JBCS



1:14, qua nov 27

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Educação


O espaço da química nos centros e museus de ciências brasileiros
The space of chemistry in the brazilian science centers and museums

Ana C. da S. Steola*; Ana C. Kasseboehmer

Departamento de Físico-Química, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, Campus São Carlos, Av. Trabalhador São-Carlense, 400, 13566-590 São Carlos - SP, Brasil

Recebido em: 30/10/2017
Aceito em: 03/05/2018
Publicado em: 07/06/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: krollsteola@gmail.com

RESUMO

There are several consequences of the negative or poor perception that society tends to maintain with Chemistry like the lack of interest of students in considering Chemistry as a career or the university dropout rates. Given the importance of museums and science centers to contribute to scientific education and arouse people's interest in science, this article presents a research carried out with Brazilian science centers and museums to appraise the space of Chemistry in non-formal places of Education. The results obtained are similar to some international data showing the amount of chemistry-related content in museums is insufficient, not exceeding the 40% rate. Most of the activities are aimed at supporting formal education by offering courses for teachers and students through the use of laboratories or conducting experiments when there is available monitoring. Chemistry can be considered in the development of science museums exhibitions and, with the guidance of scientists, it can be shown and discussed without creating distorted visions, sensationalism or conceptual misconceptions.

Palavras-chave: science museum; chemistry dissemination; chemistry popularization.

INTRODUÇAO

Diversas sao as consequências da relaçao que a sociedade tende a manter com a Química, geralmente associando-a a fatos negativos como poluiçao, envenenamento, etc.1,2 Em primeiro lugar, a falta de divulgaçao sobre a carreira de Química, seus atrativos e possibilidades profissionais, leva poucos estudantes de ensino médio a optarem pelo curso de Química no vestibular. Mais acentuadamente nas instituiçoes consolidadas que oferecem um rol maior de cursos, a procura por essa carreira científica tanto em cursos de bacharelado quanto de licenciatura é baixa, chegando a 1,73 e nao excedendo 11 candidatos por vaga,4 números bastante diferentes quando comparados com Engenharia Civil (33 candidatos por vaga)4 ou Medicina (221 candidatos por vaga).4

Daqueles que ingressam nos cursos de Química, a falta de conhecimento sobre essa área científica, associada a deficiências formativas na educaçao básica, sao as principais explicaçoes para a evasao universitária.5 Enquanto a baixa procura pelos cursos de Química no vestibular leva à baixa competitividade entre os candidatos, menor seletividade e prováveis prejuízos na qualidade do ensino superior, a evasao diminui a quantidade de profissionais disponibilizados no mercado.

Outra consequência de nao se superar a associaçao da Química a fatos e eventos negativos é a perpetuaçao das concepçoes equivocadas sobre ciência e cientistas, denominadas6 de visoes distorcidas, que se difundem entre estudantes de todos os níveis de ensino e entre a sociedade. Como exemplo dessas visoes tem-se a concepçao de que o conhecimento científico é fruto de uma descoberta inesperada - ideia bastante divulgada pela mídia, especialmente na literatura das histórias em quadrinhos - ou a visao de cientistas como pessoas "acima do bem e do mal"6 que nao se deixam influenciar pelas relaçoes entre ciência, tecnologia e sociedade. Se a carreira científica continuar a ser reconhecida como exclusiva de pessoas extremamente inteligentes ou com "dom" para a área, poucos estudantes se identificarao com essa profissao e a baixa procura nas universidades continuará a propagar-se.

Diante desse quadro, açoes em diferentes âmbitos vêm sendo tomadas para estimular o desenvolvimento de uma visao mais madura e positiva das ciências pela populaçao. Para exemplificar, em entrevista à Agência Fapesp, Nicole Jeanne Moreau, presidente da Uniao Internacional da Química Pura e Aplicada (IUPAC, na sigla em inglês), menciona que foi prioridade das atividades destinadas à comemoraçao do Ano Internacional da Química reverter a imagem que a populaçao tem dessa área do conhecimento:

Para o público a química significa poluiçao, sujeira, perigo, em oposiçao a tudo o que é limpo e saudável. Mas as pessoas esquecem que a medicina, as drogas, a energia vem da química. Ninguém quer saber disso. E nós nao sabemos exatamente como explicar ao público. Acho apenas que nao devemos ficar na defensiva, tentando negar as acusaçoes contra a química. Devemos apenas mostrar o que ela realmente é.7

Também podem ser apontados os estímulos do CRQ - Conselho Regional de Química - em preparar palestras a serem ministradas em escolas para estimular os estudantes da Educaçao Básica a considerarem essa opçao profissional.8 Ou ainda as açoes do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - como o Prêmio José Reis de Divulgaçao Científica e Tecnológica e a criaçao de uma página específica sobre popularizaçao da ciência no sítio da internet do próprio órgao.9 Outra açao de divulgaçao científica digna de nota é a atribuiçao do ano de 2011 como o Ano Internacional da Química. Essa açao da UNESCO (Organizaçao das Naçoes Unidas para a Educaçao, a Ciência e a Cultura) e da IUPAC teve o intuito tanto de comemorar os avanços e contribuiçoes para a sociedade obtidos nessa área como também estimular açoes que visassem mostrar a Química como algo mais próximo do cotidiano das pessoas e também mais atraente.10

É digno de nota que essa imagem que a Química possui para uma parcela da sociedade nao é extensível para os termos Ciência e Tecnologia (C&T). Em 2015, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovaçao (MCTI) realizou uma pesquisa de "percepçao pública da C&T". A pesquisa quantitativa contou com a aplicaçao de um questionário de 105 perguntas aplicado a uma amostra da populaçao brasileira com faixa etária a partir de 16 anos. Os idealizadores destacam que levantamentos dessa natureza têm importância acadêmica e política:

Conhecer essa percepçao é de grande relevância, tanto no âmbito acadêmico quanto político. Tais informaçoes permitem formular políticas públicas, compreender a aceitaçao de inovaçoes tecnológicas e aperfeiçoar formas de popularizar e ensinar as ciências. Além disso, ajudam a entender os fatores que levam os jovens a escolher, ou nao, carreiras científicas. Fatores que quando compreendidos permitem promover a inclusao social.11

A maioria dos respondentes (60,9%) definiu-se como interessado ou muito interessado em C&T e 72,8% entendem que a C&T trazem apenas benefícios ou mais benefícios que malefícios para a humanidade. Ao mesmo tempo, 87,2% dos entrevistados nao se lembram de alguma instituiçao que se dedique a fazer pesquisa científica no país e 93,3% nao se lembram do nome de algum cientista brasileiro importante. No que concerne à relaçao com centros e museus de ciências, 87,6% nao visitou um centro ou museu de C&T nos 12 meses anteriores. Dado o interesse em C&T indicado em questoes anteriores, é possível sugerir que esse baixo contato com espaços de divulgaçao científica ocorre pelo baixo número de centros e museus no país.

