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Caracterização de obstáculos epistemológicos na concepção de licenciandos em química que dificultam o desenvolvimento do conhecimento profissional docente Characterization of epistemological obstacles in the conception of students of chemistry that hamper the development of teaching professional knowledge |
Graziele B. O. PenaI; Nyuara A. S. MesquitaII,*
I. Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, 78698-000 Pontal do Araguaia - MT, Brasil Recebido em: 22/12/2017 *e-mail: nyuara@ufg.br The change in the way of teaching Chemistry requires, among others aspects, the rupture of established teaching practices and involves the professional development of teachers. Several conditions are necessary for such changes to take place, such as the recognition and legitimation of a specific knowledge to teach Chemistry as the Pedagogical Knowledge of Chemistry Content (PCKC) and the identification and characterization of obstacles that hamper the development of this professional knowledge. In this context, this article aims to describe the characterization of two epistemological obstacles: valorative obstacle and experiential obstacle, identified in the concept of undergraduate students of Chemistry Degree. The identification of obstacles of an epistemological nature in the concept of future Chemistry teachers can contribute to the improvement of the teacher training, since it gives subsidies to promote the learning of professional knowledge in Chemistry and perhaps to strengthen the professionalization of this career. INTRODUÇAO A relaçao entre ciência, sociedade e tecnologia1 pode ser compreendida como um dos aspectos que justificam a necessidade dos indivíduos se apropriarem de conhecimentos que lhes tornem capazes de tomarem decisoes de forma consciente e crítica. Diante da mudança de comportamento que a sociedade tem vivenciado nos últimos anos, é necessária a compreensao de que nao podemos ensinar química como essa era ensinada em décadas passadas.2,3 De acordo com os documentos orientadores da educaçao nacional e com as atuais tendências explicitadas por pesquisadores da área de Ensino de Química, os conhecimentos químicos têm o importante papel no processo de alfabetizaçao científica.4,5 Nesse sentido, Sasseron e Carvalho6 explicitam que o termo alfabetizaçao científica designa as ideias de:
Nessa perspectiva, as propostas curriculares destacam que a Química,7
Chassot8 salienta que um dos questionamentos que usualmente se faz ao ensino é a respeito de sua quase inutilidade na construçao de uma cidadania mais crítica e afirma que: "[...] se os estudantes nao tivessem, por exemplo, durante três anos a disciplina de Química no ensino médio eles nao seriam muito diferentes no entender os fenômenos químicos. Nosso ensino é literalmente (in)útil [...]" (p.41). Segundo Maldaner,9 a mudança na forma de ensinar Química é demasiado complexa e, para tal, necessita-se de uma mudança de paradigma e de ruptura de práticas já instauradas, "[...] a ruptura do círculo vicioso em que se encontra o atual programa de ensino de Química nao é uma tarefa tao simples" (p.221). Mellado,10 ao argumentar sobre a complexidade do processo de mudança e desenvolvimento profissional de professores de ciências, afirma que sao necessárias muitas condiçoes para fazer alteraçoes e indica a existência de obstáculos que dificultam ou impossibilitam os professores de mudar suas concepçoes e modelos didáticos. Compreende-se que a mudança na forma de ensinar depende do professor e de seu desenvolvimento profissional e está implicada neste processo a superaçao de obstáculos. Desta forma, se faz necessário compreender melhor quais obstáculos impedem a mudança de paradigma e de modelo didático por professores de Química, bem como a melhoria do desenvolvimento do conhecimento profissional docente. Neste viés é que se estrutura o objetivo desta pesquisa, que visa caracterizar obstáculos epistemológicos na concepçao de licenciandos em Química que dificultam o desenvolvimento do conhecimento profissional específico para a docência em Química, que adotamos como Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de Química (CPCQ).11 O universo de estudo relaciona-se a licenciandos de Química em fase de conclusao da formaçao inicial matriculados no último estágio supervisionado do curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Mato Grosso do Campus Universitário do Araguaia. A identificaçao de obstáculos de natureza epistemológica na concepçao de futuros professores de Química pode colaborar com reflexoes sobre questoes formativas uma vez que subsidia discussoes que podem promover a aprendizagem do conhecimento profissional docente em Química e quiçá fortalecer a profissionalizaçao dessa carreira. Conhecimento profissional docente: caminhos para profissionalizaçao e melhoria da formaçao de professores. A formaçao inicial e a prática pedagógica do professor têm sido responsabilizadas pelos problemas apontados no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes da educaçao básica, como atentam os autores Costa et al.12 Entretanto, essa responsabilizaçao evidencia o desconhecimento dos vários fatores que envolvem esse complexo processo. Gatti13 menciona alguns desses fatores:
Segundo Marcelo,14 a formaçao de professores e a melhoria da educaçao sao processos indissolúveis. Deste modo, mudanças no processo de ensino-aprendizagem só serao alcançadas se houver o reconhecimento de que este processo é imbricado e que nao ocorrerá com esforços pueris aplicados em um ou em outro fator de forma isolada. As melhorias da formaçao inicial docente e da prática do professor dependem de diferentes fatores, dentre eles, a consolidaçao da profissionalizaçao da docência. De acordo com Montero15
