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Educação


Identificação de adulteração em óleos de oliva: problematizando a introdução à espectrometria de massas
Identification of adulteration in olive oil: problematizing the introduction to mass spectrometry

Angélica Priscila Parussolo ToninI; Gabrielly Ribeiro CarneiroII; Marcos Alessandro dos Santos RibeiroI; Jaime da Costa CedranIII; Valquíria de Moraes SilvaII; Eduardo Cesar MeurerII,*

I. Universidade Estadual de Maringá, 87020-900 Maringá - PR, Brasil
II. Universidade Federal do Paraná, 86900-000 Jandaia do Sul - PR, Brasil
III. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Medianeira, 85884-000 Medianeira - PR, Brasil

Recebido em: 17/04/2018
Aceito em: 14/05/2018
Publicado em: 28/06/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: eduardo.meurer@gmail.com

RESUMO

This work propose the development of an experiment that may be used for the teaching of chemistry for undergraduate students in general, using the analysis of olive oil and soybean oil toward the direct injection electrospray ionization Mass Spectrometry - DI-MS/MS with 18-crown-6 as organic modifier. Firstly, olive oil was analyzed from two different brands, one of reputed brand and the other of popular brand and lower price. Soybean oil of popular brand was also analyzed in order to search possible similarities in the components of these oils and to search adulterations of olive oil with soybean oil. The mass spectra were obtained in positive ion mode of analysis, and allowed us to observe characteristic ions of soybean oil, olive oil, and identify the adulterated olive oil. This simple experiment of easy development may be applied in any institution which has a mass spectrometer with electrospray ionization. In addition, with the use of the experiment, the teacher can illustrate general chemistry concepts such as: molecular mass, preparation of solutions, oxidation, and acid-base reactions.

Palavras-chave: mass spectrometry; general chemistry; analysis of oils; adulteration in oils.

INTRODUÇAO

A espectrometria de massas, Mass spectrometry (MS), é uma técnica analítica que converte moléculas ou átomos em íons carregados, medindo suas massas e detectando suas abundâncias. Pode também, se o equipamento tiver a capacidade, fragmentar as moléculas para deduzir suas estruturas e, adicionalmente, fornecer informaçoes quantitativas de um analito através de curvas de calibraçao. Com esta técnica é possível estudar a química dos íons como a entalpia de uma reaçao, energia de ligaçoes, afinidade entre íons e moléculas neutras em conjunto com cálculos de orbitais moleculares.1 Por ser uma técnica que utiliza vários conceitos básicos em química, a aplicaçao da espectrometria de massas no ensino tem aumentado cada vez mais, já que muitas universidades possuem este tipo de equipamento. Existe uma variedade muito grande de fontes de ionizaçao e analisadores de massas que um equipamento de espectrometria de massas pode ter. Um dos mais simples e robustos é o espectrômetro de massas quadrupolar com ionizaçao por eletrospray, do inglês Eletrospray Ionization (ESI), o que facilita a possibilidade de seu uso em ensino. Um exemplo desta utilizaçao é apresentado no trabalho de Kim, Eckhert e Faull,2 que usou a ESI-MS para detectar o complexo do NADH - ácido bórico. Através de um experimento, no qual os alunos de graduaçao calcularam aritmeticamente a massa do íon negativo mais provável proveniente do NADH, a massa do complexo formado entre NADH e ácido bórico e os espectros adquiridos os permitiu responder a questoes sobre a estrutura em fase gasosa desses íons. Em outro estudo, o objetivo foi introduzir a espectrometria de massas com ionizaçao e dessorçao a laser assistida por matriz, do inglês Matrix-assisted laser desorption/ionization (MALDI-MS) e a ESI-MS na identificaçao de ácidos graxos, fosfolipídios e seus produtos de oxidaçao como técnica analítica na graduaçao, no qual os alunos de química aprenderam a usar essas técnicas para identificaçao qualitativa de espécies e medidas quantitativas usando padroes internos.3