As iniciativas de se trabalhar a imagem da Química perante a sociedade nao sao recentes e nao se restringem ao âmbito nacional. Em 1990, a Association of Science-Technology Centers (ASTC) promoveu uma conferência em Belmont, nos Estados Unidos da América (EUA), para discutir os resultados de um levantamento sobre a presença da Química em museus de ciências e refletir sobre possíveis novas açoes. Em 1993, o European Collaborative for Science, Industry and Technology Exhibitions - ECSITE, a principal associaçao de Centros e Museus de Ciência europeia, organizou outra conferência com intuito semelhante e criou o projeto "Chemistry in European Museums - ChEM" para desenvolver 50 módulos interativos e inovadores de Química até o ano 2000. Ao final do projeto foram exibidos 30 produtos que abordavam a Química do cotidiano para serem disponibilizados em diferentes museus.12

Outra iniciativa nascida nos EUA ocorreu em 2010 em um workshop promovido pela National Research Council com a temática "Química no horário nobre e online: comunicaçao química em ambientes informais".13 O propósito do evento foi levantar a divulgaçao científica em Química na televisao, na internet, discutir como o público se apropria da informaçao científica e como químicos podem disseminar o conhecimento que produzem para a populaçao em geral.14 Uma ampla gama de diferentes formas de se divulgar a Química de forma acessível foi encontrada tanto na forma de vídeos e jogos como também em alguns museus nos quais a Química está bem caracterizada e presente em seus espaços. Este é o caso dos museus Marion Koshland Museum em Washington (EUA), o Deutsches Museum na Alemanha e o Chemical Heritage Foundation na Filadélfia (EUA).

Esse contexto ilustra a importância de museus e centros de ciências para contribuir com a educaçao científica15 e despertar o interesse das pessoas por C&T,16 sendo atualmente bastante valorizado o aspecto interativo do acervo.17

Historicamente, o museu tem o papel de relacionar o indivíduo e a sociedade através de suas exposiçoes e bens culturais que dao origem ao patrimônio cultural, resgatando para o visitante, nao importando sua tipologia, uma redefiniçao de sua experiência histórica, cultural e da sociedade.18 Esses espaços tornaram-se lugares onde os visitantes têm um encontro com o que foi conquistado pelo ser humano no passado, com a realidade de seu cotidiano e uma perspectiva para o futuro.19

Os centros/museus, hoje em dia, aparecem como um espaço de aprendizagem ativa e apresentam uma interface ligada ao público que frequenta. Suas exposiçoes podem ser apresentadas com objetivos variados, como educaçao, lazer, ambiente de informaçao e inclusao social, despertando o interesse do público em geral.20 A exposiçao é a comunicaçao do museu com o público e, com base nisso, é importante que todas as etapas sejam planejadas, como a elaboraçao da exposiçao, escolha do tema, conceitos que serao trabalhados no museu, elaboraçao do seu conteúdo, audiovisuais, comunicaçao e divulgaçao.21

Os museus possibilitam ao público que os visitam desenvolver diversas habilidades que envolve manipulaçao, motivaçao ou criatividade.22 Suas exposiçoes ajudam a expandir a imaginaçao e investigaçao dos objetos expostos, estimulando o entendimento do mundo.23

Os aspectos didáticos, informaçoes minuciosas, sao indispensáveis para que os museus se tornem uma escola de ensino prático sem que haja professores.24

Dessa maneira, a visitaçao ao museu pode ser considerada uma atividade integradora, reflexiva e também considerada uma complementaçao da educaçao escolar.25

As exposiçoes museais podem ser classificadas por disciplinas escolares como física, química, biologia, história natural, geografia, etc. Já a interdisciplinaridade aparece em uma abordagem epistemológica e sociológica.26

Com o intuito de unir ideias, compartilhar experiências e projetos, trocar informaçoes, identificar, fortalecer, difundir e apoiar programas de divulgaçao científica entre Centros e Museus de Ciências do Brasil surgiu em 15 de Julho de 1998 a Associaçao Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC) como representaçao de todos os Centros e Museus de Ciências do Brasil:

A colaboraçao entre os diversos museus, centros e grupos pode influir numa política de disseminaçao do conhecimento científico. Fortalecendo, assim, sua importância para o desenvolvimento do país e contribuindo para uma percepçao da ciência em todas as suas dimensoes: fonte de prazer, de transformaçao da qualidade de vida e da relaçao entre os homens. Identificar, interferir e compreender, criticamente, as possibilidades e os limites do saber científico na nossa história fazem parte da construçao da cidadania (ABCMC, 1999, s.p.)27

No ano de 2005, como forma de divulgaçao e consulta dos Centros e Museus de Ciências do Brasil, foi elaborada a primeira catalogaçao, editada pela ABCMC, pela Casa da Ciência (da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pelo Museu da Vida (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz) com apoio do MCTI. A segunda versao foi produzida em 2009 e em 2015 foi lançado o mais recente Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil 2015.28

Na catalogaçao de 2015 constam 268 centros/museus em todo o Brasil, um aumento de 41% em relaçao à versao de 2009, crescimento este predominante na Regiao Sudeste. De acordo com o guia, um problema que se enfrenta para fazer a catalogaçao é devido ao tamanho do território nacional, que dificulta a comunicaçao e o acesso para determinar o número exato de centros/museus.