O processo de profissionalizaçao da docência tem contribuído, nas últimas décadas, para a legitimaçao deste grupo profissional. Entretanto, segundo Nóvoa,16 "a afirmaçao profissional dos professores é um percurso repleto de lutas e de conflitos, de hesitaçoes e de recuos" (p. 21). A profissionalizaçao da docência é uma temática complexa, pois envolve várias questoes, como a proletarizaçao - perda de controle da totalidade do seu trabalho, questoes de jornada de trabalho, condiçoes e divisoes de trabalho, remuneraçao, autonomia e saberes profissionais e a constituiçao de um código deontológico para a profissao.17 Roldao,18 sem desconsiderar outros elementos, afirma que a centralidade do conhecimento profissional é um fator decisivo da distinçao profissional. Compreender que para a atuaçao docente é necessário haver um corpo de conhecimento profissional específico pode colaborar para a desconstruçao de concepçoes simplistas sobre o fazer docente e, consequentemente, valorizar e incentivar a profissionalizaçao do professor. O estudo de Montero15 colabora para o entendimento do processo histórico de produçao do conhecimento profissional docente, abordando dentre outras linhas de estudo as de Lee Shulman. O Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC ou PCK da expressao em inglês Pedagogical Content Knowledge) proposto por Shulman19,20 é o conceito que mais tem contribuído para a definiçao do conhecimento profissional docente que distingue o professor do especialista. Maldaner21 defende que deve haver um conhecimento específico para a formaçao do educador químico:
Vários estudos e debates têm sido realizados para melhorar o entendimento do PCK em diversas áreas, inclusive estudos e propostas de modelos de PCK para a área de ensino de ciências e Química.22-25 Há ainda estudos que se dedicam à utilizaçao e análise do PCK na formaçao específica de professores de Química.29-31,21 Pena e Mesquita,11 a partir da análise dos trabalhos de Shulman e de trabalhos relacionados com o PCK propoem a denominaçao e definiçao de um PCK específico para a docência em Química
A base de conhecimento, segundo Pena e Mesquita11 seria composta pelos seguintes conhecimentos: Conhecimento do Conteúdo, Conhecimento Pedagógico, Conhecimento Curricular, Conhecimento dos Alunos, Conhecimento dos Contextos, Conhecimento dos Fins e Conhecimento Pedagógico do Conteúdo Tecnológico. Discussoes que permitem a definiçao de um conhecimento específico para a docência em Química sao importantes para valorizar e fortalecer a formaçao e a carreira docente. Entretanto, mesmo que os conhecimentos profissionais para a docência em Química sejam clarificados, compreendidos e que façam parte do currículo de formaçao de professores, nao podemos deixar de considerar a pouca influência da formaçao inicial de professores para o exercício da docência. Mellado,29 em seu estudo, verificou que as concepçoes de professores de ciência sao pouco alteradas pela formaçao universitária. Tardif e Raymond30 também afirmam que crenças adquiridas na formaçao ambiental dificilmente sao desconstruídas pela formaçao inicial.
Neste contexto, as experiências e crenças adquiridas durante a formaçao ambiental dificultam a formaçao de professores no que tange à aprendizagem de conhecimentos específicos para o exercício da docência e colaboram para que a formaçao docente tenha um papel secundário sobre o pensamento e a prática dos professores. Ao pensar em uma necessária ruptura do conhecimento adquirido pela formaçao ambiental, conhecimento este que contribui para obstacularizar a compreensao e desenvolvimento do conhecimento profissional, percebemos relaçoes possíveis com a epistemologia bachelardiana, especialmente, com o conceito de obstáculo epistemológico, que pode contribuir para melhorar a compreensao sobre o processo formativo para a docência em Química, tendo em vista uma formaçao menos pautada em conhecimentos de senso comum do fazer docente. A epistemologia bachelardiana e o conceito de obstáculos epistemológicos Epistemólogo francês, Gaston Bachelard viveu entre 1884 a 1962 e vivenciou um período de grandes revoluçoes na ciência, notadamente da Física Relativística e da Mecânica Quântica.31 Bachelard contribuiu especialmente no campo da história da ciência com críticas ao pensamento comum para o desenvolvimento da ciência contemporânea e com a ideia de espírito científico, teceu ainda críticas ao "realismo ingênuo, ao empirismo e ao racionalismo cartesiano que permeiam os discursos e as práticas científicas"32 (p.312). Um dos conceitos da epistemologia bachelardiana refere-se a obstáculo epistemológico, descrito por ele em 1938, que o define da seguinte maneira:33
O epistemólogo discute vários tipos de obstáculos epistemológicos, tais como: opiniao, experiência primeira, conhecimento geral, verbal, conhecimento unitário e pragmático, substancialista, animista dentre outros.33 Segundo Bachelard33 o ato de conhecer se dá contra um conhecimento anterior eliminando conhecimentos mal estabelecidos e este afirma que "um obstáculo epistemológico se incrusta no conhecimento nao questionado" (p.19). A ruptura com o conhecimento de senso comum e a compreensao do processo de construçao do conhecimento científico seria possível, segundo Bachelard, à medida que os obstáculos epistemológicos fossem superados. A noçao de obstáculo epistemológico segundo Bachelard pode ser estudada no desenvolvimento histórico do pensamento científico e também na prática da educaçao, conforme explicita Lopes:32
