaçadores, que devem ser produtos facilmente sintetizados e que possuam afinidade química com o metal escolhido. A síntese deve ser realizada em condiçoes suaves para manter a funcionalidade e conformaçao dos ligantes orgânicos, mas em condiçoes reativas o bastante para promover as ligaçoes metal-ligante e ligante-ligante.

 


Figura 2. Ilustraçao do processo de formaçao dos polímeros de coordenaçao, conhecidos como MOFs

 

As MOFs, estruturas supramoleculares, podem se apresentar em uma (1D), duas (2D) ou três (3D) dimensoes. O número de coordenaçao, que varia de acordo com o metal, pode controlar a geometria da estrutura. Os ligantes sao comumente polidentados, os quais possuem átomos doadores de elevada densidade eletrônica, como oxigênio e nitrogênio, provenientes de carboxilatos, piridinas e imidazóis, em sua grande maioria. Estes ligantes podem ter grande variedade de forma, rigidez, tamanho e números de átomos doadores. De acordo com o tamanho do ligante é possível controlar o tamanho dos poros. Além disso, a geometria do componente orgânico pode influenciar a topologia do composto: ligantes alifáticos flexíveis produzem estruturas mais densas,11-15 enquanto que espécies rígidas ou conjugadas podem promover topologias mais abertas e robustas.16-20

Ao contrário das MOFs com metais de transiçao, em que a geometria da estrutura é primeiramente dependente da configuraçao eletrônica, os lantanídeos (Ln) com suas orbitais-f blindadas agem como ácidos duros, fazendo com que o tamanho do cátion seja o principal fator na coordenaçao. Os lantanídeos possuem elevados números de coordenaçao (6 a 12) e geometrias flexíveis, o que torna a reproduçao destes materiais extremamente complicada, visto que na maioria dos casos obtém-se uma mistura de estruturas químicas ligeiramente diferentes. Além disso, produzir materiais porosos é um desafio, pois os valores da entalpia sempre serao a favor de um material mais denso. As fracas interaçoes facilitam a remoçao das espécies contidas nas redes sem ruptura da estrutura. Assim, a formaçao de sólidos porosos com centros ácidos (Lewis) pode ser utilizada para catálise.

Em 1999, Yaghi21 reportou a síntese da primeira LOF (Lanthanoid Organic Frameworks), contendo íons Tb3+ e o ligante benzeno-1,4-dicarboxilato (bdc2-), {[Tb(bdc)(NO3)]·2dmf}n. De acordo com os dados obtidos por difraçao de raios X de monocristal (SDRX), os íons Tb3+ estao ligados aos átomos de oxigênio provenientes dos grupos carboxilatos do ligante, resultando em uma rede polimérica 3-D e conferindo estabilidade térmica até 450 °C, como visto na Figura 3. Ao ser colocado em água obtêm-se de forma irreversível outro material, o [Tb2(H2O)4(bdc)3]n, que possui uma estrutura estendida 1D.19

 


Figura 3. Esquema da formaçao de LOFs contendo o ligante bdc2- e sua modificaçao em presença de água (3-D → 1-D). Adaptaçao das referências 18 e 21

 

Em 1885, nas praias de Prado-BA, as Terras Raras (TR) começaram a ser exploradas. Até 1896, a retirada era gratuita, com o pretexto de ser usada como lastro dos navios, que nao poderiam voltar vazios à Europa ou aos Estados Unidos.22 De acordo com Serra, a pesquisa em TR nas universidades brasileiras está dispersa pelo território nacional. A maior parte dos trabalhos publicados, na área de química, concentram-se em materiais luminescentes e magnéticos. Na Figura 4 é possível observar uma visao geral da distribuiçao da produçao científica da última década no campo de luminescência de lantanídeos em diferentes estados e cidades do Brasil.23,24

 


Figura 4. Distribuiçao da produçao cientifica (235 publicaçoes) no campo de luminescência de lantanídeos na década (2005-2014) em diferentes regioes do Brasil. Adaptado da referência 23

 

O primeiro passo no planejamento da síntese das LOFs refere-se à escolha do ligante a ser utilizado. Estes devem, preferencialmente, serem rígidos e direcionais. Além disso devem satisfazer a natureza oxofílica dos lantanídeos. De acordo com Pagis,25 observou-se que em variados casos, aumentando o número de anéis aromáticos no ligante há também um aumento da estabilidade térmica da rede porosa formada.

Nas sínteses de LOFs, o sal do lantanídeo (ou óxido) e o ligante carboxilado sao combinados na estequiometria desejada. As reaçoes normalmente acontecem acima de 120 °C quando os ácidos se tornam fracamente solúveis. Em alguns casos, uma base é necessária para desprotonar o ligante, parcial ou totalmente. O processo ocorre principalmente em água, solventes apróticos polares (dmf, def ou dmso) ou em suas misturas.26-28

 

PROPRIEDADES DOS IONS LANTANIDEOS TRIVALENTES

Embora os 15 elementos que compoem os lantanídeos (La-Lu) sejam quimicamente semelhantes, estes mostram grande diferença quanto às propriedades ópticas, magnéticas ou de oxirreduçao, o que lhes conferem uma vasta aplicaçao, as quais vao de luminóforos,29,30 imas permanentes31,32 à catálise automotiva.33,34 A formaçao do íon trivalente (Ln3+) é majoritária para os lantanídeos e esta característica tem forte influência nas aplicaçoes destes. Os átomos dos elementos lantanídeos possuem configuraçao [Xe]4fn5d16s2 (n= 0(La), 1(Ce), 7(Gd) e 14(Lu)) e [Xe]4fn6s2 (n= 3(Pr), 4(Nd), 5(Pm), 6(Sm), 7(Eu), 9(Tb), 10(Dy), 11(Ho), 12(Er), 13(Tm) e 14(Yb)). Seus íons mais estáveis apresentam-se como Ln3+ e configuraçoes eletrônicas [Xe] 4fn (n =0 - 14), tendo as orbitais 4f progressivamente preenchidas do La3+ (4f0) ao Lu3+ (4f14).24,26,35-37 Estas configuraçoes eletrônicas devido repulsao intereletrônica, acoplamento spin-orbita e efeito do ambiente geram termos, níveis e subníveis de energia. O espaçamento entre os termos é da ordem de 2.104 cm-1, entre os níveis da ordem de 103 cm-1 e entre os subníveis da ordem de 102 cm-1.35,38,39

As orbitais mais internas 4f e seus elétrons encontram-se protegidos do ambiente químico externo pelas orbitais preenchidas e radialmente mais externas - 5s2 e 5p6. As configuraçoes fn, originam grandes números de estados energéticos, por exemplo no caso do Eu3+ (configuraçao 4f6), o número de termos é 119, de níveis 2S+1LJ 295 e o de subníveis chega a 3003. Comparando-se com as configuraçoes dn o número máximo de subníveis (d5) é 252. Para os termos oriundos dos pares 4fn e 4f14-n, os termos e a ordem de energias sao os mesmos, o que se altera é a ordem e os valores das energias dos níveis 2S+1LJ. Os íons lantanídeos se apresentam ao ambiente externo como esferas de carga +3 e pequenas diferenças de raios (La3+ = 1,03 Å a Lu3+ = 0,86 Å para NC = 6), nao apresentando preferências direcionais em suas ligaçoes. Devido a estas características, ocorre similaridade frente às propriedades químicas e pequeno grau de covalência de suas ligaçoes químicas; já algumas características estruturais sao derivadas da contraçao dos lantanídeos,24,39 fenômeno este que consiste na diminuiçao progressiva dos raios atômicos e iônicos com o aumento do número atômico. A contraçao dos lantanídeos ocorre fundamentalmente devido à fraca blindagem dos elétrons 4f, resultando em um aumento da carga nuclear efetiva com o aumento do número atômico37,40,41