No que concerne especificamente à Química, algumas iniciativas de levantar o que há dessa área em museus e centros de ciências e como essas atividades sao concebidas e desenvolvidas estao retratadas na literatura. Uma delas ocorreu nos Estados Unidos por iniciativa da ASTC em 1990, cujos resultados estao publicados no livro "A Formula for Success: Chemistry at Science Museums" de Michael Templeton.12 Um questionário foi enviado para 185 instituiçoes museais com o intuito de determinar a abrangência, o tipo e a quantidade de atividades de Química nesses locais. Das instituiçoes que responderam ao questionário, apenas 32% afirmaram que mantinham uma exposiçao na área de Química, sendo que parte significativa dela estava associada à área de Física. Desses resultados, é possível destacar que apesar de a maioria nao apresentar uma seçao específica de Química, 2/3 dos respondentes afirmaram desenvolver atividades nessa área, como cursos para formaçao de professores.

Outro estudo utilizou visitas presenciais em museus portugueses, envio de correio eletrônico para os responsáveis por diferentes museus de ciências internacionais e ainda acesso às páginas da internet das instituiçoes que nao retornaram contatos anteriores.12 A autora confirmou sua hipótese prévia de que a Química é escassa em museus de ciências e apontou como principais causas o custo de concepçao e de manutençao dos módulos interativos, questoes de segurança, a necessidade de monitorizaçao dos visitantes, de gestao de resíduos, a própria natureza dos processos químicos, além de limitaçoes de espaço físico das instituiçoes.

Apesar da reconhecida a contribuiçao que museus e centros de ciências têm na divulgaçao e valorizaçao das diversas áreas do conhecimento, na área de Química poucas sao as exposiçoes e atividades dedicadas a essa temática.29,30 A literatura mostra que as dificuldades inerentes à implementaçao da área de Química em um museu sao diferentes e próprias dessa área. Apesar desses reconhecidos entraves, ainda assim sao vários os exemplos de atividades e projetos museais envolvendo a Química.

O objetivo deste artigo é realizar um levantamento da Química nos centros/museus brasileiros para se delinear qual o espaço que essa área científica ocupa nesses espaços nao formais de Educaçao.

 

PARTE EXPERIMENTAL

A pesquisa aqui descrita caracteriza-se como qualitativa uma vez que predomina o caráter descritivo do cenário da Química em museus buscando-se compreender os motivos que permeiam esse fenômeno.31 Nesse tipo de pesquisa, o mais importante nao sao os dados que aparecem mais frequentemente: todas as informaçoes retiradas do estudo mostram-se com um rico potencial de fornecimento de dados.32 A amostra recomendada para uma pesquisa qualitativa é de 10% da populaçao original.33

Um questionário de múltipla escolha foi elaborado com perguntas envolvendo a caracterizaçao do museu/centro, se há desenvolvimento de pesquisas na instituiçao e se existe Química ou nao no local. Em caso afirmativo, questionavam-se quais atividades eram desenvolvidas, como foram concebidas e se elas sao consideradas interativas. Se o responsável afirmasse que nao havia Química no espaço, solicitava-se que comentasse por que nao havia, se houve em outro momento, se considera importante e se teria interesse na implementaçao desse setor.

Os questionários foram enviados em sua versao online para 268 instituiçoes constantes na catalogaçao mais recente da ABCMC, de 2015. Optou-se por incluir um museu de ciências conhecido, mas que nao está na catalogaçao, talvez por ter sido criado recentemente. O formulário ficou disponível para ser respondido pelos dirigentes de agosto de 2016 até janeiro de 2017. Nesse período, ele foi reenviado procurando incentivar novas manifestaçoes.

Do total de contatos, 21 centros/museus nao possuem contato eletrônico, o que acabou nao possibilitando o envio do questionário; 7 retornaram informando que o espaço está fechado para manutençao; 2 esclareceram que se tratam exclusivamente de um museu virtual e 3 recusaram-se a responder por nao disponibilizarem um espaço para a Química.

Em continuidade à coleta de dados, procedeu-se ao contato telefônico com os museus/centros de ciências restantes. Foram contatadas 202 instituiçoes, solicitando-se que respondessem o questionário.

Finalmente, utilizou-se como recurso o acesso ao sítio da internet das instituiçoes constantes no catálogo da ABCMC com o intuito de levantar as informaçoes daqueles espaços cujo contato via correio eletrônico ou telefônico nao ocorreu com sucesso em semelhança ao procedimento adotado por Pinto.12 Em virtude da restriçao da coleta aos dados que foram disponibilizados nas páginas dos museus/centros, este meio nao contemplou todas as perguntas do questionário elaborado inicialmente. No entanto, foi suficiente para completar o cenário da Química em museus/centros de ciências brasileiros.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Após os diversos contatos e finalizados os prazos estipulados para os responsáveis pelos museus responderem ao formulário, foram obtidos 80 questionários considerados válidos - 51 a partir dos formulários eletrônicos, 29 por contato telefônico - o que equivale a 30% do total de centros e museus consultados e encontra-se acima do mínimo necessário para uma amostra qualitativa.33

Dos 268 museus catalogados pela ABCMC, 59% possuem páginas na internet, 28% nao possuem, 10% sao citados em outros endereços eletrônicos (prefeitura e universidade) e 3% possuem site, mas no momento estao fora do ar. Foi possível observar que dos museus que possuem página de internet, 10 destes nao fazem atualizaçoes recentes, sendo 3 com última atualizaçao em 2013, 2 em 2014 e 5 em 2015.

A seguir serao apresentadas e discutidas as informaçoes levantadas junto às instituiçoes museais por contato eletrônico e telefônico. As informaçoes obtidas nas páginas de internet serao incorporadas apenas na discussao para se delinear o espaço da Química nos centros/museus de ciências brasileiros. A amostra utilizada para discutir o espaço da Química é de 159 museus, o que inclui os contatos eletrônico, telefônico e por sítio eletrônico equivalendo a 59% do total de instituiçoes catalogadas na ABCMC.

Caracterizaçao geral dos centros e museus

Com relaçao aos responsáveis por esses espaços nao-formais, 64% é do sexo masculino e destes 49% trabalha há até 10 anos nesses espaços. Os diretores de museus com mais de 20 anos de experiência representam 41% da amostra e 10% dos respondentes trabalham de 11 a 20 anos nos museus ou centros de ciências.

Das áreas do conhecimento que podem ser encontradas nos centros e museus de ciências brasileiros, incluiu-se também os dados de acesso ao sítio eletrônico. Os 159 museus que possuem páginas de internet sao constituídos de diversas áreas relacionadas ou nao a Ciências Naturais, sendo elas: Astronomia, Biologia, Física, Geografia, Geologia, Paleontologia, História, Química e Tecnologia. Já a distribuiçao dessas diferentes áreas nos museus nao parece ser homogênea, segundo a descriçao constante nos sítios eletrônicos, conforme a Figura 1.