Segundo Beglinger,4 a espectrometria de massas é uma ferramenta que todo acadêmico deveria ter acesso. É uma técnica simples e muito poderosa, devido às suas aplicaçoes em várias áreas, desde monitorar os produtos de uma reaçao na química orgânica, até a identificaçao de proteínas. Devido a isso, a introduçao da espectrometria de massas como parte da ementa para estudantes na graduaçao deve se tornar prioridade em toda instituiçao ensino que possua este equipamento.4

Devido às inúmeras aplicaçoes, essa técnica atingiu uma variedade de áreas nunca alcançada por alguma outra técnica analítica, e uma dessas áreas é a da pesquisa em alimentos, a qual tem crescido significativamente nos últimos anos. A análise de pesticidas em tomates feita por Golge e Kabak5 utilizou a cromatografia a líquido acoplada à espectrometria de massas sequencial, do inglês high performance liquid chromatography tandem mass spectrometry (HPLC-MS/MS), para a identificaçao de 109 resíduos de pesticidas. No estudo feito por Afify et al.,6 que utilizou a mesma técnica citada anteriormente, identificaram-se 150 resíduos de pesticidas em uva. A técnica de espectrometria de massas pode também ser utilizada para análise de óleos vegetais, como por exemplo a técnica de ionizaçao por spray sônico a pressao ambiente, do inglês Easy Ambient Sonic-Spray Ionization (EASI), que foi aplicada com sucesso para avaliar a composiçao de triacilgliceróis (TAGs), ácidos graxos livres e hidroperóxidos dos óleos.7

Este amplo leque de aplicaçoes direciona a MS como técnica de fundamental importância na formaçao de químicos, engenheiros químicos, engenheiros de alimentos e outros profissionais que utilizam a química como ferramenta. Entretanto, nao se deve introduzir a técnica em cursos de graduaçao somente apresentando os aparelhos e seus constituintes, mas sim propiciar ao acadêmico a oportunidade de vivenciar as diversas aplicaçoes da técnica. Dentre os cursos em que se aborda a espectrometria de massas está a Licenciatura em Química, embora obviamente nas escolas de educaçao básica esse instrumento nao estará presente, o conhecimento da técnica se faz para consolidar conceitos da formaçao específica do profissional licenciado. Além disso, com o aumento exponencial do acesso à informaçao por parte dos alunos e também pelo crescente interesse em programas de TV, que de alguma forma abordam conceitos científicos (sejam policiais, forenses e etc), a compreensao dessa técnica pode auxiliar o futuro professor a discutir temas relacionados ao assunto com seus alunos.

Na formaçao de licenciados, as disciplinas específicas de ensino de química discutem, dentre outros aspectos, a importância do tipo de abordagem da experimentaçao para a aprendizagem dos alunos. Segundo Ferreira de Sá,8 a eficiência no aprendizado de um conteúdo por um estudante está intimamente ligada à forma como o aluno pensa e analisa uma determinada problemática, e isso é específico para cada área de ensino. Neste trabalho se propoe um experimento com características investigativas, pois se acredita que este tipo de atividade apresenta algumas vantagens em relaçao à abordagem comumente empregada. Nesse sentido, Gil Perez e colaboradores, citados por Suart e Marcondes,9 afirmam que:

"muitas das atividades experimentais propostas no ensino têm a concepçao empírico-endutivista, a qual evidencia o papel da observaçao e da experimentaçao "neutra", esquecendo o papel essencial das hipóteses como norteadoras das investigaçoes e dos corpos de conhecimento, e dessa maneira, pode contribuir para uma visao deformada do trabalho científico por parte dos alunos."9

Nesse sentido, o licenciando, em geral, vive uma situaçao dicotômica: por um lado em que e discute artigos afirmando que abordagens investigativas promovem melhora na aprendizagem, como auxiliar na construçao de conceitos,10 no ensino de técnicas e procedimentos de laboratório,11 melhorar o raciocínio e habilidade de observaçao;12 por outro lado, quando tem as disciplinas experimentais do próprio curso, de maneira geral, vivenciam os experimentos com roteiros prontos. Assim, muitas vezes os objetivos, teorias e até mesmo as conclusoes já estao explícitos, sendo que a justificativa para executar o experimento é a comprovaçao da teoria já estudada, o que vai de encontro com os objetivos de intençao de uma aula experimental.

