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Composição química e atividade antinociceptiva em modelo animal do óleo essencial de Myrcia rostrata DC. (myrtaceae) Chemical composition and antinociceptive activity of essential oil from Myrcia rostrata DC. (myrtaceae) in animal models |
Aline do Nascimento SilvaI,*; Horácio Freitas BomfimII; Acsa Oliveira MagalhaesI; Marilene Lopes da RochaI; Angélica Maria LuccheseII
I. Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana, 44036-900 Feira de Santana - BA, Brasil Recebido em: 18/03/2018 *e-mail: enilaans@gmail.com There are approximately 300 Myrcia DC. species in Brazil. The antimicrobial, anti-inflammatory and antinociceptive activities of some of these species have been described in the literature. The present study aimed to analyze the chemical composition and evaluate the antinociceptive activity of essential oil from fresh Myrcia rostrata DC. leaves. The oil was obtained by hydrodistillation in a Clevenger-type apparatus and chemical analysis was conducted by GC/FID and GC/MS. The acute oral toxicity and the rota rod tests were executed beforehand. The nociceptive tests (acetic acid-induced writhing, formalin and hot plate) were performed with the oil at doses of 75, 150 or 300 mg kg-1. Of the constituents identified, 95.24% were sesquiterpenes, carotol (17.68%) being the major compound. The essential oil caused no obvious signs of toxicity, nor did it affect the motor coordination of the animals. In conclusion, the animals that received the oil, especially at 300 mg kg-1, demonstrated a lower number of writhes (1.62 versus 27.88±2.75), a decrease in paw-licking time in both phases of the formalin test, and increased latency on the hot plate when compared to the control group. INTRODUÇAO A dor é uma experiência sensorial e emocional, essas características, a fazem difícil de ser definida com exatidao.1 É um processo fisiológico e protetor, uma vez que atua como um sistema de alerta associado nao somente a lesoes reais como também potenciais.2 Mesmo sendo um mecanismo de defesa natural, a persistência dos processos dolorosos, comum em portadores de artrite, câncer e doenças neurodegenerativas, requer muitas vezes uma intervençao farmacológica constituída, predominantemente, por anti-inflamatórios e analgésicos de açao periférica ou central.3-5 A família Myrtaceae é uma das mais representativas, em riqueza e abundância, nas florestas tropicais e subtropicais do globo, compreendendo entre 3.100 e 4.600 espécies distribuídas em 144 gêneros,6 alguns desses com relatos de açoes antimicrobiana in vitro7-9 e antioxidante,10 assim como antinociceptiva e anti-inflamatória em roedores, a exemplo de Campomanesia adamantium Camb.,11 Marliera tomentosa Camb.,12 Eugenia candolleana DC.,13 Eugenia caryophyllata Thunb14 e Syzygium cumini L.15 O gênero Myrcia DC. é um dos maiores da família, com mais de 300 espécies distribuídas do México até a regiao sul do Brasil.16 A literatura aponta alguns estudos envolvendo os efeitos antinociceptivo, em modelo animal, dos óleos essenciais obtidos das folhas de M. pubiflora DC.17 e M. ovata Cambess,18 entretanto, nenhum estudo foi realizado com M. rostrata DC. Assim, esse trabalho teve como objetivo analisar a composiçao química e avaliar o potencial antinociceptivo do óleo essencial de M. rostrata DC. em modelo animal.