 


Figura 1. Gráfico da descriçao das diferentes áreas do conhecimento nos centros e museus de ciências que possuem sítio eletrônico

 

Com relaçao à área predominante (Figura 2), dos 159 museus que possuem sítio eletrônico, em 28% das páginas nao é possível identificar essa informaçao. Nas páginas de 38% dos museus a área predominante é a Biologia, 11% História e em 9% a Astronomia. A Geologia aparece como tema mais explorado nos sítios eletrônicos com 5%, a Arqueologia em 4%, a Paleontologia em 1% e a Química é a área predominante apenas no único museu no qual esse tema foi identificado por acesso à página da internet das instituiçoes museais.

 


Figura 2. Gráfico da predominância das diferentes áreas do conhecimento nos centros e museus de ciências que possuem sítio eletrônico

 

Como pode ser observado na Figura 3, a Regiao Sudeste é a que concentra a maior parte das instituiçoes museais com 155 centros/museus. É desta regiao também que foi obtida a maior taxa de retorno dos formulários. A distribuiçao desses espaços é significativamente menor nas Regioes Nordeste e Sul e bastante tímida nas Regioes Centro-Oeste e Norte. A distribuiçao geográfica dos centros/museus de ciências no Brasil permite algumas reflexoes.

 


Figura 3. Gráfico comparativo da distribuiçao geográfica de acordo com o número de centros/museus de ciências no guia da ABCMC (a), do número de respondentes por meio eletrônico, telefônico ou sítio eletrônico (b) e do número de instituiçoes que possuem Química (c)

 

Primeiramente, a Regiao Sudeste é a que concentra também o maior número de instituiçoes de ensino, especialmente universidades, e que tendem a ser boas opçoes para parceria para a concepçao ou manutençao de espaços de divulgaçao científica. Além disso, é a regiao de maior desenvolvimento econômico, científico e tecnológico do país. A presença de maior número de profissionais ligados à Ciência oportuniza o envolvimento de parte deles ou é um fator de pressao de entidades governamentais para que espaços sejam construídos para disseminaçao da ciência para a populaçao.

O número de centros/museus também acompanha algumas das características próprias de cada regiao, como extensao territorial. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),34 a Regiao Sul possui aproximadamente 577.000 km2, enquanto que a Regiao Norte chega a quase 3,9 milhoes de km2. Somam-se a isso as dificuldades de acesso em muitas partes, especialmente do norte do país, quando se tornam necessários alguns dias de viagem em diferentes sistemas de transporte para chegar a certas localidades. Há de se ressaltar, no entanto, que apesar de ser a área com o menor número de centros/museus de ciências, muitas açoes de divulgaçao científica sao realizadas na Regiao Norte nas formas de feiras de ciências e mostras culturais.35-37 Os relatos das dificuldades empreendidas para levantar recursos e chegar a locais longínquos com dias de viagem e sem infraestrutura de centros/museus de ciências torna a atividade de divulgaçao científica dependente do comprometimento de estudantes, docentes universitários e poder público.35

A interaçao com a universidade atrai a atençao dos responsáveis pelos museus/centros de ciências (Figura 4). Dos que responderam ao questionário, 55 possuem convênio com universidade, sendo que 27% é com grupos de extensao, 22% com pesquisadores, 5% com grupos de ensino e para 14% a interaçao é apenas esporádica.

 


Figura 4. Gráfico da relaçao dos centros e museus de ciências com universidade

 

Daqueles que nao mantêm convênio com a universidade (Figura 5), 23% gostariam de estabelecer interaçao, 6% já tiveram e apenas 3% dos respondentes nao percebem necessidade em trabalhar em parceria com universidades.

 


Figura 5. Gráfico da relaçao dos centros e museus de ciências que nao possuem convênio com universidade

 

As diferentes parcerias que podem ser estabelecidas entre universidade e museus de ciências nao têm objetivo único de desenvolver o espaço nao-formal. Através dessa exposiçao podem ser criadas açoes de formaçao de recursos humanos, incluindo formaçao de professores38 e graduandos.39

Os números relacionados ao envolvimento dos centros e museus com universidades sao bastante positivos, já que 68% desses espaços manifestaram interagir com instituiçoes de ensino superior, mesmo que alguns deles apenas de forma esporádica. Dentro da área da educaçao em ciências poucos pesquisadores fazem divulgaçao científica em uma das linhas de pesquisa e, com isso, desenvolvem atividades de popularizaçao da ciência ou contribuem com o desenvolvimento de centros e museus de ciências e também publicam artigos em revistas científicas. No entanto, para pesquisadores das outras áreas da Química, atividades de extensao em centros e museus de ciências ou em outras formas de divulgaçao nao se tornam prioridade quando a cobrança por publicaçao é significativamente maior.

A pressao sofrida por pesquisadores é semelhante em contexto internacional.40,41 Jensen40 analisou o engajamento com popularizaçao da ciência de 7000 cientistas franceses ao longo de seis anos (2004 - 2009) e verificou que o envolvimento deles aumentou ao longo do tempo. Na área de Química, 46,7% dos pesquisadores foram considerados ativos nesse sentido. Essa é uma amostra razoável, mas menor do que a porcentagem de ativos nas áreas de Física (61,3%) ou Engenharia (55,7%). Torres-Albero41 estudaram o envolvimento de pesquisadores espanhóis com popularizaçao da ciência e verificaram que dada a cobrança por publicaçoes específicas, o tempo que resta para a divulgaçao científica seria o período de descanso do cientista. O envolvimento deles acaba por ser voluntário e com poucos recursos, já que o apoio financeiro institucional é escasso.

Jensen et al.42 realizaram ainda outra pesquisa cruzando a proporçao de pesquisadores ativos em divulgaçao científica, a produtividade acadêmica desses cientistas e o reconhecimento institucional de sua atividade em termos de carreiras. Os autores verificaram que os pesquisadores mais ativos em atividades de extensao sao os mais produtivos academicamente e que essa dedicaçao nao afeta suas carreiras positiva ou negativamente. Provavelmente, o pesquisador em estágio inicial de carreira tende a ocupar-se mais com a consolidaçao da mesma, atendendo às pressoes para construçao de grupo de pesquisa produtivo. Já o cientista com carreira consolidada, na qual esses requisitos já foram logrados, pode voltar seus olhos para compreender e alterar o imaginário que a sociedade possui em relaçao à ciência.