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar um experimento com a proposta de uma abordagem investigativa para discutir conceitos de química e apresentar a técnica da espectrometria de massas a alunos de graduaçao. Para tanto, os conceitos serao explorados através da análise de óleo de soja e adulteraçao em azeite de oliva.

Proposta

O objetivo da aula experimental nao seria apenas introduzir conceitos sobre a MS utilizando a análise de óleos, mas sim abordar dentro da MS conceitos importantes de química, como cálculos utilizados no preparo de soluçoes, calibraçao de instrumentos volumétricos, conceitos de ácidos e bases, conceitos de oxidaçao-reduçao e saturaçao e instauraçao de cadeias carbônicas. Enfim, conceitos importantes de química, e que podem ser abordados utilizando a MS como plano de fundo, adequando o experimento aos objetivos da aula.

Todos os experimentos foram aplicados a alunos de iniciaçao científica do curso de Engenharia de Alimentos, com a possibilidade de transformar em uma aula experimental que poderia ser aplicada em aulas de Química Geral para as engenharias e aulas de Química Geral e Química Analítica para as turmas de Licenciatura em Química. Como forma de inserir os acadêmicos na problemática em questao foi proposta a situaçao problema a seguir.

Os óleos vegetais sao constituídos principalmente de estruturas lipídicas, como os triacilgliceróis (TAGs) e, em menores quantidades, por ácidos graxos livres (AGs), monoacilgliceróis (MAGs) e diagilgliceróis (DAGs), que sao formados a partir de processos de degradaçao, além de apresentarem outros componentes em pequenas quantidades, que variam de acordo com os tipos de óleos, como os esteróis, tocoferóis, fosfolipídios.13,14

O óleo de soja é um produto muito comum na cesta básica dos brasileiros, podendo ser utilizado como óleo de cozinha, produçao de margarinas, gordura vegetal, maionese, sendo que sua maior vantagem em relaçao a outros óleos é seu baixo custo de produçao e comercializaçao.15,16 Já o azeite de oliva, mesmo apresentando excelentes propriedades nutricionais, nao é tao comumente utilizado, e isso se deve ao fato de este tipo de azeite ter um elevado custo. Seu elevado valor comercial ocorre devido a uma menor produçao em relaçao a outros óleos vegetais comestíveis.17 Por ser um óleo de alto valor comercial, é comum sua adulteraçao com óleo de soja.

A principal diferença entre o azeite de oliva e o óleo de soja é a composiçao dos TAGs presentes em cada tipo de óleo. O azeite de oliva apresenta em sua maioria uma composiçao em ácidos graxos formada por ácido oleico (55 a 83%), ácido linoleico (3,5-21,0%), palmítico (7,5-20%), esteárico (0,5-5%) e palmitoleico (0,3-3,5%),14 enquanto que no óleo de soja os TAGs em maior abundancia sao formados pelos AGs: ácido linoleico (49,7-56,9%), ácido oleico (17,7-26,0%), ácido palmítico (9,9-12,2%), ácido linolênico (5,5 -9,5%) e ácido esteárico (3,0-5,4%). A diferença no grau de saturaçao dos ácidos graxos que constituem o TAG é o que vai caracterizar a qualidade deste óleo, e a composiçao dos TAGs é que vai diferenciar as massas e qualificar cada um desses óleos.17

Existem diversas marcas no mercado que apresentam faixas de preço bastante distintas, causando duvidas no consumidor, se realmente a qualidade do produto é proporcional ao preço do mesmo. Considerando que os principais componentes dos óleos em AGs sao o ácido linoleico (óleo de soja) e o ácido oleico (azeite de oliva), entao surgem os questionamentos. Seria possível determinar a abundância de cada um desses compostos presentes nas amostras comerciais? Esses compostos podem ser utilizados como um indicativo que pode estar relacionado com a qualidade do produto?

