|
Avaliação de características de biodieseis de fontes alternativas submetidos a condições de armazenagem diferenciada Evaluation of biodiesel characteristics of alternative sources submitted to differential storage conditions |
Maria Juliane SuotaI; Edesio Luiz SimionattoI,*; Dilamara Riva ScharfI; Valnice MottaI; Daniela MoserI; Luciano Basto OliveiraII; Luiz Roberto Martins PedrosoII; Alberto Wisniewski JrIII; Vinicyus Rodolfo WiggersIV; Vanderleia BottonIV; Henry França MeierIV
I. Departamento de Química, Universidade Regional de Blumenau, 89030-000 Blumenau - SC, Brasil Recebido em 16/02/2018 *e-mail: edesiofurb@gmail.com Biodiesel is an alternative fuel obtained from different biomass sources and processes. Nowadays, this biofuel has gained importance due to environmental concerns and rising energy demand. In the biodiesel production chain, stability is a critical issue, as it is linked to the maintenance of its original properties. This work performed a study evaluating the influence of storage conditions on the quality aspects of biodiesel. Thus, different samples of biodiesel obtained from soybean and frying oils were produced and placed in containers made by plastic, glass and tin, and stored in presence or absence of an oxidative atmosphere, moisture and light. These samples were analyzed to evaluate the ester content, acidity, iodine value, kinematic viscosity and oxidative stability. The characterization with GC-MS and GC/FID were done aiming to determine the chemical composition. Blends with frying biodiesel into soybean biodiesel have also been produced in concentrations ranging from 1%, 5% and 10% (m/m) in order to evaluate the mixing effect. In the initial storage time, all tested parameters were in accordance to the legislation. Distinct behaviors were identified for each sample according to the container type, being the glass the most effective of them in maintenance of biodiesel characteristics. INTRODUÇAO Biodiesel é uma alternativa energética de origem renovável que vem apresentando características ímpares quando comparado aos combustíveis convencionais. Sua versatilidade permite que ele seja obtido por meio das mais variadas fontes de oleaginosas em diferentes regioes do mundo. Em geral, o biodiesel produzido a partir de óleos vegetais consiste em uma mistura de ésteres de ácidos graxos com um número de átomos de carbono de C14:0 até C22:0, com vários níveis de insaturaçao.1-3 A corrida pela substituiçao dos derivados fósseis devido às especulaçoes sobre a escassez, ameaças constantes de elevaçao de preços e principalmente por preocupaçoes com as emissoes de gases nocivos ao ambiente têm estimulado o processamento de diversos materiais graxos, que por sua vez têm produzido biodieseis de qualidade apreciável.4-7 Ao biodiesel, sao atribuídas algumas vantagens, tais como ser obtido de fontes renováveis, capazes de promover o desenvolvimento regional e sustentável, a biodegradabilidade, a diminuiçao na emissao de gases do efeito estufa, a nao toxicidade, a ausência de compostos aromáticos, o elevado número de cetano, além da alta lubricidade em comparaçao ao petróleo.5,8-10 Os principais empecilhos em relaçao à produçao de biodiesel sao atribuídos ao custo da matéria-prima, à competiçao com a produçao de alimentos e à sua estabilidade à oxidaçao.4,5 No entanto, outras opçoes de óleos e gorduras, que nao competem com a cadeia alimentícia nem tampouco sao onerosos como os óleos virgens tradicionalmente utilizados sao matérias-primas atrativas para a produçao de biodiesel. Entre as misturas graxas mais promissoras destacam-se o óleo de pinhao-manso, o lodo gorduroso de esgoto, as gorduras e sebos oriundos de abatedouros, os óleos de fritura residuais e uma variedade de óleos de espécies nao comestíveis.4-7,9,11-14 Essas alternativas oferecem a possibilidade de aumentar a oferta de biodiesel a partir de matérias-primas economicamente mais acessíveis, sem interferir na produçao de alimentos. Conforme supracitado, o outro fator crítico da produçao de biodiesel é a estabilidade à oxidaçao. Esta se refere à tendência dos combustíveis em reagir com o oxigênio em temperaturas próximas à do ambiente.15 Já a estabilidade à estocagem é definida conforme a capacidade de resistência do