Nao foi proposta deste trabalho delinear qual o perfil dos pesquisadores universitários com os quais esses centros/museus desta pesquisa relataram estar envolvidos. Assim, nao se pode apontar se no contexto brasileiro sao os cientistas de carreira consolidada, iniciantes ou ainda aqueles cujas linhas de pesquisa sao divulgaçao científica. Todavia, a contribuiçao que museus e centros de ciências podem oferecer para melhorar a imagem da Química diante da sociedade e para incentivar que estudantes de ensino médio interessem-se por essa carreira científica mostra que o engajamento dos cientistas com espaços nao-formais é necessária e urgente. As organizaçoes científicas e governamentais precisam fomentar esse envolvimento e premiar as boas açoes de modo a valorizar quem se dedica a divulgaçao.

Os responsáveis pelos centros/museus de ciências também foram questionados se sao realizadas pesquisas nesses espaços. Semelhantemente à interaçao com a universidade, os atores envolvidos com espaços nao-formais reconhecem a importância de aliar a investigaçao às exposiçoes e atividades museais. Em 42% dos respondentes, as pesquisas sao realizadas nos próprios museus, enquanto que em 30% há pesquisas a partir da parceria com universidades. Em 7% nao se desenvolvem pesquisas, apesar de já o terem feito e apenas 3% nao sentem necessidade. Finalmente, 22% nao desenvolvem pesquisa, mas gostariam de fazê-lo.

Pela própria natureza das açoes da universidade, pautadas no princípio do ensino-pesquisa-extensao, a aproximaçao dos pesquisadores dos centros e museus de ciências poderia ocorrer segundo esse mesmo tripé. Ao desenvolver pesquisas nesses espaços, novos conhecimentos poderiam ser produzidos com formaçao de recursos humanos - tal como sao os objetivos das pesquisas acadêmicas - e novas exposiçoes poderiam ser concebidas para enriquecer o acervo dos museus. No entanto, o que se verifica é que grande parte dos trabalhos desenvolvidos pela universidade junto a espaços nao-formais ocorre na forma de extensao.

A maior concentraçao de trabalhos na forma de extensao pode ser exemplificada quando se obtém os dados de trabalhos aceitos no Encontro Nacional de Pesquisa em Educaçao em Ciências (ENPEC), o evento mais importante na área de Educaçao em Ciências. Nas últimas três ediçoes do evento - 2011,43 201344 e 201545 - foram apresentados 96, 57 e 80 trabalhos respectivamente na linha temática "Educaçao em Espaços nao Formais e Divulgaçao Científica" representando 8%, 4% e 4% do total de trabalhos das respectivas ediçoes do evento. Já em relaçao às publicaçoes em revistas científicas os números sao significativamente menores. Martinhao e Kasseboehmer46 levantaram os artigos científicos publicados em revistas classificadas no sistema Qualis Capes 2014 pela área de avaliaçao/conhecimento "Ensino", pela classificaçao "A1" em versao on line. No período de 2005 a 2015, dos 2821 artigos publicados, 13 abordaram a temática museus de ciências. Apenas um abordou sobre a temática museus e Química. Feita a ressalva de que as revistas nao eram especializadas na área de divulgaçao científica e, portanto, naturalmente recebem artigos de diversas naturezas, ainda assim é representativo de como as pesquisas envolvendo museus de ciências ainda estao incipientes.

A seguir será apresentado e discutido o espaço da Química em museus e centros de ciências brasileiros.

O espaço da Química em museus e centros de ciências brasileiros

No levantamento por contato eletrônico ou telefônico, quando questionados sobre se há Química em seu centro/museu, 38% responderam afirmativamente. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, esse número nao pode ser extrapolado para a realidade brasileira. No entanto, este levantamento por amostragem possibilita especular quais motivos impedem que esse setor possa se desenvolver e quais atividades sao possíveis naqueles quando um espaço de Química é criado.

No que concerne à importância que os responsáveis pelos museus atribuem à presença da Química em museus, oito dirigentes (10%) nao reconhecem essa importância. As justificativas apresentadas sao que a área nao se insere na temática do museu (5%), 3% nao veem necessidade e 3% nao têm opiniao. Dos que entendem que Química é relevante em um centro/museu de ciência, para 31% deles é para efetivar a interdisciplinaridade; para contextualizar o conhecimento com o cotidiano (26%); para despertar a curiosidade do visitante (10%). A importância dessa área pela geraçao de conhecimento para sociedade foi levantada por 5%, para a divulgaçao da ciência por 4% dos dirigentes e como ferramenta pedagógica por 5% deles. 25% dos respondentes apontaram que a presença da área é importante sem justificar sua opiniao.

Curiosamente, os números correspondentes à existência da Química (38%) e o número de dirigentes de centros e museus que reconhecem a relevância da mesma (90%) sao discrepantes. Esses dados podem significar que nao bastam o interesse ou a vontade dos responsáveis por espaços nao formais para que uma ou outra área seja implementada em seus espaços. Além de investimentos das iniciativas pública e privada, que sao indispensáveis para que ideias se concretizem, faltam também profissionais habilitados e formados para que esse setor possa ser concebido e idealizado em consonância com o conhecimento desenvolvido por quem pesquisa a divulgaçao da ciência.

Nos 50 museus que participaram desta pesquisa e nao desenvolvem atividades de Química, as justificativas apresentadas para a nao existência da área foram que a Química nao é objetivo do centro/museu (60%), nao possuem pessoal capacitado para desenvolver atividades (14%), nao possuem infraestrutura adequada (14%) ou faltam recursos financeiros (4%). Para um responsável (2%), apenas nao houve oportunidade de realizar atividades, para outro (2%) faltam propostas que sejam possíveis de realizar enquanto que um (2%) explicou que desenvolvem atividades de Química de forma esporádica e outro (2%) afirmou que a área ainda está em fase de concepçao. A seguir é transcrito o depoimento de um dirigente de museu sobre a (falta da) Química em centros e museus de ciências:

A Química está presente em tudo, o seu ensino é fundamental para o desenvolvimento cognitivo de crianças, jovens e adultos, serve para entender fenômenos químicos, suas tecnologias e aplicaçoes para nossa sociedade, porém dentro dos museus sua manipulaçao se torna complicada por nao termos profissionais capacitados ou alguém que tenha desenvolvido a fórmula de torná-la interativa dentro do museu sem que tenha riscos aos visitantes. Ela deveria ser mais explorada pelos museus de ciência, é uma pena que falte interesse para isso.