A partir da problemática, sugere-se que os alunos levantem hipóteses de como seria possível fazer tal determinaçao. Com base nas hipóteses apresentadas, incentiva-se que sejam discutidos alguns critérios de diferenciaçao entre os produtos citados (óleo de soja e azeite de oliva) indicando a possibilidade de diferenciá-los por meio da identificaçao do principal componente de cada um deles, linoleico para o óleo de soja e o oleico para o azeite de oliva. Menciona-se, entao, que existe uma técnica que é capaz de diferenciar tais substâncias por meio de suas massas moleculares, a espectrometria de massas.

Na sequência devem ser apresentados aos acadêmicos aspectos básicos da espectrometria de massas e também alguns espectros de massas simples. Deve-se entao discutir como fazer a leitura desses espectros, bem como o significado físico dos "sinais" presentes no espectro de massas. Deve-se também apresentar as partes do equipamento, e dar ênfase à fonte de ionizaçao utilizada, por se tratar de uma importante parte no espectrômetro de massas.

Uma das fontes de ionizaçao mais utilizadas é a Ionizaçao por electrospray (ESI).18-20 Nesse tipo de fonte de ionizaçao, a funçao do electospray é criar pequenas gotas do solvente contendo as moléculas (algumas ionizadas outras nao), em um processo chamado de nebulizaçao. Após a nebulizaçao da amostra, o solvente é removido pelo gás de dessolvataçao, que age na superfície das gotas, evaporando o solvente e tornando as gotas menores, os íons formados que estao na superfície das pequenas gotas "saltam" para fase gasosa (mecanismo da evaporaçao de ions), ou entao através de clivagens sucessivas das pequenas gotas chegam à fase gasosa (mecanismo do resíduo carregado). Finalmente, os íons sao conduzidos para o analisador de massas (que mede as massas) através de diferenças de potencial atrativo e os mesmos, depois da análise, sao detectados suas abundâncias sao medidas.21

Na fonte de ESI podem ser gerados íons moleculares, moléculas protonadas/desprotonadas e moléculas cationizadas ou anionizadas. Para que se entenda a forma predominante, devem-se levar em conta os processos ocorridos no interior do capilar: reaçoes de oxidaçao-reduçao produzem íons moleculares (M+•, M+) ou (M-•, M-); já reaçoes ácido/base resultam na formaçao de moléculas protonadas [M+H]+ ou desprotonadas [M-H]-. E os chamados adutos de Sódio e Potássio, que sao devido à coordenaçao das moléculas do analito com cátions (geralmente os da família 1A) que leva à formaçao de moléculas cationizadas ([M+Na]+, [M+K]+, ou ânions (principalmente cloretos), que leva à formaçao de moléculas anionizadas [M+Cl]-).22

Após esta etapa, iniciou-se a parte experimental, na qual foram analisadas algumas amostras de óleos e azeites: 1 amostra de óleo de soja, 2 amostras de azeite de oliva, sendo uma de maior valor comercial e outra de menor valor, além de amostras adulteradas de azeite de oliva com óleo de soja, preparados no laboratório, com o objetivo de encontrar um perfil de adulteraçao.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Materiais

Foram utilizadas vidrarias comuns a laboratórios de química, como balao volumétrico, béqueres, provetas e micropipeta volumétrica. Para a solubilizaçao das amostras utilizou-se um ultrassom (Ultracleaner 1400, Indaiatuba, Brasil) e um agitador de tubos tipo vortex (Fisaton, Perdizes, Brasil).