Bachelard diz se sentir surpreendido que os professores de ciências, mais até que outros professores, nao compreendam que alguém nao compreenda. Segundo o epistemólogo francês a aprendizagem de uma cultura científica depende de uma psicanálise dos erros iniciais dos alunos:33
Pesquisas sobre obstáculos epistemológicos que dificultam a aprendizagem dos conhecimentos da ciência Química por alunos foram realizadas por Lopes.31,32,34,35 Baseando-se no conceito de obstáculo epistemológico de Bachelard aplicado para contextos de sala de aula, Brosseau apresenta a perspectiva de obstáculo didático e argumenta que este se configuraria pela falta de domínio dos conceitos fundamentais de matemática pelo professor e, como consequência, causaria dificuldade de aprendizagem dos alunos. De acordo com Gomes:36
Estudos como os de Brosseau colaboraram para a aplicaçao da epistemologia bachelardiana no campo da didática e no contexto da formaçao de professores. Porlán et al.37 mencionam que os obstáculos de natureza espistemológica de Bachelard foram utilizados por diferentes autores que transferiram o conceito para o campo da didática das ciências e ampliaram seu significado. Em suas pesquisas, Porlán e colaboradores aplicam o conceito de obstáculo epistemológico para o caso dos professores relacionado ao processo de desenvolvimento do conhecimento profissional docente.37-39
Mellado10 se baseia em uma analogia com a mudança científica na filosofia da ciência para analisar os processos de mudança de concepçoes e práticas educativas de professores de ciências. Bachelard, sobre as razoes necessárias à psicanálise da razao e consequentemente aprendizagem de uma cultura científica, afirma que elas nao se aplicam somente ao ensino de ciências, podem também ser generalizadas a qualquer esforço educativo e menciona essa generalizaçao no caso de professores.
Bachelard destaca a importância de detectar obstáculos epistemológicos para o caso dos professores, no que diz respeito à possível mudança de método pedagógico. Nesse sentido adotamos em nossa pesquisa a perspectiva bachelardiana de obstáculo epistemológico aplicada ao caso dos professores de Química para identificar obstáculos epistemológicos na concepçao de futuros professores de Química relacionados com dificuldades para o desenvolvimento pelo professor de seu conhecimento profissional docente, o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de Química - CPCQ. A partir do conhecimento desses obstáculos poderemos discutir caminhos para melhoria da formaçao acadêmica do professor de Química e quiçá dar subsídios para mudanças das práticas docentes relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem que se pautem em modelos didáticos mais atuais de ensino dessa ciência.
CAMINHOS METODOLOGICOS Para identificar obstáculos epistemológicos nas concepçoes de futuros professores de Química acerca do conhecimento profissional docente entendemos ser necessário compreender o conhecimento objetivo do educando para retirar dele seu caráter subjetivo, pois só aí poderíamos identificar obstáculos incrustados no conhecimento prévio dos sujeitos de pesquisa. A metodologia adotada por essa pesquisa se caracteriza pela investigaçao qualitativa. Segundo Bodgan e Biklen (1982 apud Lüdke e André)40 a pesquisa qualitativa:
Já a análise de dados foi realizada segundo os pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD) proposta por Moraes e Galiazzi.41
A análise textual discursiva num ciclo de análise que se contitui de três elementos: unitarizaçao, categorizaçao e comunicaçao, possibilita um movimento do qual emergem novas compreensoes com base na auto-organizaçao.42 A decisao de investigar a concepçao de licenciandos em Química que estivessem por concluir a graduaçao foi baseada na premissa de que poderíamos verificar a concepçao deles em relaçao ao conhecimento profissional docente sem grandes influências do processo de socializaçao que ocorre no início da carreira docente, já que nesta fase da docência ocorrem várias mudanças de concepçoes.43 O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Goiás e, após parecer favorável, iniciamos a coleta de dados que ocorreu durante um semestre e se deu pela aplicaçao de instrumentos de coleta de dados (questionário e entrevista) e pelo acompanhamento das aulas (observaçao participante) da última disciplina de estágio supervionado do curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia. Todos os alunos da disciplina concordaram em participar da pesquisa, totalizando um universo de dezesseis participantes que realizaram estágios em diferentes escolas e em duplas. Os Termos de Livre Consentimento foram assinados por todos os participantes e as identidades deles serao mantidas em sigilo. Cada sujeito de pesquisa recebeu um código de identificaçao que se inicia pelas letras "SP" cujo o significado é "Sujeito de Pesquisa" e é seguido por um número que varia de 01 a 16 de acordo com o número de cada participante da pesquisa. O acompanhamento presencial se deu apenas nos encontros de estágio realizados pela professora da disciplina no campus da universidade, que totalizaram oito encontros de quatro horas cada, ou seja, os participantes da pesquisa nao foram acompanhados durante a realizaçao do estágio nas escolas. Além desse acompanhamento na forma de observaçao participante, foi aplicado um questionário de dez questoes no início do semestre, respondido por quatorze sujeitos de pesquisa (dois faltaram no dia em que o questionário foi aplicado) e o outro instrumento de coleta de dados aplicado, foram as entrevistas com característica de microgrupofocal. Os sujeitos de pesquisa foram entrevistados tanto individualmente, quanto em dupla e em trio, seguindo o mesmo padrao de divisao das equipes que realizaram o