Desses espaços, oito indicaram que a Química já foi abordada nesses locais no passado e deixou de ser apresentada pelos seguintes motivos: o acervo deixou de fazer parte do contexto da instituiçao, as atividades eram apenas pontuais e faltaram pessoal capacitado e recursos financeiros.

As propostas relacionadas à área de Química nesses locais eram experimentos ou "Show da Química" e exposiçao de objetos. Outros dois explicaram que a área encontrava-se em atividades pontuais, como a temática fotossíntese, ou na produçao de réplicas de materiais arqueológicos para as exposiçoes permanentes. Enquanto nos primeiros casos a área estava representada por experimentos, nos outros dois a Química apareceu na intersecçao com áreas científicas como Biologia e Paleontologia. Essas áreas sao significativamente mais fortes em termos de divulgaçao cientifica e espaços nao-formais dadas a facilidade de se encontrar Biologia e áreas afins em museus e centros de ciência. Isso sugere que, provavelmente, a exposiçao foi concebida por biólogos que consideram explorar também a Química em sua atividade.

Quanto ao interesse em criar um setor de Química, dentre os 50 museus, 60% responderam negativamente, por entenderem que nao existe relaçao da Química com a proposta do museu, porque a área já está contemplada em outra temática ou ainda por falta de espaço e pessoal capacitado. Ao mesmo tempo, quando questionados se já receberam proposta, apenas 4% responderam que sim. O índice razoável de interessados em abrigar um setor de Química juntamente com o baixo número de espaços que foram procurados com proposiçoes de atividades vislumbram o potencial que ainda pode ser desenvolvido na área de divulgaçao científica em Química no Brasil. Faz-se necessário, portanto, que profissionais sejam formados, grupos de pesquisa sejam criados e cursos de especializaçao sejam oferecidos de modo a capacitar pessoas para trabalhar nessa área.

As dificuldades apontadas pelos responsáveis pelos centros e museus para sediar um setor de Química sao em sua maioria semelhante às discriminadas na literatura.12,22,30 Chama a atençao, no entanto, a porcentagem significativa de respostas (60%) que indicam que nao é objetivo do centro/museu abrigar um setor de Química. Ainda que muitos dos espaços constantes no guia da ABCMC sejam Jardins Botânicos ou Zoológicos, qualquer espaço nao formal possui potencial para se explorar as diferentes áreas das Ciências Naturais. A manifestaçao de que o objetivo do espaço é outro pode ser um indicativo de que o local é "fechado" para novas abordagens e parcerias.

Dadas as indicaçoes da literatura de que a área de Química é pouco explorada em museus em todo o mundo, incluiu-se no questionário uma pergunta sobre se os responsáveis pelos centros/museus entendem ser possível trabalhar Química em outros setores de seus espaços. Para 39% dos dirigentes essa interaçao nao seria possível e 4% manifestaram nao ter opiniao a respeito. Dos que vislumbram a possibilidade de abordar Química em outros setores, apenas 4% fizeram uma proposta, e que seria a conservaçao de materiais. Das manifestaçoes restantes, 32% explicaram nao saber como se poderia trabalhar e 7% que dependiam de iniciativa. Outros 14% responderam afirmativamente, mas sem justificar-se.

Todos os responsáveis pelos centros/museus foram convidados a relatar sobre a dificuldade em manter ou criar um setor de Química (Figura 6). Dos respondentes, 39% afirmaram que a área nao se encaixa na temática do museu, confirmando as indicaçoes anteriores de que esses espaços nao reconhecem a necessidade de um setor de Química nem de desenvolver essa área de forma interdisciplinar. Das respostas restantes, foi possível verificar que a maior dificuldade em manter um setor de Química é a falta de recursos financeiros (26%), seguido da necessidade de manutençao de materiais e reagentes (10%) e infraestrutura (10%) e riscos de acidentes com produtos químicos (5%). Para três respondentes (4%) faltam ideias de atividades propícias ao museu, para outros 4% nao há interesse dos responsáveis e, para 2%, faltam monitores.

 


Figura 6. Dificuldades de manter ou construir um setor de Química

 

Os motivos apresentados pelos participantes desta pesquisa sao semelhantes aos relatados na literatura.12 A caracterizaçao da área de Química como sendo predominantemente experimental remete à ideia de que trabalhá-la em atividades de divulgaçao científica necessariamente envolve a manipulaçao de produtos químicos. Mesmo que esses produtos sejam retirados do cotidiano da populaçao de modo a contribuir para a aproximaçao com a realidade dos visitantes, produtos comerciais nao podem ficar expostos sem supervisao de um responsável da própria instituiçao. A criaçao de um setor de Química em um centro ou museu de ciência depende, portanto, do desenvolvimento de ideias inovadoras que possibilitem representar uma transformaçao química e o envolvimento do visitante, mas sem a exposiçao direta dele com os reagentes.

Para ilustrar algumas iniciativas publicadas em revistas científicas para compartilhar atividades de Química desenvolvidas para museus de ciências, tem-se o trabalho de Brown et al.,47 que criaram uma exposiçao com modelos moleculares para explicar à populaçao geral o conceito de estrutura molecular a partir da relaçao entre estrutura química e aroma de produtos comerciais. Sheridan et al.48 descrevem um programa voltado para aumentar o interesse de estudantes de ensino médio por química e um tipo de acampamento é criado no qual sao desenvolvidas atividades nos temas de cristalizaçao, quimiluminescência, cromatografia e diferenças entre substâncias polares e nao polares. Os autores explicam que a sistemática pode ser transferida para diferentes locais e envolve alunos de graduaçao e de ensino médio. Ainda, Silberman, Trautmann e Merkel29 descrevem uma sequência de dez atividades criadas para um museu de ciência de Nova Iorque na qual os participantes devem estudar propriedades químicas para resolver alguns enigmas.