Os lantanídeos, em compostos como as LOFs, atuam como centros coordenantes grandes, uma vez que apresentam elevados raios iônicos, favorecendo números de coordenaçao altos (NC = 6 a 12). Nota-se, ainda, uma tendência a diminuiçao dos números de coordenaçao do La ao Lu devido à contraçao dos lantanídeos. Pearson classificou os íons lantanídeos como ácidos duros e por este motivo, ligantes contendo espécies duras sao usualmente empregados37,42 A construçao de LOFs pode ser facilitada pela escolha de ligantes contendo oxigênio e nitrogênio como pontos coordenantes. As interaçoes entre os íons metálicos e os ligantes ocorrem, neste caso, através de ligaçoes iônicas ou do tipo íon-dipolo.24 A alta labilidade destes compostos e o baixo grau de covalência das ligaçoes sao também atribuídas à baixa interaçao dos elétrons das orbitais 4f com o ambiente químico, conforme citado anteriormente, e ao caráter nao direcional destas orbitais com relaçao à geometria. A Tabela 1 exemplifica algumas LOFs, destacando os ligantes e íons empregados, assim como o número de coordenaçao.

 

 

Dentre as propriedades físicas conferidas à materiais e advindas dos lantanídeos, destacam-se as propriedades magnéticas e espectroscópicas.40,50 O forte magnetismo exibido pelos metais e compostos de lantanídeos é originado dos elétrons desemparelhados localizados nas orbitais 4f. Os elétrons desemparelhados possuem momento angular total (J) proveniente da interaçao entre os momentos orbital (L) e spin (S) resultando em apreciável momento magnético (µ). Os efeitos magnéticos dos diferentes elétrons nao se anulam como em subcamadas completas, tendo como consequência o interessante comportamento magnético dos lantanídeos. Com exceçao do La3+e Lu3+, todos os íons lantanídeos trivalentes contem elétrons desemparelhados e sao paramagnéticos. Suas propriedades magnéticas sao completamente determinadas pelo estado fundamental (acoplamento spin-órbita 2S+1LJ). O forte acoplamento spin-órbita faz com que o estado fundamental se encontre bem separado do estado excitado. Os estados excitados sao termicamente inacessíveis, exceto para Sm3+ e Eu3+, nos quais os estados excitados de menor energia 6H7/2 e 7F1, 7F2 respectivamente, contribuem para o momento magnético a temperatura ambiente.37 Os momentos magnéticos dos lantanídeos, devido as orbitais 4f, sao essencialmente independentes do ambiente, possuindo quase sempre valores próximos ao dos íons livres. Desta forma, nao se pode distinguir entre as geometrias de coordenaçao, como às vezes é possível para os metais de transiçao, em que as orbitais d sao fortemente influenciadas pelo ambiente. Recentemente Fang et al. observaram um pequeno acoplamento ferromagnético entre íons de Gd3+ no composto [Gd(H2O)(nda)1,5(phen)]n (nda = 2,6 naftalenodicarboxilato, phen = fenantrolina) à temperatura de 2K.51

Os íons lantanídeos, com exceçao do La3+(4f0) e Lu3+(4f14), sao luminescentes com emissoes características do ultravioleta ao infravermelho próximo. As transiçoes eletrônicas f-f ocorrem pela combinaçao dos mecanismos de dipolo elétrico, dipolo magnético, quadrupolo elétrico e relaxamento vibrônico.52 As primeiras sao proibidas por paridade e por spin, enquanto o segundo tipo apresenta alguns casos que sao permitidos por spin. Evidências experimentais indicam que este fenômeno é proveniente de um mecanismo distinto, atualmente conhecido como dipolo elétrico forçado - proposto e esclarecido por Judd e Ofelt em 1962; a partir desta teoria as propriedades espectroscópicas dos lantanídeos foram melhor interpretadas.53,54 Trabalhos recentes, inclusive de nosso grupo de pesquisa, apresentam diversos estudos das propriedades espectroscópicas dos lantanídeos.24,37,52,55 O processo de emissao ocorre do estado excitado f de menor energia para um estado 4f energeticamente menor, podendo ser acompanhado por processos nao-radiativos que devem ser evitados (em geral acoplamentos vibracionais).56 Como as transiçoes f-f sao proibidas por Laporte e por paridade, as emissoes apresentam elevado tempo de vida e pequeno coeficiente de absortividade molar (<10 L mol-1 cm-1), resultando em emissoes características e cores pálidas. Logo, a excitaçao direta de íons Ln3+ raramente apresenta forte luminescência ainda que o rendimento quântico seja elevado.

Uma maneira usual de contornar esta situaçao consiste no acoplamento de espécies que participam em processos de transferência de energia, este processo é conhecido como efeito antena.37,57,58 Devido as regras de seleçao e, portanto, baixas probabilidades de transiçao em íons lantanídeos trivalentes, estes limitam sua absorçao de luz. No caso das LOFs, recorre-se ao efeito antena a fim de sensibilizar os íons lantanídeos acarretando o aprimoramento de suas emissoes. Esta sensibilizaçao envolve processos complexos, os quais encontram-se bem descritos na literatura.49,59,60 Um dos principais mecanismos, representado na Figura 5, ocorre em três etapas. Inicialmente luz é absorvida pelos ligantes orgânicos (permitida por spin) que rodeiam o íon lantanídeo, seguida de cruzamento intersistemas do estado 1S para o 1T, entao a energia é transferida para os estados excitados dos íons lantanídeos (1T → Ln3+) e, por fim, observa-se a emissao com luminescência característica gerada pelos íons Ln3+. Ligantes orgânicos que possuam forte absorçao de fótons sao entao preferíveis para construçao de LOFs luminescentes. As transferências de carga metal-ligante e ligante-metal (TCML e TCLM), e ainda as transiçoes 4f-5d podem atuar direcionando a energia para o íon lantanídeo. É importante ressaltar que se a transferência de energia do ligante para o metal nao for eficiente, podem ser observados, simultaneamente, fluorescência do ligante (1S → 0S) e luminescência localizada no íon metálico. A transferência de energia do ligante para o metal suprime a fluorescência e fosforescência do ligante.61,62

 


Figura 5. Esquema dos processos de transferência de energia entre as espécies constituintes das LOFs

 

Considerando as propriedades peculiares dos íons lantanídeos, os próximos tópicos contextualizarao a escolha dos ligantes, sua importância na construçao das redes metalorgânicas, tao bem como as rotas de síntese e caracterizaçoes mais usuais e as principais aplicaçoes dos materiais contendo os mesmos.

 

CONSTRUINDO AS LOFS: LIGANTES ORGANICOS MAIS USADOS

As estruturas das MOFs podem ser descritas e simplificadas como o um arranjo de unidades rígidas primárias: as "esferas" (metal ou agregados destes) e os "bastoes" (ligantes). As unidades sao conectadas em 1, 2 ou 3 dimensoes (Figura 6) conforme citado anteriormente, formando redes que devem, segundo a IUPAC, apresentar apreciável porosidade (redes "abertas") e com habilidade de acomodar moléculas em seu interior.63,64 Em contraste com a química supramolecular, as unidades orgânicas e inorgânicas encontram-se covalentemente ligadas, levando à obtençao de estruturas termicamente estáveis até 500 °Ce quimicamente resistentes a muitos solventes.