biocombustível às mudanças físicas e químicas ocasionadas em decorrência da sua interaçao com o ambiente.16 O biodiesel é muito sensível à exposiçao ao ar e à luz, a temperaturas elevadas, à presença de traços de metais com açao catalítica à oxidaçao, pigmentos, quantidade de insaturaçoes e até mesmo o recipiente no qual o combustível é armazenado pode estar relacionado com a preservaçao das suas propriedades originais.11,17-20 Atualmente, a conservaçao do biodiesel é realizada por meio da adiçao de antioxidantes sintéticos ou naturais, os quais mantêm as propriedades desse biocombustível dentro das especificaçoes. Uma ampla variedade de antioxidantes já foi testada e tem produzido resultados promissores na garantia da integridade das moléculas de éster.21-25 Nesse contexto, vários pesquisadores vêm conduzindo estudos relacionados à estabilidade de biodiesel para identificar os fatores que provocam sua oxidaçao, aperfeiçoar os métodos de avaliaçao da estabilidade oxidativa, bem como aprimorar a rota de síntese e as condiçoes de estocagem, na tentativa de manter a qualidade do combustível.11,16,18-20,25-28 A degradaçao do biodiesel pode ser identificada por meio de alteraçoes nas suas propriedades, tais como o índice de acidez, índice de peróxido, teor de ésteres e índice de iodo, além da viscosidade, densidade, número de cetano e poder calorífico.29 Outros indicadores de deterioraçao dos biocombustíveis estao associados à sua coloraçao e à presença de produtos de oxidaçao que podem ser corrosivos ao motor e inclusive levar ao entupimento das bombas e filtros de injeçao devido ao aumento da viscosidade.17,18,30 Considerando a susceptibilidade do biodiesel às reaçoes químicas em consequência da sua natureza insaturada e levando em conta ainda os fatores externos aos quais é vulnerável, este trabalho procurou estudar a influência das diferentes condiçoes de armazenagem sob algumas de suas propriedades. Assim sendo, o primeiro passo da pesquisa foi sintetizar o biodiesel a partir de duas matérias-primas distintas (o óleo de soja virgem e o óleo de fritura) e, por conseguinte, avaliar o comportamento de suas principais propriedades na forma pura e de misturas ao longo do período de estocagem. Também foi realizado monitoramento das propriedades de um biodiesel produzido em escala piloto (a partir de óleo de caixa de gordura) em comparaçao com as amostras obtidas nesta pesquisa.
PARTE EXPERIMENTAL Amostras de biodiesel O biodiesel obtido a partir do óleo da caixa de gordura foi fornecido pela empresa ECO100 Desenvolvimento Sustentado LTDA, produzido em escala piloto, na planta instalada na Estaçao de Tratamento de Alegria (ETE Alegria), localizada no Bairro do Caju - RJ. Os biodieseis de óleo de fritura e de óleo virgem foram obtidos por transesterificaçao em reator apropriado, nas dependências do Laboratório de Desenvolvimento de Processos do Departamento de Engenharia Química da Universidade Regional de Blumenau - FURB, cidade de Blumenau - SC. Na transesterificaçao por catálise básica, juntaram-se ao reator 3,68 kg do óleo e 27,64 g de KOH P.A. (mín. 85%), diluídos em 4 L de metanol P.A. (mín. 99,5%), a razao molar álcool:óleo:catalisador foi de 23,66:1,00:0,12. A mistura reacional ficou sob agitaçao por duas horas a 60 °C.31 Em seguida, o metanol excedente foi retirado por meio de destilaçao simples e o restante da reaçao (biodiesel + glicerina) ficou em repouso por 24 horas para decantaçao da glicerina. Após a retirada da glicerina, fez-se a primeira lavagem do biodiesel, utilizando 20% de água em relaçao à massa de biodiesel e 0,25% de ácido clorídrico P.A. (37,7%) em relaçao à massa de água. Manteve-se tudo no interior do reator em agitaçao por 15 minutos a 60 °C. Após este tempo, aguardou-se uma hora para a decantaçao. A água de lavagem apresentou pH 2, e um novo processo de lavagem utilizando apenas água destilada foi realizado. Verificou-se que a água da segunda lavagem apresentou pH 8. A massa do biodiesel obtido foi determinada, e o produto foi submetido entao à secagem em estufa a 120 °C por 4 horas. Misturas Misturas de biodiesel de óleo de fritura foram realizadas com 1%, 5% e 10% (m/m) em biodiesel de óleo de soja. Essas misturas foram armazenadas em frascos de vidro âmbar, sob atmosfera