estágio. As entrevistas foram realizadas quase no final do semestre e tiveram em média de 15 a 50 min e foram concedidas por um total de treze participantes. A observaçao participante constituiu um instrumento para orientaçao da análise do questionário e da entrevista, uma vez que, possibilita conhecer melhor os sujeitos de pesquisa. Dessa forma, suas contribuiçoes sao menos visíveis, mas, nao menos importantes do que aquelas advindas dos outros instrumentos metodológicos utilizados nessa pesquisa. As perguntas do questionário foram elaboradas com foco no conhecimento profissional específico para a docência em Química (Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de Química - CPCQ) e com os sete conhecimentos da base de ensino de Química mencionados anteriormente. A entrevista também teve como objetivo investigar as concepçoes dos sujeitos de pesquisa com o mesmo foco, entretanto, foi realizada após os sujeitos de pesquisa terem concluído a regência do estágio. Metodologia de análise dos dados Segundo Moraes e Galiazzi,41 a primeira etapa da ATD denominada unitarizaçao consiste na desconstruçao/fragmentaçao dos dados em unidades de análise com aspectos específicos definidos coerentemente com o objetivo da pesquisa e do objeto de investigaçao. Conforme os autores, "unitarizar um conjunto de textos é identificar e salientar enunciados que os compoem" (p.114). Na primeira etapa da análise foram realizadas desmontagens dos textos das respostas do questionário para cada sujeito de pesquisa e das entrevistas. Nesse processo de desmontagem dos textos, foram identificadas as unidades de sentido relacionadas com os conhecimentos da base de ensino de Química e o CPCQ conforme representado na Tabela 1. Importante ressaltar que essas unidades de sentido emergiram em estreita relaçao com a perspectiva teórica que conduz o olhar do pesquisador e que, na investigaçao em questao, relaciona-se aos conhecimentos de Shulman que sustentam a construçao de uma nova perspectiva de conhecimentos necessários ao professor de química. Moraes42 afirma que:
Deste modo, para a codificaçao dos dados foi atribuído uma letra correspondente aos instrumentos de coleta de dados como: "Q" para questionário e "E" para entrevista. Para a codificaçao das unidades de sentido advindas do questionário adicionamos um número que corresponde a cada questao, seguida por um símbolo de underline mais o código de identificaçao do sujeito de pesquisa que respondeu a questao. Assim o código Q04_SP14 indica que a unidade de sentido está no material advindo do questionário, questao quatro respondida pelo sujeito de pesquisa identificado pelo número quatorze. Depois as unidades de sentido advindas do questionário foram justapostas com as unidades de sentido advindas da entrevista e em seguida iniciamos a próxima etapa da ATD denominada de categorizaçao, que implica a busca em "[...] construir relaçoes entre as unidades de base, combinando-as e classificando-as no sentido de compreender como esses elementos unitários podem ser reunidos na formaçao de conjuntos mais complexos, as categorias"42 (p 191). O processo de categorizaçao foi de natureza indutiva e subjetiva, ou seja, esse processo produz categorias emergentes. Importante ressaltar que, embora a perspectiva da existência dos obstáculos possa ser considerada a priori, a emergência destes explicitados em suas características como categorias, deu-se a posteriori a partir da imersao nos dados. Um exemplo da forma de entrelace das unidades no processo de construçao das categorias pode ser identificado na Figura 1.
A partir do processo de categorizaçao emergiram os obstáculos epistemológicos que buscávamos caracterizar e que foram denominados: Obstáculo Valorativo e Obstáculo Experencial. Ambas as categorias foram concebidas pela uniao das unidades de sentido relacionadas com o conhecimento profissional específico para a docência em Química e com o conhecimento do conteúdo e, a partir delas, pudemos nos aproximar da concepçao dos participantes da pesquisa e entender como essas concepçoes podem obstacularizar o desenvolvimento do conhecimento profissional para a docência em Química. Uma observaçao importante que fazemos é que toda essa problemática relacionada a aspectos que entravam a apropriaçao dos saberes docentes específicos da formaçao de professores de química já estao postos na literatura,2,3,8,9,11 mas o que propomos nessa pesquisa é uma compreensao para essas questoes em termos de obstáculos epistemológicos, pois entendemos que há um conhecimento vinculado à formaçao do professor de Química que é construído no processo formativo sendo este conhecimento de natureza específica: o CPCQ.
RESULTADOS E DISCUSSAO Ao estabelecermos relaçoes entre as unidades de sentido no processo de categorizaçao, cunhamos alguns termos com vistas à promoçao da discussao sobre os obstáculos epistemológicos presentes na concepçao de licenciandos de Química que dificultam o desenvolvimento e a compreensao do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de Química (CPCQ). A seguir sao apresentadas as discussoes referentes ao processo investigativo. Obstáculos epistemológicos ao desenvolvimento do conhecimento profissional do professor de Química - CPCQ Obstáculo Valorativo Ao investigarmos as unidades de sentido relacionadas ao conhecimento profissional específico para a docência em Química nos aproximamos de algumas concepçoes dos sujeitos de pesquisa que puderam demonstrar a relevância do conhecimento do conteúdo. Na questao oito os sujeitos de pesquisa foram questionados sobre quais conhecimentos que os professores de Química deveriam ter para ensinar, observe o gráfico (Figura 2) que representa as repostas.