 


Figura 6. Ilustraçao da formaçao de polímeros de coordenaçao através da conexao do metal ao ligante

 

Nas LOFs, os íons lantanídeos sao coordenados por moléculas orgânicas, as quais podem apresentar variadas cadeias e grupos funcionais, formando uma estrutura supramolecular que pode se repetir em 1, 2 ou 3D.60,65 Alguns grupos funcionais simples como carboxilatos,46,66 piridinas,67 fosfonatos66,67 e pirazóis68 têm se mostrado eficientes na obtençao de LOFs; ligantes polifuncionais também vêm sendo empregados com sucesso na síntese destas redes.69 As estruturas dos ligantes orgânicos mais utilizados na síntese de LOFs podem ser observadas na Figura 7.

 


Figura 7. Estrutura de alguns ligantes orgânicos (forma ácida) empregados na síntese de LOFs

 

As características de comprimento, geometria e grupos funcionais dos ligantes influenciam no tamanho e forma dos poros da rede. Ressalta-se que o grande número de moléculas orgânicas e metais geram um número elevado de combinaçoes, o que acarreta no aumento contínuo do interesse por esses tipos de materiais.

Com intuito de otimizar a previsibilidade das estruturas, alguns autores reportam ainda o conceito de unidades construtoras secundárias (SBUs, exemplificada na Figura 8).70 Estas unidades sao representaçoes geométricas de clusters ou esferas de coordenaçao inorgânicas nas quais os modos de coordenaçao dos ligantes e os ambientes de coordenaçao dos metais sao utilizados na transformaçao desses fragmentos em redes porosas estendidas utilizando conectores orgânicos politópicos (tipicamente lineares),2 como o 1,4 -benzenodicarboxilato entre outros carboxilatos. Ligantes multidentados como os citados anteriormente favorecem a formaçao de redes mais rígidas devido à possibilidade de agregar íons metálicos em clusters do tipo M-carboxilato (M-O-C). Essas unidades secundárias sao consideravelmente mais rígidas pois os íons metálicos estao "fechados" pelos ligantes em suas posiçoes. A partir deste ponto as SBUs servem como vértices largos e rígidos para que outros ligantes orgânicos se liguem com intuito de produzir redes estendidas de elevada estabilidade estrutural. A consideraçao dos atributos geométricos e químicos das SBUs e dos ligantes leva à prediçao da topologia da estrutura e, por sua vez, ao desenho e síntese de uma nova classe de materiais com estruturas robustas e alta porosidade.71,72

 


Figura 8. Exemplo de SBUs constituídas por benzenodicarboxilatos coordenados aos centros metálicos. Baseado nas referências 69 e 70

 

Diferentemente das redes com metais de transiçao, as LOFs sao constituídas por íons lantanídeos que possuem elétrons 4f tornando-os capazes de ter altos números de coordenaçao, como citado anteriormente. Além disso, baseado nos conceitos de acidez e basicidade duros e moles (HSAB - Hard and Soft Acid and Bases),24,60 os lantanídeos apresentam-se como ácidos mais duros, e em geral, preferem se ligar a doadores duros como O e F, ao invés de bases moles como ligantes doadores de P e S. Complexos contendo ligantes com N como doador sao pouco frequentes, devido sua alta basicidade levando em muitos casos à precipitaçao de hidróxidos.37 Além desses fatores, no caso específico das LOFs tais ligantes geram muitas estruturas catiônicas acarretando, em muitos casos, no colapso da estrutura ou perda da porosidade, quando o sistema é submetido a troca de hospedeiros ou baixa pressao.72

Os ligantes carboxilatos

Com base nas propriedades dos íons lantanídeos tao bem como seu comportamento frente a alguns elementos, compreende-se o grande interesse e a busca incessante por novos materiais híbridos e com diferentes modos de coordenaçao construídos por ligantes carboxilatos e íons Ln3+.55,73,74 Além da grande afinidade dos lantanídeos pelo oxigênio, diferentemente de ligantes neutros do tipo bipiridinas, esses ânions podem balancear a carga catiônica dos metais.

O emprego de carboxilatos multidentados na formaçao de redes estendidas emergiu, especialmente, diante da dificuldade de ligantes monodentados em permitir uma previsao mais fidedigna da estrutura final devido à flexibilidade da coordenaçao (monodentada). Uma vez que os carboxilatos possuem múltiplos modos de ligaçao coordenantes M-O que resultam na formaçao de nós rígidos com geometria fixa, tornam esses clusters M-O unidades moleculares construtoras adequadas para a síntese das LOFs.72 O grupo funcional carboxilato pode tanto atuar como um ligante quelante, no qual ambos oxigênios se encontram coordenados ao mesmo metal, como ligar-se a dois centros metálicos. Sendo esta última a habilidade que o torna um importante grupo funcional para a síntese de LOFs com elevada estabilidade térmica.75,76 Com o intuito de obter redes tridimensionais, ligantes contendo um ou mais grupos carboxílicos sao usualmente empregados, permitindo assim que os ligantes se conectem em mais de uma dimensao.

Os carboxilatos usados na síntese de LOFs nao sao restritos à presença de dois grupos na molécula, aqueles contendo três ou quatro grupos também sao usuais. Esses ligantes podem ser lineares ou nao, apresentar ramificaçoes, ou ainda podem ser rígidos (LR) ou apresentar alguma flexibilidade inerente (LF).77,78 A variaçao no número de grupos carboxilatos associada à variaçao de forma e tamanho favorecem o número elevado de possíveis estruturas para as redes. Os ligantes podem ser considerados flexíveis quando apresentam rotaçao ao redor de uma ligaçao simples. Desta maneira, apenas ligantes contendo átomos com hibridizaçao sp3 em sua estrutura sao ditos flexíveis, ou "semi-rígidos". Por outro lado, ligantes que contenham partes flexíveis, mas que nao participam da coordenaçao M-L como o 2-butil-1,4-benzenodicarboxilato(Bubdc) nao devem ser classificados como flexíveis.77 Ligantes carboxilatos contendo dois grupos funcionais e que apresentem geometria reta ou curvada como por exemplo o para-bdc2- e o meta-bdc2-, podem conter um terceiro grupo como por exemplo no benzeno 1,3,5-tricarboxilato (btc3-) e no 1,3,5-tris(4-carboxifenil)benzoato (btb3-) e, entao, apresentar uma conformaçao mais rígida ou ter um pequeno grau de flexibilidade, respectivamente.