de nitrogênio e avaliadas em seus parâmetros físico-químicos num período de sessenta dias. Os parâmetros avaliados foram o índice de acidez (ABNT NBR 14448:2009), a estabilidade à oxidaçao (BS EN 14112:2003) e o teor de ésteres (baseada na BS EN 14103:2003). Determinaçao da composiçao química dos óleos A composiçao química dos óleos utilizados neste trabalho foi realizada por intermédio do processo de derivatizaçao e conversao dos triacilglicerídeos e ácidos graxos livres em seus respectivos ésteres. Para a derivatizaçao dos óleos, uma gota da amostra, 1 mL de metanol e uma gota de H2SO4 concentrado foram adicionados em um frasco com tampa. A mistura foi agitada e, em seguida, levada à estufa a 60 °C por 30 minutos. Após atingir a temperatura ambiente, foi acrescentado 1 mL de n-heptano e 2 mL de NaCl(aq) a 10%. A fase orgânica foi recolhida e submetida à análise por cromatografia em fase gasosa acoplada à especrometria de massas (CG-EM).32 Para a caracterizaçao, foi empregada a metodologia baseada no trabalho de Wisniewski e colaboradores, utilizando o cromatógrafo a gás CG-EM, modelo QP2010PLUS Shimadzu, equipado com coluna Rtx5 (30 m x 0,25 mm x 0,1 µm) e hélio 5.0 analítico como gás de arraste em fluxo constante de 1 mL min-1. A temperatura do injetor foi de 250 °C, operando no modo split (1:50) com volume de injeçao de 1 µL. A programaçao de temperatura do forno iniciou em 60 °C min-1 por 5 min, com aumento de 5 °C min-1 até 280 °C, permanecendo por 10 minutos. A temperatura da fonte de íons foi de 250 °C e da interface de 300 °C.33 Para a análise da presença de ácidos graxos livres nos biodieseis, foi preparada uma soluçao de 500 µg mL-1 de biodiesel em tetraidrofurano, acrescida de 100 µL do derivatizante N-Metil-N- (trimetilsilil)trifluoroacetamida (MSTFA). Nesta etapa, foram empregadas as mesmas condiçoes descritas na metodologia.33 Condiçoes de armazenagem do biodiesel Os biodieseis de soja e de fritura foram submetidos a três diferentes tipos de frascos de armazenamento. Em frascos fechados e mantidos a temperatura ambiente, de plástico (polietileno), de vidro âmbar e de lata (folha de flandres). O biodiesel de caixa de gordura foi armazenado nos mesmos recipientes, mas com o diferencial de ser estocado com e sem purga de nitrogênio. Os frascos de plástico e vidro utilizados possuíam capacidade de 100 mL, já as latas capacidade de 500 mL. Foram colocados 100 mL de biodiesel em cada frasco. Teor de ésteres O teor de ésteres foi determinado por CG/DIC baseando-se na norma europeia BS EN 14103:2003. O padrao interno utilizado foi o heptadecanoato de metila em heptano, na concentraçao de 10 mg mL-1. Cada amostra de biodiesel (50 mg) foi dissolvida em 1 mL da soluçao de padrao interno. O cromatógrafo empregado foi o Shimadzu CG-2010 com Auto Injetor AOC-5000 e coluna STABILWAX (30 m x 0,25 mm x 0,25 µm). Utilizou-se como gás de arraste o hélio 5.0 analítico com velocidade linear de 45 cm s-1. As temperaturas do injetor e do detector foram 250 °C e 280 °C, respectivamente. A razao do split foi de 1:50 e a temperatura do forno (isoterma) se manteve em 210 °C por 40 minutos. O volume de amostra injetado foi de 1 µL. Características físico-químicas A estabilidade à oxidaçao e o índice de iodo foram realizados seguindo as normas europeias BS EN 14112:2003 e BS EN 14111:2003, respectivamente. O índice de acidez foi avaliado com base na norma ABNT NBR 14448:2009. A determinaçao da viscosidade cinemática foi feita segundo a norma ASTM D 445:2006.
RESULTADOS E DISCUSSAO A estabilidade de um biodiesel é a resistência deste a um conjunto de modificaçoes químicas que sao inerentes ao processo de estocagem por longos períodos. O contato com o ar, calor e água sao os principais fatores que afetam a estabilidade ao armazenamento.34 Este trabalho avaliou alguns dos principais parâmetros indicadores de estabilidade do biodiesel que podem ser alteradas no processo de estocagem. Os recipientes utilizados foram frascos de plástico e vidro com capacidade de 100 mL, e lata com capacidade de 500 mL. Sendo que o volume de biodiesel armazenado nos três recipientes foi de 100 mL. Caracterizaçao dos óleos A composiçao percentual relativa do óleo de soja virgem e de óleo de fritura está apresentada na Tabela 1.