PARTE EXPERIMENTAL Coleta As folhas de Myrcia rostrata DC. foram coletadas em janeiro de 2016 num remanescente de Floresta Ombrófila, localizado no Campus II da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), município de Alagoinhas, estado da Bahia (12º 10' 37" S e 38º 24' 35" W). Após a expediçao de coleta, o material fértil foi herborizado para a confecçao da exsicata, a qual foi depositada no Herbário do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (HUEFS) sob o número 155.923. A identificaçao taxonômica foi realizada por Aline do Nascimento Silva. Obtençao do óleo essencial O óleo essencial de M. rostrata (OEMr) foi obtido, em triplicata, por hidrodestilaçao das folhas frescas em um aparelho de Clevenger, por um período de 3 h. Em seguida, foi seco com sulfato de sódio anidro (Na2SO4), transferido para frascos de vidro âmbar e armazenado a - 22 ºC, até a realizaçao da análise química e dos testes farmacológicos. O teor de óleo essencial foi determinado pela relaçao entre o volume de óleo obtido e a biomassa vegetal livre de umidade. Análise química A análise da composiçao química foi realizada pela utilizaçao de duas técnicas: a Cromatografia em Fase Gasosa acoplada a um Detector de Ionizaçao em Chama (CG/DIC) para a quantificaçao dos constituintes e a Cromatografia de Fase Gasosa acoplada a Espectrometria de Massas (CG/EM) para a avaliaçao qualitativa dos óleos essenciais. Na análise por CG/DIC foi usado um Cromatógrafo Varian® CP-3380, equipado com DIC e coluna capilar DB5 (30 m x 0,25 mm), espessura do filme 0,25 µm, temperatura do injetor 220 ºC e do detector 240 ºC, He como gás de arraste e vazao de 1 mL min-1, programa de temperatura do forno de: 60 a 240 ºC (3 ºC.min-1), mantendo uma isoterma de 240 ºC durante 20 min. Já na análise por CG/EM foi utilizado um Cromatógrafo Shimadzu® CG-2010 acoplado a Espectrômetro de Massas CG/MS-QP 2010 Shimadzu®, coluna capilar DB-5ms (30 m x 0,25 mm), espessura do filme 0,25 µm, temperatura do injetor 220 ºC, gás de arraste He na vazao de 1 mL min-1, temperatura da interface e da fonte de ionizaçao 240 ºC, energia de ionizaçao 70 eV, corrente de ionizaçao 0,7 kV e programa de temperatura do forno: 60 a 240 ºC (3 ºC.min-1), mantendo uma isoterma de 240 ºC por 20 min. A identificaçao dos constituintes foi realizada através do cálculo do índice de Kovats e do índice Aritmético de cada um dos picos, obtidos pela co-injeçao da amostra com uma série homóloga de n-alcanos (C8 a C24), além da comparaçao com dados da literatura19 e com os espectros de massa da biblioteca do equipamento. Testes farmacológicos Animais Em todos os experimentos, com exceçao do teste de toxicidade, foram utilizados camundongos machos (Mus musculus L., 1758), jovens 3-4 meses (25-35 g), da linhagem Swiss, obtidos do Biotério Central da Universidade Estadual de Feira de Santana. Os animais foram mantidos a 22 ± 2 ºC, com ciclo claro/escuro de 12 h e livre acesso à comida e água. Duas horas antes de cada teste, foram submetidos ao jejum. Todos os procedimentos experimentais foram previamente submetidos à Comissao de Ética no Uso de Animais da Universidade Estadual de Feira de Santana e aprovados conforme protocolo número 008/2017. Avaliaçao da atividade motora na barra giratória (rota rod) Para evitar uma interpretaçao equivocada dos resultados devido a uma incapacidade natural dos animais em manter o equilíbrio e a movimentaçao na barra giratória, 24 h antes da execuçao do teste foi realizada uma pré-seleçao dos animais (sem a administraçao de substâncias) na qual foram considerados aptos a participar aqueles que permaneceram no equipamento (com velocidade de 7 r.p.m.) durante 180 s, em até três tentativas. No dia seguinte, os camundongos pré-selecionados foram divididos aleatoriamente em 5 grupos (n=8), sendo um grupo controle (os animais receberam o veículo, ou seja, soluçao salina a 0,9% com 100 µL de Tween 80 a 5% por via intraperitoneal), um grupo padrao (os animais foram tratados com diazepam Hipolabor/Sanval® na dose de 4 mg kg-1, via i.p.) e três grupos experimentais (os animais receberam as doses de 75, 150 ou 300 mg kg-1 do óleo essencial de M. rostrata diluído no veículo por via i.p.). Após a administraçao das substâncias, os camundongos foram submetidos ao teste aos 30, 60 e 120 min, para o registro do tempo de permanência na barra giratória. Teste de toxicidade oral aguda Para a realizaçao do teste de toxicidade oral aguda foram utilizados camundongos fêmeas,20 jovens (25-30 g), nulíparas e nao grávidas. Os animais foram marcados para permitir a identificaçao individual e separados em cinco grupos (n=6), sendo um controle (os camundongos receberam, por via oral, soluçao salina a 0,9% com 100 µL de Tween 80 a 5%, num volume de 0,1 mL/10 g de massa corporal) e quatro experimentais, nos quais foram administradas (v.o) as doses de 300, 500, 1000 ou 2000 mg kg-1 do óleo essencial de M. rostrata solubilizados em soluçao salina a 0,9% com 100 µL de Tween 80 a 5%, respeitando também o volume de 0,1 mL/10 g por animal. Os animais foram observados durante as quatro primeiras horas após a administraçao das substâncias, seguindo alguns dos parâmetros reunidos em um protocolo padrao,21 sendo, a posteriori, mantidos em gaiolas durante 14 dias para avaliaçao diária de sinais de toxicidade. A massa corporal de cada animal foi mensurada no primeiro, sétimo e décimo quarto dias, sendo a mesma comparada com os animais do grupo controle. Teste das contorçoes abdominais induzidas pelo ácido acético Esse teste se baseia no fato de que uma injeçao intraperitoneal do ácido acético a 0,8% provoca uma reaçao nociceptiva, caracterizada por contorçoes abdominais seguidas de extensoes dos membros posteriores.22 Para a realizaçao do experimento, cinco grupos (n=8) foram formados: o controle (animais tratados com o veículo, soluçao salina a 0,9% com 100 µL de Tween 80 a 5% via i.p.), o padrao (animais tratados com indometacina Sigma® na dose de 20 mg kg-1, via i.p.) e três grupos experimentais (animais tratados com o óleo essencial de M. rostrata nas doses de 75, 150 ou 300 mg kg-1, diluídos no veículo, por via i.p.). Após 30 minutos da administraçao das substâncias, os animais receberam uma soluçao de ácido acético a 0,8% (0,1 mL/10 g) também por via i.p, sendo a posteriori colocados, individualmente, em caixas de observaçao, para o registro do número total de contorçoes abdominais apresentadas durante 15 minutos, contados a partir dos 5 min iniciais após a injeçao do agente álgico. Teste da formalina Considerado um modelo de dor associado à lesao tecidual provocada pela injeçao de formalina (2,5% de formaldeído em soluçao salina) na pata do camundongo, esse teste segue um padrao bifásico constituído por uma fase inicial aguda (primeira fase), e um período mais prolongado (segunda fase) de atividade comportamental aumentada.23 Para a realizaçao do mesmo, cinco grupos (n=8) foram formados: o controle (os animais receberam o veículo, soluçao salina a 0,9% com 100 µL de Tween 80 a 5% via i.p.), o padrao (os animais foram tratados com indometacina Sigma® na dose de 20 mg kg-1, via i.p.) e três grupos experimentais (os animais foram tratados com o óleo essencial de M. rostrata nas doses de 75, 150 ou 300 mg kg-1, diluídos no veículo, por via i.p.). Decorridos 30 minutos da administraçao das substâncias, os animais receberam 20 µL de formalina na regiao subplantar da pata posterior direita, sendo imediatamente colocados em caixas individuais de observaçao providas de espelhos para a contagem do tempo total gasto, em segundos, em que o animal permaneceu lambendo ou mordendo a pata injetada. Tal aferiçao foi realizada entre 0 e 5 min (fase 1) e entre os 15 e 30 min (fase 2) após a injeçao do agente flogístico. Teste da placa quente (Hot plate) Esse método visa avaliar o tempo de permanência dos animais sobre uma placa metálica aquecida a uma temperatura de 54 ± 1 ºC até reagirem ao estímulo térmico com o comportamento de saltar ou lamber as patas.24 A fim de evitar uma interpretaçao equivocada dos resultados, um dia antes do experimento, os camundongos foram pré-selecionados (sem a administraçao de substâncias), sendo considerados aptos, aqueles que permaneceram na placa aquecida por mais de 10 e menos de 30 s. No dia do teste, os animais foram divididos aleatoriamente em cinco grupos (n=8), o controle (os camundongos receberam o veículo, soluçao salina a 0,9% com 100 µL de Tween 80 a 5%, via i.p.), o padrao (foi administrada morfina Cristália® na dose de 10 mg kg-1, via i.p.) e três grupos experimentais (os animais foram tratados com as doses de 75, 150 ou 300 mg kg-1 do óleo essencial de M. rostrata). Em seguida, os camundongos foram colocados, individualmente, na superfície da placa aos 30, 60, 90 e 120 minutos após a administraçao das substâncias. O intervalo decorrido entre a colocaçao do animal na placa e a ocorrência de lambida das patas ou comportamento de pular foi registrado em segundos. Um tempo de corte de 30 s foi utilizado para indicar analgesia completa e evitar lesao tecidual. Análise estatítica Os dados foram submetidos à análise de variância de uma via, seguida pelo pós teste de Dunnett. Os resultados foram representados como média ± erro padrao da média e considerados significativos quando p<0,05.