Em contraste aos ligantes rígidos, as LOFs baseadas em ligantes flexíveis ainda apresentam dificuldade em sua construçao, pois o ligante pode adotar conformaçoes diferentes levando a estruturas com simetrias distintas em cada processo reacional. LOFs contendo ligantes do tipo LF podem tornar-se frágeis e ainda perder sua porosidade após a remoçao de moléculas hospedeiras em funçao da flexibilidade do ligante que sustenta a estrutura da rede. Além disso, essas LOFs mostram-se mais dependentes dos parâmetros de síntese (temperatura, tempo, pH etc) o que prejudica a previsao da configuraçao estrutural do material através da rota sintética.77 Apesar das desvantagens apontadas, o emprego e desenvolvimento das LOFs construídas com ligantes mais flexíveis favorece a obtençao de novas estruturas cristalinas, com propriedades distintas e inacessíveis a partir de ligantes rígidos.79,80 Mais uma vez, enfatiza-se o fator de grande versatilidade das LOFs alterando-se, apenas, os metais e ligantes empregados; ao introduzir os parâmetros reacionais eleva-se ainda mais as possibilidades de novos materiais. Como ligantes de destaque podemos encontrar o bdc2- e seus derivados, sendo as LOFs construídas por dicarboxilatos arílicos baseadas em empilhamentos π−π e interaçoes de hidrogênio formando estruturas cristalinas diversas e atrativas.43,45,75 Apesar de carboxilatos simples como o 1,4 -benzenodicarboxilato formarem, quando coordenados diretamente a íons metálicos, materiais com apreciável porosidade, observa-se a busca intensa pelo aumento do tamanho dos poros, além da variaçao do tamanho destes com a finalidade de acomodar diversas moléculas nos processos de adsorçao.43,81 Yaghi et al.2,82 em uma de suas mais importantes contribuiçoes para a área de MOFs (também aplicável às LOFs) , mostrou como o alongamento do esqueleto dos ligantes, tao bem como o emprego de ligantes contendo substituintes em sua cadeia podem alterar o tamanho de poro da estrutura cristalina desejada, Figura 9. No entanto, é importante ressaltar que a utilizaçao de ligantes com esqueletos relativamente grandes podem levar à formaçao de estruturas frágeis ou ao aumento da susceptibilidade de interpenetraçao, do próprio ligante, devido à presença de grandes espaços vazios.82 Uma das maneiras de contornar a situaçao, baseia-se na diminuiçao da concentraçao de reagentes, além disso pode-se recorrer, como citado anteriormente, ao emprego de ligantes tritópicos como por exemplo o btb3-.

 


Figura 9. Ilustraçao do efeito do tamanho e/ou ramificaçao dos ligantes no tamanho de poro das MOFs, também aplicável às LOFs. Baseada na referência 82. Reproduzido com permissao da Science

 

Acidos carboxílicos heterocíclicos também se destacam na obtençao de LOFs com diferentes funçoes. Estes compostos se caracterizam pela presença de pelo menos um elemento diferente do carbono como membro formador do anel, e atuam como ligantes mistos N,O-doadores ao se coordenarem com os íons metálicos, formando portanto redes com topologias específicas.66,73 Por exemplo, em trabalho recente Liu et al. destacam o ácido pirazol-3,5-dicarboxílico (H3pdc) como um potencial ligante para a obtençao de redes estendidas com múltiplos sítios de coordenaçao com geometria assimétrica. Os autores também enfatizam a dependência ácida dos modos de coordenaçao, no caso do H3pdc, dentre os três hidrogênios presentes, aquele pertencente ao grupo carboxílico adjacente ao nitrogênio será mais facilmente desprotonado e desta maneira o oxigênio e o nitrogênio adjacentes se coordenam ao metal. Torna-se evidente neste ponto a importância e influência do pH do meio reacional. Ressalta-se ainda a facilidade em remover os hidrogênios ligados a oxigênios de grupos carboxílicos que aquele ligado ao nitrogênio. Esta desprotonaçao pode afetar os modos de coordenaçao e, portanto, a estrutura final dos materiais.75

Ligantes aromáticos fornecem sistemas (cromóforos) de elétrons π deslocalizados aptos a absorver fortemente os fótons de luz e transferi-los para os níveis emissores dos íons lantanídeos.62,83 As propriedades luminescentes das LOFs, como já citado, nao sao estritamente relacionadas aos seus componentes individuais, elas dependem fortemente da estrutura final do polímero de coordenaçao. E como enfatizado nesta seçao, os ligantes desempenham papel fundamental, tanto como unidade construtora quanto como sensibilizadores dos íons lantanídeos, auxiliando na luminescência pelo efeito antena.65,83 Dentre as muitas LOFs com aplicaçoes luminescentes, constantemente tem se realizado a busca pelo uso de ligantes semi-rígidos ou mais flexíveis, que apesar da dificuldade previamente relatada em se trabalhar, podem fornecer resultados promissores. Viana et al. utilizaram o ácido 4,4'-sulfonildibenzóico (H2sda) com formato-V, para a síntese de LOFs (do tipo {[Ln(dmf)22-NO3)(μ-sda)]·dmf}n e outros [Ln= Eu, Dy, Ho, Er, Tm, Lu] com propriedades fotofísicas interessantes (elevado tempo de vida, linhas estreitas e alto grau de pureza das cores).84 Já Wang et al. optaram pelo emprego do ácido 4-(2-carboxifenil)benzeno-1,3-dióico (H3L) para a construçao do {[Ln (H2O)2L]·2H2O}n, Ln = Tb, Eu e Gd. Inicialmente obtiveram LOFs com emissoes no vermelho e verde, características dos íons Eu3+ e Tb3+ que compoem a rede, respectivamente, no entanto, a terceira LOF construída com Gd3+ apresentou coloraçao azul oriunda do ligante. Por fim, os autores obtiveram uma nova série de LOFs, Tb1-xEuxL, pelo ajuste de quantidades desejadas das componentes luminescentes na rede hospedeira de estrutura já bem definida. A luminescência do novo material pode ser ajustada do verde ao vermelho devido à transferência de energia do Tb3+ para o Eu3+ pela alteraçao da concentraçao dos íons na rede.85

Batista et al. prepararam a LOF [Eu2(H2O)6(mell)]n por síntese hidrotermal assistida por micro-ondas, empregaram o ácido benzeno-hexacarboxílico (H6mell), contendo seis carboxilas aptas a coordenar a íons lantanídeos. O composto sintetizado mostrou boa performance na catálise heterogênea de aldeídos para adiçao de cianeto de trimetilsilano com tempos reacionais curtos, rendimentos apreciáveis, além da possibilidade de reuso do catalisador.86

Interessados em obter LOFs com bioatividade, Yan et al. propuseram a construçao de uma LOF contendo um fármaco associado ao íon lantanídeo com a intençao de obter potenciais biomateriais com propriedades luminescentes e/ou magnéticas únicas. Assim, os autores descreveram a síntese de LOFs denominadas como {[Ln(HL)L]·H2O}n contendo o hidrogeno-acetilsalicilato HL- e o acetilsalicilato L2- e os íons Tb3+ e Gd3+. Escolheram o ácido salicílico pela sua importância como fármaco e devido à escassez de trabalhos mostrando a formaçao de complexos entre este ácido e íons lantanídeos, em partes associado a dificuldade reacional. Recentemente conseguiram determinar a estrutura de monocristal da LOF acima descrito, a rede é construída através de ligaçoes entre as hidroxilas fenólicas e o lantanídeo.87

Quando o assunto é catálise, a disponibilidade dos poros para que as reaçoes sejam efetivas é de grande importância, no entanto, em muitos casos este fator se torna o ponto crucial e fonte de frustaçoes. O uso de estratégias como a modificaçao pós-síntese pode ser uma alternativa para contornar esta situaçao, além de abrir a possibilidade do emprego de diversas LOFs, já existentes, na catálise heterogênea. Muitas LOFs se tornam potenciais catalisadores devido à esfera de coordenaçao flexível do metal (insaturado em relaçao à coordenaçao), além da característica de elevada estabilidade térmica. A modificaçao pós-síntese pode ser feita pela formaçao de uma ligaçao covalente com os ligantes orgânicos ou pela inserçao (grafting) de moléculas orgânicas em sítios metálicos. Ren et al. modificaram a LOF de elevada porosidade e boa estabilidade, {[Er(H2O)(btc)]·dmf0,7}n com três diaminas com tamanhos e basicidade diferentes, 1,2-etanodiamina (ed), piperazina (pp) e 1,4-diazobiciclo[2.2.2]octano (dabco) . A LOF modificada com ed exibiu um aumento na estabilidade térmica e porosidade permanente tornando-o um eficiente catalisador heterogêneo em reaçoes de condensaçao de Knoevenagel.88