Figura 2. Respostas da questao oito do questionário investigativo aplicado
Dos respondentes da questao oito (treze do total de participantes), nove deles mencionaram que o conhecimento necessário para o professor de Química ensinar seria o conhecimento do conteúdo o que corresponde a um valor aproximado de 69% das respostas dos sujeitos de pesquisa (SP_10; SP_01; SP_09; SP_15; SP_05; SP_03; SP_04; SP_06; SP_13). Analisando as respostas que constituem esse valor de 69%, 77% (SP10; SP01; SP09; SP03; SP04; SP06; SP13) delas indicaram que o conhecimento necessário para o professor seria apenas aquele relacionado como conhecimento do conteúdo. Esse valor indica nao só uma supervalorizaçao do conhecimento do conteúdo, mas também a falta do reconhecimento da existência de outros saberes necessários para o exercício da docência. Ainda analisando as respostas que se enquadram dentro dos 69%, duas delas, dadas pelos participantes SP_10 e SP_09, afirmam que, o professor deveria: "saber tudo de química" e "saber todos os conceitos de Química e de outras áreas do conhecimento relacionadas com a Química, como a Biologia, Física e Matemática, dentre outras". Nota-se uma concepçao empirista de conhecimento, uma vez que, nesse tipo de epistemologia, o conhecimento está pronto e finalizado. Talvez, por esse motivo, os sujeitos de pesquisa considerem possível saber tudo de Química ou de outras ciências. Já as respostas de SP06 e SP13 mencionam que, o professor de Química deve ter conhecimento do conteúdo em um nível geral. Nas respostas que correspondem a 31%, nao foi mencionado pelos sujeitos de pesquisa SP12, SP07, SP11 e SP14 que o conhecimento do conteúdo é um dos conhecimentos necessários ao professor de Química. Dado este, alarmante, uma vez que esses participantes nao mencionam a necessidade do conhecimento do conteúdo de Química para ensinar Química. Shulman19 identificou essa falta de atençao com o conteúdo específico e denominou-o de paradigma perdido e segundo ele era necessário melhorar o reconhecimento da importância do conhecimento de conteúdo para a formaçao e atuaçao do professor. Analisando as quatro respostas que constituem esse valor de 31%, uma menciona a necessidade do professor ser licenciado em Química (SP07), saber dar aula (SP12), conhecer sua própria identidade como docente (SP11) e uma resposta que indica nao reconhecer o saber do professor como conhecimento, observe a resposta na íntegra: Q8_SP14: Na verdade nao trato conhecimento mais sim uma formaçao que prepara da melhor maneira possível a fim de que o professor seja didático, inovador e o principal querer ser professor e nao simplesmente ser por falta de opçao. [grifo nosso] A dificuldade em reconhecer o conhecimento profissional docente é uma das consequências do obstáculo epistemológico que denominamos de obstáculo valorativo, que seria um obstáculo relacionado com a supervalorizaçao do conhecimento do conteúdo e que constituem um obstáculo à compreensao da existência do conhecimento profissional docente, ou seja, há valoraçao maior, por parte dos licenciandos, para o conhecimento de conteúdo químico. O aprofundamento da investigaçao desse obstáculo valorativo pode ser evidenciado pela fala de SP14 ao responder a quarta questao do questionário a qual foi questionado "O que significa para você dizer que os alunos aprenderam Química?" Q04_SP14: Aprender química é um processo longo a ser desenvolvido e trabalhado no ensino fundamental e médio e vejo esse aprendizado significativo como base para o cidadao e sua formaçao. Agora aprender química a fundo é um sistema complexo que demanda a fixaçao e aprendizado de conceitos. [grifo nosso] A resposta é composta por duas frases que evidenciam uma "dualidade" de significados acerca do "aprender química", ou seja, apresenta concepçoes distintas e contraditórias sobre a aprendizagem química que é mais evidendente pelo modo como a segunda frase é iniciada: "Agora aprender Química a fundo [...]". Percebemos dois tipos de concepçao de aprendizagem Química para SP14 um tipo mais "a fundo" e que demanda fixaçao e aprendizagem de conceitos e outro tipo que demanda tempo e que serve de base para a formaçao do cidadao. Devido à contradiçao presente na frase, compreendemos que a concepçao de aprendizagem relacionada com a formaçao do cidadao é entendida como sendo mais "superficial" e menos relacionada com a aprendizagem conceitual. A concepçao do sujeito acerca da aprendizagem Química exposta na segunda frase denota uma visao tradicional de ensinar Química, enquanto que na primeira frase, devido ao uso de alguns termos, como "aprendizado significativo", há uma concepçao menos tradicional e mais coerente com modelos didáticos alternativos. Além disso, essa aprendizagem, segundo SP14, demanda desenvolvimento (pelo professor) e tempo, o que poderia indicar compreensao do fazer docente segundo modelos didáticos alternativos, ou seja, demanda "certo trabalho" do professor e nao somente transmitir conteúdos. Cruzando esses dados com a análise da fala de SP11 durante parte da entrevista, percebemos também evidências de dois tipos de concepçao de aprendizagens química. SP11 menciona que no estágio utilizou a metodologia de projetos considerada por ele um método de ensino diferenciado do tradicional. Sobre a aprendizagem desse método afirmou: E_SP11: Vale mais o aprendizado do aluno do que o ensino tradicional. Mesmo que absorver