RESULTADOS E DISCUSSAO Análise do óleo essencial O óleo essencial de M. rostrata apresentou um rendimento de 0,42% (m/v), mais do que o dobro do obtido (0,2%) a partir das folhas frescas dessa mesma espécie coletadas em populaçoes nativas do Rio Grande do Sul.25 A análise da composiçao química revelou que do total dos constituintes químicos identificados (87,62%); 4,76% corresponderam a monoterpenos e 95,24% a sesquiterpenos. Dentre estes últimos, destacaram-se o dauceno (4,7%), germacreno D (5,68%), E-cariofileno (6,45%) e o germacreno B (7,28%), sendo o carotol (17,68%), o composto majoritário (Tabela 1). Esta composiçao química difere da descrita para o óleo essencial da espécie nativa do Rio Grande do Sul, com 93,3% de sesquiterpenos, tendo a-cadinol (4,6%), d-cadineno (5,7%) e óxido de cariofileno (13,1%) como constituintes majoritários,25 assim a populaçao oriunda da Bahia pode se tratar de um novo quimiotipo de M. rostrata.
A predominância de sesquiterpenos nos óleos essenciais de outras espécies de Myrcia também foi anteriormente destacada.17,26-28 Do óleo essencial de M. cuprea coletada no Pará, por exemplo, obteve-se como constituintes majoritários b-cariofileno (38,1%), germacreno D (21,8%) e germacreno B (19,5%).29 Num estudo comparativo com os óleos essenciais de diferentes espécies de Myrcia foi detectada a predominância de sesquiterpenos cíclicos, principalmente os derivados das vias de ciclizaçao do cadinano, germacrano e cariofilano.25 Por outro lado, o óleo obtido das folhas de M. ovata Cambess apresentou os monoterpenos oxigenados como a mais abundante classe de compostos, correspondendo a 91,78% do total de identificados.18 Avaliaçao da coordenaçao motora na barra giratória (rota-rod) Os camundongos tratados com as doses de 75, 150, ou 300 mg kg-1 do OEMr nao exibiram diferença estatística significativa quanto ao tempo de permanência na barra giratória, ao serem comparados com o grupo que recebeu apenas o veículo, nos três tempos avaliados (Figura 1).
Figura 1. Efeito do óleo essencial de Myrcia rostrata na coordenaçao motora dos camundongos aos 30, 60 e 120 min após a administraçao das substâncias. Resultados expressos como média ± e.p.m. **** p<0,0001 indica diferença significativa quando comparado ao grupo controle. (ANOVA seguido de Dunnett, n = 8 por grupo)
Levando em consideraçao que esse método avalia a integridade do sistema motor, permitindo a detecçao de enfraquecimento neurológico, abrangendo incoordenaçao motora e ralaxamento muscular, consequências comuns de neurotoxidade,30,31 pode-se afirmar que os constituintes químicos presentes no óleo nao interferiram na capacidade motora dos animais nem provocaram açao miorrelaxante. Como esperado, os murinos que receberam diazepam na dose de 4 mg kg-1 (i.p), droga conhecida por sua atividade depressora do SNC, tiveram seu tempo médio de permanência na barra giratória reduzido aos 60 e 120 min (46,75±5,81 s e 71,13±14,04 s, respectivamente) e de forma mais acentuada após 30 min da administraçao (26,63±13,46 s) quando comparado aos valores médios do grupo controle (T30 = 165,5; T60 = 180 e T120 = 165,4 s). Toxicidade oral aguda Os resultados indicaram que mesmo para os animais que foram tratados com a dose de 2000 mg kg-1 do OEMr nao houve sinais de toxidade evidente nem mortes durante os 14 dias de observaçao. A massa corporal dos animais no início, no sétimo dia e no final do teste, nao apresentou diferença estatística significativa na análise de variância ao nível de 5% de significância, quando comparada com o grupo controle. Teste das contorçoes abdominais induzidas pelo ácido acético Os dados exibidos na Figura 2 demonstram que o OEMr apresentou efeito de antinocicepçao bastante significativo (p<0,0001), com números de contorçoes abdominais iguais a 6,87; 1,75 e 1,62 nos grupos tratados com as doses de 75, 150 ou 300 mg kg-1, respectivamente, valores bastante reduzidos quando comparados à média do grupo controle (27,88±2,75).