 

CARACTERIZAÇAO

Para a caracterizaçao das LOFs é importante obter monocristais robustos, que sejam estáveis e com tamanho adequado (geralmente entre 50-250 µm) para que a análise estrutural por SDRX possa ser realizada. Estes cristais sao geralmente obtidos de forma lenta (como por exemplo por processos solvotermais e de evaporaçao). Atualmente outras técnicas vêm sendo difundidas para produçao em escalas multigramas, incluindo abordagens via micro-ondas e em regime de fluxo contínuo. 89,90

Como as LOFs sao materiais cristalinos porosos, sua área superficial, volume e diâmetro de poros pode ser calculada a partir das estruturas cristalinas correspondentes, já existentes na literatura. Walton e Snur91 simularam pelo método de Monte Carlo as isotermas de adsorçao de nitrogênio em uma série de MOFs estruturalmente conhecidos e mostraram que as áreas superficiais livres concordam bem com as calculadas pelo método Brunauer Emmett Teller (BET). Isto demonstra que as áreas superficiais obtidas utilizando o método BET sao fisicamente significativas e passiveis de serem usadas para estruturas tipo frameworks. Sugerem também que comparar a área de superfície livre geometricamente calculada com a área superficial via BET obtida a partir de uma isoterma experimental de adsorçao de N2 pode proporcionar uma caracterizaçao útil para amostras que nao apresentam estrutura cristalina perfeita.92,93 Se a área de superfície BET for inferior à calculada, isto pode ser devido à presença de moléculas de solvente ou de partes colapsadas dos ligantes utilizados dentro da cavidade. A determinaçao de isotermas de adsorçao é a base para a caracterizaçao das propriedades superficiais das MOFs e LOFs.92

A cristalografia de raios X é uma das principais ferramentas de caracterizaçao das LOFs. Através deste método é possível determinar as posiçoes relativas de todos os átomos que constituem a estrutura molecular e a posiçao relativa de todas as moléculas na célula unitária do cristal.6 A amostra é constituída por um grande número de cristais, cuja orientaçao é predominantemente aleatória. O evento de difraçao é descrito pela lei de Bragg, a qual combina a medida do arranjo regular da estrutura do cristal, chamada de distância entre os planos reticulados, d, o comprimento de onda da radiaçao de raios X, λ, e o ângulo de difraçao, θ, tal que nλ = 2d(hkl)senθ. Devido à estrutura periódica das LOFs, o método de análise estrutural mais usado é a difraçao de raios X de monocristal (SXRD). No entanto, uma vez que nem sempre é possível obter cristais com tamanho e qualidade apropriados, a difraçao de raios X em pó (PXRD) torna-se uma forte aliada, principalmente através do método de Rietvield.94 Os padroes de PXRD permitem uma conclusao sobre a reprodutibilidade dos resultados de síntese ou, inversamente, tornam possível explicar diferenças estruturais entre as amostras do mesmo composto preparado por diferentes métodos.95 Levando-se em conta os parâmetros de células unitárias das LOFs e a alta densidade eletrônica nos sítios metálicos, torna-se um desafio determinar a estrutura do composto por difraçao de raios X em pó.

A estabilidade térmica é uma importante característica dos materiais porosos. As LOFs e MOFs, em geral, mostram-se menos resistentes a temperatura se comparadas às zeólitas, visto que sua decomposiçao ocorre normalmente abaixo de 500 °C. Um método direto para estudar a estabilidade térmica destes compostos baseia-se na análise termogravimétrica (TGA), que relaciona a perda de massa da amostra analisada em funçao da temperatura.67 Quando um equipamento de análise térmica é combinado a um espectrômetro de massa, torna-se possível determinar nao apenas a temperatura à qual a massa da amostra é alterada, mas também quais moléculas sao responsáveis por esta alteraçao de massa. O estudo de degradaçao do material é extremamente importante, visto que se o composto formado for rapidamente decomposto, torna-se difícil sua caracterizaçao por difraçao de raios X e, consequentemente, a determinaçao da estrutura cristalina. A LOF que colapsa após remoçao do solvente nao pode ser classificada como porosa, pois sua área superficial e a sorçao de gases nao pode ser determinada. Além disso, muitas aplicaçoes das LOFs, como armazenamento de gases, separaçao e catálise, dependem de sua estabilidade química.96

A estabilidade destes materiais porosos após a remoçao de moléculas de solvente é frequentemente avaliada comparando-se os padroes de PXRD após a amostra ser submetida ao aquecimento. Além disso, os dados de difraçao sao comparados aos dados de TGA onde a estabilidade da estrutura é determinada por variaçoes de massa entre a temperatura de perda das moléculas do solvente e a temperatura de colapso da estrutura. A estabilidade térmica das LOFs e o efeito causado por moléculas de solvente dentro das cavidades na estrutura sao estudados por difraçao de raios X em temperatura variável. Alguns trabalhos relatam que a estabilidade térmica das LOFs, estudadas através de TGA e difratometria térmica, é determinada principalmente pelo número e ambiente de coordenaçao ao invés da topologia da estrutura.97

A análise das LOFs a exemplo das MOFs, por espectroscopia vibracional RAMAN e de infravermelho, pode ser extremamente valiosa para detectar presença de impurezas, distorçoes estruturais e grupos funcionais, podendo ainda oferecer indicaçoes sobre interaçoes entre o centro metálico e os ligantes, bem como as possíveis formas de coordenaçao. Esta técnica é baseada no fato de que as ligaçoes químicas nas moléculas possuem frequências específicas de vibraçoes internas. Estas frequências de vibraçao ocorrem principalmente na regiao do infravermelho do espectro eletromagnético e sao determinadas pela forma da molécula, pelos seus níveis energéticos e pela massa dos átomos que a constituem.98,99

Quando há interesse nas propriedades de luminescência, torna-se necessária a análise dos espectros de excitaçao e emissao bem como dos tempos de vida de estados excitados. A molécula é inicialmente excitada e promovida para um estado eletrônico de maior energia, cujo retorno ao estado fundamental é acompanhado pela emissao de radiaçao eletromagnética.24,100 As LOFs, que normalmente apresentam mistura de diferentes lantanídeos, exibem propriedades espectroscópicas bastantes peculiares. De modo geral, seus espectros de emissao apresentam bandas extremamente estreitas características das transiçoes 4f-4f.

Alguns aspectos das propriedades luminescentes de lantanídeos como, transiçoes intra-configuracionais, magnitude, número de linhas e as taxas de transiçoes sao bastante influenciados pela natureza do ligante. Desta forma os parâmetros de intensidade de Judd-Ofelt podem fornecer valiosas informaçoes a respeito do grau de covalência das ligaçoes químicas entre o íon metálico e os ligantes, a simetria local ao redor do íon lantanídeo e a rigidez do sistema.76,101-103 Estes parâmetros têm sido largamente usados no estudo de LOFs contendo íons Eu3+.