A composiçao dos óleos de soja e de fritura apresentaram os mesmos ácidos graxos, variando em seu percentual relativo. O biodiesel de óleo de fritura apresentou 80,63% de compostos insaturados e o de soja 84,71%, indicando degradaçao das insaturaçoes. Rendimento do processo de transesterificaçao Após cada reaçao, foram recuperados 2,36 kg de biodiesel de óleo virgem e 2,38 kg de biodiesel de óleo de fritura. Obtiveram-se 0,62 kg de glicerina para o biodiesel de óleo de soja virgem e 0,66 kg para biodiesel de óleo de fritura. Teor de ésteres O teor de ésteres dos biodieseis de óleo de soja virgem e de fritura foi determinado no início do período de armazenamento e, após o acondicionamento nos respectivos recipientes, este parâmetro foi avaliado a cada 30 dias. A Resoluçao ANP N° 14 de 11.05.2012 estabelece que o teor mínimo de ésteres é de 96,5%. Os dados da Tabela 2 mostram que os ésteres preparados a partir do óleo de soja virgem e do óleo de fritura variaram o seu teor de éster ao longo da estocagem, sendo notório que a armazenagem em lata apresentou a decomposiçao mais intensa em ambos os biodieseis. Uma hipótese para este fato é o nao preenchimento total da lata, que permitiu a existência de uma camada gasosa no espaço excedente e, por exemplo ar atmosférico, e por isso, houve maior interaçao do biocombustível com o recipiente ou reaçao de oxidaçao catalizada pela superfície metálica.
Os valores de teor de ésteres do biodiesel de caixa de gordura estao listados na Tabela 3. A amostra de biodiesel de óleo de caixa de gordura foi avaliada também quanto à presença ou ausência de uma atmosfera oxidativa.
A amostra de biodiesel de caixa de gordura obteve maior alteraçao do teor de ésteres quando exposta à atmosfera oxidativa. Com relaçao à estocagem, o vidro, principalmente na ausência de nitrogênio, foi o recipiente que melhor conservou as propriedades e a composiçao dos biodieseis. A embalagem metálica, mesmo em atmosfera de gás inerte, apresentou os menores teores de ésteres. Segundo estudos envolvendo a reaçao de oxidaçao de amostras de biodiesel de fontes alternativas, o efeito catalisador de metais, como cobre, confirma a influência na modificaçao e degradaçao da estrutura de ésteres derivados de ácidos graxos, especialmente nas insaturaçoes.15 Após cento e oitenta dias de armazenamento, observou-se que os teores de ésteres do biodiesel de óleo de soja virgem armazenado em recipiente lata passou de 81,95% para 48,8% em massa, o que pode ser explicado pelo efeito catalisador do metal da lata, além do volume de 400 mL nao preenchido com biodiesel. Indice de acidez O índice de acidez e a estabilidade à oxidaçao foram os primeiros ensaios realizados, para evitar o contato das amostras com o oxigênio e com a umidade do ar. Leung e colaboradores (2006) avaliaram o índice de acidez de biodiesel de óleo de colza sob diferentes condiçoes e comprovaram que a temperatura, a presença de água e o ar atmosférico, aumentam o índice de acidez, o que indica uma maior taxa de degradaçao da amostra.35 Para as amostras de biodiesel de óleo de soja virgem e de fritura, o índice de acidez inicial foi 0,14 e 0,13 mg KOH g-1, respectivamente. Com o passar do tempo de estocagem, verificou-se que para ambos os biodieseis, armazenados em frascos de vidro ou plástico, as alteraçoes no índice de acidez obtiveram pouca variaçao, em até 0,1 mg KOH g-1. Já para os mesmos biodieseis estocados em lata, as mudanças ficaram acima de 4,0 mg KOH g-1 (Tabela 4).
O efeito catalisador dos metais da lata foi provavelmente um dos principais responsáveis pela degradaçao dos ésteres, que ao reagirem liberam ácidos graxos livres aumentando o teor de acidez. A partir de sessenta dias de estocagem, os biodieseis acondicionados em lata apresentaram índice de acidez fora da especificaçao, fazendo com que esta propriedade nao fosse mais monitorada. De acordo com a legislaçao vigente, o índice de acidez do biodiesel deve ser de até 0,5 mg KOH g-1. Altos valores de índice de acidez no biodiesel sinalizam o comprometimento em sua qualidade e sao, portanto, indesejáveis, uma vez que podem acarretar uma açao corrosiva no motor.36,37 O índice de acidez do biodiesel de óleo de caixa de gordura se manteve dentro da especificaçao por noventa dias de estocagem. Após este tempo, todas as amostras aumentaram seu valor de acidez, independente da condiçao de armazenagem. É notável um crescimento maior na acidez dos biodieseis estocados nos frascos abertos, em contato com a atmosfera oxidativa, comparado com os que foram mantidos em recipientes fechados sob atmosfera inerte (Figura 1).