menos. Percebemos na fala a existência de uma dualidade conceitual de aprendizagem e uma atribuiçao distinta de valores para esse termo. Considerando o contexto da fala e o recorte acima, percebemos que SP11 atribui ao aprendizado advindo da aplicaçao de modelos alternativos ao tradicional um maior valor, entretanto, esse valor estaria associado a aprendizagens úteis para a vida em sociedade com um menor valor em termos conceituais. SP11 indica que o ensino tradicional nao produz aprendizagens com valor para a vida em sociedade, mas a aprendizagem advinda deste modelo é considerada mais "eficiente" para aprendizagens conceituais. Ou seja, dependendo do modelo didático aplicado, tem-se aprendizagens distintas e de valores diferentes. Ao mencionar que o aluno "absorve menos" quando o modelo didático aplicado nao é o tradicional, o sujeito dá indícios de uma concepçao de aprendizagem ancorada no modelo didático tradicional, no qual a ênfase do conhecimento tem um valor em si mesmo e é:44
Ao mencionar o termo "absorve", fica evidente que SP11 compreende que o tipo de aprendizagem obtida pela aplicaçao do modelo didático tradicional é de certo modo eficiente em proporcionar aprendizagens no nível conceitual, mesmo que este modelo nao produza "certo tipo" de aprendizagem que "vale" mais para a vivência em sociedade. Durante a entrevista realizada com a dupla SP05 e SP06 foi mencionado que uma das alunas da classe que realizaram estágio possuía problemas psicológicos e nao sabia ler. Quando foram indagados pela pesquisadora sobre como lidar com estudantes com alguma dificuldade como essa aluna do estágio, SP05 respondeu: E_SP05: Aí você tem que fazer uma adaptaçao para ele voltada, para o cotidiano, para que ele entenda. Quanto ao perfil de alunos que possuem reconhecidamente limitaçoes e mais dificuldade de aprendizagem, SP05 menciona que para que ocorram aprendizagens desses alunos há a necessidade de adaptaçao e associaçao com o cotidiano, pois assim os alunos com dificuldade de aprendizagem poderiam entender. A proposiçao da "adaptaçao voltada para o cotidiano" para o ensino de Química para aluno que possui reconhecida dificuldade de aprendizagem, conforme SP05 afirma, corrobora a tese de que este tipo de ensino para alguns professores é desprovido de dificuldade porque se ensina "menos conteúdo" ou seja, é um conhecimento com menor valor em grau de aprendizagem de Química em nível conceitual. Pela análise realizada percebemos que há uma concepçao de supervalorizaçao do conhecimento do conteúdo dos participantes da pesquisa o que nos leva a definir esta concepçao como um obstáculo de natureza epistemológica, que denominaremos de obstáculo valorativo, o qual impede a compreensao e o desenvolvimento do conhecimento profissional específico para a docência em Química (CPCQ), pois:
Dessa forma, a concepçao de supervalorizaçao do conhecimento do conteúdo obstaculariza o desenvolvimento do conhecimento profissional específico para a docência em Química (CPCQ), e por isso constitui o obstáculo valorativo. Obstáculo Experencial Bachelard33 afirma que para a formaçao do espírito científico o primeiro obstáculo é a experiência primeira, pois:
A experiência vivida na condiçao de aluno, sem uma devida reflexao, propicia a internalizaçao de ideias e crenças que, muitas vezes, pode dificultar o desenvolvimento profissional docente. Dessa forma, a identificaçao de obstáculos de natureza epistemológica na concepçao de licenciandos de Química, contribui para constituir um conhecimento importante e necessário para melhorar o entendimento do processo de formaçao do professor de Química, especialmente, no que tange à constituiçao de um saber pautado em um conhecimento profissional docente especializado como o conhecimento pedagógico do conteúdo de Química (CPCQ) e promover uma superaçao do conhecimento de senso comum do fazer docente em Química. Importante salientarmos que há elementos formativos nos cursos de licenciatura que poderiam contribuir com a superaçao da perspectiva simplista que os licenciandos têm da docência. Dentre esses elementos, citam-se as Práticas como Componente Curricular (PPC). Embora sejam 400 horas que devem contemplar aspectos específicos da relaçao teoria e prática para o exercício da docência, na prática, ainda há muitas lacunas em termos de implementaçao dessa carga horária, bem como falhas que entravam um melhor aproveitamento dessas horas. Uma dessas lacunas tem relaçao com o perfil do professor formador para atuar na concretizaçao das propostas de formaçao do educador químico para a Educaçao Básica. De acordo com Maldaner,21 há carência desse profissional nas diversas instituiçoes. No caso específico da instituiçao onde se desenvolveu a pesquisa, no período em que a investigaçao aconteceu, havia apenas dois docentes com formaçao na área de Ensino de Química em atuaçao no curso. Isso posto, reafirmam-se as dificuldades em mudar concepçoes adquiridas na experiência vivida dos estudantes em relaçao ao ser professor. Porlán et al.37 citam vários trabalhos que indicam que as concepçoes dos alunos [futuros professores] interiorizadas a partir da experiência como aluno impedem/dificultam a mudança do ensino de ciência. Ao contrário de outras profissoes, o professor tem a oportunidade de conhecer bem e durante muito tempo o local onde irá trabalhar, devido ao seu tempo de permanência na escola, na condiçao de aluno.