Entre as diversas formas de transferências de energia nas LOFs (LMCT, MLCT e transiçoes 5d-4f), a sensibilizaçao por luminescência ou "efeito antena" tem sido amplamente exploradas.65 Vale ressaltar que, devido à rigidez dos sistemas LOFs, as propriedades luminescentes (tais como intensidade de emissao, tempo de vida e eficiência quântica) podem diferir das propriedades dos complexos.

Como a transferência de energia entre um íon lantanídeo para outro pode influenciar as propriedades luminescentes das LOFs, foi proposto um método para aprimorar o processo de luminescência, alterando as proporçoes de íons lantanídeos nos compostos.74 Devido à transferência de energia dos íons Tb3+para os íons Eu3+, a intensidade de fluorescência em 540 nm muda conforme a relaçao Tb3+/Eu3+. Outro exemplo que explora a transferência de energia entre estes íons foi ilustrado no estudo da LOF {[Tb(H2O)(btc)]·3H2O}n.104 A emissao verde (transiçao 5D47F5 dos íons Tb3+ 542-546 nm), após dopagem do composto com íons Eu3+, foi alterada para amarelo-verde, amarelo, laranja e vermelho-laranja ( transiçao 5D07F2 dos íons Eu3+ - 610-618 nm). Com o aumento da concentraçao de Eu3+, a intensidade de luminescência do Tb3+ diminui, enquanto que o do Eu3+ aumenta, o que causa a mudança de cor (Figura 10).

 


Figura 10. Esquema ilustrativo da mudança de cor que ocorre na LOF {[Tb(H2O)(btc)]·3H2O}n:Eu (0% á 10%) devido variaçao na concentraçao e Eu3+. Excitaçao em 254 nm. Adaptaçao da referência 103

 

Deve-se enfatizar que o uso de um único método é insuficiente para a análise das estruturas de MOFs e LOFs, sendo, portanto, importante utilizar variadas técnicas, como análise elementar (para quantificaçao de C, N, H, metal, etc.), espectrometria de massas (MS), ressonância magnética nuclear (RMN), etc; em combinaçao com os métodos descritos acima.

 

APLICAÇOES

Na literatura é possível encontrar inúmeros estudos que relatam sínteses de redes metalorgânicas utilizando as mais diversas metodologias de síntese, metais e ligantes.2,60,105 De acordo com a natureza do metal e do ligante, novos materiais sao produzidos, podendo ser utilizados em diversas aplicaçoes, Figura 11. As LOFs se beneficiam das características intrínsecas dos íons lantanídeos, tais como propriedades eletrônicas e de coordenaçao.4 A posterior funcionalizaçao do material pode ser adquirida selecionando-se cuidadosamente o ligante a ser usado; refinando-se assim a propriedade final do material. Devido as propriedades das LOFs, como porosidade, magnetismo e luminescência estes materiais possuem grande interesse científico, tecnológico e industrial.106,107

 


Figura 11. Principais aplicaçoes das LOFs

 

Comparado aos íons de metais de transiçao, os íons lantanídeos possuem propriedades eletrônicas, ópticas e magnéticas únicas, possibilitando desta forma um grande desenvolvimento de materiais multifuncionais para aplicaçoes biomédicas,75 catálise heterogênea108 e sensores químicos.109

Os íons lantanídeos sao excelentes candidatos para aplicaçoes como em cintilaçao, luminescência, termometria, sensores e dispositivos óptico-eletrônicos.110-112 A luminescência dos lantanídeos origina-se de transiçoes 4f-4f, que por serem proibidas pela regra de Laporte e serem pouco influenciadas pelo ambiente externo, fornecem linhas finas e bem definidas em seus espectros de emissao. Após a coordenaçao, os ligantes orgânicos podem transferir a energia absorvida pela radiaçao para os íons lantanídeos (efeito antena), como demonstrado na Figura 12. Este efeito pode resultar em um alto rendimento quântico e/ou maiores tempo de vida. Similar à porosidade, as propriedades ópticas das LOFs podem ser modificadas (aumentadas ou diminuídas) escolhendo-se o centro metálico e o ligante.113

 


Figura 12. Ilustraçao do efeito antena e as transiçoes 4f-4f dos íons Eu3+ e Tb3+ que sao comumente observadas por emissoes no vermelho e no verde, respectivamente. Adaptaçao referência 112

 

Os lantanídeos trivalentes sao classificados como ácidos fortes de Lewis e possuem forte atraçao por átomos de oxigênio (oxofílicos), podendo ser aplicados em diversas reaçoes orgânicas como Diels-Alder e reduçao de Luche.114 O Ce(IV) é o único lantanídeo tetravalente, estável em água, com aplicaçoes em reaçoes de oxidaçao de grupos funcionais como álcool, fenol e éter. Catálises utilizando complexos de lantanídeos têm gerado interesse devido grandes vantagens em reaçoes de formaçao da ligaçao assimétrica carbono-carbono.25 Estes complexos sao muito ativos em reaçoes de substituiçao de ligantes, especialmente com ligantes duros. Quando ligado a um hetero átomo base de Lewis, o lantanídeo que é um ácido de Lewis retira a densidade eletrônica e desta forma promove a clivagem da ligaçao heterolítica.115 O elevado grau de labilidade da ligaçao Ln-ligante, permite uma rápida velocidade de troca nas reaçoes catalíticas.

Catálise

As LOFs provaram serem úteis em catálise heterogênea, pois combinam vantagens como elevada estabilidade e porosidade, sendo esta última determinada pela escolha dos ligantes. Os poros destas estruturas podem ser sistematicamente adaptados para aplicaçoes catalíticas específicas, como pode ser visualizado na Figura 13. Apesar dos compostos de lantanídeos serem utilizados com frequência como ácidos de Lewis em várias reaçoes, incluindo as catálises assimétricas,116,117 a utilizaçao de LOFs em catálise é ainda restrita, no entanto, bastante promissora. LOFs sao importantes catalisadores heterogêneos como ácidos de Lewis devido à sua característica única de reatividade e seletividade em condiçoes brandas, como reportado para reaçoes de adiçao de cianeto em grupos contendo carbonilas para a formaçao de cianidrinas.93,118

 


Figura 13. Ilustraçao dos poros e canais das redes metalorgânicas (LOFs) utilizadas para catálise de materiais orgânicos

 

Com relaçao às suas composiçoes químicas e estruturas porosas, as LOFs oferecem diversas vantagens no campo da catálise, tal como fácil difusao de reagentes e produtos através dos poros, controle do ambiente químico e das interaçoes hospede-hospedeiro a partir dos métodos de síntese ou por modificaçao pós-síntese.

A adiçao de cianeto à compostos carbonílicos frequentemente da origem à cianidrinas, e consiste num importante método para formaçao de ligaçoes carbono-carbono119 (Esquema 01). É importante notar que as sínteses enantiosseletivas de cianidrinas representam ainda uma via útil para a produçao de intermediários orgânicos, tais como ácidos-hidroxil e amino-álcoois quirais.120,121 A fonte mais comumente usada para fornecer cianeto é o trimetilsililciano (TMSCN). A catálise com TMSCN pode ser induzida termicamente ou por uma enorme gama de catalisadores, incluindo ácidos de Lewis, bases e nucleófilos. Recentemente, Batista et. al. observaram86 que as LOFs contendo mell como ligante e os íons La3+, Eu3+, Tb3+ e Gd3+ possuíam atividades catalíticas relevantes. A reaçao observada indicou que sem a presença do catalisador o rendimento era de apenas 8%, enquanto na presença da LOF apresentavam rápida taxa de conversao com rendimentos superiores a 50% em temperatura ambiente e até 100% a 100 °C, em tolueno com solvente. As atividades catalíticas foram estudadas por reaçoes entre benzaldeído e TMSCN em tolueno à temperatura ambiente. Os tempos de reaçao foram monitorados por cromatografia de filme fino e cromatografia gasosa.