Figura 1. Variaçao da acidez de biodiesel de óleo de caixa de gordura armazenado em condiçoes diferenciadas
Após duzentos e quarenta dias de armazenamento, o biodiesel de óleo de caixa de gordura acondicionado em lata aberta com acidez inicial de 0,22 mg KOH g-1 passou a apresentar o índice de acidez igual a 17 mg KOH g-1, com isso, o teor de ésteres também sofreu uma diminuiçao notável, de 92,6% para 45,0%, devido a degradaçao. Pressupoe-se, com base na literatura, que isso ocorreu porque estes ésteres foram mantidos em um ambiente favorável à hidrólise (lata, com presença de atmosfera oxidativa), o qual levou à formaçao de ácidos graxos livres. Por meio da derivatizaçao e análise por CG-EM, o teor relativo de ácidos graxos livres foi revelado, totalizando 34,34%, que corresponde a 15,50% de ácido palmítico, 12,38% de ácido linoleico e 6,46% de ácido esteárico. Indice de iodo O índice de iodo está diretamente relacionado com a estabilidade à oxidaçao e fornece o teor de insaturaçao de uma amostra. Todavia, este ensaio por si só nao pode predizer a estabilidade do biodiesel, uma vez que quantifica as ligaçoes duplas sem distinçao da sua posiçao na molécula, o que é substancial em termos de reatividade. Assim, o índice de iodo é importante para confirmar, juntamente com os outros testes, se as amostras de biodiesel têm a possibilidade de formar subprodutos lipídicos, os quais poderao causar entupimento em um motor.15 No Brasil, nao há exigência quanto aos limites de índice de iodo para o biodiesel, de modo que a legislaçao vigente solicita apenas a averiguaçao deste parâmetro (Resoluçao ANP N° 14 de 11.05.2012). Pela Norma Europeia, o índice de iodo deve estar próximo de 120 g I2 100 g-1. As amostras de biodiesel de óleo de soja virgem e de fritura apresentaram valores de iodo iniciais muito similares, sendo 123,70 g I2 100 g-1 e 123,00 g I2 100 g-1, respectivamente. Com o passar do tempo, ambas sofreram diminuiçao do índice de iodo (Tabela 5), sendo que as amostras armazenadas em latas tiveram reduçoes mais significativas, causadas pela perda das duplas ligaçoes. Esse efeito pode ser mais uma vez atribuído ao efeito catalítico dos metais constituintes do recipiente, que favorecem a ocorrência de reaçoes químicas.
O índice de iodo também varia com o tipo de matéria-prima empregada na produçao de biodiesel, devido à composiçao dos triacilgliceróis em cada matriz.38,39 Por este motivo, é possível notar que os índices de iodo dos biodieseis de óleo de soja virgem e de fritura diferem do biodiesel oriundo do óleo de caixa de gordura. Observando a variaçao do índice de iodo deste biodiesel sob condiçoes de armazenamento distintas, foi notada uma maior preservaçao das insaturaçoes para a amostra armazenada em vidro fechado. Seu comportamento está mostrado na Figura 2.
Figura 2. Indice de iodo do biodiesel de óleo de caixa de gordura
O biodiesel de óleo de caixa de gordura mostrou um comportamento similar aos biodieseis produzidos neste trabalho. Verificou-se que sob todas as condiçoes de armazenamento, houve um aumento do índice de iodo seguido de leve queda. Isso evidencia que a composiçao química desse material está em constante transformaçao. Viscosidade cinemática A viscosidade cinemática é a medida da resistência ao escoamento e é considerada uma importante propriedade dos combustíveis, pois pode comprometer o desempenho do motor.40 Os óleos vegetais sao transformados em biodiesel para que possuam uma menor viscosidade e melhorem a atomizaçao, o que evita depósitos, desgaste do motor e elevado consumo de energia.41,42 A viscosidade do biodiesel é maior com o aumento da cadeia de carbonos, grau de insaturaçao do triacilglicerol e presença de ácidos graxos livres. Amostras insaturadas com configuraçao cis sao mais viscosas que aquelas com configuraçao trans. Já a posiçao da dupla ligaçao nao interfere tao significativamente na viscosidade.43 Os resultados dessa pesquisa mostraram que a viscosidade se manteve com pouca variaçao, tanto para o biodiesel de óleo de soja virgem, quanto para o biodiesel de óleo de fritura