Em decorrência dessa vivência contínua com o ambiente de sala de aula e de percepçoes do exercício da docência constituídas durante o período em que foram estudantes, denominado de formaçao ambiental, as crenças adquiridas dificilmente sao desconstruídas.9 Montero15 afirma que a experiência que todos temos como alunos faz deste ofício uma profissao familiar e que essa aproximaçao torna a atividade docente desprovida de mistério em relaçao ao fazer de outras profissoes.
A concepçao de senso comum do fazer docente é uma antiga e problemática marca na formaçao docente em Química45 segundo a qual bastaria ao professor ter apenas um "bom conhecimento da matéria, algo de prática e alguns complementos pedagógicos" (p.14). Essa concepçao de senso comum do fazer docente em Química é identificada na concepçao dos sujeitos de pesquisa investigados na análise da questao cinco (Tabela 2). Nessa questao, solicitou-se que os licenciandos definissem o bom professor de Química. As características mais mencionadas por eles foram: domínio do conteúdo; saber transmitir os conteúdos/conceitos e/ou ter didática; associaçao de conceitos com cotidiano/dia-a-dia dos alunos; modelo real de professor e domínio de turma/sala. O quadro abaixo indica as cinco características mais mencionadas, seguida dos sujeitos que as mencionaram.
Outras nove características também foram mencionadas nas respostas, entretanto, apenas uma vez cada, deste modo nao foram incluídas na Tabela 2. A seguir sao indicadas essas características: "conhecimento dos alunos" mencionada por SP04; "fazer com que os alunos participem da aula" mencionada por SP13; "cativar" os alunos mencionada por SP10; "saber usar analogias (macro-micro)" mencionada por SP14; "aulas diversificadas" mencionada por SP13; "prepara aula" mencionado por SP01; "privilegiam com aulas ótimas" mencionado por SP09; "ter conhecimento do objetivo (saber o que quer)" mencionado por SP01; "ser licenciado" considerado como item primordial por SP05. Sobre as características que definem o bom professor de Química, Talanquer25 menciona, dentre outras, a capacidade de transformaçao pedagógica do conhecimento científico e o reconhecimento da complexidade do processo de ensino-aprendizagem. Essas sao características importantes, mas que nao foram mencionadas pelos sujeitos que participaram de nossa pesquisa. A característica mais mencionada quando supervalorizada constitui o obstáculo valorativo que já foi mencionado, a segunda característica "saber transmitir os conceitos/conteúdos e ter didática" é compreendida como uma concepçao do tipo empirista na qual entende-se que a aprendizagem ocorre pela transferência do saber do professor para o aluno. A concepçao transmissiva de ensino foi identificada por Porlán et al.30 como obstáculo epistemológico de mesmo nome na concepçao de professores de ciência, além de identificarem outros obstáculos epistemológicos tais como: a aprendizagem por incorporaçao de significados externos que ignoram a existência de ideias espontâneas dos alunos e o absolutismo epistemológico no qual a mudança do ensino de ciências é dificultada pela concepçao de ciência de professores que se baseia no empirismo e que compreende a ciência como produto pronto e acabado, superior, verdadeiro e incontestável. As três primeiras características mais mencionadas indicam a concepçao que os sujeitos de nossa pesquisa possuem do conhecimento profissional específico para a docência em Química, ou seja, concebem que o conhecimento para ensinar Química seja constituído primeiramente pelo domínio do conteúdo do professor, que o transmite aos alunos de forma associada ao cotidiano/dia-a-dia dos alunos. Essa concepçao de conhecimento profissional para ensinar Química advinda da experiência nao refletida de aluno dificulta a aprendizagem e o desenvolvimento de um conhecimento profissional pautado em um concepçao diferente da empirista. Segundo Becker,46 a epistemologia que valoriza as relaçoes hierárquicas de transmissao do conhecimento e que se fundamenta na epistemologia empirista constitui a epistemologia subjacente ao professor, e afirma que a concepçao epistemológica:
Um obstáculo epistemológico na concepçao de conhecimento profissional docente dificulta avanços pedagógicos na formaçao de professores, porque sem a superaçao deste obstáculo, dificilmente o futuro professor de Química terá condiçoes de realizar mudanças de modelos didáticos, pois segundo o estudo de Pórlan e Riuver, 1998 apud Mellado,10 o conhecimento profissional nao se desenvolve na concepçao de modelo didático tradicional. A Figura 3 representa a ideia de um quadro evolutivo para a formaçao de professores que parte de modelos didáticos tradicionais, passa por níveis intermediários até modelos alternativos mais inovadores, condicionada pela superaçao de obstáculos. Becker46 afirma que a "epistemologia empirista constitui em larga escala e de forma quase totalmente insconsciente, o fundamento "teórico-filosófico" da pedagogia de repetiçao e de reproduçao" (p.334). Ao solicitar aos sujeitos de pesquisa uma definiçao do bom professor de Química, questao cinco do questionário investigativo, três respostas apresentaram características em comum. Observe:
Q5_SP10: Professor "x" que é professor da disciplina Química "w" da UFMT. "Otimos". Saber o conteúdo, saber dar uma ótima aula contextualizada, cativar os alunos com seu jeito de dar aula. Q5_SP01: O "x". É ter o domínio do conteúdo, preparar aula, saber o que quer e ter uma boa didática bem como domínio de sala. Q5_SP09: Alguns professores da UFMT, como o professor "x", "y" e o professor "z". Sao professores que nos privilegiam com aulas ótimas, associando os conceitos ao seu dia-a-dia. A definiçao do bom professor de Química para SP10, SP01 e SP09 é pautada pela associaçao com modelos reais de professores que tiveram na graduaçao ("x", "y" e "z") e nas características deles para ensinar e se relacionar com os alunos. Tal associaçao mencionada pode ser evidência que os sujeitos de pesquisa se "espelham" nesses professores para definir e desenvolver suas práticas, baseando-se nas características que eles possuem. De certo modo, isso pode constituir limitaçoes e obstáculos para o desenvolvimento do conhecimento profissional docente. Em primeiro lugar, o "espelhar" pode levar a uma limitaçao da compreensao do papel ativo do professor na produçao de seu conhecimento profissional, ou seja, o futuro professor, durante a sua graduaçao, pode enfrentar dificuldades para compreender que o conhecimento profissional específico é desenvolvido/construído pelo professor e nao imitado/pronto. As características de um bom professor de Química quando atribuídas a um modelo real de professor, podem dificultar o entendimento que o conhecimento do professor é um conhecimento historicamente e socialmente construído pelas ciências e nao um conhecimento que está no professor. Atribuir características de um bom professor de Química às características de um determinado professor, limita a compreensao do processo dinâmico de construçao do conhecimento do professor. Pode ser adotada nesse contexto, uma postura empirista do licenciando frente ao conhecimento profissional especializado do professor e, dificilmente, o futuro professor adotará uma perspectiva ativa, construtiva e crítica do conhecimento profissional do professor de Química. Quando a experiência como aluno nao é refletida de forma crítica e apoiada no conhecimento científico em construçao sobre o conhecimento do professor, haverá dificuldades para que o conhecimento de senso comum do fazer docente em Química seja ser superado. Segundo Bachelard:26
Deste modo a pedagogia a qual estivemos submetidos, que é predominantemente empirista por um processo de reproduçao, constitui-se como a epistemologia subjacente46 ao trabalho docente e dela incorporamos certo tipo de conhecimentos que quando nao refletidos e suplantados constitui o obstáculo experencial que impede que o conhecimento profissional específico para a docência, como por exemplo o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de Química (CPCQ) seja desenvolvido. Como afirma Bachelard,26 uma crença em um saber defninitivo pode dificultar mudanças pois:
A incorporaçao de conhecimentos de senso comum ao longo da vivência nao questionada como aluno constitui o obstáculo denominado experencial, pois dificulta que o professor compreenda a complexidade do processo de ensino e aprendizagem de modelos didáticos que nao o tradicional impossibilitando o desenvolvimento do conhecimento profissional docente em Química (CPCQ).
CONCLUSAO A elucidaçao de obstáculos epistemológicos na concepçao de futuros professores de Química colabora para a compreensao dos possíveis impedimentos ocorridos no processo de formaçao docente e no desenvolvimento do conhecimento profissional docente. Esse entendimento é importante para auxiliar na ruptura do ciclo vicioso da forma como a Química é ensinada, que tem predominantemente se baseado na concepçao de senso comum do fazer docente e utilizado de práticas que pouco tem contribuído para a formaçao Química desejada para o século atual, especialmente no que tange a alfabetizaçao científica. Assim como na epistemologia bachelardiana nao há possibilidades de um continuísmo da concepçao do senso comum para o desenvolvimento do conhecimento científico, nao há um continuísmo do saber de senso comum para o desenvolvimento do professor que se paute em conhecimentos profissionais legitimidados. Deste modo, a relaçao entre a concepçao de senso comum do fazer docente e o conhecimento profissional específico para a docência em Química sao antagônicas na formaçao do professor. A valorizaçao do professor de Química, e de outras áreas do conhecimento, perpassa pela legitimaçao de seu saber e do saber fazer, para isso se faz necessário que a formaçao docente tenha influência sobre a prática do professor, além da realizaçao de estudos que investiguem o processo de desenvolvimento profissional docente bem como os aspectos que interferem nesse desenvolvimento, como os obstáculos epistemológicos que discutimos. O estudo da concepçao prévia dos alunos é reconhecidamente necessário na educaçao de todos os níveis, entretanto, ainda nao damos a devida importância para estes conhecimentos na formaçao de professores. A partir de estudos que investiguem o pensamento do professor, especialmente suas concepçoes que foram adquiridas pela vivência ambiental de forma acrítica, enquanto aluno, poderemos compreender melhor o processo de ensino e aprendizagem de professores e com isso buscarmos mudanças e melhorias na educaçao Química nas salas de aulas.
AGRADECIMENTOS A Fapemat (Fundaçao de Amparo à Pesquisa do estado de Mato Grosso) pela bolsa de doutorado.
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