 


Esquema 1. Representaçao da reaçao de adiçao de cianeto em grupos contendo carbonila para formaçao de cianidrinas

 

Armazenamento de gases

Embora as LOFs com tamanhos de poros elevados já tenham sido sintetizadas, a remoçao de moléculas de solvente coordenadas à estrutura cristalina ocorre frequentemente acompanhada por um colapso da estrutura.122 Os íons lantanídeos caracterizam-se por possuírem alta afinidade por átomos dadores de densidade eletrônica, além do alto número de coordenaçao. Devido ao estereoimpedimento entre os ligantes orgânicos, torna-se um desafio conseguir que todos os sítios de coordenaçao dos íons lantanídeos sejam ocupados por estes. Desta forma, as moléculas de solvente, como H2O, dmf, dmso, etc, se ligam ao íon, completando a esfera de coordenaçao. Estas moléculas, por sinal, podem ser facilmente removidas resultando na formaçao de compostos instáveis e de baixa coordenaçao, causando o colapso total da estrutura. Desta forma, a construçao de LOFs com porosidade permanente é um grande desafio para os químicos.

Uma das estratégias para aumentar a porosidade das LOFs baseia-se em escolher ligantes que possuam cadeias com tamanhos maiores. No entanto, os poros formados podem favorecer o processo de interpenetraçao que estabiliza a estrutura, porém, limita o tamanho dos poros na estrutura cristalina, influenciando drasticamente a adsorçao de gases, Figura 14. Uma forma de evitar este problema baseia-se na utilizaçao de ligantes orgânicos que possuam alto estereoimpedimento, evitando assim a interpenetraçao das redes, embora esta escolha leve à possibilidade de reduçao dos tamanhos dos poros. Outra opçao é a utilizaçao de unidades de construçao secundária em forma de haste geradas in situ123 (SBUs). A rigidez das SBUs neste formato evita efetivamente a interpenetraçao, melhorando assim a porosidade das estruturas. Utilizando como ligante a molécula de fenantrolina, que possui alto estereoimpedimento, He et.al.124 observaram que as LOFs formadas possuíam porosidade permanente, que foi comprovado por testes de adsorçao de gases. As espécies hospedeiras que se encontram dentro dos poros podem ser neutras, catiônicas ou aniônicas, como H2O, dma (dimetilamônio) ou NO3-, respectivamente. Caso a espécie contenha carga, o poro torna-se inacessível, visto que a compensaçao de carga é obrigatória para que o sistema nao se colapse.

 


Figura 14. (a) Representaçao esquemática de redes interpenetradas sem canais, (b) Redes porosas nao interpenetradas construídas a partir de ligantes com alto estereoimpedimento

 

Luminescência

A luminescência é uma das principais características das LOFs se comparadas às MOFs contendo metais de transiçao. Com exceçao dos íons La3+ e Lu3+, todos os íons Ln3+ sao luminescentes e suas linhas de emissao f-f cobrem desde o UV (Ce3+, Gd3+), VIS ( Pr3+, Sm3+, Eu3+, Tb3+, Dy3+, Tm3+) e NIR ( Pr3+, Nd3+, Ho3+, Er3+, Yb3+). Os lantanídeos apresentam transiçoes eletrônicas principalmente de dois tipos: a) por dipolo elétrico as quais obedecem as regras de seleçao a seguir: ΔS = 0; ΔL ≤ 6; ΔJ ≤ 6; |ΔJ|= 2,4,6 quando J ou J* = 0. As regras para L e S sao violadas devido às combinaçoes dos estados Russel-Saunders, assim a transiçao 5D2 7F0 é permitida pois o estado 5D2 é na realidade uma combinaçao linear de 5D2, 7F2, etc. As regras de seleçao para J sao mais rígidas e podem ser violadas por "J-mixing", o que na realidade leva a um efeito muito mais fraco. A transiçao 5D07F0, no entanto, pode apresentar banda intensa em alguns compostos quando determinados valores para os parâmetros do campo cristalino sao presentes. Temos ainda como consequência da regra de Laporte que as transiçoes ff sao proibidas por dipolo elétrico (representaçoes de simetria do dipolo elétrico do tipo Γu) em compostos com centro de inversao ocorrendo, no entanto, por mecanismo de acoplamento vibrônico. b) por dipolo magnético obedecendo as seguintes regras de seleçao: ΔS = 0, ΔL = 0, ΔJ = 0, ± 1 (exceto para J=0 → J=0, que é proibida). As transiçoes por dipolo magnético sao em geral muito mais fracas, aparecendo, entretanto, no caso do Eu3+, bandas com maior intensidade (ex. 5D0 → 7F1), mesmo assim menos intensas que as de dipolo elétrico. Estas transiçoes sao permitidas em ambientes com centro de inversao pois as representaçoes de simetria para o dipolo magnético sao do tipo Γg.125 Estas consideraçoes fazem com que os termos fluorescência e fosforescência nao sejam adequados para as emissoes de lantanídeos devendo ser usado o termo luminescência ou ainda fotoluminescência. As linhas de emissao f-f sao finas devido à baixa influência do campo cristalino, que faz com que a configuraçao dos elétrons no estado excitado nao perturbe o padrao das ligaçoes nas moléculas, uma vez que as orbitais 4f nao participam (ou pouco participam) efetivamente da ligaçao.22,52,126 Portanto, as distâncias internucleares permanecem quase iguais no estado excitado, o que gera bandas estreitas e um pequeno deslocamento "Stokes". Uma situaçao diferente é encontrada em moléculas orgânicas nas quais a excitaçao promove um alongamento das ligaçoes químicas, resultando em grandes deslocamentos "Stokes" e bandas largas de emissao. Devido à grande diversidade das LOFs, que sao sistemas complexos incluindo variados tipos de ligantes, íons metálicos ou clusters e íons ou moléculas hospedeiras, a fotoluminescência pode ocorrer devido vários mecanismos.

Os materiais luminescentes têm sido amplamente explorados e usados em aplicaçoes como displays, sensores, dispositivos óticos, OLEDs, etc, devido às emissoes finas com alta pureza de cor.127 A luminescência em LOFs pode ser originada por transiçoes 4f-4f, 4f-5d, transferência de carga metal-ligante ou ligante-metal, transferência através de estados excitados do ligante (efeito antena).128

Para aumentar a eficiência de luminescência sao comumente utilizados ligantes que atuam como antenas (ou sensibilizadores), transferindo energia diretamente para os íons lantanídeos. Ao longo dos últimos anos, foram feitos esforços para aumentar os coeficientes de absorçao e assim obter emissoes significativamente mais intensas.129

O íon Eu3+ é bem conhecido por sua luminescência na regiao do vermelho no espectro e possui grande vantagem com relaçao aos outros íons Ln3+ visto que o seu estado fundamental 7F0 é nao degenerado (J=0), o que favorece o estudo das propriedades espectroscópicas.130,131 O número de linhas observados na transiçao 5D7FJ (Figura 15) nos espectros de luminescência permite determinar o sítio de simetria do íon Eu3+.55 A ausência ou a presença de uma única banda para transiçao 5D07F0, observada no espectro de luminescência, indica fortemente que todos os íons Eu3+ experimentam o mesmo efeito de campo cristalino e que ocupam sítios de mesma simetria.35,55 A relaçao entre as intensidades da transiçao por dipolo magnético (5D0 → 7F1) e a transiçao por dipolo elétrico (5D07F2) traz informaçao sobre o ambiente de simetria.