armazenado em recipiente de plástico e vidro. Ao longo de duzentos e dez dias de armazenamento, a média da viscosidade cinemática medida a 40 °C para o biodiesel de óleo de soja virgem armazenado em plástico e em vidro ficou 3,784 mm² s-1 e 3,674 mm² s-1, respectivamente. Para o biodiesel de óleo de fritura, a média para este mesmo período e condiçao de armazenamento foi similar, sendo 3,993 mm² s-1 para o recipiente de plástico e 3,873 mm² s-1 para o estocado em vidro. Estes valores estao em conformidade com a legislaçao brasileira, que estipula a faixa de viscosidade para o biodiesel entre 3,0 e 6,0 mm² s-1 a 40 °C (Resoluçao ANP N° 14 de 11.05.2012). O biodiesel de óleo de caixa de gordura também apresentou uma viscosidade estável durante o período de armazenamento em plástico e vidro. Embora a viscosidade deste biocombustível nao tenha sido significativamente afetada ao ser submetido às condiçoes de armazenagem descritas, nao é possível afirmar que o vidro e o plástico sao materiais adequados para a estocagem de biodiesel, uma vez que outras características devem ser avaliadas tornando o estudo mais conclusivo. Os biodieseis armazenados em lata tiveram aumento considerável nas suas viscosidades. O efeito catalisador dos metais é o principal responsável por esse resultado, uma vez que os metais presentes na lata desencadeiam reaçoes químicas que levam à formaçao de produtos de polimerizaçao, os quais aumentam a viscosidade do biocombustível e comprometem sua estabilidade à oxidaçao.39,43 Até mesmo em baixas concentraçoes a presença dos metais é indesejável no biodiesel.20,44 Como pode ser visualizado na Figura 3, os três tipos de biodiesel estudados apresentaram alteraçoes nas suas viscosidades, devido ao acondicionamento em embalagem metálica. Ainda deve ser considerada a condiçao diferenciada da capacidade da lata metálica, com um "headspace" de 400 mL. A Figura 3 também mostra que, nos primeiros noventa dias, as amostras de biodiesel armazenadas em lata se mantiveram mais preservadas, no entanto, após este período, as alteraçoes na viscosidade se intensificaram e ultrapassaram o limite máximo estipulado pela legislaçao brasileira, que é de 6 mm² s-1.
Figura 3. Viscosidade de biodiesel armazenado em lata
Estabilidade à oxidaçao A oxidaçao pode ser promovida por temperatura elevada, presença de materiais estranhos, tais como metais, condiçoes de estocagem, absorçao de água, presença de microrganismos, por auto oxidaçao natural e pelo contato com ar.20,45 Analisando as condiçoes de estocagem do biodiesel de óleo de caixa de gordura (em plástico, lata, vidro, na presença e ausência de nitrogênio), verificou-se que somente a amostra armazenada em frasco de vidro em presença de nitrogênio se manteve preservada por mais tempo (Figura 4, Tabela 6), sendo, 7,420 h em seu tempo inicial e 2,890 h após trezentos e sessenta dias. As demais amostras apresentaram poucos minutos de estabilidade.
Figura 4. Estabilidade à oxidaçao em condiçoes de estocagem diferenciadas
A oxidaçao dos biodieseis analisados pode ser atribuída a fatores conhecidos teoricamente, contudo, alguns ensaios realizados permitiram inferir que as causas da oxidaçao foram a natureza insaturada do triacilglicerol, o contato com atmosfera oxidativa e a estocagem em reservatório metálico com açao catalítica. Outros testes como a determinaçao do teor de água e os ensaios microbiológicos ainda podem ser realizados para melhorar a compreensao sobre os motivos da oxidaçao. Pela legislaçao brasileira, a estabilidade à oxidaçao mínima deve ser de 6 horas a 110 °C, o que leva a aconselhar que a utilizaçao deste biodiesel deve ser imediata, caso nao sejam adicionados antioxidantes, dado que longos períodos de estocagem contribuem para a sua degradaçao.46 Avaliaçao da estabilidade das misturas As misturas foram obtidas por meio da adiçao de biodiesel de óleo de fritura com biodiesel de óleo virgem, nas proporçoes de 1%, 5% e 10% (m/m). Os resultados da avaliaçao das propriedades das misturas no início e após sessenta dias de estocagem estao apresentados na Tabela 7.