Figura 2. Efeito do óleo essencial de Myrcia rostrata no teste das contorçoes abdominais induzidas pelo ácido acético. Resultados expressos como média ± e.p.m. **** p<0,0001 e comparados com o grupo controle. (ANOVA seguido de Dunnett)
A indometacina, na dose de 20 mg kg-1 (i.p.), ocasionou uma reduçao também significativa (p<0,0001) e semelhante à maior dose do óleo essencial, com valor médio de 1,60 ± 2,75 contorçoes. A análise de variância também revelou que nao houve diferença estatística entre os tratamentos entre si, tampouco entre os tratamentos e a indometacina, num intervalo de confiança de 95%. A literatura descreve que a dor inflamatória está intimamente relacionada à ativaçao de nociceptores polimodais sensíveis tanto à prótons (a exemplo dos canais iônicos sensíveis à ácido, conhecidos pela sigla em inglês ASICs), quanto à bradicinina, prostaglandina e citocinas.32,33 Sabe-se que tal estimulaçao segue pela via aferente (mediada por fibras tipo C) até os impulsos atingirem o SNC.18 Alguns autores consideram a resposta nociceptiva mediada pelo ácido acético como inespecífica e de baixa seletividade, ademais tanto drogas de açao central quanto periférica podem atuar inibindo o número de contorçoes, assim como anti-histamínicos e anti-colinérgicos,34,35 o que de certa forma dificulta eleger determinada substância como analgésica sem que testes com modelos mais específicos, a exemplo do teste da formalina, sejam realizados. Além disso, seria pretensioso atribuir a proeminente açao do OEMr na reduçao do número de contorçoes abdominais à inibiçao de substâncias endógenas que atuam no estímulo de fibras nervosas associadas à nocicepçao, ao bloqueio dos nociceptores ASICs ou à via dos prostanoides pela inibiçao da COX (mecanismo pelo qual a indometacina atua), sem que testes mais específicos fossem realizados. Teste da formalina O OEMr nas doses de 150 e 300 mg kg-1 reduziu de forma significativa o tempo de lambidas e mordidas na pata dos animais, na fase 1 (neurogênica), com valores de 26,88 e 21,5±8,3 s, respectivamente, quando comparado ao grupo controle (55,88 s). Na fase 2 (inflamatória), as três doses foram capazes de inibir o tempo total gasto em lambidas com valores de 18,13; 9,75 e 4,75±12,75 s, respectivamente (Figura 3), quando comparadas aos animais do grupo controle (64,75 s). Vale ressaltar que nao houve diferença estatística significativa entre os grupos tratados com o óleo e o grupo tratado com a indometacina na dose de 20 mg kg-1 (tempo de lambida de 20,13 s).
Figura 3. Efeito do óleo essencial de Myrcia rostrata no teste da formalina. Resultados expressos como média ± e.p.m. ns = nao significativo; ** p<0,01; *** p<0,001. (ANOVA seguido de Dunnett)
A inibiçao no tempo de lambida, na fase neurogênica, evidenciada nos grupos que receberam as doses de 150 e 300 mg kg-1 do OEMr corrobora os resultados obtidos no teste das contorçoes abdominais induzidas pelo ácido acético. É provável que a açao do óleo esteja relacionada à inibiçao química direta de fibras aferentes nociceptivas, que podem ser suprimidas por analgésicos opioides como a morfina,36 isso pode ser comprovado mediante a realizaçao de experimentos com modelos que utilizem antagonistas de receptores µ-opioides como a naloxona. A segunda fase do teste da formalina está relacionada à liberaçao de mediadores da inflamaçao, e dessa forma, a maioria dos anti-inflamatórios nao esteroides (AINEs), a exemplo do ácido acetilsalicílico, da indometacina e do naproxeno atua minimizando o tempo de lambida e/ou mordidas.32,37 Vale ressaltar que na fase inflamatória, o óleo essencial de M. rostrata exibiu resultados significativos nas três doses, com destaque para a de 300 mg kg-1, que reduziu em 13,63 vezes o tempo de lambida da pata quando comparado ao grupo controle. Em síntese, o teste da formalina reproduz um modelo mais válido de dor clínica quando comparado aos que levam em conta estímulos térmicos por exemplo,38 especialmente, por seguir um padrao bifásico.23 Partindo dessa premissa, sua utilizaçao pode auxiliar na detecçao de drogas com açoes tanto analgésicas, sejam estas de açao periférica ou central, quanto anti-inflamatórias. Placa quente (Hot plate) Os resultados obtidos demonstraram que o OEMr, após 30 min da sua administraçao (Figura 4), promoveu um aumento da latência em resposta ao estímulo térmico, quando comparado ao grupo controle (T30: 11 s) com destaque para as doses de 150 e 300 mg kg-1 (T30: 75 mg kg-1 18,75; 150 mg kg-1, 23,38 e 300 mg kg-1, 25,5±2,8 s).