Dentre os 30 museus em que há Química, 10 deles (33%) desenvolvem mais de uma atividade. Predominantemente, a área é contemplada nos centros e museus de ciências pesquisados com a utilizaçao de laboratório para apresentaçoes (67%) ou cursos (40%) para alunos e professores, tais como monitoria de Química (70%), oficinas com escolas (70%), atividades com professores 15 museus (11%), "Show da Química" (7%), gincanas ou olimpíadas (7%) ou ainda a realizaçao de experimentos isolados com o público (3%).

As exposiçoes que nao dependeriam diretamente de monitores ou professores para executarem e que poderiam ser exploradas por um público nao específico sao encontradas em 24 centros/museus, sendo em 16 deles (53%) na forma de exposiçoes itinerantes; maquetes interativas (47%), exposiçoes de materiais antigos/obsoletos (17%), materiais interativos na página da internet da instituiçao do museu (17%) ou ainda relacionada a outra área do conhecimento como Geologia (7%), Biologia (3%) ou materiais diversos do museu (3%). A Figura 7 representa a distribuiçao dos tipos de atividades trabalhadas nos centros/museus participantes da pesquisa.

 


Figura 7. Gráfico da distribuiçao dos tipos de atividades trabalhadas nos centros/museus participantes da pesquisa

 

Das atividades desenvolvidas com professores (Figura 8) dentro dos museus, 11 museus especificaram quais sao as atividades realizadas sendo, minicursos desenvolvidos pela graduaçao (27%), produçao de material didático em Química (27%), práticas para serem aplicadas em laboratório (18%), oficinas multidisciplinares (18%) e formaçao continuada (10%). Como temáticas dos minicursos desenvolvidos pela graduaçao, os responsáveis destacaram que sao ligadas ao cotidiano ou que podem envolver outras áreas dos museus: "Química do dia a dia", "Química na cozinha", "Os processos Químicos no cotidiano", "Química uma questao ambiental", "A Química no espaço". O Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora produz kits com materiais práticos para serem aplicados em sala de aula, oferecendo cursos de formaçao para professores para sua utilizaçao. Eles desenvolvem também atividades para alunos com deficiência visual, como o uso de tabela periódica adaptada, e para alunos com deficiência auditiva. Esses projetos se iniciaram após o contato de uma aluna com deficiência auditiva que participou da exposiçao Cadê a Química? e sentiu-se incluída pela qualidade das atividades.

 


Figura 8. Gráfico da distribuiçao dos tipos de atividades trabalhadas com professores nos centros/museus participantes da pesquisa

 

Como forma de complementar o cenário do espaço atribuído à Química em centros e museus de ciências brasileiros, os sítios eletrônicos das 159 instituiçoes que possuem páginas de internet foram acessados. Destes, a área de Química foi mencionada em 24%, sendo que no restante dos endereços eletrônicos a Química nao estava listada entre as áreas contempladas no espaço ou nao foi possível identificá-la.

Os dados das páginas de internet das instituiçoes exibem resultados parecidos com o levantamento realizado por meio eletrônico ou telefônico e reforçam que a Química em espaços nao formais de Educaçao ainda é singela. As informaçoes das páginas eletrônicas nao foram suficientes para categorizar quais atividades sao desenvolvidas nesses locais à semelhança do que foi proposto a partir das respostas dos dirigentes. Daquilo que foi possível obter na leitura da descriçao dos objetivos das instituiçoes, muitas instituiçoes centram-se no oferecimento de cursos para alunos e professores da educaçao básica incluindo o empréstimo de kits para a realizaçao de experimentos nas escolas. Destaca-se aqui a parceria estabelecida entre a Casa de Ciência e Cultura de Campo Grande da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul com a Universidade de Sao Paulo para a implementaçao da Experimentoteca desenvolvida por esta última para o empréstimo de kits de experimentos para escolas.

A Química também se faz presente na forma de exposiçoes e, neste caso, algumas opçoes aparecem sem que seja feito uso de materiais e reagentes químicos. Este é o caso do Parque da Ciência vinculado à Secretaria de Estado da Educaçao do Paraná e localizado em Pinhais / PR, que oferece uma exposiçao com fotos e artefatos que remetem à Alquimia (Figura 9).

 


Figura 9. Captura de tela de uma exposiçao de Química representando a Alquimia no Parque da Ciência / Paraná. Disponível em http://www.parquedaciencia.pr.gov.br/galeria/11/542/Alquimia.html. Acesso em: 04 de maio de 2017

 

Ainda para exemplificar a presença da área sem a exposiçao de reagentes ou a necessidade de pessoal permanente para lidar com o público, encontrou-se no sítio do Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora uma tabela periódica interativa (Figura 10). Com o auxílio de um monitor de televisao, o visitante pode interagir e conhecer algumas das propriedades dos elementos químicos.

 


Figura 10. Captura de tela de uma tabela periódica interativa no Centro de Ciências / Minas Gerais. Disponível em http://www.ufjf.br/centrodeciencias/projetos/tabela-periodica/. Acesso em: 04 de maio de 2017

 

Segundo Jacobucci,49 nao existe um levantamento do número de professores que visitam os museus, o motivo que frequentam esses espaços e como contribuem para sua formaçao, sendo que a literatura na área de formaçao de professores em espaços nao formais é muito escassa no país.

Os responsáveis pelos centros/museus de ciências também foram questionados sobre quem produz/produziu as atividades de Química. A maior parte das respostas (50%) refere-se a convênio com as universidades. Em 33% dos espaços, sao elaboradas pelos próprios responsáveis ou mediadores, em outros 13% por convênio com empresas e em apenas 4% dos museus quem criou as atividades de Química foram estagiários. A porcentagem significativa de acervo cuja responsabilidade de concepçao ocorreu em parceria com universidades remete novamente à importância das instituiçoes de ensino superior para o crescimento e fortalecimentos dos espaços nao formais. Entende-se assim que, na medida em que professores universitários forem incentivados a envolverem-se com atividades de divulgaçao científica e ao mesmo tempo reconhecerem a importância da extensao entre suas atribuiçoes funcionais, os centros e museus de ciências também se beneficiarao.

Finalmente, no que concerne à questao da interatividade nos setores de Química, 63% dos dirigentes consideram as atividades dessa área interativas apresentando como justificativas a participaçao dos visitantes e a realizaçao de experimentos na forma de "Show da Química" ou com escolas. Aqueles que afirmaram que nao existe interatividade nessa seçao do centro/museu explicaram que os experimentos sao mediados por monitores, nao existindo possibilidade de manipulaçao dos materiais pelos visitantes ou porque o setor contém apenas exposiçoes permanentes.