Ao longo do período de estocagem notou-se variaçao nas três propriedades das misturas, no entanto, o índice de acidez se manteve praticamente constante. Houve diminuiçao significativa na estabilidade à oxidaçao e no teor de ésteres, porém, deve-se considerar que estas misturas nao possuem nenhum tipo de conservante, que se empregado, poderia diminuir a degradaçao deste biocombustível. A utilizaçao de biodiesel de óleo de fritura em misturas pode ser uma alternativa interessante do ponto de vista econômico e ecológico. CONCLUSAO Biodieseis oriundos de óleo de fritura e óleo de soja virgem foram produzidos neste trabalho, empregando transesterificaçao básica com metanol, que promoveu a conversao de ésteres superior ao mínimo exigido pela especificaçao. A partir desses dois biodieseis, foram preparadas misturas com proporçoes mássicas de 1%, 5% e 10% de biodiesel de óleo de fritura diluído no biodiesel de óleo de soja virgem. Um biodiesel de óleo de caixa de gordura também foi avaliado neste estudo. Tanto os biodieseis na forma pura (provenientes de óleo virgem, oléo de fritura e caixa de gordura) como as misturas preparadas foram armazenados em condiçoes diferenciadas e tiveram seus parâmetros físico-químicos indicativos de estabilidade monitorados ao longo do tempo. Entre estes parâmetros estao o índice de iodo, a viscosidade, o índice de acidez e o teor de ésteres que, ao serem averiguados, evidenciaram que as condiçoes de armazenamento sao cruciais para a manutençao das propriedades do biodiesel. A estocagem em lata em contato com o ar atmosférico nao é aconselhável, devido ao efeito catalítico dos metais na degradaçao do biocombustível, fato que levou a um reduzido teor de ésteres (48,8% para o biodiesel de óleo de soja virgem e 61,5% para o óleo de fritura). Em consequência da degradaçao dos ésteres, houve um aumento no índice de acidez, que, após noventa dias de estocagem em lata, sobressaiu os limites aceitáveis pela legislaçao vigente. A viscosidade do biodiesel armazenado em lata também foi afetada de maneira negativa, indicando a baixa qualidade do combustível ao final do período avaliado. Este estudo também revelou que o armazenamento em plástico e em vidro é mais adequado e pode ser melhorado quando submetido à atmosfera de nitrogênio. O monitoramento do índice de acidez, da estabilidade à oxidaçao e do teor de ésteres das misturas apontou a possibilidade de utilizaçao imediata de biodiesel de óleo de fritura misturado ao biodiesel de óleo virgem em proporçoes de até 5% (m/m). Os resultados sugerem que deve ser feita a adiçao de antioxidantes para evitar a deterioraçao dos ésteres.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à CAPES pela bolsa de pesquisa e ao CNPq (Processo 558724/2010-8) pelo apoio financeiro. Os autores também agradecem a ECO 100 Desenvolvimento Sustentado Ltda e a Companhia Estadual de Aguas e Esgotos-CEDAE da cidade do Rio de Janeiro pelo fornecimento do produto testado neste trabalho.
REFERENCIAS 1. Santori, G.; Di Nicola, G.; Moglie, M.; Polonara, F.; Appl. Energy 2012, 92, 109. 2. Ramos, L. P.; Kothe, V.; César-Oliveira, M. A. F.; Muniz-Wypych, A. S.; Nakagaki, S.; Krieger, N.; Wypych, F.; Cordeiro, C. S.; Rev. Virtual Quim. 2017, 9, 317. 3. Ramos, L. P.; Silva, F. R.; Mangrich, A. S.; Cordeiro, S.; Kothe, V.; César-Oliveira, M. A. F.; Muniz-Wypych, A. S.; Nakagaki, S.; Krieger, N.; Wypych, F.; Cordeiro, C. S.; Rev. Virtual Quim. 2011, 3, 385. 4. Ramachandran, K.; Sivakumar, P.; Suganya, T.; Renganathan, S.; Bioresour. Technol. 2011, 102, 7289. 5. Cunha, A.; Feddern, V.; De Prá, M. C.; Higarashi, M. M.; de Abreu, P. G.; Coldebella, A.; Fuel 2013, 105, 228. 6. Choi, O. K.; Song, J. S.; Cha, D. K.; Lee, J. W.; Bioresour. Technol. 2014, 166, 51. 7. Silva, T. A.; de Assunçao, R. M. N.; Vieira, A. T.; de Oliveira, M. F.; Batista, A. C. F.; Fuel 2014, 136, 10. 8. Silva, G. S.; Marques, E. L. S.; Dias, J. C. T.; Lobo, I. P.; Gross, E.; Brendel, M.; Da Cruz, R. S.; Rezende, R. P.; Appl. Soil Ecol. 2012, 55, 27. 