 


Figura 15. Representaçao do espectro de emissao (λexc.=394 nm) do íon Eu3+ para a LOF {dma[Eu(H2O)(ox)2]}n·3H2O

 

É possível escolher ligantes que sirvam como "antenas", transferindo energia para o íon lantanídeo, a fim de se aumentar a luminescência do sistema. Um exemplo é o ligante bidentado 2,5-tiofenodicarboxilato (tdc2-), o qual pertence à classe de heterocíclicos, que pode estabelecer ligaçoes (pontes) entre diferentes centros metálicos e adotar variados modos de coordenaçao, produzindo redes multidimensionais, incluindo estruturas bidimensionais (2D) e tridimensionais (3D). De acordo com o estudo de fotoluminescência, a ausência da banda de fosforescência do ligante nos espectros indica que a transferência de energia do ligante para o metal foi eficiente.55

As propriedades luminescentes das LOFs foram utilizadas como marcadores na identificaçao de resíduos conhecidos como "gun shot residue" (GSR).132 Os resíduos de descarga de arma de fogo sao partículas microscópicas, que ficam depositadas nas maos e roupas do atirador, resultantes das reaçoes de condensaçao a altas pressoes que ocorrem durante o processo de disparo. Sao formados principalmente de partículas queimadas e nao queimadas do propulsor - e possíveis fragmentos da bala, da caixa do cartucho e da arma de fogo. O GSR é usado para estimar a distância em que uma bala é disparada, reconhecer a procedência da bala, além de fornecer informaçoes importantes para identificar suspeitos.133 Desta forma torna-se necessário encontrar metodologias que favoreçam a investigaçao forense. Uma importante característica das LOFs é a estabilidade térmica, sendo resistentes à altas temperaturas e quimicamente estáveis após longos períodos de tempo, tornando-as candidatos ideais para marcadores fotoluminescentes. Além disso, é importante que os materiais sejam inertes, devido ao contato com a pólvora. Uma das estruturas sintetizadas para tal estudo foi a [Eu(dpa)(Hdpa)]n, sendo dpa= piridina-2,6-dicarboxilato e Hdpa= hidrogenopiridinadicarboxilato, que possui estrutura bidimensional (2D), que apresentou alta fotoluminescência e suas propriedades ópticas permaneceram inalteradas após o disparo da bala. O GSR marcado foi identificado visualmente na mao e na roupa do atirador, na arma e na superfície alvo, além disso, evidenciou-se que as amostras coletadas permaneceram luminescentes por mais de 30 meses. Os espectros de emissao da LOF adquiridos à temperatura ambiente a partir da excitaçao do ligante mostraram a típica emissao no vermelho associada a transiçao 5D07F2. Após os tiros, verificou-se que as transiçoes características do íon Eu3+ permaneceram semelhantes às dos marcadores puros, sugerindo que as estruturas dos marcadores nao tinham sofrido alteraçoes significativas.129

 

PERSPECTIVAS

As MOFs vêm se mostrando altamente promissoras em um grande número de aplicaçoes, incluindo aquelas destacadas no item anterior. O interesse pelas redes híbridas e porosas segue crescente e nao seria diferente para as MOFs contendo lantanídeos - as LOFs. Apesar dos excelentes resultados obtidos até o momento, como exemplificado ao longo do texto, o desenvolvimento e aprimoramento das LOFs se mantém como foco de estudo na comunidade científica.

As interaçoes entre os ligantes e os centros metálicos favorecem o controle da estrutura tridimensional desejada, do tamanho de poro do material, além de suas propriedades químicas, tornando as MOFs altamente atrativas. Nao obstante, os lantanídios sao conhecidos por suas propriedades espectroscópicas, magnéticas e de oxirreduçao únicas. Quando comparados a outros metais, destacam-se os grandes momentos magnéticos, o forte acoplamento spin-órbita e os elevados números de coordenaçao que podem ser alcançados.

Sem dúvida, grande parte dos esforços envolvidos no desenvolvimento de MOFs concentram-se nas propriedades que resultam da porosidade destes materiais, as quais vao desde aplicaçoes clássicas como o armazenamento de gases até a possibilidade de emprega-los em drug delivery,134,135 devido à superfície interna ser adaptável. Além destas, para as LOFs as aplicaçoes envolvendo suas propriedades luminescentes sao as que mais se destacam, especialmente no sensoriamento de metais e emissao de luz.26,49

Tem-se observado crescimento no interesse pelo desenvolvimento de LOFs nanoestruturadas, seja considerando o tamanho dos poros ou das partículas que constituem os materiais. Em muitas áreas as dimensoes em nanoescala sao necessárias, as nano-LOFs exibem a combinaçao d, a rica diversidade de composiçoes, estruturas e propriedades de granulometria das LOFs com as vantagens óbvias dos nanomateriais.81,104 A excelente dispersabilidade dos materiais em nanoescala permite que estes interajam diretamente com outras espécies químicas e nao necessitem serem ativados, o que pode acarretar numa melhor aplicabilidade das LOFs em sistemas biológicos, por exemplo. Um dos principais desafios para melhorar o desempenho em aplicaçoes práticas de LOFs nanoestruturadas é diminuir o tamanho e morfologia das partículas, além de mantê-las homogêneas e monodispersas. Ions Ln3+, ou nanopartículas de materiais que os contém, podem ser adicionadas a redes metalorgânicas já conhecidas, com o intuito de aprimorar o seu desempenho.136 As características excepcionais das MOFs permitiram aos pesquisadores explorar a combinaçao destas com outros materiais funcionais para formar novos compósitos com propriedades avançadas. Nanopartículas metálicas, polímeros e biomoléculas podem ser combinadas com LOFs para fornecer novos materiais de alto desempenho nas mais diversas áreas. Os compósitos sao os mais estudados destes sistemas e baseiam-se na integraçao de metal e nanopartículas de óxidos metálicos com MOFs/LOFs. Isto pode ser atribuído à versatilidade das abordagens sintéticas para óxido metálicos (cerâmica) e materiais metálicos.137,138

A busca por materiais multifuncionais tornou-se requisito para as principais aplicaçoes que influenciam nossas vidas diárias, se tornando nao só foco dos pesquisadores como também das indústrias. Produzir MOFs e LOFs em grande escala é de grande interesse para as indústrias químicas, portanto, segue como um dos principais desafios nesta área.

As LOFs têm enorme diversidade estrutural e química, podendo ser moldadas para diversas aplicaçoes, tornando-as materiais muito atraentes para a preparaçao de compósitos com propriedades otimizadas e especificas. Em particular, a versatilidade de MOFs em combinaçao com as propriedades fotofísicas e fotoquímicas excepcionais dos íons lantanídeos resultam nas LOFs, materiais de destaque. Esta revisao buscou trazer um pouco das propriedades químicas e aplicaçoes das LOFs, além de mostrar o estado da arte, o rápido desenvolvimento e a importância das redes metalorgânicas contendo lantanídeos como uma classe de materiais multifuncionais.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq e à FAPESP pelos auxílios recebidos e ao Prof. R. B. Faria pelas valiosas sugestoes.

 

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