É interessante notar que a realizaçao de experimentos por monitores permitiu que alguns dirigentes caracterizassem seu centro/museu como interativo, o que nao ocorreu com outros respondentes. Como explica Colinvaux,17 a interatividade pode ser atribuída tanto aos espaços que oferecem experiências hands on quanto aqueles que propoem atividades minds on. No entanto, o autor explica que interatividade nao se restringe ao relacionamento entre sujeitos por meio da linguagem, o que é amplamente explorado atualmente. A interaçao requer também o envolvimento do sujeito com objetos e, ainda, entre sujeitos e contextos, que permita que o visitante desenvolva: "sua capacidade de agir, interrogar e experimentar, como processos cognitivos de interaçao com o mundo dos objetos, e os contextos museais específicos que convidam, propoem, mas também delimitam as possibilidades de açao, interrogaçao e experimentaçao de cada visitante"17

Para que um setor de Química possa ser considerado interativo, ele nao pode ser reduzido à mera manipulaçao de equipamentos ou experimentos, seja com a mediaçao ou nao de monitores. Os diferentes responsáveis pelos espaços nao formais podem ter apresentado diferentes interpretaçoes sobre a interatividade de um mesmo tipo de atividade que é a realizaçao de experimentos. Ainda assim o índice de setores que foram considerados interativos mostra um desenvolvimento satisfatório da Química nos museus.

Em cenário internacional, é possível encontrar museus de ciências europeus que foram construídos antes das primeiras universidades brasileiras. Como importantes contribuiçoes, especialmente do início da Química, sao atribuídas a cientistas europeus, muitos países procuraram preservar essa memória em seus espaços nao formais. Este é o caso da seçao de Química do South Kensington Museum, localizado em Londres/Inglaterra, constituída de materiais antigos, tais como caderno de notas e aparatos de cientistas como John Dalton ou Michael Faraday.50 Ou ainda o Museum of the Leningrad University em Sao Petersburgo / Rússia criado em homenagem ao químico russo Dmitri Mendeleiev.51 Próprio da funçao atribuída a centros e museus de ciências no início do século XX, esses museus guardam arquivos históricos que auxiliam a recriar parte da história da Química. Todavia, ainda em artigos da mesma época, foi possível encontrar a preocupaçao dos responsáveis pelos museus e centros de ciências em criar atividades interativas e de divulgaçao da Química. Sachtleben,52 ao descrever a seçao de Química no Deutsches Museum em Munique / Alemanha, explica que:

tem sido uma característica do Deutsches Museum que o visitante tenha ampla oportunidade de apertar botoes e definir modelos. Na reconstruçao da seçao de química, foi feito um esforço para estender essa tradiçao a processos químicos. Por exemplo, agora é possível pressionar um botao para reunir quaisquer dois líquidos desejados.53

 

CONCLUSAO

Neste artigo é apresentado um levantamento realizado junto a centros e museus de ciências brasileiros para se delinear o espaço da Química em locais nao formais de Educaçao. Informaçoes adicionais relacionadas aos tipos de atividades e envolvimento dessas instituiçoes com universidades e pesquisa foram recolhidas de modo a se construir um cenário da Química em museus.

Os resultados obtidos sao semelhantes a alguns dados internacionais que mostram que a Química é escassa em centros e museus de ciências, nao ultrapassando o índice de 40%. A maior parte das atividades é voltada para apoio à educaçao formal com o oferecimento de cursos para professores e estudantes com a utilizaçao de laboratórios ou a realizaçao de experimentos quando há monitor disponível. Poucos foram os exemplos de exposiçoes criadas para que o público geral possa interagir e aprender sobre a área sem a supervisao de um monitor, como pode ocorrer em outras áreas do conhecimento. As dificuldades apontadas para criar ou manter um setor de Química sao principalmente financeiras e de recursos humanos.

Ainda assim, sao encontrados exemplos em museus brasileiros ou em publicaçoes internacionais de setores e atividades voltadas para a Química, apontando que, apesar de mais trabalhoso que em outras áreas, é possível construir um espaço voltado à divulgaçao da Química em centros e museus de ciências. Como ocorre/ocorreu na concepçao da maioria das exposiçoes hoje encontradas em museus de ciências, a Química pode ser contemplada nesses espaços especialmente em parceria com cientistas que sao os sujeitos mais habilitados para abordar a importância da Química sem criar visoes distorcidas, sensacionalismos ou equívocos conceituais. Todavia, a pressao que pesquisadores universitários vivem por publicar artigos em revistas especializadas pouco contribui para que eles voltem seus olhares para a popularizaçao dessa ciência.

Para além de meramente criar um setor de Química, esse desenvolvimento necessita ocorrer com intencionalidade, de modo que as atividades apresentadas, inseridas em um contexto elaborado previamente, possibilitem que o visitante vivencie a experiência de conhecer e relacionar-se com o mundo da Química. Desse modo, os centros e museus de ciências poderao cumprir seu papel de motivar e estimular que a populaçao possa reconhecer a importância da Química e compreender o que de fato é essa ciência, seus limites e conquistas.

Nos EUA e Europa, várias das reunioes para se levantar a Química e criar soluçoes ocorrem por força das associaçoes acadêmicas. Esse pode ser um exemplo a ser abraçado pela comunidade química brasileira. Dados os índices baixos de centros e museus que possuem Química e também a imagem preocupante que a sociedade constrói em relaçao a essa área, o envolvimento dos pesquisadores universitários dos Institutos e Departamentos de Química torna-se mais urgente.

Como pontuaram autores que relacionaram a dedicaçao à divulgaçao científica e o desenvolvimento da carreira científica, cuidar da imagem que a Química possui perante a sociedade nao afeta a carreira do pesquisador nem positiva nem negativamente. Porém, esse trabalho repercutirá na própria continuidade da área de Química, incentivando que mais indivíduos interessem-se por estudá-la e desenvolvê-la e reconhecendo-a como um setor importante da sociedade.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos os responsáveis pelos museus e centros de ciências que participaram da pesquisa. Processo n. 2014/02522-7, Fundaçao de Amparo à Pesquisa do Estado de Sao Paulo (FAPESP). Processo n. 457780/2013-4, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

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