Para as análises foram utilizados um espectrômetro de massas Quatro Premier XE triplo quadrupolo (Waters Corporation, Milford, MA, USA) e o software MassLynx (Waters Corporation, Milford, MA, USA). As análises foram realizadas em modo de análise de íons positivos, com injeçao de 5 μL de amostra, na vazao de 0,20 mL min-1 operando com voltagem do capilar a 3,5 kV e a do cone a 50 V. A temperatura da fonte e de dessolvataçao a 110 ºC e a 400 ºC, respectivamente, fluxo do gás do cone 0 L h-1 e fluxo do gás de dessolvataçao 300 L h-1.

Metanol obtido da Vetec Sigma-Aldrich (Duque de Caxias, RJ), ácido fórmico, do inglês, formic acid (FA), ácido trifluoroacético, do inglês, trifluoracetic acid (TFA) e éter 18-coroa-6 obtidos da Merck (Darmstadt, Germany). A água utilizada nos experimentos foi purificada utilizando sistema Milli-Q da Millipore (Bedford, MA, USA).

As amostras de óleo e de azeite de oliva foram compradas nos mercados locais. As amostras de azeite de oliva adulteradas com óleo de soja foram produzidas no laboratório na proporçao de 50:50 (v/v) azeite de oliva:óleo de soja.

 

MÉTODOS

Soluçao estoque de 18-coroa-6

A soluçao foi preparada pesando 0,0339 g do éter 18-coroa-6 e solubilizando-o em 50 mL de metanol, com concentraçao final do éter de 0,68 mg mL-1. A soluçao foi estocada protegida da luz em temperatura de 0 ºC para posterior utilizaçao.

Soluçao transportadora

Em um balao de 100 mL adicionou-se 5 mL da soluçao estoque do éter 18-coroa-6 e completou-se o volume com metanol preparado com TFA na concentraçao de 0,1% (v/v), chegando na concentraçao final de éter 18-coroa-6 0,034 mg mL-1. Soluçao preparada para análise em modo positivo (DI-ESI(+)-MS).

Soluçao estoque de óleo

25,0 μL de uma amostra de óleo foram homogeneizados juntamente com 10 mL de metanol em um balao volumétrico e deixados em banho de ultrassom por 20 min para a solubilizaçao dos triacilgliceróis.

Preparo das soluçoes para análise

A soluçao a ser injetada foi preparada em um tubo tipo eppendorf de 2 mL, utilizando 50,0 μL da soluçao estoque de óleo ou de azeite em 1950,0 μL da soluçao transportadora.

 

RESULTADOS E DISCUSSOES

Para que os alunos pudessem compreender as análises, escolheu-se um sinal, referente a um TAG presente no óleo de soja para identificaçao deste óleo (triacilglicerol composto por 3 ácidos graxos linoleicos, m/z 879) Figura 1, e um TAG específico para identificaçao do azeite de oliva (triacilglicerol composto por 3 ácidos graxos oleicos, m/z 885) Figura 2.

 


Figura 1. Estrutura do triacilglicerol característico de m/z 879 - LLL (L=Linoleico), o qual aparece com mais abundância no óleo de soja

 

 


Figura 2. Estrutura do triacilglicerol característico de m/z 885 - OOO (O=Oleico) o qual aparece com mais abundância no óleo de oliva

 

O primeiro experimento apresentado aos alunos teve como objetivo mostrar a necessidade de acidificar a amostra quando se trabalha no modo positivo por ESI, para que a molécula a ser analisada seja protonada, obtendo assim um cátion [M+H]+. A força dos ácidos influencia no mecanismo de protonaçao das moléculas, para que isto ficasse evidenciado, foram preparadas e injetadas duas amostras de óleo de soja: uma preparada em meio FA (ácido mais fraco) e a outra amostra preparada em meio TAF (ácido mais forte) como mostrado na Figura 3a e 3b. Na presença de um ácido mais fraco, Figura 3a, o TAG de interesse (LLL) tem seu sinal distribuído entre moléculas protonadas [M+H]+ (m/z 879), sodiadas [M+Na]+ (m/z 901) e potassiadas [M+K]+ (m/z 917). Na presença do ácido mais forte, Figura 3b, observou-se que os íons com m/z 879 tiveram um aumento do sinal em relaçao aos íons de m/z 901 e m/z 917, mostrando que a protonaçao com ácido mais forte é também mais eficiente.