Figura 4. Efeito do óleo essencial de Myrcia rostrata no teste da placa quente avaliado aos 30, 60, 90, 120 e 240 min após a administraçao das substâncias. Resultados expressos como média ± e.p.m e comparados com o grupo controle. ns = nao significativo; * p<0,05; ** p<0,01; *** p<0,001; **** p<0,0001. (ANOVA seguido de Dunnett)
Aos 60 min, o mesmo efeito foi mantido em relaçao ao controle (T60: 14,25 s), com tempos de latência de (T60: 75 mg kg-1, 18,38; 150 mg kg-1, 22,75 e 300 mg kg-1, 26,75±2,19 s). Aos 90 min, nao houve diferença estatística significativa entre os tratamentos e a morfina e aos 120 min o aumento da latência persistiu em relaçao ao controle (T120: 14,1 s) para a dose de 300 mg kg-1 (T120: 26,5±3,5 s), sendo inclusive superior (p<0,01) ao da morfina na dose de 10 mg kg-1 (T120: 22,75±3,5 s). Os animais que receberam a dose de 300 mg kg-1 tiveram um aumento na latência aos 30 min duas vezes maior do que os do grupo controle. Aos 120 min, nao se observou diferença estatística significativa entre os animais tratados com a morfina e os que receberam apenas o veículo, entretanto, o grupo tratado com a maior dose do óleo essencial apresentou uma resposta 1,87 vezes maior do que o controle. Aos 240 min, nenhum dos tratamentos apresentou diferença estatística significativa em relaçao ao grupo controle, o que provavelmente está relacionado ao clearance das substâncias, inclusive da morfina. Outros óleos de Myrcia foram avaliados nesse modelo, a exemplo do óleo essencial de M. publiflora, constituído majoritariamente por óxido de cariofileno (22,2%), mustacona (11,3%), 1,8-cineol (5,4%) e tricicleno (5,3%), o qual foi ineficaz na inibiçao do tempo de reaçao dos animais ao estímulo térmico nas doses de 25, 50 e 100 mg kg-1.17 Sabe-se que as fibras C e Ad tipo II sao estimuladas após a ativaçao de receptores vaniloides, especialmente os do tipo TRPV-1 quando submetidos a temperaturas entre 45 e 53 ºC.39,40 Levando em consideraçao que os animais sao expostos à superfície do equipamento aquecida aos 54 ± 1 ºC, poder-se-ia conjecturar que a açao do OEMr, principalmente na dose de 300 mg kg-1, ao aumentar o tempo de permanência dos animais sobre a placa ocorre pelo bloqueio dos receptores térmicos ou pela inibiçao do estímulo nervoso aferente. Diante de resultados tao expressivos, é notória a necessidade de posterior investigaçao do mecanismo de açao (se central ou periférico) do referido óleo essencial, seja pela utilizaçao de antagonistas de receptores µ-opioides como a naloxona, ou por intermédio de agonistas dos receptores vaniloides como o cinamaldeído ou o peróxido de hidrogênio (H2O2), tendo em vista que estudos pré-clínicos com roedores demonstraram que antagonistas de receptores catiônicos nao seletivos de potencial transitório agem inibindo tanto a nocicepçao como o processo inflamatório.41
CONCLUSAO A análise química do óleo essencial de Myrcia rostrata DC. revelou uma predominância de sesquiterpenos, com carotol, germacreno D e B, (E)-cariofileno e dauceno como constituintes majoritários, indicando se tratar de um novo quimiotipo. O OEMr nao demonstrou sinais de toxicidade de acordo com o preconizado pela OECD, nem açao depressora no SNC, uma vez que nao houve reduçao na coordenaçao motora dos animais frente aos critérios do teste rota rod. Os resultados obtidos nos testes farmacológicos evidenciaram a significativa propriedade antinociceptiva dos constituintes químicos presentes no óleo com a necessidade de realizaçao de experimentos que avaliem seu mecanismo de açao.
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