9. Kleinová, A.; Cvengrosová, Z.; Cvengros, J.; Fuel 2013, 109, 588. 10. Jain, S.; Sharma, M. P.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2011, 15, 438. 11. Freire, L. M. D. S.; Santos, I. M. G. Dos; De Carvalho Filho, J. R.; Cordeiro, A. M. T. D. M.; Soledade, L. E. B.; Fernandes, V. J.; De Araujo, A. S.; De Souza, A. G.; Fuel 2012, 94, 313. 12. Demirbas, A.; Energy Convers. Manage. 2009, 50, 923. 13. Banković-Ilić, I. B.; Stamenković, O. S.; Veljković, V. B.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2012, 16, 3621. 14. Ashraful, A. M.; Masjuki, H. H.; Kalam, M. A.; Rizwanul Fattah, I. M.; Imtenan, S.; Shahir, S. A.; Mobarak, H. M.; Energy Convers. Manage. 2014, 80, 202. 15. Pullen, J.; Saeed, K.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2012, 16, 5924. 16. Berrios, M.; Martín, M. A.; Chica, A. F.; Martín, A.; Fuel 2012, 91, 119. 17. Dantas, M. B.; Albuquerque, A. R.; Barros, A. K.; Rodrigues Filho, M. G.; Antoniosi Filho, N. R.; Sinfrônio, F. S. M.; Rosenhaim, R.; Soledade, L. E. B.; Santos, I. M. G.; Souza, A. G.; Fuel 2011, 90, 773. 18. Thompson, M. R.; Mu, B.; Ewaschuk, C. M.; Cai, Y.; Oxby, K. J.; Vlachopoulos, J.; Fuel 2013, 108, 771. 19. Na-Ranong, D.; Kitchaiya, P.; Fuel 2014, 122, 287. 20. Jakeria, M. R.; Fazal, M. A.; Haseeb, A. S. M. A.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2014, 30, 154. 21. Fazal, M. A.; Jakeria, M. R.; Haseeb, A. S. M. A.; Rubaiee, S.; Energy 2017, 135, 220. 22. Karavalakis, G.; Hilari, D.; Givalou, L.; Karonis, D.; Stournas, S.; Energy 2011, 36, 369. 23. García, M.; Botella, L.; Gil-Lalaguna, N.; Arauzo, J.; Gonzalo, A.; Sánchez, J. L.; Fuel Process. Technol. 2017, 156, 407. 24. Varatharajan, K.; Pushparani, D. S.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2018, 82, 2017. 25. Agarwal, A. K.; Khurana, D.; Fuel Process. Technol. 2013, 106, 447. 26. Pinho, D. M. M.; Santos, V. O.; dos Santos, V. M. L.; Oliveira, M. C. S.; da Silva, M. T.; Piza, P. G. T.; Pinto, A. C.; Rezende, M. J. C.; Suarez, P. A. Z.; Fuel 2014, 136, 136. 27. Botella, L.; Bimbela, F.; Martín, L.; Arauzo, J.; Sánchez, J. L.; Front. Chem. 2014, 2, 1. 28. Christensen, E.; McCormick, R. L. Fuel Process. Technol.; 2014, 128, 339. 29. Pullen, J.; Saeed, K.; Fuel Process. Technol. 2014, 125, 223. 30. Jain, S.; Sharma, M. P.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2011, 15, 438. 31. Issariyakul, T.; Kulkarni, M. G.; Dalai, A. K.; Bakhshi, N. N.; Fuel Process. Technol. 2007, 88, 429. 32. Beheshti, S.; Turkish J. Chem. 2003, 27, 251. 33. Wisniewski, A.; Wiggers, V. R.; Simionatto, E. L.; Meier, H. F.; Barros, A. A. C.; Madureira, L. A. S.; Fuel 2010, 89, 563. 34. The Biodiesel Handbook; Knothe, G., Krahl, J., Van Gerpen, J., eds.; AOCS Press: Champaign, 2005; Vol. 1. 35. Leung, D. Y. C.; Koo, B. C. P.; Guo, Y.; Bioresour. Technol. 2006, 97, 250. 36. Demirbas, A. Energy Convers. Manage. 2008, 49, 125. 37. Albuquerque, G.; Dissertaçao de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, 2006, p. 100. 38. Hoekman, S. K.; Broch, A.; Robbins, C.; Ceniceros, E.; Natarajan, M.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2012, 16, 143. 39. Yaakob, Z.; Narayanan, B. N.; Padikkaparambil, S.; Unni K. S.; Akbar P. M.; Renewable Sustainable Energy Rev. 2014, 35, 136. 40. Martinez, E. M.; Tormos, B.; Bermúdez, V.; Andrés, L.; Macián, V.; Tormos, B.; Bermúdez, V.; Ramírez, L.; Tribol. Int. 2014, 79, 132. 41. Maher, K. D.; Bressler, D. C.; Bioresour. Technol. 2007, 98, 2351. 42. Knothe, G.; Fuel Process. Technol. 2005, 86, 1059. 43. Knothe, G.; Steidley, K. R.; Fuel 2005, 84, 1059. 44. Jain, S.; Sharma, M. P.; Fuel 2014, 116, 14. 45. Knothe, G.; Fuel Process. Technol. 2007, 88, 669. 46. Chen, Y.-H.; Luo, Y.-M.; Fuel Process. Technol. 2011, 92, 1387. |
On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
Qu�mica Nova
Publica��es da Sociedade Brasileira de Qu�mica
Caixa Postal: 26037
05513-970 S�o Paulo - SP
Tel/Fax: +55.11.3032.2299/+55.11.3814.3602
Free access