 


Figura 3. Espectros resultantes dos testes com Oleo de soja em a) Acido Fórmico 0,1 % em metanol, b) Acido Trifluoracético 0,1% em metanol c) Acido Trifluoracético 0,1% e Éter18-coroa-6 (2,6 mmol/l ) em metanol

 

Mesmo com o ácido mais forte sendo mais eficiente, observa-se no espectro de massas a presença de adutos de Na+ m/z 901 (LLL) dos íons [M+Na]+ e adutos de K+ de m/z 917 (LLL) dos íons [M+K]+, que fazem com que o sinal referente de m/z 879 (LLL) dos íons [M+H]+ se torne menor. Para diminuir ainda mais a divisao de íons entre espécies protonadas, sodiadas e potassiadas, adicionou-se o éter 18-coroa-6, que por ser um agente quelante, se coordena aos metais (Na+ e K+) fazendo com que os sinais referentes a [M+Na]+ e [M+K]+ diminuam consideravelmente, com consequente aumento do sinal do analito de m/z 879 [M+H]+, como mostra a Figura 3c. Esses resultados indicam que o uso do éter melhora a análise através da coordenaçao com os íons metálicos presentes na soluçao. Com isso a molécula protonada será a única forma da molécula no modo positivo, melhorando o sinal analítico.23

Na Figura 4 estao apresentados espectros de massas das amostras de a) azeite de oliva de marca conceituada e b) óleo de soja, em que se avaliou a faixa de m/z 830 a m/z 930, faixa escolhida de acordo com os íons de TAGs, sendo que os principais TAGs avaliados na diferenciaçao desses óleos sao os com m/z 885 - OOO (O-Oleico), o qual aparece com mais abundância no azeite de oliva, e o TAG com m/z 879 - LLL (L-Linolêico), que apresenta-se em maior concentraçao no óleo de soja. As estruturas dos ácidos graxos sao apresentadas nas Figuras 1 e 2, respectivamente.

 


Figura 4. Espectros de massas do azeite de oliva de marca conceituada (a) e óleo de soja (b)

 

Na Figura 4, podemos identificar as similaridades e diferenças entre os dois tipos de óleos vegetais analisados, sendo as diferenças representadas pelos íons com maior abundância m/z 885 para o azeite de oliva e m/z 879 para o óleo de soja. Essas duas massas podem ser marcadores de presença de cada óleo. Esses marcadores podem ser utilizados para identificar adulteraçao em azeite de oliva.

A Figura 5 mostra os espectros de massas de dois azeites de oliva comprados em um mercado local, a) de marca reconhecida e b) de marca inferior, além de c) soluçao azeite de oliva: óleo de soja (50:50 v/v). Quando comparamos os espectros do azeite de oliva de marca inferior 5 b) com o espectro do óleo de soja puro 4 b) e a soluçao azeite de oliva: óleo de soja (50:50 v/v) 5 c), observamos uma grande similaridade nos sinais obtidos, sendo o sinal mais abundante apresenta o íon [M+H]+ de m/z 879 que é característico de óleo de soja, isso nos leva a certeza de que este azeite de oliva de marca inferior apresenta grande quantidade de TAG-(LLL) e que ele pode sim ter sido adulterado com óleo de soja. Podemos ainda inferir que o azeite de oliva de marca inferior deve apresentar mais que 50% de óleo de soja, já que o cation de m/z 885 tem uma abundância menor que o azeite de oliva adulterado em laboratório (Figura 5c)) e próxima a abundância do óleo de soja puro (Figura 4b)).

 


Figura 5. Espectros de massas azeite de oliva de marca conceituada (a), azeite de oliva de marca inferior (b) e soluçao azeite de oliva: óleo de soja 50:50 v/v (c)

 

Com a análise dos espectros, os acadêmicos passam a ter contato com os resultados apresentados e, diferente da forma como geralmente se abordam os conceitos referentes à espectrometria de massas, utilizam os dados para resolver uma situaçao problema. Dessa forma os acadêmicos precisam interpretar os espectros e só assim conseguirao solucionar o problema proposto. Assim, a compreensao dos conceitos inerentes à espectrometria de massas (objetivo da disciplina) por parte dos estudantes possivelmente ocorrerá de forma mais efetiva e natural, deixando de enfatizar os aspectos de memorizaçao sobre o aparelho e suas partes e focando na aplicaçao e nos resultados.

Com relaçao a outros sinais observados no espetro dos óleos e azeites, pode-se oferecer ao aluno a Tabela 1, com massas de alguns TAGs, para que ele tente verificar quais os possíveis íons encontrados nas amostras.

 

 

Valor educacional

Um ganho com o uso de uma abordagem problematizadora, utilizando a análise de azeite de oliva possivelmente adulterado com óleo de soja por espectrometria de massas, sao os conceitos básicos de química que podem ser abordados durante toda a aula ou após os experimentos. É importante que se fale dos cálculos necessários para o preparo de soluçoes, padroes e das amostras, a calibraçao dos instrumentos como baloes e pipetas volumétricas, conceitos básicos para a experimentaçao em aulas de química.

Como as análises foram feitas todas no modo positivo, foram testados dois ácidos: FA e TFA. Aproveitando-se deste tema, pode-se trabalhar com os alunos conceitos de ácido-base, reaçoes em meio aquoso e constante de equilíbrio. E através das massas obtidas, pode-se observar de forma clara os prótons que foram adicionados às moléculas através das reaçoes ácido base.

Outro conceito que se pode trabalhar com os alunos é sobre saturaçao e instauraçao de cadeias. Os óleos analisados apresentam constituiçao dos TAGs principais com cadeias carbônicas distintas, e por isso podem ser identificados, e isso também pode ser utilizado em sala de aula enriquecendo ainda mais o conteúdo abordado com o experimento. Assim como o conceito de massa molecular, visto que se trata de um assunto que muitas vezes confunde os alunos e pode ser desmistificado analisando os espectros de massas. Enfim, com a finalidade de analisar possíveis adulteraçoes em óleo de oliva, consegue-se inserir uma grande quantidade de assuntos, sendo que o principal sao as análises por espectrometria de massas, porém, o experimento nao é o fim, e sim o início de uma construçao/consolidaçao de conhecimentos que podem ser adquiridos durante uma aula.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

Com essa atividade experimental diferenciada espera-se que os acadêmicos que cursam disciplinas de química em cursos de engenharias e, em especial, os licenciandos em Química compreendam os conceitos básicos inerentes à espectrometria de massas, e vislumbrem o amplo espectro de aplicaçoes que essa técnica apresenta. Além disso, a abordagem apresenta um viés investigativo, trazendo uma problematizaçao seguida pelo levantamento de hipóteses dos alunos para que, enfim, seja apresentada a técnica abordada como uma forma de resolver o problema proposto. Dessa forma, o acadêmico precisa avaliar os dados obtidos para concluir se pode ou nao diferenciar as amostras e como isso deve ser feito.

Para os alunos que cursam a Licenciatura, esse tipo de abordagem se torna ainda mais relevante, pois ele vivencia, enquanto aluno, uma tendência de ensino que se discute nas disciplinas específicas, porém em geral, nao se aplica em situaçoes reais de ensino. Para o professor, trata-se de um experimento simples (apenas 6 injeçoes, no máximo 30 min destinados ao preparo da amostra e 1,0 min por injeçao) que pode ser aplicado em duas aulas experimentais.

 

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